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Patologia das principais encefalomalácias dos mamíferos domésticos Raimundo Hilton Girão Nogueira Índice Introdução Introdução Poliencefalomalácia dos ruminantes Considerações iniciais Sinais Clínicos Patogenia Achados Anatomopatológicos Leucoencefalomalácia micotóxica dos Equídeos Considerações iniciais Sinais Clínicos Patogenia Achados Anatomopatológicos Encefalomalácia focal Simétrica Considerações iniciais Sinais Clínicos Patogenia Achados anatomopatológicos Considerações finais Considerações finais Referências bibliográficas Referências bibliográficas Introdução Índice Introdução Introdução Malácia é um termo genérico utilizado para designar necrose de liquefação do tecido nervoso. Encefalomalácia e mielomalácia correspondem à necrose do cérebro e medula espinhal, respectivamente. Ambos caracterizam-se por amolecimento do tecido nervoso, algumas vezes, formando grandes cavitações. Quando a área de amolecimento afeta a substância cinzenta do encéfalo, o processo é denominado de poliencefalomalácia, enquanto que leucoencefalomalácia refere-se a necrose liquefativa da substância branca. O termo malácia é corretamente aplicado quando o neurônio e a neuróglia degeneram e morrem como parte da resposta primária. A malácia, ocorrendo isoladamente ou em associação com outro insulto ao tecido, é uma das lesões mais comuns do cérebro e medula espinhal (Jubb e Huxtable, 1993). Embora a natureza do processo não seja específica para a causa, existe alguma especificidade na localização e distribuição da lesão. Estas características podem permitir o reconhecimento de associações ou causas, como é o caso das lesões simétricas focais da cápsula interna em cordeiros com enterotoxemia por Clostridium perfringens tipo D. Na ausência de hemorragia, as lesões características de malácia do sistema nervoso central (SNC), que se desenvolvem em processos agudos, só são observáveis em torno de doze horas após o início do processo. Macroscopicamente, as primeiras alterações são relacionadas com a textura e a coloração do tecido afetado, o qual torna-se amolecido (necrótico) e de tonalidade acinzentada. Dois a três dias após, o tecido se liqüefaz, tornando- se amarelado e, com o tempo, a área necrosada transforma-se numa estrutura cística repleta de líquido amarelado e filamentos de fibrina (Guimarães, 2000). Esta revisão tem como objetivo abordar os aspectos anatomopatológicos das principais encefalomalácias dos mamíferos domésticos. Poliencefalomalácia dos ruminantes Índice Considerações iniciais Sinais Clínicos Patogenia Achados Anatomopatológicos Considerações iniciais Poliencefalomalácia é uma síndrome que afeta ruminantes, de etiologia ainda não bem definida, caracterizada por sinais neurológicos e necrose laminar do córtex cerebral. Esta lesão não é específica, porquanto pode ser encontrada na intoxicação por cloreto de sódio, no envenenamento por chumbo em bovinos, na encefalite por Herpesvírus bovino-5 (BHV-5) e no envenenamento por cianeto em várias espécies. A doença foi descrita pela primeira vez em bovinos e ovinos no Colorado, Estados Unidos, sendo então denominada poliencefalomalácia. Posteriormente, na Grã-Bretanha, descreveu- se uma doença com características clínicas e anatomopatológicas semelhantes, que foi chamada de necrose cerebrocortical (NCC), ambas mais tarde reconhecidas como sendo a mesma enfermidade (Lemos e Nakazato, 1998). No homem, existe uma doença semelhante a poliencefalomalácia associada ao alcoolismo crônico, denominada encefalopatia de Wernicke (Summers, 1995). Sinais Clínicos Embora a literatura internacional mencione que a doença ocorra principalmente em bovinos de 6-18 meses de idade, em condições de confinamento ou submetidos a mudanças bruscas de alimentação, nos casos descritos no Brasil, a doença ocorre principalmente em animais a campo, sendo os adultos afetados em maior número (Ferreira et al., 1986; Moro et al., 1994; Lemos e Nakazato, 1998; Motta et al., 1999). Quando a enfermidade afeta muitos animais, normalmente ocorre no primeiro ano de vida, enquanto que os casos esporádicos acometem animais velhos (Summers, 1995). Em ovinos, a doença ocorre, na maioria das vezes, entre a desmama e o 18º mês de vida, sendo esporádica em animais adultos (Jubb e Huxtable, 1993). Clinicamente, os animais afetados costumam afastar-se do rebanho, apresentando andar cambaleante, apatia, ataxia, movimentos circulares, hiperestesia, incoordenação, tremores musculares, ranger de dentes, cegueira parcial ou total, nistágmo e opistótono (Telercki e Markson, 1961). Estes sintomas são decorrentes do edema cerebral, que causa aumento da pressão intracraniana, e da necrose da córtex cerebral (Guimarães, 2000). Alguns bovinos apresentam um curso breve de diarréia que precede aos sinais neurológicos, porém sem aparecimento de febre (Ohshima et al., 1977). Muitos animais são encontrados em decúbito lateral ou esternal. A morte geralmente ocorre 2-3 dias após o aparecimento dos sintomas, entretanto alguns animais morrem poucas horas após e outros permanecem até 10 dias em decúbito (Lemos e Nakazato, 1998). Ocorre melhora do quadro clínico quando o tratamento com tiamina (vitamina B1) é realizado no início da doença (Summers, 1995). Patogenia Desde a primeira descrição da enfermidade em 1956 e durante os 25 anos subseqüentes, a poliencefalomalácia foi atribuída à deficiência ou distúrbio no metabolismo da tiamina. O mecanismo básico não foi completamente esclarecido. Em algumas situações, apesar da capacidade de síntese de vitamina B1, todos os herbívoros podem se tornar deficientes, necessitando de suplementação com a vitamina. Isto acontece com ruminantes jovens, nos quais o rúmen em desenvolvimento é pouco eficiente na síntese de nutrientes e o leite não representa uma boa fonte de vitamina B1. Um fator nutricional freqüentemente associado à poliencefalomalácia em ruminantes é a alimentação com rações pobres em fibras e abundantes em concentrados, principalmente aquelas à base de grãos, portanto ricas em carboidratos, ou ainda devido a mudanças bruscas na alimentação sem prévia adaptação, principalmente na transferência de pastos pobres para pastagem de boa qualidade. Dietas ricas em carboidratos são facilmente fermentáveis reduzindo o pH rumenal, que na maioria das vezes, desencadeia um quadro de acidose láctica, causando desequilíbrio da flora microbiana rumenal normal. Nestas condições, geralmente há inibição do desenvolvimento dos microorganismos produtores de tiamina e multiplicação do Clostridium sporogenes e Bacillus thiaminollyticus, que são bactérias sintetizadores de tiaminase. Esta enzima destroi a vitamina B1 porventura formada, impedindo a sua absorção pelo rúmen e intestino. Com a evolução do processo, as reservas hepáticas de tiamina são exauridas desencadeando deficiência sistêmica e afetando o tecido cerebral, ocasionando as manifestações clínicas características da doença. Outros fatores como a deficiência de cobalto, o uso de anti-helmínticos (tiabendazol e cloridrato de levamizol), a ingestão de tiaminases, como as existentes nos rizomas da samambaia (Pteridium aquilinum), bem como o uso de antibióticos orais, participam na etiopatogenia do processo. Além disso, o bloqueio da absorção intestinal, o aumento da demanda e da excreção fecal excessiva da tiamina, também são fatores predisponentes. A administração experimental de amprólio, uma droga coccidiostática antagonista da tiamina, que é utilizada como promotora de crescimento, reproduz a enfermidade (Guimarães, 2000). Com relação aos detalhes patogenéticos, a deficiência de tiaminainterfere no metabolismo da glicose no sistema nervoso, alterando a função dos sistemas enzimáticos intracelulares dependentes do pirofosfato de tiamina. Com isto há redução da síntese de ATP, ocasionando diminuição da eficiência da bomba de sódio e potássio, resultando em retenção de sódio com aumento da pressão osmótica no interior da célula e, consequentemente, alteração no volume celular devido a maior atração de água. Estes distúrbios são responsáveis pelas alterações morfológicas iniciais observadas no sistema nervoso central acometido de poliencefalomalácia. Ultraestruturalmente, caracterizam-se por edema citotóxico. O edema intracelular causa aumento da pressão intracraniana, resultando em redução no fluxo sanguíneo para o cérebro, e consequentemente, desenvolvimento de necrose cortical laminar e poliencefalomalácia (Storts, 1998). A inibição do metabolismo de carboidratos na deficiência de tiamina resulta em alterações bioquímicas do sangue, como aumento nas concentrações de lactato, piruvato e oxoglutarato e diminuição da atividade transcetalase eritrocitária (Edwis et al., 1979; Summers, 1995). No Brasil, a poliencefalomalácia tem sido associada à ingestão de carcaças (Lemos e Nakazato, 1998). Atualmente, acredita-se que a poliencefalomalácia não apresente uma etiologia específica, uma vez que outros fatores dietéticos, como já citado anteriormente, têm sido associados com a ocorrência da enfermidade. O consumo elevado de enxofre, nas formas de sulfato, sulfito e sulfeto e dietas com excesso em uréia e melaço, têm sido incriminadas como causas da doença (Guimarães, 2000). No caso da ingestão de enxofre, a concentração de tiamina permanece normal. Muitos estudos têm citado episódios de poliencefalomalácia em animais que receberam altos níveis de enxofre dietético, e vários deles têm questionado o papel único da tiamina na etiologia da doença, porém ainda se desconhece a real função destes fatores nutricionais (Summers, 1995). Em outras circunstâncias, alterações do manejo, como privação de água e de alimentos em animais transportados, são situações incriminadas como causa de poliencefalomalácia (Radostits et al., 1994). Hubner et al. (1999) estudando a possível associação entre poliencefalomalácia e a infecção pelo BHV-5, observaram que bovinos submetidos a administração de amprólio e infectados experimentalmente 15 dias após com o vírus da BHV-5, apresentaram encefalite difusa severa secundária à poliencefalomalácia. Alguns animais submetidos apenas à administração de amprólio ou à inoculação com o vírus não desenvolveram sintomatologia, nem tão pouco lesões significativas de poliencefalomalácia. A poliencefalomalácia pode ocorrer esporadicamente no cão, no gato e na raposa, haja visto que os carnívoros dependem de fontes exógenas da vitamina B1. Nestes animais a doença ocorre exclusivamente pela deficiência de tiamina, diferente do que ocorre nos ruminantes (Summers, 1995). Portanto, quando canídeos e felídeos são alimentados com dietas ricas em tiaminase, como peixe, e pobres em tiamina, como é o caso dos alimentos que sofreram inativação pelo calor ou pela incorporação de dióxido de enxofre como preservativo, podem determinar o quadro clínico e anatomopatológico de poliencefalomalácia. Achados Anatomopatológicos Os achados de necropsia variam de acordo com a severidade e duração da doença. Nos casos de evolução rápida podem ser observados tão-somente edema com tumefação do cérebro e diminuição da consistência do órgão. Nos casos com curso mais prolongado pode- se notar depressão da área, estreitamento dos sulcos e achatamento das circunvoluções. Consequentemente, o cerebelo e a medula oblonga podem estar deslocados caudalmente insinuando-se para o forame magno. As regiões parietal e occipital são mais afetadas, usualmente na face dorsal e dorso-lateral do cérebro (Summers, 1995). Ao corte, o córtex cerebral apresenta área laminar pálida, medindo entre 0,5 a 1 cm de largura seguindo o limite entre a substância cinzenta e a branca. Com a evolução do processo, percebe-se, à palpação, amolecimento na região dorsal dos hemisférios cerebrais que, ao corte, evidencia tecido de consistência gelatinosa e coloração amarelada. Em alguns casos há intensa hemorragia subcortical. Nos casos com maior tempo de duração, a necrose é mais evidente podendo-se observar redução no tamanho do órgão e a presença de áreas encefálicas totalmente desprovidas de córtex, permitindo o contato direto da substância branca com a leptomeninge (Figura 1). Figura 1 A ocorrência de formações císticas também é comum. Geralmente, este tipo de alteração ocorre em animais que sobrevivem por duas semanas após o início do processo (Jubb e Huxtable, 1993). Em alguns casos, a perda de tecido nervoso pode resultar em dilatação dos ventrículos laterais, permitindo o acúmulo excessivo de fluido cerebroespinhal (Jubb e Huxtable, 1993; Summers, 1995). As lesões macroscópicas encontradas no cerebelo e nas áreas subcorticais apresentam-se sob a forma de focos típicos de amolecimento, geralmente observados na porção herniada do verme. Microscopicamente, as lesões consistem de degeneração aguda de células de Purkinge, com citólise de intensidade discreta a moderada da camada granular (Jubb e Huxtable, 1993). O achado microscópico mais relevante é necrose laminar do córtex cerebral. Os neurônios das lâminas cortical, superficial e profunda apresentam lesões degenerativas e necróticas, caracterizadas por aumento da eosinofilia, ocorrência de cromatólise e picnose nucleares, dilatação dos espaços perineuronais e perivasculares, desmielinização e proliferação endotelial acompanhada por infiltrado inflamatório mononuclear. As células endoteliais dos capilares preexistentes no tecido afetado ou no tecido adjacente apresentam-se hipertrofiadas. Alguns poucos linfócitos, monócitos, plasmócitos e hemácias podem estar presentes nos espaços perivasculares. Nos casos avançados, em função da liquefação de tecidos, nota-se infiltração de macrófagos grandes, com núcleos periféricos e citoplasma espumoso, denominados células de Gitter, que chegam a região para fagocitar restos de mielina. Lesões focais adicionais podem ocorrer no cerebelo, mesencéfalo, tálamo, hipocampo e núcleo caudato (Storts, 1998). Em alguns casos, associado às lesões descritas acima, observa-se infiltrado intenso de eosinófilos nos espaços perivasculares, nas regiões submeningeanas e no neurópilo. Estes achados são quase sempre observados nos casos em que se observam hemorragias na região cortical (Lemos e Nakazato, 1998). Espongiose da córtex e da substância branca subjacente também pode ocorrer (Storts, 1998; Motta et al., 1999). A leptomeninge apresenta-se espessa devido à presença de histiócitos ativados (Jubb e Huxtable, 1993), podendo apresentar congestão, principalmente sobre as partes afetadas da córtex (Storts, 1998). Leucoencefalomalácia micotóxica dos Equídeos Índice Considerações iniciais Sinais Clínicos Patogenia Achados Anatomopatológicos Considerações iniciais Leucoencefalomalácia micotóxica dos eqüídeos, também chamada de intoxicação por milho mofado, é uma doença cosmopolita, de distribuição sazonal, caracterizada por uma síndrome neurológica aguda afetando principalmente a substância branca encefálica. Acomete eqüinos, muares e jumentos em qualquer faixa etária, apesar da susceptibilidade individual aumentar significativamente com a idade do animal. A doença é causada pela intoxicação por toxinas produzidas por Fusarium moniliforme, que tem o milho como substrato preferencial, que, sob condições de clima quente e úmido, pode ser contaminado pelo fungo. Por isto os surtos da enfermidade apresentam distribuição sazonal, concentrando-se em pequenos períodos do ano. São descritos casos esporádicosem que o milho não faz parte da alimentação, porém outro componente da ração ou forragem contaminadas pelo mofo também pode servir como fonte para intoxicação (Jubb e Huxtable, 1993; Storts, 1998; Guimarães, 2000). Sinais Clínicos O quadro neurológico pode desenvolver-se em período inferior a duas semanas ou requerer até várias semanas após o início da ingestão da ração contaminada. Os sintomas neurológicos aparecem subitamente e caracterizam-se inicialmente por inapetência, dificuldade na apreensão e deglutição de alimentos, sonolência, cegueira, pressão da cabeça contra obstáculos, paralisia parcial ou completa de faringe, transtornos da locomoção, andar em círculos, decúbito e coma. Geralmente, os animais acometidos não tem febre e podem apresentar icterícia (Summers, 1995). O curso clínico da doença varia de poucas horas a um mês, mas, em média, a morte sobrevêm no segundo ou terceiro dia após iniciados os sintomas (Jubb e Huxtable, 1993; Storts, 1998). Patogenia A patogênese da leucoencefalomalácia não está totalmente esclarecida. Existem evidências de que a toxina fúngica, após ser absorvida no epitélio intestinal, atinge a corrente sangüínea apresentando tropismo seletivo pela parede dos vasos da substância branca encefálica, onde determina as lesões primárias. Fumonisina B1, como é chamada a toxina produzida pelo F. moniliforme, em condições naturais e experimentais, determina alterações encefálicas e também hepáticas (Wilson et al., 1990; Summers, 1995; Storts, 1998). Em conseqüência a injúria vascular, observa-se edema perivascular, tumefação e subseqüente necrose isquêmica das células da glia e do neurópilo. Esta lesão evolui para malácia devido à necrose de liquefação da substância branca dos hemisférios cerebrais. Acredita-se que a distribuição e a gravidade das lesões e a intensidade dos sinais neurológicos sejam determinadas pela quantidade de toxina ingerida, pelo tempo de evolução da doença e pela susceptibilidade individual do animal (Guimarães, 2000). Kwon et al. (2000) sugerem que a exposição de fumonisina B1, por longo período, pode alterar a proliferação ou diferenciação de células da glia no cérebro de ratos. Achados Anatomopatológicos Macroscopicamente, à inspeção da superfície encefálica, podem não ser observadas alterações significativas, porém, à palpação, nota-se que a córtex cerebral tem consistência gelatinosa, revestindo extensas áreas de substância branca amolecida, que se distribui em focos facilmente visualizados na superfície de corte, excetuando-se os casos de curso muito agudo, em que as áreas focais somente são evidenciadas microscopicamente (Jubb e Huxtable, 1993). As áreas de necrose distribuem-se aleatoriamente na substância branca dos hemisférios cerebrais, podendo ser bilaterais mas não necessariamente simétricas (Storts, 1998). Os focos de malácia apresentam-se como depressões de consistência gelatinosa e de coloração acinzentada, onde observa-se edema e pequenas áreas de hemorragia na lesão ou ao redor dela. Geralmente, as regiões do cérebro mais afetadas são os lobos temporal, occipital e frontal (possivelmente o mais freqüentemente afetado), de um ou de ambos os hemisférios Figuras 2 e 3. Figura 2 Figura 3 As lesões microscópicas de leucoencefalomalácia são caracterizadas pela presença de grandes áreas irregulares, nas quais observam-se alterações características de degeneração e necrose de axônios, da bainha de mielina e das células da glia. Estas estruturas transformam-se numa massa acidofílica, caracterizando amplas áreas de malácia distribuídas aleatoriamente no encéfalo, principalmente na sustância branca e, esporadicamente, como focos na córtex cerebral adjacente. As áreas de malácia ocorrem também no tronco encefálico e em toda medula espinhal onde, contrariamente ao que ocorre no encéfalo, afeta principalmente a substância cinzenta. Tais alterações apresentam-se como cavitações irregulares que circundam e acompanham o trajeto dos vasos sangüíneos e são repletas de células da micróglia, que migram da periferia para o foco de necrose transformando-se em células de Gitter, que fagocitam os restos de mielina degenerada, tornando-se grandes, com citoplasma espumoso e cheio de lípides. Na periferia das áreas necróticas observa-se também congestão acompanhada de edema perivascular difuso. Os vasos apresentam degeneração e as áreas adjacentes aos vasos afetados, bem como o parênquima cerebral edemaciado, apresentam infiltrado inflamatório constituído de eosinófilos, linfócitos e plasmócitos, além de macrófagos com citoplasma repleto de pigmento lipofuccínico. Podem ocorrer também hemorragia, edema e degeneração na camada molecular do cerebelo, tálamo, hipocampo e tronco encefálico. Além das alterações do tecido nervoso, podem ainda ser evidenciadas lesões significativas no fígado, como esteatose, necrose de hepatócitos periacinares, fibrose periportal, proliferação de ductos biliares e presença de megalócitos. Além disso, pode ocorrer tumefação e congestão dos rins com nefrose precoce, enterite e cistite hemorrágicas. Encefalomalácia focal Simétrica Índice Considerações iniciais Sinais Clínicos Patogenia Achados anatomopatológicos Considerações iniciais Esta encefalopatia dos ovinos de distribuição mundial está associada a enterotoxemia por Clostridium perfrigens tipo D por ação de sua toxina épsilon. É também conhecida como doença do rim polposo ou doença da superalimentação (Jones et al., 2000), sendo descrita inicialmente na Nova Zelândia (Hartley, 1956) e Grã-Bretanha (Barlow, 1958). Ovinos de todas as idades são susceptíveis, com exceção de cordeiros recém-nascidos, embora casos isolados tenham sido descritos em caprinos e bezerros (Storts, 1998; Guimarães, 2000). Os ovinos afetados são geralmente alimentados com dieta rica em cereais e se encontram bem nutridos. A maior freqüência é em cordeiros entre 2 e 10 semanas de idade e em cordeiros em regime de engorda logo após terem sido introduzidos em lotes de confinamento (Hartley, 1956; Storts, 1998). Os neonatos são geralmente considerados não-susceptíveis à doença, possivelmente porque, nesta idade, as enzimas proteolíticas do pâncreas, necessárias para a ativação da toxina épsilon, não estão disponíveis em quantidades adequadas. Os inibidores de tripsina no colostro também podem fornecer proteção (Storts, 1998). Sinais Clínicos O curso clínico normalmente é subagudo e os cordeiros afetados apresentam apatia marcante, prostração, ataxia, opistótono (Figura 4) e, em poucos casos, cegueira aparente. Alguns animais apresentam convulsões e outros morrem agudamente (Summers, 1995). A natureza da síndrome clínica, a severidade e a extensão dos distúrbios nervosos provavelmente dependem da quantidade produzida e absorvida da toxina previamente elaborada no trato digestivo. Usualmente ocorre hiperglicemia e glicosúria (Jones et al., 2000). Os sinais neurológicos, normalmente observados em ovinos durante a fase subaguda da enfermidade, aparentemente não ocorrem na espécie caprina (Guimarães, 2000). Patogenia Estudos ultraestruturais e de permeabilidade vascular têm indicado que o desenvolvimento da lesão envolve a ligação da toxina épsilon a receptores de superfície das células endoteliais, alterando-as. Esta lesão é seguida da abertura das junções vasculares ocludentes, aumentando a permeabilidade vascular no sistema nervoso central, levando a edema perivascular e parenquimatoso, tumefação dos processos de astrócitos e necrose (Griner e Carlson, 1961; Summers, 1995). Tem sido também proposto que a toxina épsilon aumenta a permeabilidade das células endoteliais através de um mecanismo mediado por um sistema adenil ciclase-cAMP. A necrose na encefalomalácia focal simétrica ocorredevido à isquemia resultante tanto do efeito compressivo que as células gliais tumefeitas exercem sobre os vasos de pequeno calibre como da tumefação das células endoteliais, causando obstrução dos capilares. Em qualquer das situações, há diminuição do aporte de nutrientes causando necrose (Guimarães, 2000). Achados anatomopatológicos Macroscopicamente, nos casos subagudos, devido à pouca produção intestinal de toxina, há evidências de encefalomalácia focal disseminada, geralmente simétrica. Estes focos variam de coloração cinza-amarelada a róseo-avermelhada quando há associação com hemorragia e, em estágios avançados, têm consistência amolecida. Ao corte tranversal do encéfalo, observam-se lesões macroscópicas típicas na cápsula interna, no tálamo, hipocampo, mesencéfalo, pedúnculo cerebelar, ponte e substância branca dos giros do córtex frontal. Outras lesões típicas, mas extraneurais, incluem congestão e edema pulmonares, hidropericárdio, petéquias no timo e coração, além de rins escuros e friáveis. Estas alterações são secundárias às lesões endoteliais causada pela toxina épsilon, apesar do tropismo pelo tecido cerebral (Summers, 1995; Guimarães, 2000). Microscopicamente, tanto as substâncias cinzenta como a branca podem estar afetadas, embora as alterações sejam mais pronunciadas na substância branca, que pode apresentar áreas demarcadas de necrose de liquefação envolvendo neurônios, célula da glia, axônios e mielina, além de focos de hemorragia. As lesões agudas, caracterizadas por edema perivascular e intercelular, tem sido propostas como sendo responsáveis pelos sinais neurológicos característicos da doença. O edema perivascular é rico em proteínas e cora-se eosinofiliamente. As paredes de arteríolas gravemente afetadas são hialinizadas. As células endoteliais estão ocasionalmente tumefeitas e hipercromáticas, com núcleo picnótico (Jones et al., 2000). O edema vasogênico (extracelular) pode dar ao neurópilo um aspecto esponjoso, fracamente corado de róseo. Há também hemorragias pericapilares e degeneração de neurônios e neuróglia. Com o avançar do quadro, outras alterações podem aparecer incluindo hipertrofia e hiperplasia das células endoteliais. A remoção dos debris teciduais fagocitados pelos macrófagos dão origem a cavidades císticas repletas de células Gitter. Nas proximidades das lesões onde o parênquima normalmente é menos atingido, observam-se esferóides axonais e pequena quantidade de células mononucleares, formando manguitos perivasculares linfoplasmocitários (Guimarães, 2000). Considerações finais Com algumas exceções, grande parte das patologias que afetam o sistema nervoso central somente são confirmadas após avaliação microscópica, fato que dificulta o diagnóstico no campo. Por outro lado, as encefalomalácias, quando plenamente estabelecidas, são facilmente reconhecidas macro e microscopicamente. As alterações nervosas, associadas à anamnese criteriosa e aos sinais clínicos, podem auxiliar na busca da etiopatogenia, do diagnóstico, e consequentemente, da terapêutica apropriada. Futuros estudos buscando melhor esclarecimento da patogenia e dos mecanismos de desenvolvimento das encefalomalácias nos mamíferos domésticos são pertinentes. Referências bibliográficas BARLOW, R. Focal symmetrical encephalomalacia in lambs. Vet. Rec., v.70, n.43, p.884, 1958. EDWIS, E.E., MARKSON, L.M., SHREENE, J., JACKMAN, R., CARROL, P.J. Diagnostic aspects of cerebrocortical necrosis. Vet. Rec., v.104, n.1, p.4-8, 1979. FERREIRA, F.A., COELHO, H.E., RASTOS, J.E.D. Poliencefalomalácia em bovinos no estado de Minas Gerais. Arq. Bras. Med. Vet. Zoot., v.38, n. 5, p.693-700, 1986. GRINER, L.A., CARLSON, W.D. 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