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UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ CENTRO DE LETRAS, FILOSOFIA E EDUCAÇÃO CURSO DE LETRAS – HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA A MORALIDADE DIANTE DOS FATOS COTIDIANOS Manuel Alexandre Silva Cândido SOBRAL/CE 2016 MANUEL ALEXANDRE SILVA CÂNDIDO A MORALIDADE DIANTE DOS FATOS COTIDIANOS Este trabalho é válido como requisito para a obtenção da nota da segunda avaliação da disciplina de Ética, lecionada pelo professor Sérgio Ricardo Schults, no período 2016.1 da Universidade Estadual Vale do Acaraú. Assim, as páginas seguintes trazem discussões acerca da moralidade, a partir da obra “Os Elementos da Filosofia Moral” (Capítulo 1), de James Rachels e Stuart Rachels. SOBRAL/CE 2016 A moralidade diante dos fatos cotidianos. Conjunturas históricas são bastante relevantes quando o assunto é moralidade, porque a diversidade cultural traz concepções distintas. O resultado é discussão, ao se levar em consideração o certo e o errado, conceitos variantes de cultura para cultura. É possível compreender melhor a moralidade a partir de sua etimologia, o termo que deu origem a palavra. O termo moral vem da língua latina moris e significa costumes, isto é, uso, hábito ou prática, segundo o dicionário Aurélio. Trata-se de um conjunto de valores fundamentais do comportamento, da ação e da expressão humana. Diferente das Ciências Exatas, estudar a moral não se refere a efetuação de cálculos que chegarão a uma resposta única, indiscutível e correta. Não existe uma formulação universal de como viver moralmente. Teorias diferentes circundam o estudo moral e não possuem um caráter absoluto. Em seus estudos sobre a filosofia moral, Sócrates ensina a bem pensar para bem viver. Para ele, o recurso utilizado para se alcançar a felicidade é a prática da virtude. Os indivíduos vivem em um corpo social cujas determinadas ações são restritas e violá-las pode trazer consequências negativas aos praticantes. Pense em um grupo de delinquentes que assaltam uma família, levam grande parte dos bens materiais e depois a mata. Logicamente, em todos os países do mundo, a ação do grupo resultará em uma consequência: prisão ou pena de morte, por exemplo. Esse fato diz respeito ao comportamento moral direcionado a quebra das normas sociais. A circunstância anterior é geral em qualquer lugar, haja vista a conduta que impedia a convivência harmoniosa entre a população, tirando a vida de outrem. A moralidade depende do período histórico, do modo de pensar da população da época. Em 1530, surgiu no Brasil a ideia relativa a inferioridade quanto a cor. Iniciou-se a Escravatura, tempo no qual o modo de pensar se baseava na cor e não na capacidade intelectual e na prudência. Por longo tempo os negros trabalharam e sofreram arduamente. Leis como Eusébio de Queirós, Ventre Livre e Sexagenário foram pequenas conquistas que objetivaram colocar fim na escravidão. Em 1888, com a Lei Áurea, a escravidão foi abolida. No entanto, o pensamento mesquinho de grande parte do povo não se alterou. Foram 358 anos para acabar com a escravidão, prática trabalhista irremunerada e sofrida, mas ainda hoje os reflexos do passado induzem as pessoas a serem preconceituosas. Mais uma situação sobre o viver moralmente dos indivíduos. Na época, inferiorizar os negros por causa da cor era moralmente correto e aceitável. Agora, o paradigma foi quebrado e invertido. Segunda a Lei n° 7.716, atos de discriminação, preconceito de cor, raça, etnia, procedência nacional ou religião resultam em alguma pena, argumentando que todos são iguais independente da natureza individual. O capítulo um da obra de James Rachels e Stuart Rachels é riquíssimo para a compreensão mínima de moralidade partindo da problematização dos casos de crianças portadoras de deficiência: O Bebê Theresa, Jodie e Mary e Tracy Latimer. É feito a apresentação específica da deficiência e depois o jogo de argumentos com pontos de vista que divergem. O caso do Bebê Theresa, uma criança portadora de anencefalia nascida na Flórida em 1992, conta com três argumentos com características próprias. Os país de Theresa tinham consciência que a filha morreria rápido e queriam doar os seus órgãos para outras crianças, tendo em vista a necessidade existente no tocante ao transplante de órgãos. A ideia dos pais entrou em sincronia com a do médico e estavam decididos a realizar o transplante, mas no país havia uma lei que proibia que os órgãos fossem removidos antes da morte. Os pais e o médico argumentaram o benefício que o transplante poderia trazer a outras crianças, sem prejudicar o bebê anencefálico. Sem contar que ele morreria cedo e mesmo que vivesse, sua vida não seria agradável porque ele não teria autonomia, ou seja, capacidade de pensar, sentir prazer e estabelecer relações sociais. Se cogitar, o argumento deles é forte e poderia salvar vidas. Por um lado, Theresa estava destinada a morrer e não tinha absolutamente nada que pudesse mudar o quadro dela. Por outro, ela morreria por uma causa nobre e não por sua doença. A questão é que não é possível saber o desejo do bebê, mas em uma pesquisa entre crianças de 10 anos, que já possuem a capacidade de pensar, hipoteticamente elas prefeririam a morte a uma vida sem vida. Uma vida sem expressão e sem sentimentos. Pessoas especializadas em ética, denominadas eticistas, discordaram do argumento do benefício. E por isso lançaram dois argumentos: o argumento de que nós não devemos usar as pessoas como meios e o argumento a partir da incorreção de matar. Em geral, é errado usar a pessoas como meio para salvar outras vidas. Em situação específica, como a do Bebê Theresa, a regra geral deve ser bem analisada antes de aplicada. Mas segundo os eticistas, o transplante dos órgãos seria repudiável e inaceitável. Cabe tocar na violação da autonomia, que é inerente a arte da persuasão, ou seja, convencer um indivíduo a adotar seu ponto de vista. A criança deficiente não tinha autonomia, portanto ela não poderia ser violada. É possível pensar no lugar dela e é justamente o que os país, os médicos e os eticistas fizeram. A questão geral de que matar é errado nem sempre é correta. Tudo é dependente da conjuntura, da ocasião. E a questão natural de que logo Theresa morreria é cabível para justificar o transplante. Particularmente, o argumento dos pais se faz mais eficiente, aplicável e humano. Assim como o bebê anencefálico, o caso de Jodie e Mary envolveu questões éticas e trouxe à tona pensares diferentes. Pouco mais da metade do ano 2000, numa ilha localizada ao sul da Itália, estava vindo ao mundo duas gêmeas siamesas. Elas eram conectadas pelo abdômen inferior, possuíam o mesmo coração e par de pulmões, além de terem as colunas unidas. As gêmeas morreriam dentro de seis meses caso nenhuma ação fosse concretizada. Contudo, a operação resultaria na morte de Mary e na sobrevivência de Jodie. Os país das crianças negaram a realização dos procedimentos cirúrgicos e se basearam em princípios divinos para isso. Afirmaram: “Nós acreditamos que se for a vontade de Deus que nossas duas crianças não sobrevivam, então, que seja assim. ” A rede hospitalar não concordou com a vontade dos pais e solicitou uma autorização para separar Jodie de Mary e salvar Jodie, segundo os resultados esperados após a operação. A autorização foi concedida e os resultados previstos estavam corretos. O argumento de que nós devemos salvar tanto quanto podemos e o argumento a partir da santidade da vida humana impulsionaram as discussões. As meninas eramda Itália, mas foram encaminhadas a Inglaterra. Uma pesquisa feita pelo Ladies’ Home Journal mostrou a simpatia de 78% dos entrevistados em favor a realização da operação. O argumento de salvar tanto quanto podemos se torna mais intenso dentro da perspectiva. Jodie e Mary merecem viver? Está usando Mary como meio para salvar Jodie? A primeira indagação parece ter uma resposta óbvia para muitos, em contrapartida o posicionamento dos pais expulsa o que parece óbvio e põe em questão o argumento da santidade da vida humana. Enquanto a segunda relembra o caso do Bebê Theresa, ao lembrar do transplante dos seus órgãos que poderia salvar outras crianças, mas anteciparia a sua morte. Nesse ponto, as situações dos bebês são um pouco semelhantes. E traz o argumento de que não devemos usar as pessoas como meios, segundo os eticistas. Novamente, as mortes seriam justificáveis por obedecerem três condições. 1 – O ser humano morrerá brevemente e, por conseguinte, não tem futuro. 2 – O ser humano não tem autonomia, não tem desejos, sentimentos, prazer. 3 – A morte do ser humano salvará outros e eles podem ter uma verdadeira vida, isto é, com autonomia e sentimentos. Quando obedecidas, as três condições são capazes de justificar a morte de um inocente e se tornam mais fortes do que o argumento a partir da santidade humana e o argumento de que não se deve usar as pessoas como meios, por exemplo. Com certeza, os pais de Jodie e Mary as amavam e não desejavam as suas mortes. Todavia, a fé em seus princípios se tornou mais forte do que a vontade de salvar uma das filhas. Tudo é muito complexo e desafia outras vontades. Os pais queriam que as gêmeas vivessem, mas outras vontades desafiaram o desejo de sobrevivência. Agora, o caso tratado é bem mais incomum do que os outros. Não se trata de recém- nascidos e sim de uma garota com 12 anos chamada Tracy Latimer, portadora de paralisia cerebral. Em 1993, Robert Latimer, o pai de Tracy, matou a filha com gases do cano de descarga conectado a uma picape. O pai estava convicto de que fez um favor a sua filha. Falou que não aguentava mais ver o sofrimento eterno da menina e que almejava colocar fim nisso. Determinado, o fez. A mãe sentia o mesmo que o pai e o apoiou na decisão da morte. Ela disse que ficou aliviada ao chegar em casa e encontrar a filha morta. Tracy foi diagnosticada com um cérebro de uma criança de três meses e pesava apenas dezoito quilos. O pai dela foi processado por homicídio e ficou sete anos na prisão. Naturalmente, levantaram-se inúmeros posicionamentos relativos ao caso. Afirmaram que a vida da portadora de paralisia cerebral era equivalente a qualquer outra e que nem o pai, achando que seria o melhor para a criança, tinha o direito de tirá-la. O caso de Tracy é bastante peculiar, haja vista os casos de Theresa e das gêmeas siamesas. A circunstância que engloba Tracy se trata de compaixão, misericórdia, piedade e empatia. Os pais dela não suportavam vê-la existir para sofrer. Ela poderia viver por muito tempo naquele estado. Por outro lado, Theresa, Mary e Jodie englobava duas opções que obrigatoriamente uma delas deveria ser escolhida. No tocante a Tracy, também haviam duas opções: deixá-la viver ou acabar com o sofrimento dela. Inicialmente, a opção em favor a vida venceu. Posteriormente, acumulados de angustias, um dos pais optou por matar a filha. Quais os argumentos foram postos no caso? O argumento da incorreção da discriminação contra deficientes foi usado por um próprio deficiente. Um portador de esclerose múltipla disse que sua vida não era menos valiosa do que a de ninguém e que a morte de Tracy foi causada porque ela era deficiente. Ora, o portador de deficiência falou de um modo inconveniente e impulsivo. Ele não conhecia o que Tracy sentia, as fortes dores observadas pelos pais e médicos. O fato de ele protestar a morte da menina dava um significado a sua vida, a capacidade de pensar, meditar. Enquanto a portadora nem isso tinha. As afirmações feitas foram inoportunas! Diante disso, o pai afirmou que não se tratava de preconceito, discriminação. Referia-se a tortura e dor que são produtos da deficiência dela. O pai falou dos vários procedimentos cirúrgicos feitos e planejados. Deixou claro que sua filha não tinha a mínima chance para alcançar a felicidade e que sua vida se resumia em um ciclo vicioso de sofrimento. Tracy está melhor morta, pois hipoteticamente não está sofrendo. Todavia, o argumento do pai deixa de satisfazer uma ou duas das três condições para matar seres humanos inocentes. A condição um é desobedecida ao passo que Tracy Latimer podia sobreviver por meio dos tratamentos dolorosos. A condição dois é obedecida porque a deficiente não tinha autonomia, seu cérebro era equivalente ao de uma criança de três meses. A condição três pode ou não ser obedecida. Se os órgãos de Tracy estivessem em um bom estado e pudessem ser transplantados, a condição três poderia ser obedecida e assim salvaria outras vidas. Caso contrário, não. Ainda, envolveria a autonomia, referente ao transplante, se seria certo ou errado fazê-lo. Então, novas discussões viriam. A não aplicação da prisão do Sr. Latimer poderia abrir brechas para tentarem justificar mortes. Logo, surgiu o argumento da ladeira escorregadia. Muitos intelectuais ficaram aliviados com a decisão jurídica, ao argumentarem que brechas seriam abertas se a ação do pai da garota não tivesse tido consequência. Por exemplo, se fossem matar todos que sofrem por deficiência, idade ou doenças no mundo, o percentual de morte planejada aumentaria acentuadamente. Ocorreria deslizes, por isso nomear o argumento de ladeira escorregadia. O argumento da ladeira escorregadia é um presságio. Não significa que acontecerá com certeza, ou seja, é algo que pode ou não se transformar em um fato. Faz-se necessária muita cautela a fim de analisar caso como o de Tracy Latimer. O julgamento dos lances deve contar com o máximo de imparcialidade. É ser, logo, justo. É abandonar os impulsos que movem a tomada de decisões e formulam um pensamento sob a base da emoção. Torna-se indispensável a razão como o guia da emoção. A racionalidade deve ser provida de bons argumentos imparciais. Neste instante, é cabível lembrar da teoria do Racionalismo Cartesiano, proposta pelo filósofo francês Renê Descartes no século XVII. Para ele, era essencial duvidar de todo conhecimento adquirido anteriormente. O objetivo era chegar a um conhecimento inabalável, indiscutível e inquestionável. O intelectual classificou as ideias em três grupos. As ideias adventícias são as que se originam por meio dos sentidos. As ideias factícias são aquelas surgidas na imaginação. Por fim, as ideias inatas são inerentes ao nascimento, ou seja, já se nasce com elas. A moral jamais atenderá ao preceito da razão cartesiana, pois como já supracitado, não existe uma formulação universal de como viver moralmente. Depende das heranças culturais e nitidamente se percebe que elas não são idênticas. Um conjunto distinto de regras instigam o indivíduo a se comportar nos distintos espaços do universo. É típico uma civilização criticar outra. O povo de uma acha que seu modo de viver é o correto, ao passo que o de outra o considera incorreto. Destarte, não é possível chegar a uma verdade inquestionável dentro da moral, ao considerar os conceitos distintos referentes ao correto e ao incorreto. “A coisa moralmente certa a se fazer é sempre a melhor fundamentada por argumentos. ” Em uma empresa todos os funcionários são classificados semestralmente de acordo com o seu desempenho. O gerente empresarial é quem faz a avaliação dos outros funcionários. A classificação é feita da seguinte maneira: B paraos Bons, MB para os Muito Bons, MD para os com Mal Desempenho e MF para os Muito faltosos. Cada um dos funcionários pode receber uma ou mais de uma classificação. Se mais de uma, são elas: B e MF / MB e MF / MD e MF. O gerente é grande amigo e irmão de um dos funcionários. No dia da avaliação, classificou imparcialmente os empregados. Mas quando chegou a vez de seu irmão, ele percebeu que sua classificação não seria agradável e hesitou em fazê-la conforme a justiça. O gerente estava ciente que o real conceito para o seu irmão era o de B e MF, porém optou por somente B e eliminou o MF da ficha do funcionário, a fim de evitar uma possível despedida do seu irmão pelos seus superiores. Ninguém deve obter um tratamento peculiar se não houver bons argumentos para isso. Aconteceu, na situação descrita anteriormente, um tratamento especial sem bons argumentos. Feriu-se o que se entende por imparcialidade. O gerente pôs em risco sua reputação na empresa, podendo trazer como consequência a despedida de seu irmão por faltar muito o trabalho e a despedida dele próprio por não se mostrar imparcial, cuja característica é essencial na função que ele desempenha e obviamente deve ser aplicada dentro do ambiente laboral, o que claramente não foi feito. Alguns casos são bem mais fáceis para julgá-los, prova disso é o caso que envolveu o gerente, o funcionário e a imparcialidade. Em qualquer lugar do mundo, o julgamento a ser feito dele resultará no mesmo. Até o próprio gerente sabia que o seu ato seria moralmente errado tendo em vista os argumentos. Logo, é possível ser estabelecido a concepção mínima de moralidade. Nos casos do Bebê Theresa, das gêmeas Mary, Jodie e da portadora de paralisia cerebral Tracy Latimer o julgamento se tornou bem mais complexo porque envolveu a diversidade de pensamentos que geraram a diversidade de argumentos. Ainda assim, a concepção mínima de moralidade poderia ser aplicada. Poderia ser aplicada baseando-se em boas razões, argumentos e com o apoio da imparcialidade. Portanto, trata-se de examinar a ocorrência de modo minucioso sem o risco de perder os detalhes, descartando todas as formas que são consideradas preconceituosas dentro do sistema cultural dos indivíduos. Por mais que existam muitos argumentos, sempre um deles se torna mais consistente e ganha o apoio das outras pessoas. E geralmente, a concepção mínima de moralidade encontra-se neles. REFERÊNCIAS Rachels, J. Rachels, S. Os elementos da filosofia moral. 2013. 7. ed. São Paulo: Editora AMGH. Educação, M. Filosofia Moralidade. Disponível em: <http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/filosofia/moralidade.htm> Acesso em: 20/11/2016. Folha, Direito. Princípios da impessoalidade e moralidade. Disponível em: <http://direito.folha.uol.com.br/blog/princpios-daimpessoalidade-e-moralidade> Acesso em: 20/11/2016. Net, A. Ética moral. Disponível em: <http://www.arazao.net/etica-moral.html> Acesso em: 22/11/2016 . Escola, B. A razão cartesiana. Disponível em: <http://brasilescola.uol.com.br/historiag/a- razao-cartesiana.htm> Acesso em: 23/11/2016.
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