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NOÇÕES DE IMUNOLOGIA EM MEDICINA VETERINÁRIA – APOSTILA DE ENSINO BÁSICO PARA ESTUDANTES DE GRADUAÇÃO EM MEDICINA VETERINÁRIA Silvia de Oliveira Hübner Professora de Imunologia da Faculdade de Veterinária da UFPel Colaboradores: Telmo Vidor Geferson Fischer CAPÍTULO 1 CONCEITOS FUNDAMENTAIS RESPOSTA IMUNE INATA Os animais vivem em um ambiente repleto de agentes que procuram invadir e destruir suas células e tecidos. Ainda assim, o organismo animal se organiza de tal modo que, aparentemente sem esforço, permanece saudável. A maioria das infecções, quando ocorrem nos organismos saudáveis, é de curta duração, e quase nunca causam dano permanente. Isso se deve ao sistema imunológico dos indivíduos. A eliminação do agente agressor é essencial para a sobrevivência, e para isso, é utilizada uma grande variedade de estratégias. O objetivo da imunologia é estudar os diversos mecanismos de resposta do organismo na defesa contra os agentes invasores. O termo imunidade refere-se a todos os mecanismos utilizados pelo organismo com ação protetora contra os agentes estranhos, sejam eles agentes infecciosos (bactérias, vírus, protozoários, fungos) ou não (químicos, pólen, drogas, alimentos, pêlos, por exemplo). As células e moléculas responsáveis pela imunidade constituem o sistema imunológico e a resposta após a introdução de substâncias estranhas chama-se resposta imune. Qualquer resposta imune envolve primariamente o reconhecimento do material estranho e, em segundo lugar, a elaboração de uma reação contra este, com a finalidade de eliminá-lo. O sistema imune reconhece alguns constituintes específicos, que diferem das moléculas presentes no próprio organismo. Esses componentes que são reconhecidos pelo sistema imune são chamados de antígenos (Ags). A presença do antígeno (Ag) estimula o desenvolvimento de uma resposta imune, mas essa resposta cessa uma vez que o ag seja eliminado. Imunidade ativa Imunidade ativa é a imunidade que foi adquirida devido ao contato com o Ag estranho. A imunidade induzida por um processo de imunização é chamada de imunidade ativa porque os indivíduos possuem um papel ativo na resposta ao Ag. É o que acontece após uma infecção ou procedimentos de vacinação. Imunidade passiva A imunidade também pode ser transferida de um animal para outro, transferindo-se células ou anticorpos de um animal imunizado ativamente, para outro (o animal que se deseja conferir proteção). Esta forma de imunidade é chamada de imunidade passiva. O receptor de tal imunidade torna-se imune a um determinado ag em particular, mesmo sem ter sido exposto a ele. A imunidade passiva é útil para conferir resistência rapidamente, mas a sua duração é por um período curto de tempo. Como exemplo, temos a imunidade transferida através do colostro. Resposta imune inata e adaptativa A resposta imunológica pode ser didaticamente separada em dois tipos: inata (ou também denominada inespecífica) e adaptativa (ou específica ou ainda, adquirida). A resposta imune inata é aquela que está presente desde o nascimento e está rapidamente disponível para defender o organismo dos “invasores estranhos”. A resposta inata é a primeira linha de defesa a entrar em ação, não distingue um agente de outro, e funciona basicamente da mesma forma independente do tipo de Ag. Uma vez que utiliza sistemas de reconhecimento primitivos e inespecíficos, pode reconhecer uma grande variedade de produtos microbianos. A resposta imune adaptativa surgiu mais tarde em termos evolucionários, é mais especializada do que a inata, e está presente somente nos vertebrados. É um sistema de defesa que pode reconhecer com especificidade o invasor e que atua mais rapidamente e com mais eficiência a cada nova exposição ao mesmo Ag. As células responsáveis pela especificidade e memória imunológica são os leucócitos denominados de linfócitos T e B. A partir da ativação dos linfócitos são gerados linfócitos com mesma especificidade (e por isso capazes de reconhecerem o mesmo antígeno), mas com vida longa. Essas células são chamadas de linfócitos de memória e são elas as responsáveis pelo reconhecimento do antígeno quando ele penetrar novamente. Considere que, embora o sistema imune inato e adaptativo seja estudado muitas vezes de modo separado, trabalham em conjunto, sobrepostos e interligados, ou seja, células e moléculas do sistema inato interagem na resposta imune com as células do sistema adaptativo (linfócitos) e seus produtos (citocinas ou anticorpos). Considerações sobre a Resposta Imune Inata Constituintes Fazem parte do sistema imune inato as barreiras físicas (superfícies corporais, tais como a pele, membranas mucosas), barreiras químicas (na pele e mucosas pH, ácidos secretados), substâncias solúveis (enzimas presente em superfícies e secreções, citocinas, proteínas do sistema complemento, proteínas de fase aguda) e ainda, algumas células (granulócitos, plaquetas, mastócitos, células dendríticas, células NK) que participam no reconhecimento, destruição e eliminação de material estranho que tenha ultrapassado as barreiras físicas e químicas. A primeira e mais óbvia defesa contra as invasões, é a barreira física. A pele é muito eficiente, quando lesada pode permitir a entrada de diversos agentes patogênicos. A pele possui descamação contínua, pouca umidade e pH relativamente baixo, devido a presença de ácidos graxos. Além disso, possui uma flora bacteriana comensal residente que age excluindo outras bactérias e fungos. Se essa flora for perturbada, reduzem-se as suas propriedades protetoras e pode ocorrer invasão microbiana. Conseqüentemente, tendem a ocorrer infecções cutâneas em áreas, tais como a axila ou virilha, onde tanto o pH como a umidade são relativamente altos. De modo semelhante, os animais que são forçados a ficar em pé na água ou lama mostram um aumento na freqüência de infecções podais à medida que a pele se encharca, sua estrutura se desintegra e sua flora residente muda em resposta a alterações no ambiente local. Em outras superfícies corporais também existem defesas físicas e bioquímicas, que incluem, nas superfícies mucosas, o fluxo de muco no trato respiratório; as secreções, que continuamente limpam as mucosas, o pH estomacal, enzimas e sais biliares, o processo de auto-limpeza, como a tosse e o espirro (cílios que revestem a traquéia ajudam na remoção de substâncias estranhas), atos como vômito e diarréia referentes ao trato gastrintestinal; a enzima espermina no sêmen e a flora comensal existente na boca, intestino, e vagina, que compete eficientemente com muitos patógenos potenciais. No globo ocular, as lágrimas, além de fazerem uma “lavagem” contínua, são ricas em enzima lisozima, que veremos adiante. Além disso, faz parte da resposta imune inata diversos fatores solúveis contidos no sangue, linfa e secreções que podem inativar ou matar microorganismos. É o caso das enzimas Dnase (degrada DNA), Rnase (degrada RNA) e lisozima (destrói parede celular bacteriana). Além disso, sob a influência de algumas proteínas (denominadas citocinas) secretadas principalmente pelos macrófagos (especialmente interleucina 6: IL-6), o fígado passa a sintetizar e secretar “Proteínas de fase aguda”. Essa resposta inicia rapidamente após invasão microbiana. Essas proteínas são assim chamadas porque o aparecimento está associado com infecções agudas e inflamação. São diversas proteínas, sendo a mais conhecida denominada de proteína Creativa (CRP). A CRP liga-se em alguns tipos de bactérias ativando o sistema complemento e favorecendo a fagocitose. O organismo mantém sua temperatura regulada através de um centro termorregulador, localizado no hipotálamo anterior. Este centro que funciona como um termostato, ou seja, busca o equilíbrio entre produção e perda de calor, prioritariamente pela perda de calor, visa à manutenção estável da temperatura interna em torno de 37 ºC. Na febre, o termostato é reajustado sendo a termorregulação (“set point”) reajustado para um nível superior. Uma das respostas mais comuns à infecção é o desenvolvimento de febre. Interleucina 1 (IL-1), IL-6 e fator de necrose tumoral alfa (TNF) são citocinas que chegam ao centro regulador da temperatura no cérebro, e induzem ao aparecimento de febre e também de sono, letargia e perda do apetite. Essas citocinas aumentam a produção de prostaglandinas, as quais fazem com que o “termostato” aumente a temperatura. Em crianças geneticamente predispostas, com idade de seis meses a três anos, a febre pode desencadear convulsão. As convulsões febris não acarretam risco de lesão cerebral. A febre alta só pode causar lesão cerebral quando a temperatura ultrapassa 41,7 ºC, o que não ocorre na prática. A febre pode se associar a outros sintomas que causam desconforto: dor muscular, irritabilidade, mal-estar, astenia e anorexia, entre outros. A letargia observada reduz a demanda de energia, permitindo que a energia seja utilizada para defesa e reparo. A temperatura elevada parece contribuir na maturação de alguns tipos celulares (como, por exemplo, as células dendríticas). A infecção não é a única causa de febre. Ela pode ser resultante de uma inflamação, de um câncer ou de uma reação alérgica. Também faz parte da resposta imune inata um conjunto de proteínas presentes no sangue, chamadas coletivamente de “proteínas do Sistema Complemento”. Tais proteínas podem ser ativadas na presença de certos constituintes de microorganismos (ativação pela via alternativa) e a ativação resulta numa cascata de reações que podem levar a destruição da membrana celular de bactérias, atração de células inflamatórias para o local, e podem revestir o microorganismo, facilitando sua captura por células especializadas, dentre outras funções que serão descritas em detalhes em outro capítulo. As células que participam da resposta imune inata possuem pouca capacidade de diferenciação entre os antígenos, possuem vida curta e não podem se diferenciar em células de memória. Incluem as plaquetas, granulócitos (neutrófilos, eosinófilos, basófilos), monócitos/macrófagos, mastócitos, células “natural killer” (NK) e células dendríticas. Fagocitose A maioria dos patógenos pode ser destruída por fagócitos, células conhecidas pela capacidade de fagocitose. Fagocitose é o fenômeno da ingestão e destruição de partículas estranhas, tais como bactérias, por células especializadas. Muitos microorganismos liberam substâncias que atraem células fagocíticas (substâncias quimiotáticas). Isso ocorre porque as células fagocíticas possuem receptores espalhados uniformemente pela superfície e movem-se em direção ao local onde estão presentes, em grandes concentrações, os fatores que se ligam aos seus receptores. Os fatores quimiotáticos mais importantes são peptídeos que começam com formil-metionina (presentes em bactéria, mas não em animais), quimocinas, C5a, e C3a (1% da atividade de C5a). C5 e C3 são umas das proteínas do sistema complemento. A fagocitose pode ser aumentada por uma variedade de fatores que tornam a partícula estranha um alvo mais fácil. Esses fatores são conhecidos como opsoninas (do grego “condimentar”), e nada mais são que os anticorpos e algumas proteínas do sistema complemento. Após a ingestão, a partícula estranha é mantida no vacúolo fagocítico que se funde com lisossomos. Os lisossomos liberam suas poderosas enzimas que degradam a partícula englobada. As duas células mais importantes na habilidade em fagocitar são os polimorfonucleares (PMNs ou neutrófilos) e os da linhagem dos monócitos-macrófagos. Os macrófagos são chamados de células de Küpffer no fígado e de células microgliais no sistema nervoso central. Mecanimos citotóxicos após fagocitose As células fagocitárias utilizam diversos mecanismos que levam à destruição da partícula “ingerida”. A destruição pode ocorrer devido à ação das enzimas presentes nos lisossomos. Os lisossomos contêm em torno de 40 a 50 enzimas hidrolíticas, incluindo a enzima lisozima, nucleases, proteinases, lipases, fosfatases, fosfolipases, glicosidases, e sulfatases. Juntas, elas podem degradar todas as principais classes de macromoléculas até pequenas moléculas, para que então sejam transportadas através das membranas. A ação da enzima lisozima, também presente em secreções corporais e no sangue, é muito importante na destruição dos peptidoglicanos presentes em parede celular bacteriana. Provavelmente o mecanismo de destruição mais importante está relacionado a formação de metabólitos do oxigênio. Para se ter uma idéia, segundos após a ingestão de uma partícula estranha os neutrófilos aumentam o consumo de oxigênio em cerca de 100 vezes. Os produtos gerados são tóxicos. O O2 pode ser convertido em peróxido de hidrogênio (H2O2), capaz de matar muitas bactérias. O O2 também é convertido em um composto mais tóxico, quando a mieloperoxidase cataliza a reação entre peróxido de hidrogênio e Cl- (em PMNs, mas não em macrófagos), resultando na formação de ácido hipocloroso (HClO). O ácido hipocloroso é instável e por isso é usado comercialmente na forma de hipoclorito de sódio (NaClO) que pode ser obtido borbulhando gás cloro em uma solução aquosa de NaOH. Lembre que o hipoclorito é muito utilizado para prevenir crescimento bacteriano em piscinas. Além disso, o radical hidroxila (OH-), um oxidante muito potente, pode ser gerado a partir de H2O2 e O2-. Esses compostos rompem a integridade da membrana por oxidar lipídios e proteínas. Outro composto muito eficiente na destruição de microorganismos é o óxido nítrico (NO), produzido por macrófagos ativados por citocinas. A síntese de NO se realiza por ação de uma enzima, a óxido nítrico sintetase (NOS) a partir do aminoácido L-arginina que produz NO e L-citrulina, necessitando da presença de dois cofatores, o oxigénio e o fosfato dinucleótido adenina nicotinamida (NADPH). NO é um capturador de Fe e outros metais. Quando liberado por macrófagos ativados, captura todo o metal disponível, resultando na paralização de enzimas envolvidas na síntese de DNA e em metabolismos vitais. O NO pode também atuar de várias outras formas como, por exemplo, desativando a ribonucleotídio redutase pela destruição do radical tirosila, essencial na sub- unidade R2 da enzima. Existe também a possibilidade do NO ligar-se ao Fe dos grupos heme da hemoglobina e no citocromo a3 da citocromo oxidase, resultando no bloqueio das funções destas proteínas. Em suma, o óxido nítrico liga-se a certas enzimas que estão envolvidas na respiração celular, impedindo-as de trabalhar adequadamente. O NO permite ao macrófago matar bactérias, fungos, protozoários e alguns helmintos A Resposta Inflamatória Os sinais da inflamação foram descritos a cerca de 2000 anos (tumor, rubor, calor, dor). O principal efeito da inflamação é de atrair elementos solúveis e células (particularmente neutrófilos) para fazerem a defesa da área lesada. Embora a inflamação seja dolorosa e possa causar destruiçãode tecido (especialmente se é intensa), é uma resposta necessária e geralmente eficaz. Inicialmente ocorre a migração dos neutrófilos pelo processo de diapedese através das células endoteliais, em resposta a fatores quimiotáticos produzidos no local do processo inflamatório (dentro de 30-60 minutos). Se a resposta persistir após esse ponto, dentro de 5-6 horas a área será infiltrada por monócitos e linfócitos. Os macrófagos suplementam a atividade fagocítica dos neutrófilos e, caso seja necessário, fazem a apresentação de antígenos para linfócitos. Tudo começa com uma lesão tissular que ativa a cascata da coagulação e, com isso, o sistema de cininas (geram bradicidina e outras). As cininas causam contração das células endoteliais vasculares, aumentando a permeabilidade vascular, causam contração de músculo liso e fazem com que as células endoteliais comecem a expressarem moléculas de adesão de leucócitos. As cininas são potentes estimuladores das terminações nervosas e as principais responsáveis pela dor associada com a inflamação. No local também algumas proteínas originadas da fixação do sistema complemento (C3a and C5a) ligam-se em receptores sobre mastócitos, sinalizando a degranulação destes. Os grânulos contêm histamina, leucotrienos e heparina que contribuem aumentando a resposta inflamatória. Escape de fluido entre as células do endotélio vascular facilita a aproximação de leucócitos (principalmente neutrófilos) e eles ligam-se em receptores presentes nas células endoteliais (receptores são induzidos durante a resposta inflamatória). Normalmente leucócitos ficam longe de células endoteliais, porém proteínas produzidas durante a inflamação conhecidas como citocinas (nesse caso o fator de necrose tumoral/TNF, a interleucina 1/IL-1) e/ou endotoxinas (lipopolisacarideo/LPS) da parede de bactérias gram negativas induzem as células endoteliais a expressar selectinas que então se ligam a L-selectina presente sobre os leucócitos. Isso permite a movimentação dos leucócitos ao longo dos vasos (num espécie de rolamento). Há outras interações adicionais que reagem com integrinas sobre PMNs e ancoram as células na parede vascular. Considerações sobre a resposta imune específica (adaptativa) A resposta imune específica ocorre em colaboração com as células da resposta inata, tais como os macrófagos, os granulócitos, as células NK e as células dendríticas. Porém as células responsáveis pela especificidade dessa resposta são somente os linfócitos T e B, os quais uma vez sendo ativados, podem resultar na elaboração de uma resposta imune específica celular e/ou humoral. A resposta imune humoral é aquela mediada por anticorpos, os quais são produzidos por plasmócitos gerados a partir de linfócitos B ativados. A resposta imune celular é aquela em que o combate aos antígenos é realizado principalmente por células e não anticorpos. Diz-se que a resposta imune celular é mediada por linfócitos T. CAPÍTULO 2 CÉLULAS E ÓRGÃOS DO SISTEMA IMUNE Célula tronco totipotente Célula tronco hematopoiética Linhagem linfóide Linfócito T citotóxico Linfócito T auxiliar Linfócito B Linhagem Mielóide Plasmócito Granulócito- Neutrófilo Monócito Megacariócito plaquetas Célula dendrítica hemácias Mastócito NKMacrófago As células do sistema imune estão normalmente presentes na circulação sangüínea e linfática, nos órgãos linfóides, e em praticamente todos os tecidos. As células responsáveis pela especificidade da resposta imune são os linfócitos, porém, tanto a fase cognitiva quanto a fase efetora dependem de outras células, que funcionam como células acessórias, que auxiliam na indução de respostas imunes e na eliminação do agente agressor, mas não são específicas para os diferentes tipos de Ags. A maioria destas células está presentes no sangue, de onde podem migrar para locais onde há exposição ao Ag. Dependendo do tipo de ag um determinado tipo de células poderá ser mais importante que outra. Todas as células do sangue são derivadas de uma única célula, chamada célula tronco totipotente. Tais células se diferenciam em células tronco pluripotentes, e, sob estímulo adequado, originam as células tronco hematopoiéticas. Recebem o nome de hematopoiética por darem origem a todas as células sanguíneas, por meio de um processo conhecido como hematopoiese. As células tronco hematopoiéticas têm a capacidade de auto-renovar-se e de produzir eritrócitos, plaquetas e leucócitos. Os eritrócitos, as plaquetas e os leucócitos desenvolvem-se através de vias diferentes de divisão e diferenciação celular, denominadas linhagens. Há duas principais linhagens hematológicas: uma de células linfóides e uma de células mielóides. A linhagem linfóide origina linfócitos, a partir de uma célula precursora denominada progenitor linfóide. A diferenciação em linfócito T ou B depende do microambiente em que está localizada. Em mamíferos, linfócitos T (LT) se desenvolvem no timo e os linfócitos B (LB) desenvolvem-se no fígado fetal e medula óssea. Uma célula plasmática (ou também chamada de plasmócito) é uma célula derivada do LB, formadora de anticorpos. Células “naturalmente assassinas” ou “natural killer” (NK) também derivam de uma célula progenitora linfóide. As células da linhagem mielóide diferenciam-se em células coletivamente chamadas de “granulócitos” as quais são os eosinófilos, os neutrófilos e os basófilos, ou então diferenciam-se em monócitos, mastócitos, células dendríticas ou plaquetas. Granulócitos Os neutrófilos, eosinófilos e basófilos são designados coletivamente de granulócitos, uma vez que são dotados de grânulos citoplasmáticos, numerosos e particularmente proeminentes, circundados por membrana. Os eosinófilos são assim denominados porque os seus grânulos contêm proteínas alcalinas que se ligam ao corante ácido, eosina. Os basófilos receberam esse nome porque seus grânulos contêm proteoglicanos sulfatados que se ligam a corantes básicos. As proteínas existentes nos grânulos dos neutrófilos podem ligar-se tanto a corantes ácidos quanto básicos, explicando o termo “neutrófilo”. Os eosinófilos e os basófilos possuem núcleo bi- lobulado, enquanto os neutrófilos caracterizam-se por um núcleo multilobulado. Por esse motivo, os neutrófilos são também denominados leucócitos polimorfonucleares (PMN). Os neutrófilos e os eosinófilos são altamente móveis e migram para os tecidos, onde se deslocam eficientemente através dos espaços extracelulares. Tanto os neutrófilos quanto os eosinófilos, bem como os monócitos e macrófagos, locomovem-se utilizando extensões da membrana, denominadas pseudópodes. Principais características dos Neutrófilos Os neutrófilos respondem rapidamente a estímulos quimiotáticos, por isso é a principal população celular presente na resposta inflamatória aguda. Possuem função de realizar fagocitose de partículas antigênicas, opsonizadas ou não (possuem receptor para anticorpo do tipo IgG e para a proteína C3b do sistema complemento). São células que podem ser ativadas por ação de citocinas, produzidas primariamente pelos macrófagos. Quando ativadas, são mais eficientes na fagocitose e destruição do Ag. São muito importantes na defesa contra bactérias. Migram para locais onde há ativação do complemento e fagocitam as partículas opsonizadas. Principais características dos Eosinófilos Os eosinófilos são capazes de destruir alvos tanto através de mecanismos inatos, quanto através da citotoxicidade celularanticorpo-dependente (ADCC). A ADCC ocorre devido aos eosinófilos possuírem receptores para a porção Fc dos anticorpos IgE, bem como IgG e, possivelmente, IgA. A ligação do alvo com qualquer desses anticorpos favorece a ligação do eosinófilo, que então realiza a exocitose de seus grânulos. Os eosinófilos são particularmente importantes na resposta imunológica contra parasitas, como os helmintos. Essas infecções tendem a induzir a produção de níveis elevados de anticorpos IgE, embora sejam também produzidos anticorpos de outras classes. Esses anticorpos recobrem o helminto através de sua ligação a ags presentes na sua superfície. Os eosinófilos chegam ao local de ação atraídos por fatores quimiotáticos liberados pelos mastócitos ou basófilos ativados. Os receptores para Fc de IgE sobre os eosinófilos ligam-se as IgEs e com isso são transmitidos sinais aos eosinófilos, desencadeando a exocitose de seus grânulos. A principal proteína liberada pelos eosinófilos é a PBM (proteína básica principal) que intoxica os parasitas e causa a sua morte. Os antígenos liberados pelos parasitas também causam resposta imune celular específica (mediada por linfócitos T) e humoral (que resulta na produção principalmente de anticorpos IgE, embora também sejam produzidos IgG ou IgM contra os antígenos dos parasitas). Os macrófagos ativados secretam TNF- alfa (fator de necrose tumoral alfa) que é uma citocina que aumenta a ativação dos próprios macrófagos e também dos eosinófilos. Outra resposta imune celular importante dos eosinófilos é quando o organismo está sofrendo um processo alérgico (hipersensibilidade do tipo I ou anafilática). Este processo será descrito no capítulo referente a hipersensibilidades (HS). Na HS tipo I ocorre uma intensa degranulação dos mastócitos, liberando substâncias que são responsáveis pelos fenômenos clínicos observados. Os eosinófilos entram nessa história para tentar solucionar o problema e re-estabelecer o estado de normalidade. No local vão liberar histaminase, aril sulfatase B e outras enzimas que vão hidrolisar os mediadores, e com isso tentar diminuir os efeitos da degranulação dos mastócitos sobre o organismo. Contudo, a longo prazo os eosinófilos tendem a causar lesões locais. Principais características dos Basófilos e Mastócitos Os basófilos são células semelhantes aos mastócitos, ou seja, são ricos em grânulos contendo aminas vasoativas (histamina, leucotrienos e prostaglandinas). Também são capazes de sintetizar muitos mediadores idênticos aos dos mastócitos. Porém, os basófilos originam-se e maturam na própria medula óssea, e circulam na sua forma diferenciada. Eles podem estar envolvidos na anafilaxia, mas só penetram nos tecidos quando são recrutados, em locais onde há reação inflamatória. Tanto os basófilos como os mastócitos possuem receptor para Fc de IgE, (FcRI), o qual também é encontrado nos eosinófilos. Como é de alta afinidade, sua ligação com a IgE é quase sempre irreversível e a ligação é tão ávida que pode ocorrer mesmo estando livres os anticorpos. A interação de alérgenos com moléculas de IgE ligadas aos mastócitos ou basófilos leva a liberação do conteúdo de seus grânulos, que são os responsáveis pelos sinais clínicos apresentados na hipersensibilidade tipo I. Basófilos normalmente existem na circulação sanguínea em pequeno número. Os mastócitos são encontrados na maioria dos tecidos, mas principalmente próximos aos vasos sangüíneos, nervos e abaixo do epitélio. Originam-se de células precursoras da medula óssea, migram para os tecidos periféricos como células imaturas e então sofrem diferenciação no local. Possuem muitos grânulos ricos em aminas vasoativas. A morfologia e o conteúdo dos grânulos variam com a localização anatômica. Os mastócitos ficam fixos nos tecidos, onde podem durar alguns meses. Principais características dos Monócitos/macrófagos Os monócitos originam-se das células tronco da medula óssea de onde saem não totalmente diferenciados. Possuem uma meia vida reduzida, passando aproximadamente 24 horas no sangue e, ao chegarem aos tecidos, sofrem maturação, tornam-se fixos e chamam-se macrófagos. Podem viver meses nos tecidos. As suas principais funções são fagocitose e destruição de partículas estranhas, sejam elas microorganismos, macromoléculas e mesmo tecidos do próprio organismo que estejam lesados, velhos ou mortos; secreção de citocinas que recrutam e ativam outras células inflamatórias, especialmente os neutrófilos, e são responsáveis por muitos dos efeitos da inflamação, como a febre, por exemplo; produção de fatores de crescimento para fibroblastos (produz colagenase) e endotélio vascular (para reparo de tecidos lesados). Podem atuar como células apresentadoras de ag para linfócitos T (quando colocam ag na sua superfície celular, para que possa ser reconhecido). Contudo, o processamento antigênico pelos macrófagos é pouco eficiente, já que boa parte do antígeno endocitado é destruída por proteases lisossomais. De fato, macrófagos e células B podem ser considerados células com outras prioridades. Os macrófagos podem ser células efetoras de imunidade celular, quando se tornam ativados por citocinas secretadas pelos linfócitos T (se tornam mais eficientes na fagocitose e destruição de partículas); na resposta humoral atuam na fagocitose de partículas opsonizadas por anticorpos e/ou proteínas do sistema complemento (possuem receptor para Ig e proteínas do sistema complemento). Para que ocorra a fagocitose é necessário primeiro que haja adesão entre o macrófago e o microorganismo, o que acontece por meio de receptores presentes nos macrófagos. Eles podem se ligar a componentes do microorganismo ou a IgG ou frações do complemento que estejam ligados. Macrófagos são encontrados em todos os órgãos e tecidos. Possuem muitos lisossomos, podem assumir diferentes formas, e podem ser ativados por uma variedade de estímulos. O citoplasma na periferia está em constante movimento, formando prolongamentos. No sangue e medula óssea são denominados monócitos, nos pulmões são chamados de macrófagos alveolares, no sistema nervoso de microglias. Recebem o nome de célula de Kupffer no fígado, célula mesangial do glomérulo no rim, e osteoclasto no osso. Em macrófagos a habilidade em fagocitar e destruir agentes estranhos e em expressar alguns tipos de receptores pode ser aumentada por ação de citocinas, principalmente o interferon gama (IFN ). Monócitos, macrófagos, e em menor extensão, os neutrófilos, possuem muitos diferentes receptores na superfície. Dentre eles, Fc RI (CD64 ou FcR), um receptor de alta afinidade para porção Fc de moléculas de IgG. Macrófagos também possuem receptores para proteínas do complemento, tais como CD35 (CR1) receptor para o fragmento C3b. Estes receptores permitem que partículas antigênicas ligadas a Igs e/ou fragmentos do complemento sejam rapidamente capturadas e fagocitadas (processo de opsonização). Principais características das células “Natural killer” (NK) NK são células de maior tamanho comparadas aos linfócitos, e com muitos grânulos no citoplasma. É considerada um subtipo de linfócitos, encontradas no sangue e tecido linfóide, especialmente no baço. São células derivadas da medula óssea embora se acredite que a maior parte da maturação ocorra no timo. Seus grânulos citoplasmáticos contêm perfurinas, granenzimas, e proteoglicans. São capazes de reconhecer as alterações de superfície que ocorrem em células tumorais ou infectadas por víruse destruir estas células. Após exocitose dos grânulos, fazem a indução de lise osmótica e promovem apoptose, do mesmo modo que os LTc. Não possuem receptor específico para antígeno. Também atuam secretando citocinas (principalmente IFN ) no início de infecção, as quais ativam e atraem outras células. NK são normalmente funcionais, mas a ativação de células NK para matar células-alvo pode ser induzida por citocinas secretadas por outras células (IFN , IFNs tipo I, IL-2, e IL-12) que aumentam a atividade citotóxica e a aderência aos alvos. Quando assim ativadas são chamadas de células LAK. Principais características das células dendríticas As células dendríticas (DC) possuem três importantes funções. São células sentinelas e ao reconhecerem um ag ativam mecanismos de defesa inatos. Processam ags exógenos com muita eficiência e os apresentam para linfócitos T, iniciando a resposta imune específica e, por fim, regulam ambas as formas de resposta imune. São 100 vezes mais eficientes que macrófagos e linfócitos B, na apresentação de ag. São essenciais para iniciar as respostas imunes primárias, pois são as únicas capazes de ativar os linfócitos T que nunca encontraram previamente com um ag (linfócitos virgens). As DC e os macrófagos expressam moléculas de superfície chamadas de coestimuladores, as quais ligam em receptores sobre os linfócitos T virgens, e funcionam, junto com o reconhecimento do ag, para ativar essas células T. São células oriundas da medula óssea e migram imaturas para virtualmente todos os tecidos, com exceção do cérebro, olhos e testículos. São abundantes nos gânglios linfáticos, pele, e mucosas. Caracterizam-se morfologicamente por apresentarem projeções do citoplasma conhecidas como dendritos. É uma mescla de populações celulares, mas se dividem em duas populações principais denominadas DC mielóides e DC plasmacitóides, que diferem em morfologia, antígenos de superfície e função. As DC mielóides localizam-se nos tecidos e são derivadas dos monócitos sanguíneos. As plasmacitóides se encontram no sangue e nos órgãos linfóides e derivam de precursores linfóides. Dentre as DC incluem as células de Langerhans na epiderme, células dendríticas interdigitantes presentes no interstício da maioria dos órgãos, e as células dendríticas foliculares, presentes nos centros germinativos dos folículos linfóides do baço, linfonodos e tecido linfóide associado a mucosas. As células de Langerhans são capazes de capturar ag que penetre via pele e conduzi-lo até os linfonodos que drenam a região, onde é iniciada a resposta imune. Possuem uma meia vida média de 18 meses. As foliculares não apresentam ag aos linfócitos T, capturam ag ligado a ac e ou produtos do complemento e os apresentam para os LB de memória, nos linfonodos. Embora tenham sido caracterizadas diferentes populações de DC a classificação mais importante baseia-se em seu estado de maturação. DC imaturas são especializadas na captura de ag e durante a maturação elas são convertidas em células eficientes em apresentação de ag. As DC imaturas saem da medula óssea, vão do sangue a linfa e daí aos tecidos e nódulos linfáticos. Atuam como sentinelas, cujo papel é capturas ags invasores. Possuem vida curta, se não encontram ag morrem em poucos dias. São chamadas assim porque são incapazes de estimular linfócitos T. Ao capturarem ag se ativam e maturam rapidamente. As DC possuem muitos receptores de superfície diferentes, incluindo receptores para quimocinas, citocinas, Fc, receptores de manose, de proteínas do choque tpermico e receptores di tipo Toll (TLR). As DC imaturas capturam antígenos e fragmentos celulares mediante fagocitose, pinocitose (inclusão de gotas de líquido) e por interação com receptores celulares de superfpicie. Também capturam células apoptóticas. Quando capturam bactérias geralmente as destroem. Distinguem tecidos estranhos dos próprios principalmente devido a ligação em TLR. A ativação dos TLR assegura que o material capturado seja processado de forma que se inicie a resposta imune específica. Quando não é utilizado um TLR o ag não é processado e não estimula resposta imune. Os fagossomas das células fagocíticas convencionais como neutrófilos e macrófagos são bastante ácidos e por isso ótimos para destruição do material capturado. O pH dos fagossomas das DC e linfócitos B é relativamente alcalino, o que favorece a inibição de proteases e a preservação do ag por longos períodos. O ag pode ser então apresentado associado às moléculas do MHC. Depois de capturar e processar ag as DC imaturas o transportam para tecidos linfóides onde podem ser reconhecidos por linfócitos T. Ao penetrarem no tecido linfóide elas sofrem maturação. Durante a maturação aumenta a expressão de moléculas coestimuladoras e secretam quimocina CCL22 que atrai linfócitos T. DC são não somente as células que iniciam respostas mediadas por linfócitos T, mas também influenciam a natureza dessa resposta. Para isso, há diferentes subtipos de DC que podem direcionar a diferenciação dos linfócitos T CD4+ virgens em distintas células, importantes para a defesa contra diferentes tipos de microorganismos. Linfócitos T e Linfócitos B Ambos estão envolvidos na resposta imune específica e morfologicamente não podem ser distinguidos. Para diferenciar linfócitos T (LT) e linfócitos B (LB) é necessário fazer a detecção de marcadores celulares específicos. Os linfócitos possuem de 8 a 10 m, um núcleo grande com densa cromatina, poucas organelas no citoplasma e nenhuma característica morfológica que indique a grande capacidade funcional. São as únicas células capazes de reconhecerem especificamente os diferentes antígenos, através de seus receptores específicos para antígenos. Os LB nos mamíferos sofrem maturação inicial na medula óssea e nas aves a maturação ocorre na Bursa de Fabricius (por isso são chamados B). Os LB ativados se diferenciam em células chamadas plasmócitos, as quais secretam as imunoglobulinas (anticorpos), sendo os responsáveis pela imunidade humoral. Os seus receptores são imunoglobulinas ligadas à membrana, as quais podem reconhecer antígenos livres na circulação. Já os LT maturam no timo. São divididos funcionalmente em dois tipos: linfócitos T auxiliares ou helper (LTh), que auxiliam na resposta das células B e T aos antígenos, e linfócitos T citotóxicos (LTc), capazes de destruírem células que possuam antígenos estranhos. O auxílio fornecidos pelos LTh se dá mediante a secreção de citocinas, moléculas que agem em diferentes tipos de células. Os LTh e LTc reconhecem ags através de seus receptores (receptor de célula T: TCR) que possuem diferentes especificidades, geradas ao acaso durante a maturação no timo. Os LT reconhecem ags que estejam ligados com moléculas denominadas de MHC I ou MHC II. Os ags estranhos que são reconhecidos pelos LT estão presentes na superfície de outras células. Por isso dizemos que os ags são apresentados aos LT por outras células. Além de TCR os linfócitos T possuem importantes moléculas, embora acessórias, no reconhecimento e ativação celular: a molécula CD3, presente em linfócitos Th e Tc; a molécula CD4, presente nos LTh; e a molécula CD8, presente somente nos LTc. Mais adiante será visto com detalhes sobre a apresentação de ags para LT e seu reconhecimento. LB e LT são células capazes de proliferação e diferenciação após terem sido ativadas devido ao reconhecimento de antígeno estranho. Plasmócitos A interação de ag com receptores de superfície no linfócitoB inicia a ativação dessa célula e, posteriormente, resulta na diferenciação do LB em células denominadas de plasmócitos. Os plasmócitos são células que, diferentemente dos linfócitos B, não possuem capacidade de proliferação e diferenciação, e, além disso, possuem uma meia vida curta. Os plasmócitos são as células que sintetizam e secretam anticorpos (Acs). - Desenho que demonstra as características ultra-estruturais dos plasmócitos. Observe a imensa quantidade de retículo endoplasmático rugoso e o complexo de Golgi desenvolvido no citoplasma. O núcleo possui cromatina condensada na periferia dando um aspecto de roda de carroça. As mitocôndrias estão aumentadas e desenvolvidas (muitas cristas alongadas). Órgãos e tecidos Linfóides Os tecidos linfóides estão presentes em órgãos linfóides funcionalmente divididos em primários (ou centrais) e secundários (ou periféricos). Os órgãos linfóides primários são aqueles capazes de realizar maturação de linfócitos. Nestes órgãos, os linfócitos, a partir das “células-tronco”, proliferam e tornam-se funcionais. Nos órgãos primários os linfócitos T adquirem o seu repertório de receptores específicos para cada ag, e sofrem o processo de seleção, quando aqueles que reconhecerem antígenos do próprio organismo são eliminados e aqueles que possuírem receptores incapazes de reconhecerem ags próprios sobrevivem. O timo é o local onde ocorre a maturação dos linfócitos T. A maturação dos linfócitos B nas aves ocorre na Bursa de Fabricius, o órgão equivalente à medula óssea nos mamíferos. Os LB podem maturar nas placas de Peyer em ruminantes, eqüinos, caninos, suínos e humanos. Nos órgãos linfóides primários há intensa atividade proliferativa de linfócitos, independente de estímulo antigênico. Os linfócitos que maturaram nos órgãos linfóides primários migram para os secundários. A estrutura anatômica dos órgãos linfóides secundários (baço, linfonodos, tecido linfóide associado à mucosas do trato digestivo, respiratório, genito- urinário, sistema imune cutâneo e agregados pouco definidos de linfócitos encontrados no tecido conjuntivo e em praticamente todos os órgãos com exceção do sistema nervoso central) é constituída de modo a facilitar a captação de antígeno e de modo que os linfócitos possam interagir uns com os outros, com os antígenos e com as células acessórias. São nestes locais que ocorre a elaboração da resposta imune contra os diferentes antígenos. Também pode ocorrer resposta imune nas placas de Peyer e medula óssea. Órgãos Primários ou Centrais Timo Localizado no tórax, próximo ao coração, é um órgão bilobulado sendo cada lóbulo dividido em uma série de lóbulos de células epiteliais. Os lóbulos são separados por uma cápsula de tecido conjuntivo. Continua a crescer após o nascimento, atinge seu tamanho máximo na puberdade e após começa lentamente a involuir. Porém, resquícios funcionais persistem até uma idade bem avançada. O timo tem um grande suprimento vascular, que permite a chegada de células precursoras de LT e macrófagos, vindas da medula óssea. Uma vez no timo as células comprometidas a tornarem-se LT iniciam o processo de maturação e diferenciação. A porção mais externa de cada lóbulo é chamada de córtex, onde há uma densa infiltração de células T imaturas (timócitos) que vem da medula óssea via sangue. Uma vez no córtex do timo, essas células iniciam o processo de maturação e seleção. A camada mais interna é chamada de medular, onde existem células epiteliais “nurse”, corpúsculos de Hassal (secretam fatores de que atuam na proliferação dos timócitos), e linfócitos. A junção corticomedular é repleta de células interdigitantes. As células dendríticas interdigitantes, células epiteliais e macrófagos estão espalhadas pelo timo, são ricas em moléculas MHC classe I e II e por isso importantes para a apresentação de ags do organismo (próprios) aos linfócitos em maturação. Na região da medula os timócitos começam a expressar receptores para ag e marcadores de superfície (moléculas CD3, CD4, CD8). Somente LT maturos CD4+ ou CD8+ saem do timo e entram no sangue, linfa e tecidos linfóides periféricos. A maioria dos precursores de LT que chegam ao timo não sobrevive, pois ao reagirem com ags próprios sofrem apoptose. - Representação esquemática do timo. Bursa de Fabricius É uma estrutura em forma de saco localizada próximo a cloaca das aves. É composta de muitas dobras de epitélio que dirigem-se para dentro de um lúmen central e, espalhadas por essas dobras existem folículos de células linfóides. O lúmen da bursa abre-se na cloaca. Cada folículo linfóide é dividido em córtex e medula. No córtex há linfócitos, plasmócitos e macrófagos. Na parte medular há apenas linfócitos. É o órgão responsável pela maturação e seleção dos LB nas aves. Da mesma forma que o timo, atinge tamanho máximo em pintos de 1-2 semanas, sofrendo em seguida involução gradual. Aves recém nascidas que sejam infectadas pelo vírus da doença infecciosa da bursa ou também conhecido como vírus de Gumboro, possuem baixos níveis de anticorpos e os plasmócitos desaparecem de alguns órgãos linfóides. A resposta imune celular permanece inalterada. Medula Óssea A medula óssea vermelha nos mamíferos serve como órgão linfóide primário para as células B. Ocorre seleção negativa na medula óssea, de forma que grande parte das células pré-B geradas é destruída. Em ruminantes, suínos e cães as placas de Peyer do íleo são os órgãos linfóides primários para os LB. Placas de Peyer São grandes massas linfóides encontradas nas paredes intestinais. A estrutura e função variam entre as espécies. Em ruminantes suínos, eqüinos, cães e humanos encontram-se principalmente no íleo. Nessas espécies as placas de Peyer (PP) desenvolvem-se antes do nascimento, e involuem com a vida adulta. Em roedores as PP se encontram distribuídas entre o jejuno e íleo e o desenvolvimento ocorre 2 a 4 semanas após o nascimento e persistem por toda a vida. As PP ileais possuem função semelhante a bursa e medula, ou seja, é local de maturação de linfócitos B, onde a maioria dessas células sofre apoptose. Órgãos Secundários ou Periféricos: Linfonodos Linfonodos (LNs) são pequenos agregados de tecido linfóide de formato arredondado, espalhados em locais estratégicos do organismo. Drenam a linfa de diferentes áreas do corpo. Situam-se ao longo dos vasos linfáticos. Cada nódulo é coberto por uma cápsula de tecido conjuntivo, por aonde chegam vários linfáticos aferentes. O interior de cada nódulo é dividido em córtex, medula, e uma área mal definida entre as duas, chamada de zona paracortical. No córtex há agregados de células que constituem os folículos (ricos em LB em descanso), semelhante a nódulos. Nos LNs que tenham sido estimulados por antígeno, dentro destes nódulos os LB proliferam e formam estruturas nas áreas centrais chamadas de centros germinativos. Folículo sem centro germinativo é chamado folículo primário e aquele com centro germinativo, folículo secundário. São nos centros germinativos que os LB proliferam e se diferenciam em plasmócitos, quando são estimulados antigenicamente. Nos centros germinativos também estão presentes LTh, importantes para proliferação e diferenciação dos LB. Também é neste local que ocorre a formação do LB de memória e a ativação desses LB de memória (devido a apresentação de ags presentes na superfície de células dendríticas foliculares, presentes somente nestes locais) e onde ocorremutação somática e mudança de classes de anticorpos. A porção medular contém macrófagos, células interdigitantes, plasmócitos e menor proporção de LT e LB. Estas células estão arranjadas em cordões chamados cordões medulares. A zona paracortical é rica em células interdigitantes e LT. Os vasos linfáticos penetram em vários pontos, através da cápsula no lado convexo, e vasos eferentes saem por uma depressão única chamada hilo. Os vasos sangüíneos entram e saem via hilo. Os vasos se ramificam em vasos menores que se estendem por todo o LN. Os vasos linfáticos após penetrar drenam num espaço estreito abaixo da cápsula, denominado seio marginal. A linfa do seio marginal drena através do córtex e paracórtex através de uma série de canais, os seios corticais, para os seios medulares e destes para os vasos linfáticos eferentes. Os seios linfáticos são repletos de macrófagos e células dendríticas. - Representação esquemática de um linfonodo Baço O baço é um órgão linfóide periférico situado do lado esquerdo superior do abdome. É revestido por uma cápsula de tecido conjuntivo de onde partem septos, cuja constituição fazem parte fibras musculares lisas, além de tecido conjuntivo, que com freqüência encerram vasos (geralmente veias). Nas camadas mais profundas septos estão representados por trabéculas ou simples nódulos conjuntivos. Todo o espaço compreendido entre a cápsula e os septos está ocupado por tecido linfóide, disposto em folículos (corpúsculos de Malpighi) ou em trabéculas (cordões de Billroth). Entre os cordões estão os seios venosos, ocupados pelos elementos sangüíneos. Os corpúsculos de Malpighi ou bainha linfóide periarteriolar (forma arredondada com uma arteríola no centro) constituem a polpa branca da anatomia macroscópica, e o restante (cordões de Billroth e seios venosos), a polpa vermelha. A polpa vermelha tem função de armazenamento de eritrócitos e plaquetas, e remoção de células vermelhas defeituosas ou gastas e células brancas que são fagocitadas pelos macrófagos residentes (os materiais reaproveitáveis, tais como o Ferro da hemoglobina, são reciclados) e de captura de ags. A polpa branca é onde há tecido linfóide e, conseqüentemente, onde se dá a resposta imune. Estas duas regiões não estão anatomicamente separadas. O baço é suprido por uma única artéria (esplênica), que penetra na sua cápsula na região do hilo e ramifica-se progressivamente em artérias menores que são circundadas por trabéculas fibrosas. Assim que deixam as trabéculas as arteríolas são rodeadas por uma camada de linfócitos chamada bainha linfóide periarteriolar (neste local o tecido linfóide é facilmente distinguido da polpa vermelha). Juntamente à bainha há folículos linfóides e neles, quando houver estímulo antigênico, pode se desenvolver centros germinativos. Este denso tecido linfóide constitui a polpa branca do baço. As arteríolas terminam em sinusóides vasculares. Os sinusóides formam vênulas que drenam para a veia esplênica, a qual conduz o sangue para fora do baço. A bainha periarteriolar contem principalmente LTh, mas também LTc. Nos folículos e centros germinativos predominam LB, sendo que possuem as mesmas funções que exercem nos linfonodos. Nos centros germinativos também há células dendríticas e macrófagos. Cada folículo é circundado por uma camada de LT formando um manto. Os linfócitos podem sair e chegar até as bainhas via arteríolas. A função do baço e a resposta aos ags é muito semelhante à dos linfonodos, sendo que a principal diferença é que é o principal local de resposta imune contra ags conduzidos via sangue, e os linfonodos estão envolvidos na resposta a ags trazidos via linfa. O baço não tem linfáticos. Além disso, é o responsável pela remoção de ags estranhos e hemácias velhas, através de fagocitose exercida pelos macrófagos da polpa vermelha, mesmo na ausência de imunidade específica Tecidos linfóides associados às mucosas (MALT) Estão presentes na forma de coleções difusas ou agregados. Inclui as amígdalas, placas de Peyer, apêndice. Estão organizados em folículos, os quais contêm LT e LB. As células são sustentadas por uma rede frouxa de tecido conjuntivo. Os MALT possuem circulação sanguínea e linfática. Circulação de linfócitos Os linfócitos constantemente recirculam entre os tecidos de modo que os linfócitos virgens examinem os órgãos linfóides periféricos, onde as respostas imunes são iniciadas, e os linfócitos efetores migrem para os locais de infecção, onde os microorganismos serão eliminados. Esse processo de recirculação é mais bem descrito para os linfócitos T, além de ser mais relevante. Os linfócitos B efetores permanecem nos tecidos linfóides, não precisam migrar para os sítios de infecção, uma vez que secretam anticorpos e os anticorpos entram no sangue e encontram com os invasores e suas toxinas na circulação ou em tecidos distantes. Então, será descrito a circulação dos LT. Os LT virgens que tenham maturado no timo, entram na circulação e migram para os tecidos linfóides secundários, onde permanecem a maior parte do tempo. Porém, recirculam entre os tecidos linfóides, através do sangue, “procurando” por ags estranhos. Migram através de um endotélio vascular especializado, encontrado nas vênulas em todos os órgãos linfóides secundários, exceto no baço, conhecidas como vênulas endoteliais altas (High endothelial venules – HEVs). LT virgens expressam um receptor de superfície chamado de L-selectina, que liga-se a carboidratos presentes somente sobre as células endoteliais das HEVs. A interação de L-selectina com seu ligante faz com que os LT liguem-se firmemente as HEVs e migrem. A circulação dos linfócitos, entretanto, não é aleatória. Os linfócitos provenientes dos linfonodos tendem a recircular para esses órgãos. Da mesma forma, os linfócitos dos tecidos linfóides do intestino tendem a retornar a ele. A linfa flui dos tecidos para os linfonodos através dos vasos linfáticos aferentes. Sai dos linfonodos através dos vasos linfáticos eferentes. A linfa aferente nos ovinos contém 85% de linfócitos T, 5% de linfócitos B e 10% de células dendríticas. A linfa eferente contém mais de 98% de linfócitos dos quais 75% são células T e 25% são células B. Os vasos linfáticos eferentes eventualmente se reúnem em grandes vasos linfáticos. O maior dos vasos linfáticos é o ducto torácico, que coleta a linfa proveniente da parte mais baixa do corpo e do intestino e a esvazia no interior da veia cava anterior. Se o ducto torácico for canulado e se a linfa for removida, ocorrerá uma queda severa nos linfócitos sangüíneos (essencialmente todas as células T) dentro de algumas horas. As células T também desaparecem do paracórtex dos linfonodos. Esse esgotamento rápido das células T implica que os linfócitos do ducto torácico normalmente circulam de volta para os linfonodos através do sangue. - Esquema representando a circulação dos linfócitos. Transporte de Antígenos para os Tecidos Linfóides Periféricos A resposta imunológica poderá ser realizada em diferentes locais, dependendo do local onde houve a exposição ao antígeno estranho. Assim, por exemplo, um antígeno estranho que penetre no organismo através do sangue terá uma resposta elaborada principalmente no baço. Já um antígeno que chegou através da inalação, terá elaboração de resposta imune nos tecidos linfóides regionais, ou seja, adenóides, linfonodos mediastínicos e tecidos linfóides associados à mucosa respiratória. CAPÍTULO 3 PROPRIEDADESDOS ANTÍGENOS Nesse capítulo serão abordados alguns conceitos básicos sobre antígenos, os quais serão utilizados nos demais capítulos. Antígenos São estruturas capazes de reagirem com as células do sistema imune (células fagocíticas, Linfócitos T, Linfócitos B, células apresentadoras de antígeno) ou com anticorpos previamente produzidos contra este antígeno. A composição química pode incluir ácido nucléico, proteínas, polissacarídeos, lipídios, e ou combinações entre estes. Possuem rigidez estrutural. Epítopo ou Determinante Antigênico (DA) Num mesmo antígeno várias porções podem ser reconhecidas. A menor porção do antígeno capaz de gerar uma resposta imune e, após, reagir com ela especificamente é chamada de epítopo ou determinante antigênico. Existem alguns que são mais freqüentes no antígeno e por isso são chamados de imunodominantes. TIPOS DE EPÍTOPOS OU DETERMINANTES ANTIGÊNICOS Determinantes Antigênicos Conformacionais Formados por aminoácidos de porções separadas, que são justapostos após dobramento da molécula. Estão presentes em antígenos não processados (livre). Determinantes Antigênicos Lineares Formados durante o processamento do antígeno. Constituídos de uma seqüência linear de aminoácidos adjacentes. Antígeno Completo Os antígenos podem ser antigênicos e imunogênicos. Sempre que um antígeno for imunogênico, automaticamente também é antigênico, ou seja, sempre que for capaz de gerar resposta imune, esta resposta reage com o ag que lhe deu origem. Os antígenos imunogênicos são considerados antígenos completos. Imunogenicidade refere-se a capacidade de gerar uma resposta imune. Antigenicidade refere-se a capacidade de reagir especificamente com a resposta gerada. Um antígeno completo é imunogênico e antigênico. Antígeno Incompleto - Haptenos Antígenos incompletos são antigênicos, mas não são imunogênicos. É o caso dos haptenos, substâncias reconhecidas por uma resposta pré- formada, mas, no entanto só geram resposta imune quando associados a moléculas maiores (proteínas). A falta de imunogenicidade destas substâncias está relacionada com o baixo peso molecular. Quando os haptenos se ligam a outras moléculas maiores, geralmente proteínas, adquirem capacidade imunogênica e geram uma resposta imune no organismo. Num segundo contato, os anticorpos gerados reagem com o hapteno, mesmo estando na forma purificada. A penicilina é um exemplo típico. O fungo que a produz, o faz na forma impura que pode existir no ambiente (ambientes e alimentos mofados). Qualquer organismo que entrar em contato reagirá imunologicamente com este produto. Caso haja necessidade de tratamento com penicilina, mesmo purificada, esta provocará reação com a resposta formada. Como a resposta geralmente está associada com a produção de anticorpos da classe IgE, um processo alérgico poderá ser observado, desde reações leves até um choque anafilático. Alguns fatores relacionados à imunogenicidade Distância Filogenética: As estruturas dos antígenos se tornam mais variadas e diferenciadas na medida em que as espécies se distanciam geneticamente. Quanto mais distante estiver um indivíduo de outro, mais estranho será considerado seus antígenos e, portanto, mais imunogênico será ao seu receptor. Peso molecular: Antígenos de baixo peso molecular não possuem a capacidade de induzir uma resposta imune e para que isso aconteça deverão estar associados a moléculas de PM maior (caso dos haptenos). Como regra geral, os ag deverão ter pesos moleculares acima de 10 mil Daltons. Acessibilidade: geralmente os ag acessíveis são mais imunogênicos e são também imunodominantes. Alguns epítopos, quando inacessíveis, perdem sua imunogenicidade Complexidade: antígenos complexos tendem a ser mais imunogênicos. Também a diversidade de aminoácidos na molécula, especialmente aromáticos, aumenta a capacidade imunogênica. Dose/Via de administração do Ag: dependendo da dose administrada e da via de penetração podemos transformar um antígeno, tornando-o imunogênico ou não. Podemos induzir tolerância a ags que provocam alergias mediante um tratamento chamado de hiposensibilização, quando são administradas doses freqüentes e em outra via não usual de penetração. Especificidade Antigênica A resposta imune adaptativa é altamente específica para cada ag, ou seja, a resposta gerada contra um antígeno somente reage contra esse e não outro de estrutura, constituição ou conformação diferente. Reações cruzadas Epítopos idênticos ou semelhantes podem às vezes ser encontrados em moléculas aparentemente não relacionadas. Como resultado, anticorpos dirigidos contra um antígeno podem reagir com outro antígeno não relacionado, fenômeno conhecido como reação cruzada. Reações cruzadas ocorrem, por exemplo, entre Brucella abortus e Iersinia enterocolitica, um microorganismo relativamente sem importância. Desde que se detectem animais infectados por B. abortus através da presença de anticorpos no soro, animais infectados por I. enterocolitica podem ser falsamente considerados positivos para B. abortus. Também se observa entre carboidratos de grupos sangüíneos. Neste caso, o Pneumococus 14, compartilha dos mesmos antígenos que as hemácias. Os ags A, B e O destas bactérias sensibilizam os recém-nascidos, não havendo resposta para o ag do qual o recém- nascido é portador. Porém monta uma resposta contra os outros ags e aos seis meses de idade já é capaz de aglutinar hemácias dos outros grupos. Outros microorganismos não patogênicos promovem igualmente respostas semelhantes. Este fato pode ocasionar problemas de diagnóstico sorológico. - Anticorpos podem reagir com agentes diferentes quando estes possuem epítopos iguais ou semelhantes ao antígeno que induziu sua formação. Outros conceitos Geralmente os antígenos são multivalentes, ou seja, possuem muitos e diversos epítopos, os quais podem ser reconhecidos e gerarem respostas imunológicas. Antígenos monovalentes possuem somente um epítopo. Antígenos exógenos são aqueles externos às células, enquanto que os endógenos são aqueles sintetizados em células do hospedeiro (ex.: antígenos virais após infecção de célula suscetível). Antígenos T-dependentes dependem dos linfócitos T para induzirem a produção de anticorpos. É o caso das proteínas, por exemplo. Antígenos T-independentes não dependem dos linfócitos T para induzirem a produção de anticorpos. Como exemplo, os lipopolisacarídeos (LPS). LB C B+C A+B+C LB C B+C A+B+C CAPITULO 4 RECONHECIMENTO DE ANTÍGENOS PELAS CÉLULAS DO SISTEMA IMUNE INATO A presença de invasores e o dano de tecido resultante são inicialmente detectados por “células sentinelas”. As principais células sentinelas são macrófagos, dendríticas e mastócitos. Essas células possuem receptores de superfície que podem reconhecer moléculas que estão normalmente presentes em microorganismos e nunca em organismos superiores. Por exemplo, a maioria das bactérias é coberta por uma parede celular constituída de carboidratos complexos (peptidoglicanos nas gram positivas e peptidoglicanos e lipopolisacarídeos nas gram negativas). Também alguns tipos de DNA e algumas proteínas são moléculas únicas dos microorganismos. Os receptores das células sentinelas são capazes de reconhecer todas as possíveis moléculas dos microorganismos. Como os microorganismospodem sofrer mutações e alterar suas estruturas moleculares de modo muito rápido, é importante o reconhecimento de moléculas bem conservadas ou padrões de moléculas presentes em muitos diferentes microorganismos (como por exemplo LPS, manoses de leveduras, glicolipídios de micobactérias, bem como DNA bacteriano). São padrões moleculares associados a patógenos (PAMPS). Todas essas moléculas não são encontradas em tecidos de animais. - Células com receptor de superfície reconhecendo padrões moleculares (PAMPs) presente em diferentes patógenos. Os mais importantes receptores das células sentinelas são conhecidos como receptores do tipo Toll (toll-like receptors - TLRs). Os TLRs estão presentes em macrófagos, mastócitos, células dendríticas, eosinófilos e células epiteliais do trato respiratório e intestinal. Uma vez que ocorra a ligação de moléculas microbianas em TLRs, um sinal passa para a célula e é ativada, nessa célula, a produção de citocinas. Diferentes TLRs ativam a produção de diferentes citocinas, e diferentes microorganismos ativam diferentes respostas, mesmo em um mesmo tipo de célula. O resultado é a indução de inflamação e ativação de diversas células do sistema imune. - Alguns produtos reconhecidos pelos receptores Toll-like (TLR) Algumas células do sistema imune inato também podem reconhecer antígenos de maneira indireta, quando se ligam a eles por estarem recobertos por proteínas do sistema complemento ou por anticorpos. Algumas células possuem moléculas que reconhecem certas proteínas do sistema complemento e anticorpos (reconhecem a porção Fc de IgM, IgG, IgA ou IgE). A “comunicação” entre as células do sistema imune poderá se dar através da utilização de citocinas e receptores para citocinas Quando uma célula secreta uma citocina, essa pode atuar sobre a própria célula e sobre células que possuam o receptor para tal citocina. Sempre que as células são expostas a agentes infecciosos secretam muitas moléculas diferentes, incluindo as citocinas. De modo geral, células como os macrófagos e mastócitos secretam fator de necrose tumoral alfa (TNF – tumor necrosis factor ), e interleucina 1 (IL-1). Também pode ser secretado IL-6, IL-12, e IL-18, oxidantes, tais como O2-, H2O2, óxido nítrico, além de leucotrienos e prostaglandinas. TNF, produzido no início da inflamação, ativa mastócitos, macrófagos, linfócitos e neutrófilos. Atua sobre as células endoteliais dos vasos, causando contração. Pode ativar moléculas de adesão. É um potente atraente e ativador de neutrófilos (aumentam a capacidade dos neutrófilos de matar microorganismos). IL-1 em associação com TNF é responsável pela letargia, dor de cabeça, falta de apetite e febre, freqüentemente observados após uma infecção. Assim como TNF, IL-1 atua sobre os vasos tornando-os mais adesivos para neutrófilos. Pode ativar linfócitos. Não esqueça, há muitas citocinas, com diferentes ações. RECONHECIMENTO DE ANTÍGENO PELAS CÉLULAS “NATURAL KILLER” Cerca de 15 % dos linfócitos no sangue dos mamíferos não são B ou T, pertencem a uma terceira população chamada de células “natural killer” (NK). As células NK geralmente participam da resposta imune antes que sejam gerados LB e LT específicos. Entram rapidamente nos tecidos e atacam células anormais. Ao contrário dos LB e LT, que requerem vários dias para serem ativados, as células NK são rapidamente ativadas por interferons e interleucina 12 (IL-12). Não possuem receptores específicos para as diversidades de ags, ao contrário dos LB e LT. Para reconhecerem as células consideradas alvos, usam uma combinação de receptores que podem se ligar em células anormais. Desta forma podem distinguir uma célula normal de outra que possua Ag estranho. A ativação da capacidade das células NK em matar a célula-alvo, ocorre quando recebe mais sinais de ativação do que sinais inibitórios, ao encontrar com uma célula. Quando células NK encontram células normais, prevalecem sinais inibitórios. Quando células NK encontram células anormais, prevalecem sinais de ativação. Moléculas MHC classe I sob a superfície de célula normal fornecem os sinais que inibem a célula NK de matar. Se, porém, a célula não expressar MHC I ou expressar em muita pequena quantidade, a célula NK não recebe o sinal inibidor e então mata a célula-alvo. Os vírus podem suprimir a expressão de MHC I. Também células tumorais freqüentemente falham em expressar MHC I. Essas células são alvos para o ataque da NK. Células NK possuem uma molécula que funciona como receptora para MHC I (ou seja, reconhece e liga-se a MHC I), chamada de Ly49 (ou de KIR em humanos). Ou seja, qualquer célula que NÃO expressar MHCI será alvo da NK! Um segundo mecanismo que ativa a NK envolve o reconhecimento de proteínas chamadas de MIC-A e MIC-B (major histocompatibility complex class I chain- related A or B), sob a célula-alvo. Essas duas proteínas somente são expressas durante stress celular ou infecção viral ou ainda em algumas células tumorais. Não há MICA ou MICB em células saudáveis. O reconhecimento dessas moléculas ocorre pelo receptor NKG2D, presente somente em células NK. Se a célula possuir MHC I na superfície, mas também MICA ou MICB, o sinal de ativação supera o de inibição, e a NK destrói a célula-alvo. A terceira forma de reconhecimento pode também ser efetuada por outras células e deve-se ao fato de células NK possuírem receptor de baixa afinidade para IgG e IgA. Células a serem destruídas são marcadas pela ligação de moléculas de IgG ou IgA, e a célula NK é recrutada através da ligação do seu receptor de Fc para IgG ou IgA, mecanismo chamado de citotoxicidade celular dependente de anticorpo (ADCC). CAPÍTULO 5 RECONHECIMENTO DE ANTÍGENOS PELAS CÉLULAS DO SISTEMA IMUNE INATO E POR LINFÓCITOS B RECEPTOR DE ANTÍGENO DO LINFÓCITO B Os receptores que reconhecem antígeno no linfócito B são imunoglobulinas (Ig) ligadas à membrana citoplasmática, também chamadas de BCR (B cell receptor: receptor da célula B). São IgM monomérica e IgD na resposta primária e podem ser qualquer outra classe na secundária (IgG, IgA, IgE). Embora a classe de Ig mude na resposta secundária, a especificidade permanece a mesma, isto é, permanecem capazes de reconhecer o mesmo epítopo. Há entre 200.000 a 500.000 imunoglobulinas idênticas (BCRs) na superfície de cada célula B. São os receptores presentes na superfície dos linfócitos (B ou T) e as imunoglobulinas secretadas os responsáveis pela especificidade do reconhecimento antigênico. ESTRUTURA DO BCR O BCR é uma IgM monomérica ou IgD (na resposta primária) ligada à membrana do linfócito B. Pode ter estrutura de outras classes na resposta secundária. A estrutura é semelhante a das imunoglobulinas correspondentes, porém possuem uma porção que fica inserida na membrana plasmática do linfócito B. O BCR possui um formato semelhante a letra Y. Constituído de 4 cadeias peptídicas, sendo duas pesadas (cerca de 450 aminoácidos) e duas leves (cerca de 212 aminoácidos) ligadas entre si por pontes dissulfídicas. Tanto as cadeias pesadas como as cadeias leves, formam pequenas alças ligadas por pontes dissulfídicas, conhecidas por domínios. Os domínios variáveis constituem o local de reconhecimento e de reação com o antígeno. Cada linfócito produz um único tipo de Ig (ou BCR), específica para um único epítopo de um antígeno. As porções constantes, como o nome diz, possuem a mesma estrutura para cada classede Ig em cada espécie animal. O desenho mostra uma representação gráfica da estrutura molecular de uma Imunoglobulina (ou BCR). Um fragmento possui quatro domínios, dois nas porções variáveis e dois nas constantes, tanto das cadeias pesadas como das cadeias leves, localizadas após as ligações dissulfidicas. Este fragmento é conhecido por Fab (Fragment antigen-binding: Fragmento de ligação com o Antígeno). O Fab é constituído por duas porções das cadeias pesadas e de toda cadeia leve, ligadas por pontes dissulfídicas. Tanto a cadeia leve como a pesada contribuem com um domínio constante e um domínio variável. Outro fragmento, abaixo das ligações dissulfídicas, é conhecido por Fc (Fragment crystalline: Fragmento cristalizável). O segundo domínio tem por função a ligação na primeira molécula do complemento, enquanto o terceiro domínio é responsável pela ligação com receptores presentes em algumas células. RECONHECIMENTO MOLECULAR DOS ANTÍGENOS PELOS LINFÓCITOS B E ANTICORPOS A reação entre um epítopo de um antígeno e o BCR do linfócito B ocorre da mesma maneira que entre o mesmo epítopo e um anticorpo específico. Essa interação é um tipo especial de reação química e, como tal, sujeita a vários tipos de forças. A ligação se dará pela formação de múltiplas ligações não- covalentes entre o epítopo do ag e os aminoácidos do local da união, que permitem a formação de complexos de maneira rápida e reversível. Isso permite que o anticorpo possa ser reutilizado. Há várias forças de atração: pontes de H, forças eletrostáticas, Van der Waals e hidrofóbicas. São individualmente fracas em comparação com as ligações covalentes, mas várias delas resultará numa ligação suficientemente forte. Para que estas ligações não covalentes ocorram e sejam significativas, o ag e o ac (ou melhor dizendo, o epítopo e o sítio combinatório do anticorpo ou do BCR), devem estar bem próximos, além de terem uma conformação complementar. Desta forma, a ligação é mais forte na medida em que suas configurações melhor se ajustarem (comparar a uma chave e sua fechadura). Isto é, deve haver grupamentos atômicos adequados em partes do ag e do ac, e uma forma adequada, para que ocorra a ligação. Uma importante força não covalente que contribui nessa interação é a ligação hidrofóbica. Muitas cadeias laterais de aminoácidos do ag e do ac são hidrofóbicos, ou seja, tendem a se agrupar de tal modo que acabam excluindo água dos arredores, e por isso se formam ligações estáveis. Outro tipo de ligação não covalente que auxilia na interação Ag-Ac é fornecido pelas pontes de hidrogênio. As pontes de H são formadas quando um íon H eletronegativo interage com outro átomo de H eletronegativo de outra cadeia peptídica. Ligações iônicas ou eletrostáticas formadas entre aminoácidos de cargas opostas (que se atraem) também podem contribuir na ligação do ag ao seu receptor. Mas, a carga da maioria das proteínas geralmente é neutralizada por eletrólitos solúveis. Quando dois átomos se aproximam muito uma força inespecífica chamada força de van der Waals pode ocorrer. É o resultado de uma mínima assimetria na carga de um átomo devido a posição de seus elétrons. Ou seja, a uma curta distância quaisquer dois átomos apresentam uma fraca ligação devido a flutuação de suas cargas elétricas. Esta força é conhecida como atração de van der Waals. AFINIDADE DOS ANTICORPOS É a força de ligação ag-Ac ou ag-BCR, produzida pela somatória das forças de atração físicas e químicas e de repulsão. É dependente do “encaixe” entre ambos. REATIVIDADE CRUZADA Reação cruzada de um anticorpo significa que esse pode reagir (ligar-se) com epítopos estruturalmente relacionados, embora distintos. Um anticorpo pode exibir reatividade cruzada com vários epítopos, porém a afinidade para cada um epítopo tende a ser diferente. AVIDEZ Refere-se a múltiplas ligações entre um anticorpo e um antígeno multivalente (aquele que contém múltiplos epítopos idênticos). Devido à interação sinérgica dos dois sítios de combinação do anticorpo na ligação multivalente, a avidez de um anticorpo divalente é 50 a 1000 vezes maior que a sua afinidade, dependendo dos limites estruturais (diferenças na dobradiça, distâncias entre epítopos, orientações do epítopo...). LIGAÇÃO CRUZADA Um anticorpo pode se ligar simultaneamente a dois epítopos presentes em duas moléculas de ag diferentes, se estas exibirem o mesmo epítopo. A esse fato dizemos que os anticorpos realizam ligações cruzadas. CAPÍTULO 6 MOLÉCULAS DO COMPLEXO DE HISTOCOMPATIBILIDADE PRINCIPAL E RECONHECIMENTO DE ANTÍGENOS PELOS LINFÓCITOS T Para entendermos o reconhecimento de antígenos pelos linfócitos T precisamos inicialmente conhecer sobre algumas moléculas que são capazes de apresentarem antígenos para os linfócitos T. O complexo de histocompatibilidade principal (MHC) é um complexo de genes que codificam as moléculas chamadas MHC classe I e classe II, além de outras proteínas. Moléculas MHC I e II foram primeiramente reconhecidas como tendo papel na rejeição de tecidos transplantados, devido a uma ativação de resposta imune. Atualmente se sabe que moléculas MHC I e II são moléculas apresentadoras de ag para LT. Existem também as moléculas MHC III, que incluem proteínas do sistema complemento, bem como receptores de membrana que também estão envolvidos na resposta imune. É absolutamente necessário que os antígenos estejam associados às moléculas do MHC para que seja ativada uma resposta imune específica. A este fato se chama restrição ao MHC. Para ativar uma resposta imune específica é necessário que o ag estranho seja fragmentado, isto é, processado dentro de células, e estes fragmentos sejam apresentados para outras células, ligados às moléculas MHC. Antígenos associados a moléculas MHC classe I são reconhecidos por LTc (CD8+) e ags associados com moléculas MHC classe II são reconhecidos por LTh (CD4+). Isto significa que diferentes formas de ags são reconhecidas por diferentes LT. Ags estranhos exógenos (extracelulares) associam-se a MHC II, já os ags estranhos endógenos (sintetizados dentro de células) associam-se a MHC I. MHC I Molécula presente nas células nucleadas do organismo. É responsável pela captura e apresentação de antígenos (peptídeos) sintetizados pelas células (endógenos), tanto próprios como estranhos. Quando os antígenos próprios forem apresentados, não haverá linfócitos que os reconheçam, entretanto, os antígenos estranhos que estiverem sendo produzidos pela célula serão igualmente apresentados e esse serão reconhecidos pelo receptor de ag (TCR) do linfócito T citotóxico, que então destruirá esta célula. Os antígenos estranhos endógenos são originados em células cancerígenas ou células infectadas por vírus, por exemplo. A molécula MHC I será reconhecida pela molécula de superfície CD8, presente no LTc. As moléculas MHC I são glicoproteínas constituídas por duas cadeias de peptídeos chamados de alfa e beta. A cadeia alfa é ligada não covalentemente a uma cadeia menor, chamada de beta 2 microglobulina, a qual não está ligada diretamente à célula. Baseados nas seqüências primárias de aminoácidos a cadeia alfa pode ser dividida em quatro domínios: um domínio extracelular para ligação com peptídeos (alfa 1 e alfa 2), um extracelular semelhante a Ig (alfa 3), além de um domínio na região citoplasmática e um dentro da membrana celular (região de transmembrana). A cadeia beta2 microglobulina só possui
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