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190 
Revista da ABPN • v. 7, n. 17 • jul. – out. 2015, p.190-201 
 
ESTRATÉGIAS DESCOLONIAIS: NOTAS SOBRE A 
DESOBEDIÊNCIA EPISTÊMICA 
 
Luis Felipe Carvalho 
 
Resumo: O presente trabalho toma como ponto de partida a descolonialidade do saber tal como 
desenvolvida por Walter Mignolo (2008). O lugar do intelectual moderno, aquele que, numa 
posição de destaque, atua como mediador das reivindicações populares, perde terreno para a 
ação de outros agentes e perspectivas. A partir daí, seguem-se estratégias descoloniais, como a 
desobediência epistêmica, para questionar a hegemonia do pensamento ocidental com outros 
modos de saber próprios das culturas indígenas e afro-descendentes. Cria-se, desse modo, o que 
Mignolo denomina “pensamento fronteiriço” através de relações transversais que podem ser 
conciliadoras ou conflituosas. O questionamento que se segue é à perspectiva universal da 
epistemologia. O que se sugere aqui, em contraposição, é a discussão de autores e agentes 
culturais que lidam dentro de uma proposta pluri-versal. 
 
Palavras-chave: descolonialidade; epistemologia; relações étnico-raciais. 
 
 
DECOLONIAL STRATEGIES: NOTES ON EPISTEMIC DISOBEDIENCE 
 
Abstract: This paper takes as its starting point the decoloniality of knowledge as developed by 
Walter Mignolo (2008). The place of modern intellectual, who, in a prominent position, acts as 
mediator of popular demands, loses ground to the action of other agents and prospects. 
Thereafter, it follows decolonial strategies, such as epistemic disobedience, to challenge the 
hegemony of Western thought against others ways of knowing, such as the ones specific from 
indigenous and African-descent cultures. Is created, thereby, what Mignolo calls "border 
thinking" through transversal relationships that may be conciliatory or confrontational. The 
following question is the universal perspective of epistemology. What we suggested here, by 
contrast, is the discussion of authors and cultural agents who deal within a pluri-versal proposal. 
 
Keywords: decoloniality; epistemology; ethnic-racial relations. 
 
STRATÉGIES DÉCOLONIAUX: NOTES SUR LA DÉSOBÉISSANCE ÉPISTÉMIQUE 
 
Résumé: le présent article prend comme point de départ le decolonilité du savoir comme 
développée par Walter Mignolo (2008). Le lieu de l'intellectuel moderne, celui qui, dans une 
position de détache, agit comment médiateur de revendications populaires, perd du terrain par 
l'action des autres agents et des perspectives. De là, des stratégies se suivent décoloniaux, 
comme la désobéissance épistémique désobéissance, par questionner l'hégémonie du pensée 
occidentale avec d'autres modes de savoir propres des cultures indigène et afro descendant. Il 
crée, ainsi, ce Mignolo appelle “pensamento fronteiriço (pensée de la frontière)” à travers 
relations croisées qui peuvent être conciliante ou conflictuelle. La question suivante est la 
perspective universelle de l'épistémologie. Ce qui est proposé ici, en revanche, est la discussion 
des auteurs et des agents culturels qui traitent dans une proposition pluri-verselle. 
 
 
191 
Revista da ABPN • v. 7, n. 17 • jul. – out. 2015, p.190-201 
Mot-clé: Decolinialité; épistémologie; relations ethno-raciales. 
 
ESTRATÉGIAS DESCOLONIALES: NOTAS SOBRE LA DESOBEDIÉNCIA 
EPISTÉMICA 
 
Resumen: El presente trabajo toma como punto de partida la descolonialidad del saber tal como 
desarrollada por Walter Mignolo (2008). El lugar del intelectual moderno, aquel que, en una 
posición de destaque, actúa como mediador de las reivindicaciones populares, pierde espacio 
para la acción de otros agentes y perspectivas. A partir de ello, estrategias descoloniales, como 
la desobediencia epistémica, para cuestionar la hegemonía del pensamiento occidental con otros 
modos de saber propios de las culturas indígenas y afrodescendientes. Se desarrolla, de este 
modo, lo que Mignolo denomina “pensamiento fronterizo” a través de relaciones transversales 
que pueden ser conciliadoras o conflituosas. El cuestionamiento que se sigue es la perspectiva 
universal de la epistemología. Lo que se sugiere acá, en contraposición, es la discusión de 
actores y agentes culturales que se organizan dentro de una propuesta pluri-versal. 
 
Palabras-clave: descolonialidad – epistemología – relaciones étnico-raciales 
 
 
 
APRESENTAÇÃO: AS ESTRATÉGIAS DESCOLONIAIS 
 
À globalização epistêmica se responde com a 
desobediência epistêmica e ela leva a outra opção de 
pensamento e de ação que é a opção descolonial. Opção 
em relação a que? Por um lado, aos grandes meta-relatos 
imperiais e, por outro, às formações disciplinares (Walter 
Mignolo). 
 
 É possível ou mesmo desejável explicar ou decifrar os saberes indígenas? A 
quem interessa a interpretação desses saberes? A tradição da modernidade / 
colonialidade procurou analisar – e traduzir – os mitos, os ritos, os sonhos, os modos de 
vida, as relações sociais, econômicas e culturais dos povos fora do seu eixo geo-político 
à luz de suas próprias formas de conhecimento. Foi através do pensamento racional que 
criaram conceitos e teorias estranhas às culturas indígenas. Fica a questão: como essas 
formulações teóricas fabricados pela Ocidente dialogam, respeitam – e até mesmo se 
são úteis – para as diversas culturas indígenas que vivem na América Latina? 
 A proposta deste artigo é uma reflexão teórica sobre os possíveis espaços de 
produção e troca de conhecimentos interculturais dentro da universidade e da sociedade. 
Algumas questões surgem: Será que existem de fato esses espaços? Como, então, criá-
los dentro da sociedade brasileira, onde os estereótipos e os preconceitos em relação aos 
 
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Revista da ABPN • v. 7, n. 17 • jul. – out. 2015, p.190-201 
povos indígenas são tão determinantes? Ou ainda, como construir terrenos férteis para 
outros modos de saber – as gnosiologias não-ocidentais1 – em nosso país onde a tutela 
deu o tom das políticas públicas indigenistas? 
 A investigação desdobra-se em três momentos: no primeiro, algumas 
considerações sobre o conceito de desobediência epistêmica (Mignolo, 2008). No 
segundo, uma reflexão sobre o Estado e a doxa e a imposição de seu controle e agências 
de dominação reproduzindo a lógica da modernidade / colonialidade. No terceiro 
momento, apontarei alguns posicionamento políticos de artistas que tentam pensar 
desde um outro lugar – a subalternidade – seguindo uma opção descolonial onde os 
saberes nativos são potencializados e encontram um espaço para a sua produção e a sua 
circulação. 
 Os pensadores da descolonialidade, como Walter Mignolo, se contrapõem à 
epistemologia da modernidade / colonialidade ao proporem um pensamento fronteiriço 
que segue uma lógica menos uni-versal e mais pluri-versal (Mignolo, 2008). Desse 
modo, questiona-se a relação desigual e hierárquica que sobrepõe a matriz europeia aos 
saberes indígenas. Um outro trabalho que investigasse a recepção dessas teorias da 
descolonialidade dentre os movimentos indígenas seria importante, embora esse não 
seja o objetivo deste artigo. De qualquer forma, é necessário questionar se essas 
propostas teóricas na prática mostram-se efetivas e úteis para os movimentos indígenas. 
 Busca-se aqui trabalhar com os pontos de vista daqueles grupos marginalizados 
ou excluídos da lógica da modernidade / colonialidade – os “não incluídos nos 
fundamentos dos pensamentos ocidentais” (Mignolo, 2008, p. 305) – que se expressam 
através de seus idiomas, de seus conceitos e de seu saber periférico, seguindo a opção 
descolonial. Desse modo, questiono os termos universalizantes do pensamento 
ocidental que excluiu de seus enunciados e de sua doxa os selvagens, os loucos e os 
hereges. 
 Para HaydenWhite (1994) essa exclusão aparece na divisão da humanidade 
segundo a tradição judaico-cristã. De um lado temos a: a civilização, a sanidade e a 
ortodoxia. Enquanto, de outro lado, suas antíteses dialéticas: wildness2, loucura e 
 
1
 Trabalho com a distinção entre epistemologia e as gnosiologias não ocidentais proposto por Walter 
Mignolo (2003). 
2
 O “estado selvagem” ou “selvageria”. 
 
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Revista da ABPN • v. 7, n. 17 • jul. – out. 2015, p.190-201 
heresia. O final da Idade Média e o início do Renascimento foi marcado pela 
autodefinição aparente por negação, ou seja, o sentido da vida deveria ser estabelecido 
pela negação de sentido do seu antípoda. Valores como: graça, virtude, pureza, 
ortodoxia, sanidade e eleição prevaleciam sobre seus exemplos negativos: pecado, 
heresia, insanidade e maldição. 
 As sociedades sentem-se na obrigação de preencher áreas do conhecimento que 
ainda não foram definidas pela ciência. Para isso, operam com o seguinte princípio: 
“Talvez eu não conheça o conteúdo exato da minha própria humanidade, mas 
certamente não sou assim” (White, 1994, p. 171). Quem poderia ser associado aos 
selvagens, aos loucos e aos hereges estaria desprovido de atividade cognitiva. Isto é, 
não são sujeitos do conhecimento, mas apenas objetos a serem conhecidos. 
 Na opção descolonial, em contraposição, a tarefa é a de identificar esses agentes 
como sujeitos do conhecimento. São sujeitos políticos que fabricam expressões 
singulares de sua cultura e, por isso, não é possível encaixar e fixar seus saberes dentro 
das classificações formais da teoria do conhecimento eurocêntrica. “Descolonial 
significa pensar a partir de exterioridades e de uma posição epistêmica subalterna vis à 
vis à hegemonia epistêmica que cria, constrói, erige um exterior a fim de assegurar sua 
interioridade” (Mignolo, 2008, p. 304). 
 
A DESOBEDIÊNCIA EPISTÊMICA COMO OPÇÃO DESCOLONIAL 
 
La interpretación de nuestra realidad con esquemas 
ajenos sólo contribuye a hacernos cada vez más 
desconocidos, cada vez menos libres, cada vez más 
solitarios. (Gabriel García Marquez) 
 
 O pensamento descolonial tem como ferramenta de luta a desobediência 
epistêmica que permite que as gnosiologias não-ocidentais pensem a partir de seus 
próprios enunciados e que essas diferentes perspectivas dialoguem entre si. Escapam, 
assim, das hierarquizações pré-estabelecidas do pensamento ocidental. Agora, será que 
a opção descolonial é suficiente para proporcionar essa mudança de rumo e 
transformação teórica, metodológica e pedagógica? Ela cria condições para o 
 
194 
Revista da ABPN • v. 7, n. 17 • jul. – out. 2015, p.190-201 
surgimentos de um novo espaço de interação da diferentes gnosiologias que permita que 
elas escapem ao rigor controlador dos saberes e fazeres canônicos da universidade? 
 O lugar de enunciação do pensamento, no caso da América Latina, coloca em 
questão relações de força desiguais e é nesse ambiente que emerge o pensamento 
fronteiriço, entre os saberes nativos – descoloniais – e os saberes da modernidade / 
colonialidade. A própria condição de existência latino-americana marca o conhecimento 
produzido nas regiões onde a colonização europeia se impôs. É a partir da 
subalternidade que o pensamento é construído e se insere na lógica da modernidade / 
colonialidade, entre a inevitável imposição imperial e a desobediência epistêmica. Uma 
outra geopolítica é ativada por Mignolo o que viabiliza alternativas aos traços 
classificatórios da geografia colonial e as gnosiologias não-ocidentais enunciam outros 
saberes e outras lógicas espaço-temporais. Na América Latina, diz Eduardo Subirats, 
proliferam “subúrbios simbólicos e políticos da exemplar modernidade e pós-
modernidade do 1º. mundo” (Subirats, 2001, p. 134). 
 As fronteiras são ambientes prolíficos para as trocas e os “tráficos legais e 
ilegais de mercadorias, seres humanos e símbolos” (SUBIRATS, 2001, p. 134). Por 
todo o território latino-americano disseminam-se as culturas afro-indígenas vinculadas, 
atualmente, à cultura globalizada, fragmentada e massificada. O pensamento fronteiriço, 
em sua opção descolonial, tem como objetivo pensar, nas palavras de Silviano Santiago 
(1978), num entre-lugar da produção do conhecimento nesses espaços historicamente 
subalternizados. Ao mesmo tempo, em que se insere num projeto global deve registrar e 
pensar a manutenção e a transformação das histórias e culturas locais. O trabalho é 
buscar enunciar outras existências, outros modos de saber, outras geografias e outras 
histórias. E, com isso, ativar uma existência fronteiriça: “a fronteira do Outro: do 
europeu, da teologia e da lógica da colonização, dos discursos redencionistas da 
conversão universal ou do progresso global e sustentável. Fronteira, limite e negação do 
próprio conceito de modernidade” (Subirats, 2001, p. 135). 
 A tarefa não é fácil, sobretudo porque, segundo Mignolo (2008), vivemos 
marcados pela “ferida colonial”, isto é, somos herdeiros de um pensamento cujas duas 
faces são a modernidade e a colonialidade. A questão é: como superar ou, ao menos, 
conviver com, essa ferida colonial? Para Mignolo deve-se buscar “um pensamento 
desde outro lugar, imaginando uma linguagem outra, arguindo por uma lógica outra” 
 
195 
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(Escobar, 2003, p. 64). O que se planteia para nós é a opção descolonial através da 
desobediência epistêmica. Porém, é preciso refletir se essa proposta do Mignolo é viável 
nas práticas interculturais. 
 A força das gnosiologias não-ocidentais para Alejo Carpentier seguem um fluxo 
lateral e na sua literatura ele a expressou através do real maravilhoso. “Uma inesperada 
alteração da realidade (o milagre), de uma revelação privilegiada da realidade, de uma 
iluminação não habitual [...], de uma ampliação das escalas e categorias da realidade” 
(Carpentier, 2006, p. 13). 
 Com o “pensamento fronteiriço” manifestam-se diferentes modos de saber e de 
se expressar onde são criados outros espaços-tempos híbridos e sem hierarquizações 
pré-estabelecidas. Hoje, proliferam os ambientes, as atitudes, as performances de 
construção do conhecimento e de expressões artísticas. A internet oferece opções para 
os movimentos indígenas e sociais produzirem, divulgarem e trocarem suas 
experiências artísticas, culturais e políticas. 
 
O ESTADO E A DOXA 
 
 As outras gnosiologias falam desde a subalternidade e possuem seus próprios 
signos para subverter a “ferida colonial” e construir um pensamento fronteiriço. No 
entanto, estão inseridas em práticas políticas que se sustentam nos Estados. É na relação 
com ele que as alternativas interculturais vão sendo forjadas dentro de uma imposição 
da doxa e dos valores universais próprios da dinâmica do campo político da 
modernidade / colonialidade. 
 O Estado, comparado a outras formas de organização política, mantém uma 
singularidade. Para Marc Abélès (1996), é necessário estudar a natureza dessa diferença 
para que possamos entender o que distingue esse sistemas políticos. Existem dois 
estados de sociedade: “um primitivo e baseado nos vínculos de parentesco e outro com 
um estado: a aparição da propriedade e o significado da territorialidade marcam a 
passagem de um modo de organização para o outro” (Abélès, 1996, p. 667). 
 O Estado é o responsável por estabelecer as operações universais e unificadoras. 
Para Pierre Bourdieu, ele o faz moldando as visões de seus cidadãos, conformando-as às 
suas perspectivas. A escola exerce um papel fundamental nessa ação ao “impor e 
 
196 
Revista da ABPN • v. 7, n. 17 • jul. – out. 2015, p.190-201inculcar universalmente [...] uma cultura dominante assim constituída em uma cultura 
nacional legítima” (Bourdieu, 1996, p. 106). A monopolização do universal em todos 
os âmbitos (cultural, político, econômico e social) pelo Estado e por alguns poucos 
eleitos remete todas as outras culturas, modos de existência, de relacionamento e de 
saber à particularidade e, também em alguns casos, à marginalidade. 
 Os médicos, os professores, os juízes tem o poder de nomeação, pois se utilizam 
de uma capital simbólico acumulado e reconhecido ao longo de uma extensa cadeia de 
atos de consagração. O último anel dessa cadeia, segundo Bourdieu, é o Estado que 
nomeia “o que está autorizado a ser, o que tem direito a ser, o ser social que ele tem o 
direito de reivindicar, de professar, de exercer” (Bourdieu, 1996, p. 114). Nas nossas 
sociedades, o Estado produz estruturas de organização e regulação da realidade e das 
práticas sociais. “Ele exerce permanentemente uma ação formadora de disposições 
corporais e mentais que impõe, de maneira uniforme, ao conjunto dos agentes” 
(Bourdieu, 1996, p. 116). 
 A obediência a esse poder criador do Estado não é mecânica e nem uma 
submissão consciente a uma ordem ou a uma força. Seria, no entender de Bourdieu, 
uma disposição do corpo intimamente enraizada e que não passa, portanto, pela 
consciência; são, na verdade, chamados à ordem. “A evidência das injunções do 
Estado só se impõe de maneira tão poderosa porque ele impôs as estruturas cognitivas 
segundo as quais é percebido” (Bourdieu, 1996, p. 117-118). Esse é o fundamento da 
eficácia simbólica dos ritos do Estado. 
 Desse modo, ele não precisa necessariamente dar ordens ou infundir-se 
coercitivamente para que o mundo social aja em consonância com o seu ordenamento. 
Ele produz estruturas cognitivas incorporadas que se adequam à doxa – que é uma 
ortodoxia – ou visão correta e dominante. No entanto, essa visão se consagrou vitoriosa 
dentre inúmeras outras visões concorrentes a partir de vários confrontos entre elas. Não 
há para o sociólogo francês uma atitude natural, apenas relações politicamente 
construídas que permitiram que certo ponto de vista em particular, depois de um série 
embates, inflija sua dominação a outros pontos de vista também particulares. A doxa 
seria, portanto, um projeto particular que se impõe como projeto universal e dominante. 
Em outras palavras, é “o ponto de vista daqueles que dominam dominando o Estado e 
 
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Revista da ABPN • v. 7, n. 17 • jul. – out. 2015, p.190-201 
que constituíram seu ponto de vista em ponto de vista universal ao criarem o Estado” 
(Bourdieu, 1996, p. 120). 
 A opção descolonial, através do pensamento fronteiriço, força o caráter 
universalista do Estado a aceitar as alternativas e os modos de saber locais. Possibilita a 
criação constante de outros saberes que se opõem a uma ideia cristalizada do Estado e a 
um empenho de generalização da doxa. Será que esse pensamento fronteiriço, tal qual 
proposto por Mignolo, é suficiente para engendrar a produção e, sobretudo, a circulação 
dos saberes nativos? Será que a presença hegemônica do capital simbólico do Estado 
não ofusca ou abafa esses outros saberes? 
 
OUTRAS LINGUAGENS LATINO-AMERICANAS – ALTERNATIVAS 
 
Nem o latino comunica sua verdadeira miséria ao homem 
civilizado nem o homem civilizado compreende 
verdadeiramente a miséria do latino. (Glauber Rocha) 
 
 Tentarei responder as questões mencionadas acima refletindo sobre a produção 
cultural e artística desde a subalternidade, especificamente, da América Latina. Essa 
produção tem permanecido, no mundo globalizado fora dos centros de poder. A questão 
aqui é a mesma colocada por Alfredo Bosi (2002), como aqueles cujos pontos de vista 
estão submetidos a doxa entram nos circuitos culturais? "O que me move é pensar o 
excluído como agente virtual da escrita, quer literária, quer não-literária. Como o 
excluído entra no circuito de uma cultura cuja forma privilegiada é a letra de fôrma?" 
(Bosi, 2002, p. 261). 
 Existem pelo menos duas maneiras de considerar a relação entre a escrita e os 
excluídos para Bosi. Por excluídos retomo a ideia de White, pois estes seriam aqueles 
agentes sociais que são identificados como selvagens, loucos e hereges. Eles podem ser 
vistos como objetos da escrita ou enquanto sujeitos do processo simbólico (Bosi, 2002, 
p. 257). O esforço intelectual desse artigo e desse livro é o de pensar não sobre os 
excluídos – neste caso, objetos da investigação – mas, junto com os sujeitos cujos 
pontos de vista buscam alternativas à perspectiva universal do Estado e da doxa. 
 Durante o “Seminário do Terceiro Mundo”, realizado em 1965, em Gênova, na 
Itália e que reuniu artistas latino-americanos, o cineasta Glauber Rocha apresentou a 
 
198 
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“Eztetyka da Fome” diante de uma plateia europeia fascinada pelo exótico. Todavia, 
colocando-se contrário a essa visão, o cineasta alertava para a existência de uma 
cultura da fome, situação particular da América Latina em relação à Europa. Essa fome 
não poderia ser compreendida, apenas sentida e somente a partir dela é que a arte seria 
possível. A condição de subalternidade do artista latino-americano é expressar essa 
fome. Para o europeu, que olha a América Latina com um sentimento de nostalgia do 
primitivismo perdido, a fome não passaria de um surrealismo tropical. 
 O Cinema Novo, segundo Glauber, trouxe para a tela a galeria de famintos – os 
excluídos dos centros de poder – “personagens sujas, feias, descarnadas, morando em 
casas sujas, feias, escuras” (Rocha, 1981, p. 30). Em oposição aos filmes com 
“tendência ao digestivo”, que trazem “gente rica, em casas bonitas, andando em 
automóveis de luxo: filmes alegres cômicos, rápidos, sem mensagens, de objetivos 
puramente industriais” (Rocha, 1981, p. 30). A condição de expressão dessa “cultura da 
fome” é a violência – que não é ódio – isto é, a elaboração de discursos da 
subalternidade e da constituição dos excluídos em agentes virtuais da escrita, como 
propõe Alfredo Bosi. Essa é a chave de leitura da desobediência epistêmica proposta 
por Mignolo, onde os saberes nativos encontram sua possibilidade de existência e um 
terreno fértil para pensar enunciados e composições que lhe sejam próprias. 
 O escritor colombiano Gabriel García Márquez, ao receber o Prêmio Nobel em 
1982, profere um discurso marcante, “A solidão da América Latina”. Nele, o escritor 
delineia a exclusão e os problemas do nosso continente em decorrência do domínio da 
modernidade / colonialidade. Segue, também, o mesmo intuito de Glauber Rocha, ao 
colocar em questão a visão paternalista e exótica que Velho Mundo costuma olhar para 
nós. Como enfatiza, espera que o prêmio seja devido à qualidade de sua poesia ou da 
poesia de Neruda e de toda a poesia latino-americana e não mais um debruçar caridoso 
sobre nós. 
 
Os progressos da navegação que reduziram em larga medida as distâncias entre 
nossas Américas e a Europa, parecem ter aumentado, em contrapartida, nossa 
distancia cultural. Por que a originalidade que eles nos permitem sem reservas 
na literatura, eles nos negam com toda ordem de suspeitas em nossas tentativas 
de mudança social? Por que pensar que a justiça social que os avançados 
europeus impõem em seus países não pode ser também um objetivo latino-
 
199 
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americano com métodos distintos e em condições diferentes? (Márquez, 1982, 
s/n). 
 
 O que está em jogo, como comenta Geraldo Sarno, ao analisar o texto de 
Glauber – mas que também pode ser lido no discurso de García Márquez ou naentrevista e Ríos Ávila – é “refundar, restabelecer nossa identidade latino-americana 
frente ao colonizador” (Sarno, 1995, p. 43). Enfim, eles procuraram meios para “superar 
o subdesenvolvimento com os meios do subdesenvolvimento” (Rocha, 1981, p. 119). 
Em outras palavras, encontrar entre as gnosiologias não-ocidentais e sua opção 
descolonial os meios para que os saberes nativos criem outros mundos, outros pontos-
de-vista, outras maneiras de estar e agir no mundo. 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS – A OPÇÃO DESCOLONIAL COMO PRÁTICA 
INTERCULTURAL 
 
Sou de onde penso (Walter Mignolo) 
 
 Qual seria o espaço de produção e de circulação dos saberes nativos? Será que a 
desobediência epistêmica através da sua opção descolonial é suficiente para criar 
ambientes propícios para que as gnosiologias não-ocidentais produzam textos e 
subjetividades que questionem a eficácia simbólica da doxa e do Estado? Talvez a 
resposta a essa questão, que caberia explorar em outro artigo explorar, seja o caso dos 
rappers indígenas Bro MC’s3, que cantam em português e em guarani, questionando o 
Estado e suas políticas indigenistas. O desafio deles na produção de alternativas a doxa 
esbarra no controle social exercido pelo poder que, segundo Michel Foucault, 
manifesta-se nas mais variadas instâncias. 
 
 
3
 Bro MC’s é uma banda indígena de rap. O grupo é formado por Bruno Veron, Kelvin Peixoto, 
Clemersom Batista, Charlie Piexoto. Os integrantes são todos Guarani-Kaiowá e pertencem a Aldeia 
Jaguapirú Bororó, de Dourado, Mato Grosso do Sul. Pode-se conhecer mais sobre a banda e o projeto de 
seus integrantes no Facebook – “Bro MC’s Rap Indígena” (https://www.facebook.com/pages/Brô-MCs-
Rap-Ind%C3%ADgena/215295601893140). “Mais uma flecha lançada! O primeiro grupo de rap indígena 
do Brasil o ‘Brô MC´s’ visa com suas rimas que mesclam o Português com o idioma Guarani, amplificar 
suas músicas por meio das redes sociais e aproximar os não-índios para os assuntos, lutas, anseios, 
conquistas e vitórias dos povos indígenas de todo o Brasil. Os integrantes do Brô MC`s vivem na Aldeia 
Jaguapirú Bororó em Dourados - MS. Seja bem vindo (a) a nossa pagina, porã!” (retirado do perfil da 
banda no Facebook no dia 14 de marco de 2014). 
 
200 
Revista da ABPN • v. 7, n. 17 • jul. – out. 2015, p.190-201 
Onde há poder ele se exerce. Ninguém é, propriamente falando, seu titular; e, no 
entanto, ele sempre se exerce em determinada direção, com uns de um lado e 
outros de outro; não se sabe ao certo quem o detém; mas se sabe quem não o 
possui. (Foucault, 2000, p. 75) 
 
 E quem não possui esse poder fala desde a subalternidade e constrói um saber na 
fronteira, simultaneamente dentro da doxa e paradoxal. Dentre as demandas indígenas 
das licenciaturas interculturais está a inserção na grade curricular dos seus próprios 
saberes. Os acadêmicos indígenas querem aprender o conhecimento científico e 
filosófico do Ocidente para se inserirem no mundo hegemônico, ao mesmo tempo em 
que acessam as ferramentas conceituais que os brancos usam contra eles. Paralelamente 
a esse conhecimento, eles reivindicam o ensino dos saberes nativos. 
 Como ordenar no disciplinado pensamento ocidental os saberes nativos? 
Alternativas e sobretudo práticas políticas estão sendo experimentadas. Porém, há um 
perigo iminente que é o silêncio imposto aos movimentos indígenas. E para romper 
como ele é necessário um dispêndio de energia para que as agentes das gnosiologias 
não-ocidentais ousem falar. A internet contribui para a circulação das ideias e das 
práticas. Para Edward Said, “o papel do intelectual4, de modo geral, é elucidar a 
disputa, desafiar e derrotar tanto o silêncio imposto quanto o silêncio conformado do 
poder invisível, em todo lugar e momento em que seja possível” (Said, 2003, p. 35). 
 A fala subalterna já é uma desobediência epistêmica, um outro saber que 
tensiona a estreiteza da lógica da modernidade / colonialidade. Esse artigo visou 
levantar questões para que possamos avançar nos debates e pensar estratégias e 
metodologias para contribuir com a produção e o aumento da circulação dos saberes 
nativos. Para que não permaneçam à margem da hegemônica epistemologia ocidental. 
Para que contribuição mútua entre os diferentes tipos de saber ocorra de fato, é 
necessário que os saberes nativos encontrem espaços alternativos e originais onde sua 
sabedoria possa se manifestar e onde possam se afirmar enquanto agentes virtuais de 
escrita com seus registros, metodologias e pensamentos diferenciados. 
 
REFERÊNCIAS 
 
 
4
 Por intelectual incluo as lideranças e os acadêmicos indígenas. 
 
201 
Revista da ABPN • v. 7, n. 17 • jul. – out. 2015, p.190-201 
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Recebido em julho de 2015 
Aprovado em setembro de 2015

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