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MARQUES DE MELO, José. A opinião no jornalismo brasileiro. 4 ed. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 95-105. 2. EDITORIAL 95 Editorial é o gênero jornalístico que expressa a opinião oficial da empresa diante dos fatos de maior repercussão no momento. Todavia, a sua natureza de porta-voz da instituição jornalística precisa ser melhor compreendida e delimitada. 96 Popularmente se diz que o editorial contém a opinião do dono ou da emissora de radiodifusão. Isso é verdade nas organizações de porte médio ou nas pequenas empresas, onde o controle financeiro fica nas mãos de um proprietário ou de sua família. Precisando o conceito de editorial, diz Raúl Rivadeneira Prada 10` que, ao lhe atribuir o sentido de "opinião da empresa", torna-se indispensável caracterizar as "re- lações de propriedade" da instituição jornalística. Pois nas sociedades capitalistas o editorial reflete não exatamente a opinião dos seus proprietários nominais mas o consenso das opiniões que emanam dos diferentes núcleos que participam da propriedade da. organização. Além dos acionistas majoritários, há financiadores que subsidiam a operação das empresas, existem anunciantes que carreiam recursos regulares para os cofres da organização através da compra de espaço, além de braços do aparelho burocrático do Estado que exerce grande influência sobre o processo jornalístico pelos controles que exerce no âmbito fiscal, previdenciário, financeiro. Assim sendo, o editorial afigura-se como um espaço de contradições. Seu discurso constitui uma teia de articulações políticas e por isso representa um exercício permanente de equilíbrio semântico. Sua vocação é a de apreender e conciliar os diferentes interesses que perpassam sua operação cotidiana. Mas se o editorial expressa essa opinião das forças que mantêm a instituição jornalística, torna-se necessário indagar para quem se dirige em sua argumentação. A resposta poderia ser tranqüila: a opinião contida no editorial constitui um indicador que 10 PRADA, Raúl Rivadeneira. Periodismo. México: Trillas, 1977. pretende orientar a opinião pública. Assim sendo, o editorial é dirigido à coletividade. Na realidade, isso acontece em relação às empresas que atuam nas sociedades que possuem uma opinião pública autônoma. Em outras palavras: que dispõem de uma sociedade civil forte e organizada, contrapondo-se ao poder do Estado 11 . 97 Este não é o caso da sociedade brasileira, cuja organização política tem no Estado uma entidade todo-poderosa, presente em todos os níveis da vida social. Por isso é que os editoriais difundidos pelas empresas jornalísticas, embora se dirijam formalmente à “opinião pública”, na verdade encerram uma relação de diálogo com o Estado. Trata-se de uma hipótese que precisa ser demonstrada sistematicamente, mas que corresponde à apreensão desse gênero jornalístico a partir da observação que temos feito durante anos a fio. A leitura de editoriais dos jornais diários, por exemplo, inspira- nos a compreensão de que as instituições jornalísticas procuram dizer aos dirigentes do aparelho burocrático do Estado como gostariam de orientar os assuntos públicos. E não se trata de uma atitude voltada para perceber as reivindicações da coletividade e expressá-las a quem de direito. Significa muito mais um trabalho de "coação" ao Estado para a defesa de interesses dos segmentos empresariais e financeiros que representam. Esta é a nossa percepção do editorial na imprensa brasileira. Evidências que corroboram essa tese já haviam sido indicadas por Jonathan LANE 12 . Ele analisou a participação das instituições jornalísticas brasileiras na queda do Governo Goulart e verificou que sua intenção explícita nos dias que precederam o golpe militar de 31 de março era criar pânico entre as forças armadas, conduzindo-as à insurreição contra o regime constitucionalmente instalado. Depois foram ratificadas por Alfred STEPAN 13 que 98 estudou o comportamento dos editoriais dos grandes diários do Rio e de São Paulo 11 Sobre a flacidez das sociedades civis na América Latina, Carlos Eduardo Lins da Silva realizou um interessante ensaio, rico em comparações. Vide: LINS DA SILVA, Carlos Eduardo. América Latina: Estado, sociedade civil e meios de comunicação de massa, Cadernos Intercom, n. 3. São Paulo, Cortez, 1982. 12 LANE, Jonathan. Functions of the mass media in Brasil's 1964 crisis, Journalism Quarterly, vol. 44, n. 2, 1967, p. 297-306. 13 STEPAN, Alfred. A comparative analysis of five coups, 1945-1964. In: The military in politics: changing patterns in Brazil. Princeton, Nova Jersei, Princeton University Press, 1971, p. 85-121. em relação aos golpes de Estado que foram tentados ou efetivados durante o período 1945-1964. Sua conclusão é a seguinte: os golpes apoiados abertamente pelos editoriais dos grandes jornais obtiveram êxito; os golpes que não contaram com o entusiasmo dos editorialistas fracassaram. Em certo sentido, Eron BRUM 14 traz reforço a essa hipótese de que os editoriais são dirigidos ao Estado e não à opinião pública (embora esta tome conhecimento da argumentação usada e funcione como massa de manobra), quando mostra que os editoriais do jornal A Tribuna, de Santos, no período que antecedeu abril de 1964, privilegiaram três grandes temas: política, economia e administração, concentrando baterias contra Goulart e seus ministros. Sabendo que dispõem dessa força e que encontram correspondência no aparelho estatal, as instituições jornalísticas atribuem à produção dos editoriais uma atenção toda especial que supõe plena integração entre as políticas da empresa e os interesses corporativos que defendem. Um caso típico é o do Jornal do Brasil. O esquema de elaboração dos seus editoriais está registrado por Natalício NORBERTO 15 cujos detalhes vale a pena transcrever. Trata-se de um relato feito pelo próprio JB, na década de 60. 99 Tendo em geral a notícia como fator determinante, os editoriais ou são baseados em fatos atuais ou em assuntos de interesse permanente – o tráfego, por exemplo. Para sua elaboração, os editorialistas se reúnem com a Diretoria do Jornal, para debaterem os assuntos em pauta e selecionarem os itens que vão ser abordados no dia. Para isto, todos os setores da redação e sucursais do JB por todo o país mandam as informações mais recentes sobre os fatos que estão acontecendo, ajudando assim na atualização dos editorialistas – que já devem estar a par das notícias através da leitura não só do JB, mas também de outros jornais, para que a visão dos acontecimentos seja a mais ampla possível. Os assuntos são todos anotados e debatidos, ouvindo-se a opinião dos presentes para chegar-se a uma conclusão, que é então submetida à Diretoria, responsável pela linha do jornal, para o tratamento do assunto. O número de editoriais por edição não é fixo, mas a maior constante é de três. Os temas são repartidos entre os editorialistas, nunca ocorrendo de vários deles fazerem o mesmo editorial. Cada um é escalado para estudar o seu tema e quando ele é somente um, 14 BRUM, Eron. O procedimento editorial do veículo jornal frente à interrupção de processos políticos (dissertação de mestrado). São Paulo, ECA-USP, 1981. 15 NORBERTO, Natalício. Jornalismo para todos. Rio de Janeiro, Edição do autor, 1969, p. 380-381. um único editorialista se encarrega dele. Assim que os editoriais ficam prontos são novamente submetidos à Diretoria que os aprova ou então indicaa melhor linha a ser tomada de modo a não prejudicarem aquela seguida pelo jornal. Para sua melhor atualização e seu maior conhecimento nos assuntos de ordem geral, os editorialistas costumam ter, uma vez cada semana, reuniões com personalidades especializadas em assuntos de interesse não muito imediato, mas que funcionam como informação num processo de esclarecimento confidencial off the record. Observa-se então que cada editorial, numa grande empresa jornalística, passa por um sofisticado processo de depuração dos fatos, de conferência dos dados, de çhecagem das fontes. A decisão é tomada pela diretoria, funcionando o editorialista, que se imagina alguém integrado na linha da instituição, como intérprete dos pontos de vista que se convenciona devam ser divulgados. Além disso, o contacto com personalidades externas à organização significa a sintonização com as forças de que depende o jornal para funcionar ou cujos interesses defende na sua política editorial. Está distante aquela prática de redação dos editoriais nos velhos jornais e revistas, cuja tarefa era desempenhada pelo “dono”, ou seja, pelo jornalista-proprietário. 100 Como hoje as empresas jornalísticas pertencem a grandes corporações ou são gerenciadas por pessoas que nem sempre emergiram profissionalmente do jornalismo, é compreensível que precisem apelar para redatores tarimbados que fazem a mediação entre a opinião institucional e a mensagem estampada nos editoriais. Mas além desse traço político-social, o editorial como gênero jornalístico tem sua identidade redacional. Fraser Bond diz que se trata de um ensaio curto, embebido do senso de oportunidade. "O editorial do jornal hodierno tem emergido como uma forma jornalística peculiar. Seu primo literário mais próximo é o ensaio. Mas o editorial difere do ensaio, em sua brevidade e também porque insiste em sua natureza contemporânea”16. Esse perfil do editorial na imprensa norte-americana corresponde em grande parte à sua feição brasileira. Juarez Bahia o confirma: "Parente literário do ensaio, o editorial é, no jornal, no rádio ou na televisão, a palavra do editor, a opinião do veículo 16 BOND, Fraser. Introdução ao jornalismo. 2 ed., Rio de Janeiro, Agir, 1962, p. 228. ou da empresa. Antigamente essa opinião tinha o nome de artigo-de-fundo ou comentário" 17 Mas o que constitui atributo específico do editorial? Beltrão 18 aponta quatro: impessoalidade (não se trata de matéria assinada, ultizando portanto a terceira pessoa do singular ou a primeira do plural); topicalidade (trata de um tema bem delimitado, mesmo que ainda não tenha adquirido configuração pública); condensalidade (poucas idéias, dando maior ênfase às afirmações que às demonstrações); plasticidade (flexibilidade, maleabilidade, não dogmatismo).- Retomemos esses atributos e os analisemos brevemente. A impessoalidade tem suas raízes na própria transição das instituições jornalísticas, que deixaram de ser 101 propriedades individuais ou familiares e se tornaram organizações complexas. Logo, não há mais lugar para o "artigo de fundo" que era assinado pelo proprietário. A topicalidade emerge da alteração ocorrida na estrutura editorial das empresas brasileiras, principalmente dos jornais diários, que substituíram o editorial único (e necessariamente abrangente) por vários editoriais, cada um deles tratando de questão específica, dentro de limites precisos e analisados com competência. A condensa- bilidade é uma contingência dos tempos modernos. O leitor dos dias atuais, vivendo nos grandes centros urbanos, dispõe de tempo escasso para a leitura do jornal. E se o editorial pretende formular um ponto de vista significativo obtendo a adesão do público, necessita ser breve e claro. A plasticidade decorre da própria natureza dos fenômenos jornalísticos. Nutrindo-se do efêmero, do circunstancial, o relato jornalístico não pode permanecer estático. E, se lhe cabe valorar os fatos que estão acontecendo, é indispensável acompanhar o ritmo dos próprios fatos e apreendê-los nos seus desdobramentos, nas suas variações. Mesmo possuindo esses atributos, o editorial não consegue galvanizar o interesse de maior contingente do público leitor dos jornais diários. José Nabantino Ramos 19 menciona pesquisas feitas em São Paulo que constatam o seguinte: "os editoriais são lidos por menos de 10% dos leitores". Danton Jobim 20 diz que "lê-se hoje menos o editorial que no passado". Por que o leitor brasileiro recusa o editorial? 17 BAHIA, Juarez. Jornal: história e técnica. 3 ed., São Paulo, IBRASA, 1972, p. 192. 18 BELTRÃO, Luiz. Jornalismo opinativo. Porto Alegre, Sulina, 1980, p. 53-55. 19 RAMOS, José Nabantino. Jornalismo: dicionário enciclopédico. São Paulo, IBRASA, 1970, p. 97. 20 JOBIM, Danton. Espírito do jornalismo. Rio de Janeiro, São José, 1960, p. 78. Alan Viggiano 21 aponta algumas razões: 1) o editorial é massudo - maciço, sem subtítulos, com poucos parágrafos, muito intelectualizado; 2) destina-se a uma deter- 102 minada classe de leitores – empresários e políticos; 3) não é valorizado – figura isoladamente na superfície impressa, distante das matérias que tratam informativamente dos mesmos temas; 4) não interessa ao leitor – geralmente o tema abordado não diz respeito ao universo específico do público. Na última década, algumas mudanças ocorreram na estrutura dos jornais e algumas dessas críticas foram sanadas. Os editoriais hoje gozam de melhor posição na superfície impressa, sendo mais legíveis e menos massudos. Mas o fundamental não se alterou. Os editoriais continuam a tratar daqueles temas que não correspondem aos interesses cotidianos dos seus leitores. Persiste a atitude de tomar como referencial para o posicionamento cotidiano aquelas questões já apontadas por Brum – política, economia, administração – deixando à margem problemas ligados ao mundo do trabalho, à saúde, à educação. E se eventualmente tais nuanças são captadas e valoradas é porque assumem o caráter de assuntos que atestam a disfuncionalidade ou a negligência dos organismos governamentais. Nunca são tratados na sua essência. Mas este não é um problema específico dos editoriais. Trata-se de uma característica dos jornais diários brasileiros, que assumem postura claramente elitista. As exceções são as dos jornais "populares" que levam o sensacionalismo a conseqüências desmedidas e também não se preocupam com as questões fundamentais do público leitor. Tratam aliás de despistá-las. Eliminar pura e simplesmente os editoriais não é uma medida que conte com a aprovação dos leitores (e da qual certamente as instituições jornalísticas sequer cogitam). Numa pesquisa feita no Rio de Janeiro, 78% dos entrevistados repeliram a hipótese de suprimir os editoriais dos jornais brasileiros, justificando: "o editorial é uma janela que permite a expressão do ponto de vista que oferece aos leitores melhor idéia dos fatos nacionais e internacionais". Verificou-se, por outro lado, que os leitores 103 de editoriais pertencem à “idade madura, embora os jovens não o deixem de lado”22. Danton Jobim chegou a cogitar do editorial "ideal": "aquele que, realmente, se 21 VIGGIANO, Alan. Crise do editorial gera desinteresse entre os leitores, Cadernos de jornalismo e comunicação, n. 24, Rio de Janeiro, JB, 1970, p. 46-50. 22 VIGGIANO, Alan. Crise do editorial etc., p. 49. possa resumir em dois parágrafos: o primeiro enunciando a tese, numa frase curta, eo último confirmando-o, numa frase incisiva, que seria a ampliação da primeira" 23 . A fórmula de Jobim chegou a ser aplicada pela Folha de São Paulo, na década de 60, publicando "textos opinativos, com títulos na página editorial sobre os principais assuntos do dia", conforme constatou Beltrão. Ele também observou que jornais cariocas fizeram inovações: o Correio da Manhã chegou a usar subtítulos e O Globo deslocou seu editorial para a primeira página 24 . Onde está o cerne do problema? Por que o editorial não suscita o interesse dos grandes contingentes de leitores? Além das razões já apontadas (o conteúdo do próprio editorial), Beltrão identifica o anacronismo ou superação das páginas onde os editoriais se localizam. Segregar todo o conjunto das principais matérias opinativas numa única página constitui um erro de concepção no modo de "exprimir a opinião do editor". Sua sugestão é a de combinar os gêneros opinativos com os demais gêneros no conjunto da superfície impressa. A maioria dos jornais diários no Brasil permanece contudo mantendo o editorial na página chamada de opinião. Ou melhor, os editoriais, pois vem se tornando geral a orientação de publicar pontos de vista sobre as principais questões do momento. Daí a existência de diferentes espécies de editoriais. Beltrão classifica-os segundo cinco variáveis: morfologia, topicalidade, conteúdo, estilo e natureza 25 . 104 Quanto à 1) morfologia, os editoriais que aparecem na imprensa brasileira se diferenciam em: artigo de fundo (editorial principal), suelto (pequena análise sobre um fato da atualidade) e nota (registro ligeiro de uma ocorrência, antecipando suas conseqüências ao leitor). A topicalidade produz -três espécies de editoriais: preventivo (focalizando aspectos novos que podem produzir mudanças), de ação (apreendendo o impacto de uma ocorrência) e de conseqüência (visualizando repercussões e efeitos). No que se refere ao 2) conteúdo, temos: informativo (esclarecedor), normativo (exortador) e ilustrativo (educador). O 3) estilo pode sugerir duas espécies: o intelectual (racionalizante) e o emocional (sensibilizante). Finalmente, quando à 4) natureza, o editorial se divide em: promocional (coerente com a linha da empresa), 23 JOBIM, Danton. Espírito do jornalismo. Rio de Janeiro, São José, 1960, p. 78. 24 BELTRÃO, Luiz. Jornalismo opinativo. Porto Alegre, Sulina, 1980, p. 62. 25 BELTRÃO, Luiz. Jornalismo opinativo, p. 55-58. circunstancial (oportunista, imediatista) e polêmico (contestador, provocador). O editorial é um gênero quase exclusivo da imprensa, ou, mais precisamente, dos jornais. Nas revistas, o editorial aparece com mais freqüência nos periódicos culturais ou políticos, pois as revistas de informação geral recorrem às "cartas dos editores, mais próximas daquilo que poderíamos chamar de merchandising jornalístico do que de expressões opinativas". No rádio e na televisão, a presença do editorial é episódica. Quase sempre ocorre em momentos de crise, de conturbação social, quando as emissoras se sentem compelidas a dizer o que pensam sobre os acontecimentos. A explicação para essa ausência do editorial no jornalismo eletrônico nos é dada por Zita de Andrade Lima: "Na prática, poucas emissoras brasileiras editorializam, e isto se deve, entre outras razões, pelo receio da responsabilidade, escassez de bons editorialistas, ignorância do seu poder na formação da opinião pública e pouca dose de interesse no bem comum". Mais adiante, ela apresenta a razão que nos parece decisiva: "... o rádio é uma concessão do Estado e sua utilização pelos que exploram as ondas magnéticas está sujeita a uma série de imposições regulamentares e técnicas que impõem ao diretor, como ao editorialista, muito mais cuidado na produção e difusão de programas opinativos”26. 105 Mesmo quando aparece de forma bissexta, o editorial no rádio e na televisão não tem fisionomia própria. É o editorial falado, o editorial lido. Sua estrutura segue a mesma técnica de elaboração do editorial que se publica no jornal, adicionando-se à leitura do texto uma "característica sonora especial” no caso do rádio, e a cena de locução, no caso da TV. 26 ANDRADE LIMA, Zita. Princípios e técnica de radiojornalismo. Brasília, ICINFORM, 1970, p. 126-128.
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