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Santos - Releitura das financas funcionais (Tese)

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Prévia do material em texto

1 
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO 
INSTITUTO DE ECONOMIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
UMA RELEITURA DA TEORIA DAS 
FINANÇAS FUNCIONAIS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
GUSTAVO ANTÔNIO GALVÃO DOS SANTOS 
 
 
 
 
ORIENTADOR: FÁBIO N. P. DE FREITAS 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2005 
 2 
 
 
UMA RELEITURA DA TEORIA DAS 
FINANÇAS FUNCIONAIS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
GUSTAVO ANTÔNIO GALVÃO DOS SANTOS 
 
 
 
 
 
 
 
Tese apresentada ao Instituto de Economia da 
Universidade Federal do Rio de Janeiro como 
requisito parcial à obtenção do título de Doutor em 
Economia. 
 
 
ORIENTADOR: FÁBIO N. P. DE FREITAS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Universidade Federal do Rio de Janeiro 
Instituto de Economia 
Rio de Janeiro 
2005 
 3 
 
 
 
 
 
UMA RELEITURA DA TEORIA DAS 
FINANÇAS FUNCIONAIS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
GUSTAVO ANTÔNIOGALVÃO DOS SANTOS 
 
 
TERMO DE APROVAÇÃO 
 
Tese a ser defendida 31 de agosto 2005, como requisito parcial à obtenção do título de 
Doutor em Economia, junto ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio 
de Janeiro, pela Banca Examinadora formada pelos professores: 
 
 
Prof. Fábio Freitas (Orientador) 
 
 
 
Prof. Carlos Lessa 
 
 
 
Prof. Franklin Serrano 
 
 
 
Prof. Carlos Pinkusfeld Bastos 
 
 
 
Prof. Antônio Henrique Pinheiro Silveira 
 
 4 
Não sou imparcial. Sou parcial a tudo que prometa nos tirar 
desta triste rotina de oligarquias eternizadas e privilégios 
intocáveis, ou miséria eternizada e submissão intocável, e a 
esta outra triste rotina de governos de esquerda abatidos no 
nascedouro - quando não se autodestroem. E, claro, ao 
Internacional e ao Botafogo, mesmo quando não merecem. No 
Brasil, ser objetivo é quase uma forma de cumplicidade. 
Veríssimo 
 
> 
“Se a norma fundamental do discurso teórico é a adequação 
descritiva ou representativa – ou verdade – a norma 
fundamental do discurso prático é a consecução, realização ou 
satisfação dos desejos, necessidades e propósitos humanos. 
Se há razões reais (causas) para a crença ou ação, não 
devemos nos equivocar sobre elas, pois se fracassamos na 
verdade podemos igualmente fracassar na satisfação” 
(Bhaskar, 1978: 206; tradução livre baseada em Duayer e 
Medeiros, 2003). 
 
A propósito: na inauguração do governo Lula, num assomo de 
otimismo e bairrismo, elogiei todos os gaúchos do Ministério — 
Tarso, Olivio Dutra, Dilma Rouseff, Miguel Rosseto — e escrevi 
que, se desse errado, seria culpa dos paulistas. Estou 
pensando seriamente em comprar um turbante e me 
estabelecer como vidente. 
Veríssimo 
 5 
Resumo 
Esta tese objetiva adaptar a teoria das finanças funcionais para a realidade 
dos países que sofrem de restrição externa ao crescimento. No primeiro 
capítulo, será exposto a teoria das finanças funcionais tal como proposta 
por Lerner. Nas finanças funcionais, a meta de pleno emprego com 
estabilidade de preços pode ser alcançada com apenas um instrumento: 
políticas (fiscais e monetárias) para manipulação da demanda doméstica. 
No segundo capítulo, serão desenvolvidas as teorias Lernerianas da 
inflação. Nesse capítulo, indicaremos as possíveis insuficiências dessas 
teorias por desconsiderar a relação entre desvalorização cambial e inflação 
e, conseqüentemente, a restrição externa. O terceiro capítulo buscará 
propor uma explicação alternativa sobre a evolução da taxa de câmbio e o 
papel dos juros no financiamento externo. Em particular, tentaremos mostrar 
que, em economias abertas, a autonomia da política monetária é muito 
maior do que normalmente se supõe. Essa teoria será útil para a 
reformulação das finanças funcionais no capítulo seguinte. No quarto 
capítulo, será proposta uma adaptação da teoria das finanças funcionais 
para a situação de restrição externa. A versão proposta das finanças 
funcionais possuirá seis instrumentos: (1) políticas de manipulação da 
demanda doméstica, (2) políticas industriais e de competitividade externa, 
(3) políticas de administração do movimento de capitais e de indução de 
financiamento externo, (4) política de infra-estrutura, (5) política anti-
inflacionária e (6) política social. 
 
 6 
 
Glossário 
CK = saldo na conta de capitais 
DCC = déficit em conta corrente 
BP = saldo do balanço de pagamentos 
 R = variação de reservas cambiais 
AmE = saldo das amortizações dívidas de externas pagas 
DCC = déficit em conta corrente 
IDE = investimentos externos diretos líquidos 
EElp = saldo empréstimos externos de longo prazo 
tomados pelo setor privado 
EEG = empréstimos externos tomados pelo governo 
FFEcp = saldo das fontes de financiamento externo de 
curto prazo 
Rmín = compras mínimas de reservas cambiais pelo 
governo para recompor as reservas planejadas. 
 R– = compras de reservas cambais acima do mínimo 
planejado 
Amcp = Saldo das amortizações pagas da dívida externa 
de curto prazo 
 estoq. Elp = Elp – Amlp = crescimento do estoque de 
dívida externa de longo prazo 
NFE = DCC + AmE +  Rmín 
NFE = Necessidade de Financiamento Externo 
NFED = NFE - IDE 
NFED = Necessidade de Financiamento Externo de Dívida 
NFEDcp = NFED – Eelp = – (fluxo estrutural de divisas) 
NFEDcp = Necessidade de Financiamento Externo de 
Dívida de curto prazo 
Pressão cambial = NFEDcp - FFEcp 
NFE estrutural = a NFE que se espera que obter, se forem 
adotadas políticas contracionistas aceitáveis para redução 
da NFE 
NFEDcp pós-desvalorização = NFEDcp que se espera 
obter, se o câmbio for desvalorizado dentro de patamares 
aceitáveis 
 
 7 
Introdução 
 
A teoria das finanças funcionais propõe que o governo pode atingir a 
meta de pleno emprego com baixas taxas de inflação através simplesmente de 
políticas fiscais ou monetárias expansionistas e câmbio flutuante. Em países 
que sofrem restrição externa esse resultado não é possível. Os objetivos 
principais deste trabalho são: (1) mostrar porque a meta das finanças 
funcionais não é alcançável, nessas circunstâncias, com os instrumentos de 
política originalmente propostos e (2) identificar os instrumentos que tornariam 
essa meta atingível sob condições de restrição externa. 
A teoria econômica ortodoxa convencional acredita que o desemprego é, 
na pior das hipóteses, um evento fugaz. Essa teoria sofreu uma grande crise 
durante a grande depressão e manteve-se relativamente marginal por pelo 
menos três décadas. 
Nos anos 30, o alto e permanente desemprego não era apenas uma 
evidência inquestionável, ele “caía no colo” dos economistas cobrando 
soluções. No entanto, os conselhos dos economistas ortodoxos tradicionais 
não surtiam efeitos. 
Como sempre, esses só podiam dar a resposta usual: sugeriam que 
mantendo a disciplina fiscal, o que era praticamente impossível devido à 
redução da renda, em algum momento a atividade econômica iria se recuperar 
voltando ao equilíbrio. Se a proposta surtisse o efeito esperado, todos ficariam 
satisfeitos, caso contrário, a culpa seria dos governantes que não esperaram 
tempo suficiente ou não tiveram a disciplina necessária em suas contas fiscais. 
No entanto, dessa vez, o problema era muito grave para esperar que o 
mundo se adaptasse às abstrações dos economistas ortodoxos. Os governos 
da maioria os países foram obrigados a adotar soluções ad hoc contrárias a 
seus conselhos. Freqüentemente essas soluções surtiram efeitos positivos, o 
que tornava a práticapolítica cada vez mais distante da teoria econômica. 
Keynes escreveu em 1936 sua ‘Teoria Geral’, oferecendo uma 
explicação inovadora e satisfatória para a existência de desemprego. Em 
pouco tempo revolucionaria a disciplina e toda gestão de política econômica. O 
autor sugeriu que a falta de trabalho poderia ser combatida com políticas fiscais 
ou monetárias expansionistas. 
 8 
Inicialmente, apesar da grande atenção despertada, havia uma 
importante dúvida. Como operar uma política de aumento dos gastos públicos, 
se na depressão a arrecadação de impostos estava muito reduzida e não havia 
superávit público? 
Abba Lerner, no início dos anos 40, foi o primeiro a responder a essa 
pergunta e assim preencher a principal lacuna que faltava para difundir a 
revolução keynesiana. Abba Lerner buscou, antes de tudo, mostrar que não 
existiria qualquer empecilho de ordem fiscal, contábil-fiscal ou de grau de 
endividamento público que pudesse impedir a economia de alcançar o pleno 
emprego. Ele chamou essa teoria de finanças funcionais. 
Essa teoria ajudou a dar a segurança que faltava aos keynesianos em 
relação às possibilidades da política fiscal. Esses economistas puderam assim 
preparar o espírito de sua época para receber o arcabouço de gestão 
macroeconômica que ajudou a construir a chamada de era de ouro do 
capitalismo, nos 25 anos seguintes à segunda guerra mundial. 
O sucesso econômico e social sustentou um forte otimismo nos países 
industrializados. Esse otimismo transbordou as fronteiras e chegou ao terceiro 
mundo, que naqueles anos, chegou a achar que o desenvolvimento era 
possível. Essa crença ajudou a sustentar as políticas que fizeram com que o 
Brasil tivesse a mais alta taxa de crescimento do mundo. 
Hoje, a realidade brasileira é muito diferente. Vivemos uma profunda 
crise social e sem qualquer perspectiva de melhoria. O setor privado não pode 
resolver essa situação, pois só pode gerar empregos se houver demanda. 
Como nos anos 30, só o governo pode dar a resposta necessária. Essa 
proposição implica que a continuidade da crise decorre da mediocridade das 
propostas de política econômica atuais. Essas propostas, antes de tudo, 
obrigam o governo limitar os investimentos públicos e os gastos sociais ao 
mínimo, para que sejam garantidas metas contábeis-fiscais arbitrárias. 
A teoria das finanças funcionais faz falta nesses momentos. Ela poderia 
ser uma esperança. As finanças funcionais são muito coerentes com a política 
econômica que ajudou a sustentar o Estado do bem-estar social. Elas 
prometem a viabilidade do pleno emprego com baixa inflação. Se pudessem 
ser adaptadas à realidade dos países com crônica dificuldade de balanço de 
 9 
pagamentos, em particular aos países subdesenvolvidos, poderiam ser uma luz 
na escuridão contemporânea. 
Entretanto, o subdesenvolvimento não foi o objetivo de Abba Lerner ao 
formular a teoria. As finanças funcionais pareciam, na época, se assentar como 
uma luva à realidade dos países industrializados. No entanto, é uma teoria que 
encontra dificuldades para explicar certos fenômenos, como as limitações à 
política econômica nos países subdesenvolvidos e certos processos 
inflacionários. Em geral, essas dificuldades estão relacionadas com a restrição 
externa. 
Dessa forma, esta tese objetiva adaptar a teoria das finanças funcionais 
para a realidade dos países que sofrem de restrição externa ao crescimento. 
No primeiro capítulo, vamos expor a teoria das finanças funcionais tal como 
proposta por Lerner. Nas finanças funcionais, a meta de pleno emprego com 
estabilidade de preços pode ser alcançada com apenas um instrumento: 
políticas (fiscais e monetárias) para manipulação da demanda doméstica. 
No segundo capítulo, serão desenvolvidas as teorias Lernerianas da 
inflação. A inflação é fundamental para as finanças funcionais. Nessa teoria, 
para manter a inflação controlada, bastaria manter o nível de atividade no nível, 
chamado por Lerner, de baixo pleno emprego. Essa proposição possui 
limitações. Nesse capítulo, indicaremos as possíveis insuficiências dessas 
teorias por desconsiderar a relação entre desvalorização cambial e inflação e, 
conseqüentemente, a restrição externa. 
Por dar pequena atenção à restrição externa e por ter feito suas 
propostas em um momento onde o controle de capitais era generalizado, 
Lerner acabou não considerando as possíveis limitações que as taxas de juros 
poderiam sofrer em decorrência dos movimentos de capitais. 
No mundo atual, a liberdade de movimento de capitais tem sido a regra. 
Nesse sentido, convém explicar as relações econômicas nessas 
circunstâncias, ainda que elas possam não ser a política ideal. O terceiro 
capítulo buscará propor uma explicação alternativa sobre a evolução da taxa 
de câmbio e o papel dos juros para o financiamento externo sob essas 
condições. Em particular, tentaremos mostrar que, em economias abertas, a 
autonomia da política monetária é muito maior do que normalmente se supõe. 
 10 
Essa teoria será útil para a reformulação das finanças funcionais no capítulo 
seguinte. 
No quarto capítulo, será proposta uma adaptação da teoria das finanças 
funcionais para a situação de restrição externa. Sob restrição externa e com 
liberdade de movimentos de capitais os desafios enfrentados pelos governos 
são maiores. Torna-se, assim, necessário a adoção de um maior número de 
metas intermediárias e, portanto, um maior número de instrumentos. 
Dessa forma, a versão proposta das finanças funcionais possuirá seis 
instrumentos: (1) políticas de manipulação da demanda doméstica, (2) políticas 
industriais e de competitividade externa, (3) políticas de administração do 
movimento de capitais e de indução de financiamento externo, (4) política de 
infra-estrutura, (5) política anti-inflacionária e (6) política social. 
 
 
 11 
Índice 
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 7 
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 7 
1º CAPÍTULO: FINANÇAS FUNCIONAIS SEGUNDO LERNER ....................... 14 
1.1. A MOTIVAÇÃO PRIMEIRA DAS FINANÇAS FUNCIONAIS: .......................................... 14 
1.2. AS FINANÇAS SAUDÁVEIS .................................................................................... 15 
1.3. LERNER E A TEORIA DAS FINANÇAS FUNCIONAIS ................................................... 16 
1.3.1. Lições de Lerner para as finanças públicas e política econômica .............. 22 
“Lição 1: Pleno emprego, estabilidade de preços e um padrão de vida decente 
para todos são metas macroeconômicas fundamentais e é responsabilidade do 
Estado promover sua obtenção”. ........................................................................ 22 
“Lição 2: As políticas devem ser julgadas pela sua habilidade em alcançar os 
objetivos para que elas foram projetadas e não qualquer noção sobre se elas são 
“saudáveis” ou se estão em conformidade com os dogmas da economia 
tradicional”. ........................................................................................................ 23 
“Lição 3: ‘Dinheiro é uma Criatura do Estado’”. ............................................... 23 
“Lição 4: Tributação não é uma operação de financiamento”. ........................... 27 
“Lição 5: Emissão de dívida pública não é uma operação de financiamento”. .. 31 
“Lição 6: O propósito primário da tributação é influenciar o comportamento do 
público”. ............................................................................................................. 31 
“Lição 7: O propósito primário da vendade títulos de dívida pelo governo é 
regular a taxa de juros no overnight”. ................................................................ 32 
“Lição 8: A venda de títulos seguem, ao invés de preceder, os gastos do 
governo”. ............................................................................................................ 37 
“Lição 9: O ato de ‘Imprimir dinheiro’ em si mesmo não tem absolutamente 
nenhum impacto na economia”. ......................................................................... 38 
“Lição 10: Sem uma política de pleno emprego, a sociedade não pode se 
beneficiar do avanço de tecnologias poupadoras de trabalho, o que é eficiente se 
torna ineficiente. Com uma política de pleno emprego, técnicas poupadoras de 
trabalho tornam-se verdadeiramente benéficas para a sociedade”. .................... 38 
“Lição 11: Sem uma política de pleno emprego, um país pode ser prejudicado 
pelos resultados do seu saldo comercial. Com uma política de pleno emprego, 
não há necessidade de preocupação por se estar importando muito relativamente 
às exportações”. .................................................................................................. 39 
“Lição 12: São contra-produtivas as tentativas de argumentar que o déficit e a 
dívida pública não são tão grandes quanto parecem, ou que se nós os medirmos 
de forma diferente ou se mantivermos uma conta de capital [no orçamento 
público], [ver-se-ia que os montantes dessas variáveis] não são realmente tão 
ruins”. ................................................................................................................. 40 
“Lição 13: Quando há desemprego, postos de trabalho e moeda – e não recursos 
e bens – são escassos”. ....................................................................................... 41 
“Lição 14: Finanças Funcionais não é uma política, mas um arcabouço dentro do 
qual todo um conjunto de políticas pode ser conduzido”. .................................. 41 
“Lição 15: Para alcançar o [mais alto nível de] pleno emprego, gastos do 
governo podem ter que incluir criação de trabalho direto”. ............................... 42 
1.3.2. Limites aos estoques de riqueza em papéis de dívida pública? ................... 42 
CAPÍTULO 2: LIMITAÇÕES .................................................................................... 51 
 12 
2.1. TEORIAS LERNERIANAS DE INFLAÇÃO .................................................................. 55 
Conflito distributivo ................................................................................. 66 
Aspectos políticos do (baixo) pleno emprego ............................................ 70 
2.2. BALANÇO DE PAGAMENTOS E AS FINANÇAS FUNCIONAIS SEGUNDO LERNER ........ 75 
2.2.1. Restrição externa .......................................................................................... 75 
2.2.2. A visão otimista de Lerner ............................................................................ 77 
2.2.3. Câmbio e Inflação ........................................................................................ 80 
2.2.3.1. Inflação em economias abertas .............................................................. 81 
2.2.3.2. Câmbio flutuante não elimina a restrição externa ................................. 89 
2.2.3.3. Câmbio, pleno emprego e finanças funcionais ...................................... 92 
CAPÍTULO 3: CÂMBIO, JUROS E FINANCIAMENTO EXTERNO ................. 94 
3.1. TENDÊNCIAS DA TAXA DE CÂMBIO: A PRESSÃO CAMBIAL ..................................... 94 
3.2. ELEVAÇÃO DOS JUROS NÃO ELIMINA A RESTRIÇÃO EXTERNA ............................. 113 
3.2.1. A visão tradicional ..................................................................................... 114 
3.2.1.1. Juros ..................................................................................................... 114 
3.2.1.2. A opção pela paridade coberta............................................................. 117 
3.2.1.3. Mobilidade imperfeita de capitais, substituição imperfeita de ativos, 
prêmio de risco e expectativa cambiais ............................................................ 119 
3.1.2.4. Expectativas cambiais e prêmio de risco endógenos e função da curva 
BP? ................................................................................................................... 121 
3.2.1.5. Curva BP e restrição externa ............................................................... 122 
3.2.1.6. Questionamentos ................................................................................. 125 
3.2.1.7. Explicações ortodoxas ......................................................................... 126 
3.2.1.8. Juros altos para maximizar o crescimento? ......................................... 131 
3.3. UMA NOVA VISÃO: OS JUROS SÃO ALTOS PORQUE SÃO ALTOS ............................ 133 
3.3.1. Endogenidade do custo de oportunidade em moeda estrangeira .............. 133 
3.3.1.1. Bresser-Nakano ................................................................................... 136 
3.3.1.2. Cirne de Toledo ................................................................................... 141 
3.3.2. Uma Crítica à paridade juros .................................................................... 145 
3.3.2.1. introdução: Heterodoxia tradicional e paridade juros.......................... 145 
3.3.2.2. Endogenidade do custo de proteção cambial ....................................... 147 
3.3.2.3. Endogenidade do custo de proteção cambial e risco-país ................... 152 
3.4. A variação dos juros pode ser mais importante do que o diferencial ........... 154 
3.4.1. Diferencial de juros, fluxo ou estoque? .............................................. 155 
3.4.2. Taxas de juros e o financiamento externo de curto prazo .................. 159 
3.4.3. Pressão cambial e elevação dos juros ................................................. 160 
3.4.3.1. Manipular os ganhos de capital: uma oportunidade para os 
especuladores e para a política econômica ............................................... 164 
3.5. Elevação dos juros não é solução definitiva contra a pressão cambial ....... 171 
3.6. Investimento externo direto, empréstimos de longo prazo e política de 
financiamento externo .......................................................................................... 181 
3.6.1. A importância da solvência externa........................................................ 190 
3.6.2. Política cambial e creditícia .................................................................... 205 
3.6.2.1. Autonomia da política cambial ........................................................ 206 
3.6.2.2. Política cambial e crédito de longo prazo ........................................ 208 
3.6.2.2.1. Moeda forte .............................................................................. 208 
3.6.2.2.2. Taxa de juros de longo prazo mínima ...................................... 208 
3.6.2.2.3. Construção de uma moeda forte e de uma baixa taxa de juros de 
longo prazo ............................................................................................... 211 
 13 
3.6.2.2.4. Política cambial, competitividade e crescimento ..................... 213 
CAPÍTULO 4: FINANÇAS FUNCIONAIS SOB RESTRIÇÃO EXTERNA ...... 216 
4.1. POR UMA PROPOSTA DE AMPLIAÇÃO DAS FINANÇAS FUNCIONAIS ....................... 217 
4.2. A PROPOSTA ....................................................................................................... 225 
4.3. POLÍTICA ANTI-INFLACIONÁRIA .......................................................................... 239 
4.4. ADMINISTRAÇÃO DA PRESSÃO CAMBIAL ............................................................. 2444.4.1. NFEDcp, pressão cambial, juros e inflação: uma retrospectiva ............... 247 
4.4.2. Financiamento de curto prazo da NFEDcp: solução ágil mas temporária 253 
4.4.2.1. Políticas mais adequadas para financiamento de curto prazo da NFEDcp
 .......................................................................................................................... 254 
4.4.2.2. Não existe diferencial mínimo para as taxas de juros no curto prazo . 259 
4.4.2.3. Políticas ineficientes, mas potencialmente complementares em períodos 
críticos .............................................................................................................. 263 
4.4.3. Políticas de financiamento da NFEDcp com emissão de dívida pública 
externa .................................................................................................................. 266 
4.4.4. Políticas de redução da NFEDcp ............................................................... 267 
4.5. POLÍTICAS PARA DESLOCAMENTO DA RESTRIÇÃO EXTERNA................................ 270 
4.5.1. Políticas industriais e comerciais ............................................................ 272 
4.5.2. Política cambial e creditícia .................................................................... 277 
4.5.2.1. Autonomia da política cambial ........................................................ 278 
4.5.2.2. Política cambial e crédito de longo prazo ........................................ 280 
4.5.2.2.1. Moeda forte .............................................................................. 280 
4.5.2.2.2. Taxa de juros de longo prazo mínima ...................................... 281 
4.5.2.2.3. Construção de uma moeda forte e de uma baixa taxa de juros de 
longo prazo ............................................................................................... 284 
4.5.2.2.4. Política cambial, competitividade e crescimento ..................... 285 
4.6. POLÍTICA DE INFRA-ESTRUTURA ......................................................................... 288 
4.7. POLÍTICAS DE DEMANDA E EMPREGO .................................................................. 291 
4.8. POLÍTICA SOCIAL ................................................................................................ 294 
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 296 
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................ 301 
 14 
 
 1º Capítulo: Finanças Funcionais segundo 
Lerner 
Keynes: “Sugerir à City de Londres uma ação social para o bem 
público é como discutir a Origem das Espécies com um bispo, 
sessenta anos atrás. A primeira reação não é intelectual, mas 
moral. É uma ortodoxia que está em questão e, quanto mais 
persuasivo os argumentos, mais grave será a ofensa.” 
 
1.1. A motivação primeira das finanças funcionais: 
“‘Fogo’, diz o velho provérbio, ‘é um bom servo, mas um mal 
mestre’. Isto é verdade não somente para o fogo, mas para todo 
instrumento que tenha sido projetado para ajudar o homem a 
alcançar seus fins. Quando o uso de algum instrumento se torna 
habitual, as pessoas tendem a esquecer os propósitos para que 
eles foram estabelecidos, os meios usurpam o status de fins, e 
nós freqüentemente temos o próprio fim sacrificado [em 
benefício] ao meio originalmente projeto para servi-lo. (...) A 
elevação do meio a um fim pode constituir a base da tragédia do 
fanatismo ou idolatria. (...) Na economia nacional nos temos visto 
isto na elevação do mecanismo de orçamento de um instrumento 
que tinha um papel a cumprir na saúde econômica em um 
princípio de equilibrar o orçamento em cujos pés a melhor saúde 
da economia pode ser oferecida como um sacrifício [em sinal] de 
devoção” (Lerner, 1951: 342). 
 
A revolução keynesiana indicava novas esperanças para a solução dos 
graves problemas econômicos e sociais no final dos anos 30. Mas naquele 
momento ainda era uma teoria pouco difundida e muito controversa. De um 
lado, Keynes sugeria políticas fiscais mais ativas, que, por acaso, se pareciam 
com as empreendidas pelos países mais bem-sucedidos em reduzir o 
desemprego, em especial, com as políticas encampadas por Roosevelt no 
programa do New Deal. 
Entretanto, tais políticas sofriam uma forte oposição nos EUA e em 
outros lugares. Na própria academia não era fácil defender, por exemplo, 
políticas de déficit público exercidas por longos períodos. 
A política e a academia, naquela época, eram dominadas pela doutrina 
que Lerner chamou de Finanças Saudáveis. As finanças saudáveis diziam que 
os governos deveriam buscar decisivamente o equilíbrio orçamentário e 
restringir a expansão do endividamento público. Essas doutrinas certamente 
batiam de frente com as novas esperanças keynesianas. Para os keynesianos, 
era necessário saber quando, como e em que montante seria possível expandir 
 15 
os gastos públicos para induzir a economia a sair da recessão e eliminar o 
desemprego. 
Provavelmente o principal objetivo de Lerner ao construir sua teoria das 
Finanças Funcionais tenha sido mostrar quais seriam as reais limitações ao 
gasto e endividamento públicos. Esse objetivo está relacionado à escolha do 
nome dessa teoria. As Finanças Funcionais são, antes de tudo, uma crítica às 
Finanças Saudáveis. Mas não apenas uma crítica à teoria econômica ortodoxa 
em que se baseia as Finanças Saudáveis. Lerner visava criticar também a 
incoerência dos keynesianos e população em geral quando acreditam ao 
mesmo tempo nas Finanças Saudáveis e na possibilidade de desemprego 
estável. 
As finanças saudáveis só seriam uma política funcional, se fossem 
válidas as premissas ortodoxas, em particular a tendência automática e rápida 
para o pleno emprego. Se existe desemprego crônico, as finanças saudáveis 
se tornam irracionais. Entretanto, os keynesianos, e mesmo Keynes, a 
princípio, não percebiam claramente essa incoerência. Lerner completou a 
revolução keynesiana ao tornar as teorias das finanças públicas coerentes e, 
portanto, funcionais com a premissa de desemprego estável. As finanças 
funcionais são apenas o keynesianismo levado às últimas conseqüências. 
 
1.2. As Finanças Saudáveis 
“A irresponsabilidade praticada hoje, em qualquer nível de 
governo, resultará amanhã em mais impostos, em menos 
investimentos, ou em mais inflação, que é entre os impostos, 
o mais perverso, pois incide sobre os mais pobres. O governo 
não fabrica dinheiro. Esta afirmação pode parecer óbvia para 
alguns. Mas não para aqueles que administram contas públicas 
gastando mais do que arrecadam. Deixando dívidas para seus 
sucessores e assumindo compromissos que sabem, de 
antemão, não poderão honrar. É esse tipo de postura, danosa 
para o País, que vai ser coibida pela Lei de Responsabilidade 
fiscal” (Martus Tavares, 2000)
1
. 
 “A analogia pode ser usada como inspiração, não como 
argumento” (Lerner, 1951: 270). 
“Como outras ‘verdades auto-evidentes’, o axioma é aceitável 
somente enquanto alguém não pensa em questioná-lo.” (Lerner, 
1951: 344) 
 
 
1 Discurso do economista e do Ministro do Planejamento, Martus Tavares, no ato de sanção da Lei de 
Responsabilidade Fiscal, em 04 de maio de 2000. 
 16 
 
A doutrina econômica ortodoxa, onde se fundamenta toda a defesa dos 
chamados orçamentos “equilibrados”, se baseia na premissa de que a 
economia está sempre em pleno emprego ou que ela tende automaticamente e 
com a rapidez adequada para o pleno emprego. 
Dessa forma, para que seja possível o aumento dos gastos públicos é 
necessário que haja redução dos gastos privados de tal forma que os fatoresde produção que seriam utilizados na produção de bens e serviços para o setor 
privado pudessem ser usados para produzir bens e serviços para o setor 
público. A queda dos gastos privados ocorreria, mesmo que os gastos públicos 
não viessem acompanhados por aumento dos impostos. Caso o “financiamento” 
desse gasto não seja feito por meio de aumento dos impostos, a redução dos 
gastos privados ocorrerá por meio do aumento da taxa de juros ou do “imposto 
inflacionário”. Nessa perspectiva, o governo não pode aumentar o nível de 
renda de longo prazo, reduzir a taxa de juros real e diminuir a relação dívida 
pública/ base monetária. O governo, então, a não ser pela sua capacidade de 
elevar a carga tributária, seria como qualquer outro agente econômico. 
Se a economia está sempre no pleno emprego, a expansão de 
quaisquer gastos implica na redução de outros ou no aumento no volume 
trabalhado no presente e, provavelmente, uma proporcional redução no futuro. 
Nessa situação, os gastos públicos sempre implicam em dilemas (trade-offs) e 
os déficits possuem sempre um custo social. 
Lerner chamou o arcabouço argumentativo que defende a necessidade 
de orçamentos públicos com saldos nulos ou tendendo a zero de finanças 
saudáveis, em referência aos próprios expoentes da mesma, que propõem que 
seja “saudável” a manutenção de saldo nulos entre as contas de gasto e de 
receitas fiscais dos governos. 
 
1.3. Lerner e a teoria das finanças funcionais 
 
 
 17 
As Finanças Funcionais proposta originalmente por Abba Lerner é 
“meramente a consciente adoção pelo governo da responsabilidade de 
prevenção da inflação e [ do desemprego]” (Lerner, 1951: 136) 
Para se compreender os instrumentos propostos pelo autor é 
necessário, antes de tudo, reconhecer as conseqüências da liberdade e do 
monopólio estatal de emissão de moeda. 
Não há referências de economia com possibilidade de livre acesso à 
emissão de moeda na civilização ocidental. Se qualquer um pudesse produzir 
moeda homogênea a partir apenas do próprio trabalho, não haveria 
desemprego2. Entretanto, o mesmo pode não acontecer se a oferta de moeda 
é monopolizada, pelo governo, bancos ou mineradoras de ouro. 
Não há, no mundo real, garantias de que todos que queiram trabalhar 
conseguirão empregos. O emprego total depende no nível de gasto total. Mas 
nada garante que o nível de gasto total será exatamente o necessário para 
empregar todos os demandantes de postos de trabalho. O setor privado não 
pode ser responsabilizado por não realizar um volume de gasto o suficiente 
acabar com o desemprego. Dessa forma, nas sociedades modernas, “o 
desemprego surge como conseqüência quando o governo gasta muito pouco” 
(Wray: 210) 
“Porque o público necessita do dinheiro do governo (...), ele vai querer fornecer coisas para o 
governo a fim de obter ‘aquilo necessário para pagar impostos’ [aneppi]. Assim como as 
pessoas lutariam para obter peles de castor se estas fossem o [aneppi] exigido, os cidadãos 
nas economias modernas esforçam-se para obter moeda a fim de pagar os tributos. Isso 
significa que o governo pode, se assim escolher, estabelecer os termos em que a moeda pode 
ser obtida (isto é, o esforço necessário para obtê-la). Não teria sentido para o governo impor um 
tributo e depois recusar-se a oferecer a moeda necessária, pois isso poderia significar a prisão 
dos cidadãos por evasão fiscal! No mínimo, o governo terá de assegurar a oferta de um 
montante de moeda igual às obrigações tributárias a longo prazo. Na verdade, provavelmente, 
poderia, sem perigo, fornecer mais moeda que o estritamente necessário para os tributos. 
Muitos cidadãos ficariam felizes de acumular pequenas reservas de moeda extra num dado 
ano, para o caso de ser mais difícil obter moeda nos anos seguintes, e também para o caso de 
 
2 É preciso sublinhar que essa idéia nada tem em comum com a proposta ultra-liberal de propor que cada 
cidadão possa emitir sua própria moeda plenamente fiduciária. De acordo com a teoria cartalista, esse 
tipo de sistema não poderia funcionar, porque não haveria um motivo para a demanda primária de moeda 
dos diversos agentes, pois eles não cobram impostos. E se o governo aceitasse a moeda de qualquer um 
como pagamento de impostos, haveria fortes incentivos à super-emissão. E ainda que fossem criados 
mecanismos acessórios para tornar essa proposta viável, ela ainda seria concentradora de renda e 
poder, pois apenas bancos e grandes capitalistas poderiam emitir com liberdade moeda fiduciária 
confiável. Certamente os desempregados não poderiam. A moeda não seria homogênea, sua capacidade 
de manter poder de compra dependeria do seu emissor. 
 18 
perder algum dinheiro na troca. O caso ‘normal’, então, é o governo ‘incorrer em déficit’, isto é, 
fornecer mais moeda do que ele recolhe em tributos” (idem: 23). 
 
O déficit público é fundamental para atender as demandas das pessoas, 
bancos e empresas por moedas para transacionarem ou entesourarem3. Em 
uma visão de finanças funcionais, o déficit público não é necessário 
simplesmente para prover a demanda por moeda. Ele é necessário para prover 
a “demanda” por renda dos desempregados. 
Um desempregado sem patrimônio também “demanda moeda”. Mas a 
menos que a falta de emprego, bens e capacidade de pagamento não seja 
qualquer empecilho à obtenção de crédito, esse moeda só pode ser obtida 
com renda monetária. 
Os desempregados como um todo não podem por si próprios solucionar 
seus problemas, pois o que podem oferecer – trabalho – já está com a 
demanda completamente atendida. Para eles não resolve virar “camelô” ou 
fazer artesanato em casa, a demanda por esses serviços ou bens é uma fração 
relativamente estável da demanda agregada. Mas a demanda agregada não 
pode ser aumentada sensivelmente pelos próprios desempregados. 
Existe um nível de gasto na economia que gera pleno emprego. Mas, 
como mostram as teorias keynesianas em suas várias vertentes, nada garante 
que tal nível de gasto agregado possa ser alcançado automática ou 
“naturalmente”. Volumes de gasto agregados inferiores ou superiores ao 
requerido pela situação de pleno emprego podem muito bem ser estáveis ou 
mesmo ser instáveis com tendência contrária à sugerida pela macroeconomia 
ortodoxa. 
Lerner (1951: 124-5) faz questão de ressaltar que mesmo se o setor 
privado estivesse totalmente consciente da necessidade de manipulação do 
gasto agregado, não seria possível manter a economia em pleno emprego sem 
a ação pública. O interesse individual de gastar ou não gastar raramente vai 
 
3 É preciso lembrar que o déficit público não é a única forma que o governo tem para oferecer 
moeda estatal para o setor privado. Ele também pode fazer isso comprando ativos do setor 
privado, sejam eles de emissão pública ou privada. Entretanto, se o governo mantiver o superávit 
fiscal indefinidamente, acabará comprando todos os ativos do setor privado. Nesse caso, a 
economia acabaria se tornando toda estatal (para espanto dos liberais defensores do superávit 
fiscal). 
 19 
coincidir com o interesse social de manter o pleno emprego e a inflação 
controlada. Nessa situação, o governo não pode se eximir de sua 
responsabilidade com essas duas importantes demandas coletivas. “A primeira 
responsabilidade do governo (visto que ninguém mais pode assumir essa 
responsabilidade) é manter a taxa total de dispêndio no país em bens e 
serviços nem maior nem menor que a taxa que, a preços correntes, compraria 
todos os bens que é possível produzir” (Lerner, 1941; apud. Wray, 1998)4. 
As Finanças Funcionais partem do princípio de que o ajuste pelo 
governo do nível de gastosda economia torna possível a manutenção do nível 
de pleno emprego com taxas controladas de inflação. Dessa forma, a variável 
chave5 da teoria das Finanças Funcionais é o gasto agregado. Controlando o 
nível de gasto agregado, pode-se evitar simultaneamente ambos malefícios 
macroeconômicos, inflação e desemprego. 
Segundo Lerner (1951: 126), o governo possui 3 pares de instrumentos 
para ajuste do nível de gasto agregado: 
1) Comprar e vender bens 
2) Pagar transferências e tributar dinheiro dos cidadãos 
3) Emprestar e tomar emprestado dinheiro 
Esses seis instrumentos são exaustivos. “Eles incluem tudo que o 
governo pode fazer para influenciar ou compensar [faltas ou excessos em 
relação ao] nível de gasto total” (idem: 127-8). 
Todos esses instrumentos podem ser usados de forma independente. 
Não há, a priori, qualquer necessidade de complementaridade entre esses 
instrumentos. Todavia, as Finanças “Saudáveis” insistem em só pensar esses 
instrumentos de forma combinada, a partir da “idéia de que o propósito de usar 
um dos instrumentos seja tornar possível o uso de um outro instrumento, 
usualmente [quando] esse último tende a neutralizar o efeito do primeiro [sobre 
o gasto agregado]” (grifo nosso; idem: 130). 
Por exemplo, as finanças “saudáveis” supõem que a tributação prévia ou 
tomar dinheiro emprestado sejam necessários para a viabilização do gasto 
público. Mas a proposição inversa – a tributação só deve ser feita, se 
 
4 É interessante observar a forte oposição que existe entre essa noção de responsabilidade e a que está 
da Lei de Responsabilidade Fiscal e que é bem resumida no discurso de Martus Tavares citado na 
epígrafe da Introdução deste trabalho. 
5 Ou meta intermediária na terminologia de Tinbergen (1967). 
 20 
acompanhada de gasto – também pode ser sugerida pelos seus defensores. 
“Alguns escritores de finanças públicas vão tão longe a ponto de dizer que o 
único propósito legítimo da tributação é obter dinheiro para o gasto do governo 
e que a taxação por qualquer outro propósito é somente um tipo de perversão 
ou uso impróprio dos instrumentos tributários, estigmatizados [nesse caso] 
como ‘não fiscais’” (grifo nosso; idem: 130). Os defensores das finanças 
saudáveis também podem vincular à tomada de empréstimos pelo governo 
com gastos. “A noção de que a tomada de empréstimos pelo governo seja 
inflacionária, o que é muito comum, deriva da combinação de emissão de 
dívida com gastos governamentais” (idem: 132). De acordo com Lerner (idem: 
128-9), essa necessidade de pensar de forma combinada as finanças públicas 
gera confusão e distorção. 
As Finanças Funcionais propõem a utilização de alguma combinação 
dos seis instrumentos fiscais para alcançar o nível de gasto agregado que 
permita a economia manter os objetivo de pleno emprego sem afetar o objetivo 
de controle da inflação. Essa é a essência da proposta de Lerner. 
Convém destacar que, para Lerner, o grau de emprego que é possível 
atingir com essa política pode ser tanto o que o autor chama de nível de baixo 
pleno emprego, quanto o nível de alto pleno emprego. 
Lerner (1951) propõe esses dois conceitos para explicar a relação entre 
nível de gasto, emprego e inflação. O nível de alto pleno emprego é definido 
pelo ponto onde só existe o chamado desemprego friccional. O autor sugere 
que nesse ponto o número de vagas de emprego abertas é igual ao número de 
desempregados. 
O nível de baixo pleno emprego é o que interessa às finanças 
funcionais. Esse nível é determinado no ponto onde o crescimento da demanda 
por trabalhadores acabará causando inflação de salários e preços. Na verdade, 
para Lerner (1951) é possível que a economia ultrapasse o nível de baixo pleno 
emprego sem que isso implique numa espiral inflacionária. Porém, esse seria o 
máximo de emprego que se poderia atingir apenas com instrumentos atuam 
sobre os gastos domésticos. Esses conceitos serão mais profundamente 
discutidos no capítulo 2. 
Em oposição às Finanças Funcionais, tem-se em geral o fetichismo do 
orçamento “equilibrado”, proposto como objetivo primordial das Finanças 
 21 
“Saudáveis”. Apesar do fetichismo do discurso não acadêmico das finanças 
públicas convencionais, na verdade, o orçamento “equilibrado” só poderia 
mesmo ser tratado nas teorias acadêmicas como instrumento e não como fim. 
Dessa forma, o orçamento “equilibrado” se opõe como meio aos três pares de 
instrumentos fiscais citados por Lerner. A diferença conceitual fundamental 
entre as duas abordagens está na teoria da inflação. Lerner não considera que 
o orçamento equilibrado seja uma medida necessária e nem mesmo eficaz 
contra a inflação. 
Assim, podemos dizer que a teoria da inflação é também fundamental 
para a compreensão do conceito de Finanças Funcionais e afastar qualquer 
temor de que essas sejam inflacionárias. Não é demais lembrar que as 
Finanças Funcionais têm no combate à inflação um dos seus dois objetivos 
prioritários. Abandoná-la em prol do orçamento equilibrado pelo temor da 
inflação seria como “sacrificar o objetivo em benefício de um alegado meio de 
alcançar o próprio [objetivo]” (Lerner, 1951: 131). 
Como vimos, as Finanças Funcionais propõem apenas a liberdade para 
a utilização dos seis instrumentos fiscais disponíveis com os objetivos de 
alcançar o pleno emprego e a estabilidade do custo de vida. Vimos também 
que a proposta de Abba Lerner contrasta com a visão tradicional de finanças 
públicas que tem como meta o orçamento “equilibrado”, como política 
necessária de combate à inflação. Porém, a teoria que propõe a independência 
dos seis instrumentos fiscais mostra que o déficit não é nem necessário e nem 
suficiente para combater a inflação. Resumindo: 
 “Finanças Funcionais rejeitam completamente doutrinas tradicionais de “finanças 
saudáveis” e o princípio de tentar equilibrar o orçamento durante um ano solar ou qualquer 
outro período arbitrário. Em seu lugar, prescreve: primeiro o ajustamento do dispêndio total (por 
todos na economia, incluindo o governo) a fim de eliminar tanto o desemprego quanto a 
inflação, usando o dispêndio governamental quando o dispêndio total é muito baixo e a 
tributação quando o dispêndio total é muito alto; segundo, o ajustamento da quantidade de 
dinheiro e de títulos governamentais em poder do público, pela tomada de empréstimos ou 
pagamento de dívida, a fim de alcançar a taxa de juros que resulta no nível mais desejável de 
investimento; e, terceiro, a impressão, armazenamento ou destruição de moeda à medida que 
for necessário para implementar as duas primeiras partes do programa” (Wray, 1998: 41) 
 
Esses princípios são suficientes para a compreensão básica das 
Finanças Funcionais. Mas podemos ir além e conhecer mais nuances e 
possibilidades dessa teoria. 
 22 
1.3.1. Lições de Lerner para as finanças públicas e política 
econômica 
Nesta seção, pretendemos desenvolver um pouco mais profundamente 
o pensamento de Abba Lerner. Para isso, vamos nos basear no trabalho de 
Forstater (1999), que propõe 15 lições de Lerner para as finanças públicas e a 
política econômica em geral. 
“Lição 1: Pleno emprego, estabilidade de preços e um padrão de 
vida decente para todos são metas macroeconômicas fundamentais 
e é responsabilidade do Estado promover sua obtenção”. 
Essa proposição pode parecer óbvia para alguns, mas certamente não é 
para muitos, em particular para os defensores do laissez-faire. Para quem 
aceita a premissa dos “mercados perfeitos”, ou para quem considera que a 
intervenção pública tende sempre a ser desastrosa6, o Estado não deve 
assumir de forma ativa essa responsabilidade, usando plenamente os poderesde que dispõe. 
Essa divergência é especialmente grave no que tange à meta de pleno 
emprego. Os economistas ortodoxos não-keynesianos chegam ao ponto de 
questionarem até a existência de desemprego prolongado, e, às vezes, até 
mesmo a possibilidade de qualquer desemprego involuntário. O Estado não 
pode assumir a responsabilidade sobre algum problema que não existe ou que 
é apenas efêmero e auto-solucionável. 
Lerner (1941) diz que essa posição significaria eximir a coletividade de 
assumir o “volante da economia”. O pleno emprego, em particular, deveria ser 
um objetivo a ser considerado com mais seriedade. Para o autor, “os ganhos 
econômicos derivados do pleno emprego são enormes” (Lerner, 1951: 31-2). 
“Isso inclui evitar perdas permanentes na produção de bens e serviços, mas 
também custos sociais advindos de maior criminalidade, doenças, [etc]” 
(Forstater, 1999: 1). 
O pleno emprego aumenta a eficiência econômica ao permitir que os 
trabalhadores tenham confiança em procurar outros empregos em que se 
sintam mais realizados e onde possam utilizar melhor seus conhecimentos. 
 
6 Ou que seja pior inclusive que as falhas de mercado. 
 23 
“Isso frequentemente significa mover de empregos com menor produtividade 
para empregos com maior produtividade” (Lerner, 1951: 32). 
No entanto, os ganhos sociais são muito mais importantes do que os 
ganhos econômicos (Lerner, 1951: 33). Esses ganhos incluem a redução da 
discriminação na contração de trabalhadores, maior estabilidade social e 
política e maior confiança na democracia (Lerner, 1951: 31-7). 
“Lição 2: As políticas devem ser julgadas pela sua habilidade em 
alcançar os objetivos para que elas foram projetadas e não 
qualquer noção sobre se elas são “saudáveis” ou se estão em 
conformidade com os dogmas da economia tradicional”. 
Esse é explicitamente o princípio metodológico das Finanças Funcionais. 
“A idéia central é que a política fiscal do governo, seu dispêndio e tributação, sua tomada e 
amortização de empréstimos, sua emissão de nova moeda e sua retirada de moeda [do 
mercado] serão todos tratados tendo exclusivamente em vista os resultados destas ações na 
economia, e não em alguma doutrina tradicional estabelecida sobre o que é ou não saudável. 
Esse critério de julgamento somente pelos efeitos tem sido aplicado em muitos outros campos 
da atividade humana, onde ele é conhecido como o método da ciência em oposição à 
escolástica. O critério de julgamento das medidas fiscais pelo modo em que operam ou 
funcionam na economia nós podemos chamar de Finanças Funcionais (...). Isso significa que 
déficit, emissão de dívida, impressão de dinheiro etc, não são por si por próprios nem bons nem 
maus, eles são simplesmente os meios para alcançar os fins do pleno emprego e da 
estabilidade de preços” (Lerner, 1943: 354; apud Forstater, 1999: 2). 
 
A teoria das Finanças Funcionais mostra que não há inerentemente 
nada de bom ou ruim no volume de déficit, dívida pública, tributação, gastos. 
Se o volume dessas variáveis “conflitam com os princípios das ‘finanças 
saudáveis’ ou com o ‘equilíbrio’ do orçamento ou com a limitação ao 
crescimento da dívida pública, tanto pior para esses princípios” (Lerner, 1951: 
11; apud Forstater, 1999: 3). 
“Lição 3: ‘Dinheiro é uma Criatura do Estado’”. 
“De acordo com Knapp, os metalistas [e hoje os economistas 
ortodoxos] tentam ‘deduzir’ o sistema monetário ‘sem a idéia de 
um Estado’. Isso acredita ele, é um ‘absurdo’, porque ‘a moeda 
de um Estado’ é aquela que é ‘aceita nos guichês de pagamento 
dos tributos públicos’ (Knapp, 1924). É pois impossível separar a 
teoria monetária da teoria do Estado” (Wray, 1998: 43). 
 24 
“Knapp aceita como ‘moeda’ – exatamente como penso – 
qualquer coisa que o Estado se compromete a aceitar em seus 
guichês de pagamento [de tributos], seja ou não declarada de 
curso legal entre os cidadãos” (Keynes: 1930: 6-7). 
Em uma economia normal funcionando bem, o dinheiro é uma 
criatura do Estado. Sua aceitação geral, que é seu atributo 
fundamental, decorre da sua aceitação pelo Estado. (tradução 
livre; Lerner, 1947; 313, citado por Forstater, 1999). 
Defendemos que o déficit público não seja a causa da inflação, ou seja, 
que o governo pode gastar mais do que arrecada sem ultrapassar suas “metas” 
de inflação. 
Aceita essa proposição, a pergunta que imediatamente vem à cabeça é: 
“então, por que o governo cobra impostos das pessoas?”. 
A resposta mais direta possível é: o governo cobra impostos das 
pessoas para definir o que é moeda e criar a razão primária para que as 
pessoas a demandem. 
“O Estado moderno impõe e obtém pela força uma contribuição tributária 
de seus cidadãos, e, importante, escolhe ‘aquilo que é necessário para pagar 
[impostos (aneppi)]” (Wray, 1998: 22). O que ele definiu como aneppi será por 
nomeação e de fato a moeda. 
Se não houvesse impostos para pagar ou se os impostos fossem 
cobrados em mercadorias ou em outras “moedas” que não as emitidas pelo 
Banco Central, em algum tempo as pessoas iriam perceber que aqueles 
pedaços de papel assinados e garantidos por aqueles austeros e confiáveis 
presidentes de Banco Central não tinham nenhum valor, mesmo se o valor das 
receitas do governo (cobradas em outras “moedas”) fossem muitas vezes 
superiores a suas despesas. Nessa situação, uma tentativa mais generalizada 
de especulação com algum ativo transformaria o valor da moeda em pó como 
um passe de mágica. 
O mesmo não poderia acontecer com uma moeda que fosse aceita 
como pagamento de impostos. Se por acaso, as pessoas acreditarem 
realmente que o governo não pode gastar mais do que arrecada e acharem 
que os pedaços de papel denominados de dinheiro não têm valor intrínseco, 
poderão tentar especular com outro ativo antes que “todos percebam que os 
pedaços de papel não têm valor”. 
Nesse caso, a tentativa de especular com mercadorias levará muito mais 
a aumento da produção e dos impostos e menos em aumento da inflação. Se a 
 25 
especulação se concentrar em poucas mercadorias haveria aumento maiores 
nos preços delas, na verdade, seria uma mudança de preço relativo. Mas o 
impacto na inflação ficaria restrito ao peso de tais mercadorias no índice de 
preços. Se a especulação se concentrar em muitas mercadorias o impacto 
recairia quase exclusivamente sobre a produção, pelo menos enquanto a 
economia não estiver em pleno emprego. Se a especulação recair sobre um 
ativo financeiro qualquer, como ações, não haveria maiores impactos sobre a 
inflação. Apenas se a especulação recair sobre moeda estrangeira, poderia 
haver problemas sobre a taxa de inflação, mas essa relação será explicada no 
segundo capítulo. 
A moeda tem valor intrínseco, não como as mercadorias, mas como os 
direitos de propriedade. Em última instância, se ninguém confiar nela, pelo 
menos salva da prisão por sonegação aqueles que tiveram rendas monetárias 
e ainda não depositaram suas obrigações fiscais. 
O que o governo define como “aquilo necessário para pagar impostos” – 
aneppi – terá valor. Os aneppis serão demandados pelas pessoas que 
precisam pagar impostos e por aquelas que sabem que podem trocá-los por 
bens e serviços oferecidos pelas pessoas que pagam impostos e pelas outras 
pessoas que também sabem que os contribuintes demandam dinheiro etc. 
Da mesma forma, se o governo escolhe outra coisa para ser aneppi, 
essa coisa passará a ter valor, ainda que não possua qualquer valor de uso. 
Enquanto isso, a antiga moeda aos poucos perderá completamente o valor; ou, 
se for uma mercadoria com valor de uso, terá seu valor definido pelo custo de 
produção mais a margem de lucro de seus produtores. 
Provavelmente,a primeira apresentação completa dessa teoria foi 
descrita pela abordagem cartalista desenvolvida por Knapp. 
“Na abordagem cartalista, o dinheiro é uma criatura do Estado; ao menos no caso do dinheiro 
moderno, sendo difícil de ocorrer exemplos de dinheiro sem Estado. O Estado define dinheiro 
como aquilo que aceita nos guichês públicos de pagamento (principalmente em pagamento de 
tributos). Isto tem importantes implicações políticas. Uma vez que o Estado impõe um tributo 
aos seus cidadãos, pagável numa moeda sobre a qual tem um monopólio de emissão, ele pode 
influenciar o valor daquela moeda estabelecendo as condições sob as quais a população pode 
obtê-la. O governo não tem ‘necessidade’ do dinheiro do público para gastar; ao contrário, o 
público necessita do dinheiro do governo para pagar tributos. Isso significa que o governo pode 
‘comprar’ qualquer coisa que esteja à venda em termos de seu dinheiro, apenas pelo 
fornecimento desse dinheiro”. (Wray, 1998: 38). 
 
 26 
Abba Lerner seguia a abordagem cartalista, como pode ser constatado 
em seus escritos. 
“O Estado moderno pode, em geral, tornar moeda qualquer coisa que escolha aceitável como 
moeda (...). É verdade que uma simples declaração de que isto ou aquilo é moeda não 
funcionará, mesmo se apoiada pela evidência constitucional mais convincente da soberania 
absoluta do Estado. Mas, se o Estado está pretendendo aceitar a moeda proposta em 
pagamento de tributos ou de outras obrigações para consigo, a mágica está feita. Qualquer um 
que tenha obrigações para com o Estado desejará aceitar os pedaços de papel com que pode 
pagar obrigações, e todas as outras pessoas desejarão aceitar estes pedaços de papel porque 
sabem que os contribuintes, etc, por sua vez, os aceitarão” (Lerner, 1947: 313; tradução livre). 
 
Keynes também era um assumido seguidor da teoria cartalista de 
Knapp. De acordo com Keynes (1930: 3, citado por Wray, 1998: 49), a “moeda 
de conta” é o “principal conceito” de uma teoria monetária; o dinheiro de conta 
“surge junto com as dívidas que são contratos de pagamento diferido, e as 
listas de preços, que são ofertas de contratos para compra e venda”. Por sua 
vez, “o próprio dinheiro, principalmente aquele com o qual é mantido um 
estoque de poder de compra geral, deriva sua natureza das suas relações com 
a moeda-de-conta, desde que dívidas e preços tenham sido primeiro expressos 
em termos desta última” (idem). Mais adiante, esclarece a distinção entre 
dinheiro e moeda-de-conta: “moeda-de-conta é a descrição ou denominação e 
o dinheiro é aquilo que corresponde à descrição” (idem: 3-4). 
Como Knapp, Keynes defende que o Estado determina tanto o que 
serve como moeda-de-conta, quanto estabelece “a coisa” que será aceita como 
dinheiro. 
“O Estado, portanto, atua, em primeiro lugar, como a autoridade legal que obriga o pagamento 
da coisa que corresponde ao nome ou descrição nos contratos. Mas atua uma segunda vez 
quando, além disso, invoca o direito de determinar e declarar que coisa corresponde ao nome, 
e mudar sua declaração de tempos em tempos – quando, por assim dizer, ele invoca o direito 
de reeditar o dicionário. Este direito é invocado por todos os Estados modernos e vem sendo 
invocado há quatro mil anos pelo menos” (Keynes, 1930: 4; citado por Wray: 49). 
 
O Estado “invocou o direito não apenas de impor o dicionário, mas 
também de escrever o dicionário” (Keynes, 1930: 5; citado por Wray: 49-50). 
“Em resumo, com a evolução do Estado moderno, o dinheiro de conta (‘a 
descrição’) é escolhido pelo Estado, que é livre para escolher o que qualificará 
como moeda (‘a coisa’ que corresponde à descrição). Isso vai além das leis de 
curso legal – que estabelecem o que pode legalmente liquidar contratos – para 
 27 
incluir o que o Estado aceita em pagamento nos seus ‘guichês’ de pagamento” 
(Wray: 52). 
O Estado moderno escreve a descrição do que é dinheiro quando 
denomina a obrigação tributária numa moeda-de-conta. E define “a coisa” que 
corresponde à descrição quando decide que será aceita nos guichês de 
pagamento públicos (aneppi). Mas ele exerce outro papel fundamental, pois é o 
fornecedor exclusivo “da coisa”. 
Assim, não apenas o governo pode gastar mais do que arrecada, mas 
deve gastar mais do que arrecada e (em termos lógicos) gastar antes de 
arrecadar. 
“Lição 4: Tributação não é uma operação de financiamento”. 
O propósito dos tributos não é realmente financiar o dispêndio, mas 
remover renda excessiva do setor privado. Os impostos não servem para 
financiar o Estado no sentido de recolher moeda que possa ser utilizada em 
pagamentos, já que ele emite a moeda que usa em pagamentos. A importância 
primária dos impostos é: (1) definir qual a unidade ou moeda de conta (real, 
dólar etc.), (2) definir o que é o dinheiro que corresponde à unidade de conta 
(aqueles pedaços de papel com determinadas características), (3) criar a razão 
primária para a demanda por moeda nacional e (4) sustentar a razão para a 
demanda por moeda pela criação de uma “dívida” flexível, não contabilizada e 
crescente do setor privado (sob autoridade do Estado) com o Estado. É essa 
“dívida” que garantirá, em última instância, que qualquer uma expansão na 
oferta de títulos públicos decorrente de uma expansão nos gastos públicos terá 
demanda e que todo crescimento econômico puxado pelo déficit público 
(gastos) é sustentável desde que exista desemprego7, não importando qual 
seja o tamanho da dívida governamental. 
Na economia moderna, os gastos públicos não precisam ser financiados. 
Eles próprios se financiam, pois são, a priori, diretamente e imediatamente uma 
emissão monetária. Como vimos, os gastos públicos, ao contrário do que diz a 
visão tradicional, vem historicamente e logicamente antes dos impostos, pois 
as pessoas precisam de moeda para poder pagar seus impostos. 
 
7 E desde que não comprometa a capacidade de sustentação da taxa de câmbio. Essa condição será 
explicada quando estivamos tratando explicitamente de uma economia aberta. 
 28 
Ao contrário do que ressalta o pensamento tradicional, o déficit público 
não é só possível, mas também necessário. “Permanentes déficits 
governamentais consolidados são a norma teórica e prática numa economia 
moderna. Embora seja certamente possível realizar um superávit a curto prazo 
(...), isto tem efeitos sobre a renda e os balanços que desatam poderosas 
forças deflacionárias. Dadas as preferências usuais dos setor privado em 
relação à poupança líquida8, crescimento econômico requer persistentes 
déficits governamentais” (Wray, 1998: 94). 
“[A] função mais importante [do déficit público] é ser o meio através do qual o poder de compra 
não gasto em consumo, nem reciclado enquanto renda pela criação privada de capital líquido9, 
é reinjetado enquanto poder de compra pelo governo, que toma emprestado e gasta. O poder 
de compra que não é reinjetado desta maneira se torna não-compra, não-venda, não-produção, 
e desemprego” (Vickrey, 1993: 1). 
O aumento dos gastos públicos e, conseqüentemente, do déficit público 
tem como função essencial a expansão dos gastos totais da economia quando 
o nível de atividade não está suficientemente alto. Essa função é bem 
desenvolvida pela teoria das Finanças Funcionais de Abba Lerner, que será 
exposta mais à frente. 
Mas o déficit público tem também uma importante função que talvez seja 
menos conhecida. Os déficits acompanhados de emissão de moeda e mesmo 
de títulos de dívida são fontes fundamentais de provimento de liquidez e 
solvência para o sistema privado. 
O crescimento econômico sustentável exige expansão das fontes de 
liquidez. Na falta dessa, o crescimento econômico acabaria resultandoem crise 
financeira. 
Em primeiro lugar é preciso reconhecer a inviabilidade completa de 
políticas de superávit público permanente, ao menos em países que não 
operam com significativos superávits externos permanentes. 
“Se o governo fosse tentar realizar um superávit, o público descobriria que suas receitas de 
‘moeda líquida’ seriam menores do que suas obrigações tributárias, requerendo que as famílias 
recorressem a seus estoques de moeda fiduciária (acumuladas a partir do dispêndio deficitário 
governamental e de compras públicas de ativos do passado) para pagar tributos. 
Eventualmente, como é natural, os estoques se esgotariam. Finalmente, o público apresentaria 
para pagamento títulos governamentais a vencer a fim de obter moeda fiduciária com que pagar 
 
8 Poupança total menos investimento. Ou seja, superávit em conta corrente mais déficit público. 
9 Ou seja, investimento privado. 
 29 
tributos, mas, de novo, isto está limitado à parcela do estoque de dívida pendente que está por 
vencer (ela própria uma função de déficits governamentais prévios e da estrutura temporal de 
vencimento da dívida). Neste ponto, a única fonte de dinheiro de curso forçado para pagar 
tributos é um novo dispêndio governamental (déficit) ou compras governamentais de ativos” 
(Wray, 1998: 100). 
 
É, portanto, óbvio que políticas de superávit permanente são impossíveis 
se não acompanhadas de superávits externos equivalentes. Mas podemos ir 
além. Não apenas o superávit permanente é inviável, o chamado déficit público 
é de fato necessário. 
As empresas, bancos e famílias não podem aumentar indefinidamente 
seus dispêndios via redução dos seus níveis de solvência ou liquidez 
financeira. Se a liquidez atinge níveis críticos, o agente auto-restringe seus 
gastos e investimentos ou é compelido a fazê-lo pelos credores. Se parte 
significativa dos agentes se vê nessa situação, a economia entrará certamente 
em recessão. A menos que existam outra fontes de expansão da demanda 
agregada. 
Existem diversas formas de medir a liquidez. A solvência a curto prazo 
ou liquidez pode ser medida pelo saldo de tesouraria ou capital líquido10 sobre 
o passivo. 
Em uma economia fechada ou com déficit em conta corrente nulo, se o 
governo mantém um déficit público também nulo, o crescimento econômico 
tenderá a levar a uma piora nos índices médios de liquidez, porque ativos de 
curto prazo são fontes de liquidez para empresas bancos e famílias, e o setor 
privado não pode criar ativos de curto prazo sem criar também passivos11. 
Se os agentes estiverem eufóricos com algum boom econômico, as 
perspectivas para o futuro podem estar superavaliadas. Nesse caso, a piora 
nesses índices de solvência poderia não ocasionar maiores impactos 
imediatos. Porém, a tendência seria a crise financeira. 
Na verdade, é bem provável que, na maior parte das situações, os 
agentes resistam a piorar em demasia seus índices de solvência. Nesse caso, 
o desejo de poupar deverá ser em média superior ao desejo de investir. De 
 
10 Ativos de curto prazo menos passivo de curto prazo. 
11 Praticamente a única exceção seria a valorização de ações em bolsa, mas devido ao risco desse tipo 
de investimento, eles não são considerados completamente como fontes de liquidez confiáveis para os 
momentos onde a liquidez se mostra fundamental, isto é, nos momentos de crise econômica. 
 30 
fato, essa parece ser a situação mais comum, pois boa parte dos agentes tem 
naturalmente o desejo de melhorar seus índices de solvência e, não deve ser 
um equívoco supor que em média o resto dos agentes não deseja reduzi-los, a 
não ser que a capacidade de alavancagem financeira dos bancos, das famílias 
e das empresas esteja sub-aproveitada. 
Assim sendo, é muito provável que o setor privado deseje em média 
poupar mais do que deseje investir. Se o déficit público e externo forem nulos, 
essa atitude em algum momento levará necessariamente a reduções dos 
gastos privados período a período, conduzindo a economia a uma recessão. 
Dessa forma, o déficit governamental é fundamental para manter os índices de 
liquidez e solvência da economia, e consequentemente a sustentabilidade dos 
gastos privados. 
“Se o governo deixar de preencher o hiato e de atender à demanda por ativos através da 
emissão de um volume adequado de títulos, a tentativa dos indivíduos de adquirir ativos através 
do não-gasto [poupança] causará uma redução nas vendas, investimento temporário em 
estoques excedentes, cancelamento de encomendas, desemprego e redução do produto 
nacional e da renda. Isto pode ser parcialmente compensado pela elevação de valor dos ativos, 
levando a um certo volume de aumento nos gastos vindos dos ganhos de capital, mas a 
“poupança” incorporada nestes ganhos de capital não envolve a criação de capital novo ou o 
emprego de indivíduos na construção civil. A redução das taxas de juros poderia a princípio 
elevar tipos de investimento intensivos em tecnologia poupadora de trabalho, mas após o 
estímulo inicial o efeito sobre o emprego tende a ser negativo. É pouco provável que haja 
investimento ampliador de capacidade, mesmo com reduzidas taxas de juros, caso o mercado 
para o produto não exista. Existe um sério perigo de que a elevação dos preços dos ativos 
possa criar uma bolha de valores insustentável, que corre o risco de estourar desastrosamente, 
como aconteceu em 1929 após os superávits públicos dos anos anteriores. Cedo ou tarde uma 
redução na produção e na renda nacional vai acontecer, até que a redução na renda reduza a 
demanda por ativos a um nível compatível com a oferta. Reduzir o “déficit” pode reduzir a dívida 
do governo, mas reduz também a oferta de ativos que as pessoas querem adquirir para prover 
a sua necessidade de segurança. Reduzir o “déficit” não melhora a herança real deixada para o 
futuro; ao contrário, deteriora esta herança, deixando um legado de trabalhadores 
inexperientes, infra-estrutura ineficiente, e investimentos em capacidade reduzidos por causa 
da reduzida demanda pelos produtos, para não falar do impacto do desemprego quanto à 
saúde, à delinqüência e aos lares desfeitos. O “déficit” não é nem calculado numa base 
empresarial. Não faz distinção entre os itens de custeio e os da conta de capital. Se a GM, a 
AT&T e as famílias tivessem sido compelidas a “equilibrar seu orçamento” calculado da forma 
como o orçamento federal é calculado, teríamos agora muito menos automóveis, telefones, e 
casas” (Vickrey, 1993: 1).” 
 
Podemos assim concluir que os déficits públicos pela emissão de moeda 
ou mesmo de títulos de dívida são fontes fundamentais de liquidez para o setor 
privado. 
 31 
Ao contrário do que comumente se pensa, a política monetária não 
cumpre esse papel. Nas suas formas mais tradicionais essa política apenas 
troca ativos líquidos por outros, ou seja, não muda significativamente as 
condições de solvência e liquidez do setor privado. Para melhorar realmente a 
liquidez, é necessário aumentar a relação entre ativos líquidos e passivo dos 
agentes em geral. Isso significa que é preciso aumentar as rendas de uns sem 
reduzir a liquidez de outros. Apenas o déficit público, o superávit externo e uma 
aquisição líquida de ativos privados pelos bancos podem fazer isso. Nesse 
último caso, entretanto, se os bancos assim procederem, sem correspondente 
aumento do déficit público ou saldo em conta corrente, estariam piorando seus 
indicadores de solvência, pois tanto o indicador ativo/patrimônio líquido, quanto 
o indicador ativo/títulos públicos teriam se deteriorado. 
“Lição 5: Emissão de dívida pública não é uma operação de 
financiamento”. 
 “O governo só deveria tomar empréstimoem moeda se fosse 
desejável que o público devesse ter menos moeda e mais títulos 
governamentais” (Lerner, 1943: 40, citado por Wray, 1998: 95). 
Para as finanças funcionais, a emissão de títulos públicos tem a função 
de oferecer um ativo líquido remunerado como alternativa de aplicação de 
parte da riqueza do setor privado e definir sua taxa de rendimento. Essa 
política permite que o governo possa influir sobre as condições de 
financiamento e aplicação de capital, portanto, sobre as condições de 
rentabilidade do setor privado e suas disposições de gasto em consumo e 
investimento. A política monetária influencia o setor privado na medida em que 
manipula a taxa de juros. Na lição 7, será explicado como a política monetária 
determina a taxa de juros. 
 
“Lição 6: O propósito primário da tributação é influenciar o 
comportamento do público”. 
“Um interessante corolário é que a tributação nunca deve ser 
estabelecida apenas porque o governo precisa fazer 
pagamentos monetários (...) Tributação deveria, pois, ser 
imposta somente quando é desejável que os contribuintes 
 32 
tenham menos moeda para gastar” (Lerner, 1943: 40, citado por 
Wray, 1998: 95) 
 
Como vimos, a tributação tem a função de fundar e manter a demanda 
por moeda. Mas ela pode influenciar o comportamento dos cidadãos de outras 
formas. Uma das mais importantes e que é essencial para as Finanças 
Funcionais é alterar o nível de gastos privados, via redução da acumulação de 
riqueza líquida disponível dos contribuintes. 
A possibilidade de redução do poder de compra do setor privado permite 
ao governo reduzir a demanda agregada total sem ser obrigado a reduzir 
gastos públicos em volumes superiores aos desejáveis. 
A tributação também pode ser um instrumento imprescindível em 
políticas de distribuição de renda e como formas de induzir determinados tipos 
de comportamento pelo setor privado. 
 
“Lição 7: O propósito primário da venda de títulos de dívida pelo 
governo é regular a taxa de juros no overnight”. 
A primeira coisa que precisa ser compreendida sobre a política 
monetária é a importância e a função do dinheiro estatal. O dinheiro estatal é o 
objeto das reservas bancárias. Ele é constituído por papel-moeda e depósitos 
dos bancos no Banco Central. O outro tipo de dinheiro são os depósitos à vista, 
que é o dinheiro criado pelos bancos. 
Para o público não faz muita diferença entre o dinheiro estatal e os 
depósitos à vista, porém, para os bancos, há uma grande diferença. 
Normalmente as despesas dos bancos, suas aquisições de títulos de dívida 
privados e ativos em geral são supridas por emissão de cheques contra si 
próprios ou registro de novos depósitos na conta de terceiros. Assim, toda vez 
que fazem pagamentos ao público, os bancos emitem moeda. 
Para o público, os depósitos emitidos pelos bancos são moeda como 
outra qualquer. Mas para os outros bancos e para o governo não são. Há 
situações em que os bancos não podem fazer pagamentos simplesmente 
emitindo e precisam de moeda estatal. Essas situações são quando: (1) o 
público saca dinheiro do banco, (2) o banco ou o público fazem algum 
 33 
pagamento ao governo e (3) quando o público deposita o cheque do banco em 
outro banco. 
Em todas as três situações o banco é obrigado a entregar moeda 
estatal, se ele não o faz, estará sujeito a punições do banco central ou perda 
de confiança do público, que poderá levar a uma fuga de depósitos e à possível 
falência do banco. 
Dessa forma, os bancos procuram sempre por iniciativa própria manter 
um volume mínimo de reservas de moeda estatal em seus ativos para evitar 
essas situações. Esse volume mínimo é geralmente uma proporção fixa em 
relação aos depósitos do banco. Ademais, os bancos são comumente 
obrigados a manter um certo volume mínimo de depósitos no banco central em 
proporção fixa ao depósitos detidos por seus clientes. Assim forma-se o 
chamado sistema de reservas fracionárias, onde as reservas detidas pelos 
bancos são uma fração dos depósitos. A relação entre depósitos e reservas é 
chamada também de alavancagem. Como os novos empréstimos concedidos 
aumentam os depósitos, eles também aumentam a demanda por reservas para 
que seja mantida a mesma alavancagem. 
A teoria do multiplicador monetário supõe que o banco central fixa o 
volume de reservas e os bancos vão emprestando até que seus depósitos 
atinjam o nível máximo permitido pelo sistema de reservas fracionárias. 
Entretanto, não é isso o que acontece no mundo real. Os bancos sabem 
por experiência diária que, mesmo estando operando no limite da sua 
alavancagem, podem oferecer, sem grandes problemas, empréstimos a bons 
clientes às taxas fixadas pela sua política de crédito. 
Nesse caso, ao fazer isso, os bancos ultrapassariam o nível de 
alavancagem desejado. A solução é tomar pelo interbancário reservas 
emprestadas dos outros bancos. Essas reservas são uma fração do 
empréstimo concedido e geralmente pagam taxas de juros inferiores aos 
empréstimos feitos pelos bancos. Portanto, isso, a princípio, não causaria 
maiores problemas de liquidez ou rentabilidade12. 
Os bancos que tivessem reservas ociosas estariam ansiosos para 
emprestá-las a taxas superiores à remuneração dos depósitos no banco 
 
12 Desde que o banco não estivesse com exagerado descasamento de prazos entre seus ativos e 
passivos. 
 34 
central. Assim, diariamente, os bancos que concederam relativamente menos 
crédito, emprestam reservas para os que concederam relativamente mais 
crédito. 
Há, porém, um problema. Nada garante que a demanda por reservas 
será diariamente igual à oferta de reservas. Por um lado, as reservas recebem 
pouca ou nenhuma remuneração, o que faz com que os bancos desejem 
mantê-las ao mínimo. Por outro, os bancos tem que preservar esse mínimo, 
por exigência do banco central ou para se manterem confiáveis para o público 
e outros bancos. O sistema opera então sempre “no fio da navalha” e 
raramente a demanda por reservas se iguala à oferta. 
Por não emitirem a moeda estatal, os bancos dependem do banco 
central para manter seus requerimentos de reserva. Sem intervenção do banco 
central, se a demanda por reservas for superior à oferta, o sistema entraria em 
colapso. Os bancos com falta de reservas estariam buscando 
desesperadamente quem poderia oferecê-las e estariam aceitando taxas de 
juros cada vez maiores para quem pudesse emprestar seu dinheiro estatal. 
Mas não haveria ofertantes suficientes. O resultado disso poderia ser a 
insolvência do banco ou mesmo uma séria crise bancária. 
O banco central certamente não deseja uma crise bancária. Mas esse 
tipo de crise é evitado normalmente e trivialmente pelas políticas corriqueiras 
da “autoridade monetária”. 
O principal instrumento de ação do banco central sobre o nível de 
atividade, sobre a inflação, sobre o risco de crise bancária e outras variáveis 
econômicas é a taxa de juros de curto prazo. O banco central pode emitir 
moeda e vender títulos próprios ou do Tesouro em qualquer volume que quiser. 
Assim a autoridade monetária tem interesse e poder para fixar a taxa de juros. 
Faz então todo sentido que defina uma meta de taxa de juros que 
precisa ser cumprida diariamente. Se faltam reservas no sistema, os bancos 
tentam tomar emprestado no interbancário e acabam puxando as taxas de 
juros para cima. Em resposta, o banco central passa a comprar títulos públicos 
 35 
até que a demanda por reservas seja atendida e, portanto, acabe a pressão por 
aumento da taxa de juros 
13
. 
Mas pode haver também sobra de reservas. Nesse caso, não há risco 
de crise ou de elevação da taxa

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