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Guerra e Política nas relações internacionais (2008).pdf

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 
PUC-SP 
 
 
 
 
 
 
 
 
Guerra e política nas relações internacionais 
 
 
 
 
Thiago Moreira de Souza Rodrigues 
 
 
 
Doutorado em Ciências Sociais 
(Relações Internacionais) 
 
 
 
São Paulo 
2008 
 
 
 
 
 
Livros Grátis 
 
http://www.livrosgratis.com.br 
 
Milhares de livros grátis para download. 
 
2 
 
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 
PUC-SP 
 
 
 
Guerra e política nas relações internacionais 
 
 
 
Thiago Moreira de Souza Rodrigues 
 
 
 
 
Doutorado em Ciências Sociais 
(Relações Internacionais) 
 
 
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade 
Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do 
título de Doutor em Ciências Sociais (Relações Internacionais), sob 
a orientação do Prof. Dr. Edson Passetti. 
 
 
 
 
São Paulo 
2008 
3 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
________________________________ 
________________________________ 
________________________________ 
________________________________ 
________________________________ 
 
 
 
 
4 
 
Resumo 
 
O tema da guerra é a questão central da área acadêmica 
das Relações Internacionais, tendo articulado as mais 
significativas escolas teóricas desse campo: liberalismo e 
realismo. Essas teorias são apresentadas regularmente 
como antagonistas, pois os liberais acreditariam na 
possibilidade de paz e cooperação duradouras nas relações 
internacionais, ao passo que os realistas apostariam 
somente em períodos de paz abalados por inevitáveis 
guerras entre Estados. No entanto, o estudo genealógico 
das procedências das teorias liberal ― a partir da obra de 
Immanuel Kant ― e realista ― a partir das reflexões de 
Thomas Hobbes ― evidenciaria a convergência de ambas 
na defesa do Estado, da ordem civil e da noção de política 
como paz. De inimigas, as teorias de Relações 
Internacionais passariam a ser notadas como adversárias, 
disputando espaços de influência, mas partilhando 
princípios e intenções políticas. Essa pesquisa pretende, no 
entanto, experimentar outra perspectiva de análise das 
relações internacionais exterior ao campo jurídico-político 
das teorias liberal e realista. Para tanto, procura ativar um 
estudo da guerra, da política e das relações internacionais, 
a partir de leituras de Pierre-Joseph Proudhon e Michel 
Foucault. Esse deslocamento permitiria observar a política 
não como paz civil, mas como a continuação da guerra por 
meio das instituições e das relações de poder. Por esse 
prisma, é possível pensar outra análise das relações 
internacionais que repara na formação do sistema 
internacional e nas suas transformações contemporâneas 
fora do referencial jurídico-político ― estatal ou 
cosmopolita ― e sem a pretensão de constituir nova teoria 
adversária das tradicionais. Ao contrário, esboça-se uma 
analítica das relações internacionais em aberta batalha ao 
monopólio das teorias de Relações Internacionais e que 
problematiza o imperativo de aderir a uma das duas 
escolas, ensaiando um método libertário de estudo da 
política internacional interessado nas resistências às 
autoridades teóricas e à lógica da soberania vinculada aos 
poderes políticos centralizados. 
 
Palavras-chave: guerra, política, relações internacionais, 
analítica foucaultiana, libertarismo. 
 
 
 
 
 
5 
 
Abstract 
 
The issue of war is the central question in the academic 
field of International Relations, which articulates the most 
significant theoretical perspectives in the area: liberalism 
and realism. These theories have been presented as 
antagonists. Liberals would believe in the possibility of 
lasting peace and cooperation in international relations, 
while realists would emphasize periods of peace disturbed 
by inevitable war between states. However, the 
genealogical study of the provenance of the liberal 
theories ― based on the work of Immanuel Kant ― and 
realist theories ― based on the thought of Thomas Hobbes 
― would shed light on the convergence of both in the 
defense of state, civil order and the notion of politics as 
peace. Instead of enemies, the theories of International 
Relations would become opponents, struggling for space 
of influence, but sharing principles and political 
intentions. This research seeks, though, to experiment 
other analytical perspectives of international relations, 
apart from the legal-political field of liberal and realist 
theories. Toward this, it aims to activate a study on war, of 
politics and international relations, based on the 
contributions of Pierre-Joseph Proudhon and Michel 
Foucault. This shift would enable us to observe politics 
not as civil peace, but as the continuation of war through 
institutions and relations of power. Hence, a different 
approach which would take the focus on the development 
of the international system and its contemporary 
transformations away from the legal-juridical references 
― both state-centered or cosmopolitan ― opens new 
possibilities for the analysis of international relations, 
without creating a new contending theory to the traditional 
ones. On the contrary, an analytics of International 
Relations turns the tables on the monopoly of the existing 
theories, and challenges the imperative of adhering to one 
of the traditional conceptual frameworks. It attempts to 
develop a libertarian approach to the study of international 
relations, interested in the resistances to theoretical 
authorities and to the idea of sovereignty attached to 
centralized political powers. 
 
Key words: war, politics, international relations, 
foucaultian analytics, libertarism. 
 
 
 
 
6 
 
Agradecimentos 
 
 
Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) 
pelo auxílio fundamental à realização dessa pesquisa. Em primeiro lugar, pela Bolsa 
Capes II oferecida ao longo dos anos de investigação; depois, pela bolsa conferida pelo 
Programa Colégio Doutoral Franco-brasileiro que permitiu o cumprimento de um 
estágio doutoral, no período de fevereiro a julho de 2007, junto ao Institut des Hautes 
Études de l’Amérique Latine (IHEAL) da Université de la Sorbonne Nouvelle (Paris 
III). 
 
Gostaria de agradecer àqueles que na França ajudaram diretamente na pesquisa, 
tornando mais especial e produtiva minha estada em Paris. Um agradecimento à Profa. 
Dra. Renée Fregosi, do IHEAL, pela generosa acolhida, pela atenção e sugestões. Muito 
obrigado, também, a Alain Labrousse pelas indicações e conversas. Um abraço aos 
meus amigos da Maison du Brésil: Matheus Hidalgo, Rodrigo Czajka, Mili Garcia, Ana 
Malfitano e Mariana Barreto Lima. Ainda em Paris, obrigado a Sophie Boyriven 
Moreira de Souza, Françoise Boyriven, Alexis Paseyro e Sylvie Massat. Meus 
agradecimentos a Evelyne Maury e a Claire Guttinger, arquivistas do Services des 
Archives do Collège de France, pela atenção e acesso às fitas de áudio dos cursos de 
Michel Foucault. 
 
No Brasil, um agradecimento sincero à Faculdade Santa Marcelina, à sua diretora Ir. 
Ângela Rivero e à pro-diretora acadêmica Vera Ligia P. Gibert, pela confiança e apoio. 
Um abraço especial a Flávio Rocha de Oliveira, Gilberto M. A. Rodrigues, Walter 
Mesquita Hupsel e, principalmente, a Wagner de Melo Romão pela força constante no 
trabalhar junto. 
 
Aos meus amigos Alexandre Braga, Guilherme Ranoya, Paulo J. Guludjian e Renata de 
Barros Pereira abraços enormes de quem sabe que os tem ao lado sempre. 
 
Àqueles únicos que vivem, pensam e se reviram intensamente no Núcleo de 
Sociabilidade Libertária (Nu-Sol) da PUC-SP,um beijo forte. Beijos e abraços ainda 
7 
 
maiores para aqueles que mais diretamente combateram comigo o bom combate dos 
amigos: Acácio Augusto, Andre Degenszajn e Salete Oliveira. 
 
 
Por fim, agradecimentos mais que demais a 
 
 
Edson Passetti, amigo-guerreiro de fibra, que luta junto, fortalece e excita coragem; 
 
Cândida e Sidney; Nelly e Cecília, André e toda a família, trupe alegre plena de vida; 
 
Ana Bourse, mi Ani, presencia linda en toda palabra: sol nuevo a cada día. 
 
 
 
 
 
 
Dedico essa tese a Altair e José que travaram com honra seus combates. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
8 
 
Sumário 
 
A perspectiva da guerra 
10 
 
 
Política como paz 
22 
 
Primeiro Capítulo 
A política dos pacificadores: as teorias das Relações Internacionais 
contra as marcas da guerra 
 
 
23
A paz pelas baionetas 23
Liberais, realistas e a disputa pelas Relações Internacionais 31
Em nome da paz civil: procedências liberais e realistas 48
A urgente paz de Thomas Hobbes 49
A urgente paz de Immanuel Kant 56
Elogios à paz e ao Estado 65
 
Segundo Capítulo 
Realistas, liberais e a guerra exterior à política 
 
79
2.1 A guerra aos extremos 79
Guerra e política em Clausewitz 84
Clausewitz, um apologista da paz? 91
Clausewitz e Aron: pela guerra a serviço da paz 108
 
2.2 Política, paz e criminalização da guerra entre os liberais 114
A legalização contemporânea da guerra 114
As procedências do conceito contemporâneo de guerra justa 123
Cosmopolitismo e a criminalização da guerra 148
 
2.3 A guerra na ausência da política 162
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
9 
 
Política como guerra 
167 
 
Terceiro Capítulo 
Proudhon: a vida e a política como incessante combate 
 
168
O combate sem fim 168
A guerra, condição do homem 178
O direto da força: a guerra como julgamento supremo 187
Hobbes, filósofo da paz 194
A “guerra capturada” contra a honra do guerreiro 197
Penúria, a causa da guerra brutal 202
A federação e a política como luta 207
A perspectiva da luta permanente 224
 
Quarto Capítulo 
Foucault e o agonismo do poder nas relações internacionais 
 
230
A guerra como cifra do poder 230
A infindável história das lutas 255
 
Quinto Capítulo 
História-política e política internacional 
 
273
O discurso histórico-político contra a alegoria da paz 273
Thomas Hobbes contra a guerra das raças 282
A “guerra das raças”, discurso polivalente 298
A guerra no Estado e entre os Estados 311
A política internacional como guerra 337
 
Fluxos 01010101 
352 
 
Libertarismo nas Relações Internacionais 353
Uma outra história-política 
 
353
Método, atitude, guerra 368
Anarquia e parrésia: destemor na batalha 379
 
Analítica das relações internacionais, uma atitude de combate 385
 
Bibliografia 
403 
10 
 
A perspectiva da guerra 
 
 
As marcas de uma guerra impulsionaram a formação de um novo ramo das 
ciências sociais, um desdobramento da ciência política que recebeu o nome de Relações 
Internacionais. O impacto da Primeira Guerra Mundial abriu espaço para uma reação 
pacifista que permitiu a um conjunto de intelectuais, juristas e políticos propor a 
constituição de um campo de estudos destinado a compreender as causas da guerra de 
modo a criar instrumentos para evitá-la. Essa nova área procurou destacar-se de suas 
procedências jurídicas e filosóficas afirmando a especificidade de seu objeto de estudos: 
as relações entre Estados. Procurou, também, defender um projeto de organização 
política do mundo baseado no princípio da cooperação entre Estados, no reforço do 
direito internacional e na superação da prática da guerra pelo conceito de solução 
pacífica de controvérsias. Essa ciência social com sua intelligentsia pacifista foi 
introduzida nos salões diplomáticos durante as negociações de paz em Paris, entre 1918 
e 1919. Seu mais importante advogado foi o presidente dos Estados Unidos, Thomas 
Woodrow Wilson, que conseguiu incluir na pauta e aprovar a criação de uma 
associação, a Liga das Nações, destinada a efetivar tal projeto. A vitória de Wilson, 
contudo, conviveu com a decepção provocada pela não adesão dos EUA à Liga diante 
do veto do Congresso estadunidense. Apesar disso, Wilson e sua proposta liberal 
influenciaram não só a Liga, como as primeiras cátedras universitárias dedicadas às 
Relações Internacionais, na Europa e nos Estados Unidos. Esses centros, orientados 
pelo liberalismo wilsoniano, atualizavam, por sua vez, uma leitura da política 
internacional cuja voz mais audível era a de Immanuel Kant e seu projeto para a paz 
perpétua. 
11 
 
 O liberalismo internacionalista, com sua utopia da paz perpétua, não fez cessar a 
guerra. Nos anos 1920 e 1930, os Estados seguiram com suas políticas de interesse 
nacional pela expansão territorial ― a Alemanha na Europa centro-oriental, a Itália na 
África, o Japão na China ― ou pela complacência interessada das democracias inglesa e 
francesa com o fascismo italiano, o franquismo espanhol e o nazismo alemão. Desse 
modo, a política internacional parecia estar muito afastada do modelo com que os 
Estados formalmente se comprometeram em Versalhes. Surgiram assim, autores que 
denunciavam o projeto liberal ― cristalizado na Liga das Nações ― como uma 
perigosa utopia porque, ao defender idealisticamente a paz, abria flancos para a 
recorrência da guerra. O primeiro autor de destaque nessa vertente crítica foi o 
historiador britânico Edward Carr, ainda nos anos 1930, seguido por Hans Morgenthau, 
judeu alemão que produziu nos EUA do pós-Segunda Guerra. A reação ao liberalismo 
internacionalista foi chamada por seus autores iniciais de realismo e evocava um 
panteão próprio de autores clássicos ― Tucídides, Nicolau Maquiavel e Thomas 
Hobbes ― a fim de amparar uma visão da política internacional como um estado de 
guerra, impossível de ser perpetuamente pacificado, mas passível de pacificações 
temporárias a partir de equilíbrios de poder entre os Estados. 
 Ainda na primeira metade do século XX armou-se, entre liberais e realistas, essa 
disputa fundadora da área das Relações Internacionais que passou a ser tratada na 
literatura especializada como “primeiro grande debate”. A competição entre realistas e 
liberais tomaria as cátedras, os corredores e salões dos ministérios dedicados aos 
assuntos diplomático-militares, os centros e fundações de pesquisa, os livros sobre 
política internacional, os modelos de novas organizações internacionais. Essas teorias 
tiveram, desde o princípio, um caráter militante e instrumental: pretenderam formular 
visões de mundo a serem ofertadas aos estadistas de modo a contribuir para uma 
12 
 
determinada organização das relações internacionais que pudesse garantir o adiamento 
da guerra e, conseqüentemente, o prolongamento mais amplo possível da paz. Os 
liberais, atualizando Kant, vislumbravam essa paz prolongada por meio das instituições, 
do direito e da renúncia à guerra; os realistas, fiados nas noções de interesse nacional e 
de “anarquia” internacional, buscavam encontrar fórmulas de equilíbrio de poder entre 
os Estados que desestimulassem a guerra. De um lado ou de outro, a conquista da paz e 
a segurança do Estado pareciam ser as questões centrais a mobilizar, por ângulos 
distintos, realistas e liberais. Para ambas as escolas, a guerra deveria ser retardada ao 
máximo para a saúde do Estado e a preservaçãodo sistema de Estados. 
Realistas e liberais estavam de acordo que a guerra havia sido banida do interior 
dos Estados pelo processo de centralização política iniciado no final da Idade Média. O 
monopólio da violência pelo Estado teria feito parar as guerras internas, empurrando-as 
para seus limites, suas fronteiras. As guerras passariam a ser acontecimentos exteriores 
à política, possíveis de eclodir apenas no espaço extra-político das relações 
internacionais. Liberalismo e realismo, ainda que em competição, estariam de acordo 
com o princípio de que a política é paz e que as relações internacionais, possibilidade de 
guerra. Seria nessa “anarquia” internacional que a guerra encontraria seu exílio. 
 Com tal premissa comum, realismo e liberalismo definiram o campo teórico das 
Relações Internacionais e se firmaram como as grandes alternativas à quais deveriam 
filiar-se os estudiosos da política internacional. Os internacionalistas realistas e liberais 
interessavam ao Estado porque auxiliavam na reflexão sobre como defender seus 
interesses políticos e estratégicos em época na qual o sistema interestatal organizava-se 
de forma nova ― a bipolaridade entre Estados Unidos e União Soviética ― enfrentando 
questões novas, como o aumento da dinâmica comercial e financeira e o despontar de 
guerras civis, revoluções políticas e guerras de libertação nacional no então Terceiro 
13 
 
Mundo. Desse modo, as teorias eram úteis instrumentos às necessidades de ajuste e 
inovação dentro do campo das práticas diplomático-militares dos Estados; e ganharam 
destaque não apenas junto às instâncias governamentais, como também, definiram a 
orientação dos centros de investigação e departamentos universitários de Relações 
Internacionais. O ambiente universitário estadunidense e europeu, na área das Relações 
Internacionais, converteu-se em um duopólio que expressava a disputa entre realistas e 
liberais. Gerações de estudantes foram formadas a partir da opção entre uma ou outra 
corrente teórica e seus desdobramentos e atualizações. Quando o ensino das Relações 
Internacionais lentamente se difundiu por outras regiões, como a América Latina, a 
escolha entre realismo ou liberalismo continuou a determinar as diretrizes curriculares e 
as perspectivas de pesquisa. 
 No entanto, ao ter em mente as procedências destas teorias internacionalistas, 
seus inícios, intencionalidades políticas, motivações e vínculos com os aparatos de 
Estado dos países mais poderosos política e economicamente no século XX, seria 
possível colocar uma questão: as teorias das Relações Internacionais seriam as únicas 
possibilidades de estudo da política internacional? Dariam elas conta de um campo tão 
dinâmico e em transformação veloz como o da política internacional? Ao 
internacionalista não caberia outro destino que o de ser realista ou liberal? Ao lado 
dessas perguntas, poderia ainda haver outras: realismo e liberalismo poderiam ser 
compreendidos como escolas inimigas e inconciliáveis tendo ambas a paz como divisa e 
como meta? Não seriam, ao contrário, teorias adversárias dentro de um mesmo campo 
conceitual e político disputando espaço junto às instâncias de poder e procurando 
defender suas visões particulares como os melhores caminhos para atingir a situação de 
paz que garantisse a sobrevivência dos Estados e a ordem internacional? Ofereceriam, 
liberalismo e realismo, referenciais ampliados para a análise das relações internacionais 
14 
 
em tempos de transformação do conceito de soberania, de formação de blocos políticos 
e econômicos, de globalização da economia, de fragmentações e reconfigurações de 
territórios nacionais e, no plano das guerras, de diminuição das guerras interestatais e da 
emergência das guerras transterritoriais nas quais conglomerados de Estados combatem 
em várias partes do globo forças não-estatais como o terrorismo fundamentalista e o 
narcotráfico? Produzidas a partir da lógica jurídico-política, vinculadas às teorias da 
soberania e de justificação do poder estatal, talvez as escolas tradicionais não sejam 
mais instrumentos exclusivos de análise convincentes para compreender uma situação 
mundial na qual a soberania se redimensiona e, pelos fluxos transterritoriais, atravessam 
produtos, informações, dados eletrônicos, ilegalismos, terrorismos, guerras, resistências. 
 As teorias de relações internacionais operam a partir da premissa de que há um 
dentro e um fora: um espaço político pacificado contraposto à “anarquia” exterior. A 
compreensão das relações de poder dessa época chamada por Gilles Deleuze de 
sociedade de controle passa pela impossibilidade de separar de forma estanque a 
política doméstica da internacional. Os fluxos atravessam as fronteiras, produzem ações 
políticas que não se fixam aos territórios nacionais, anunciam uma planetarização 
econômica e política na qual a distinção entre política (o dentro) e não-política (a 
“anarquia” do fora) não corresponde às correlações de força entre conglomerados de 
Estados, coalizões militares, fluxos financeiros, grupos terroristas, tráficos, resistências 
ativas e reativas. Assim, com a intenção de compreender as relações internacionais no 
presente, propõe-se aqui problematizar os princípios partilhados entre realistas e liberais 
de política como paz e relações internacionais como guerra. Uma problematização que 
se dá na perspectiva da anarquia contra a dicotomia paz/“anarquia” das teorias 
internacionalistas, e se formula a partir de um anarquista, Pierre-Joseph Proudhon que, 
no século XIX, se contra-posicionou em relação a Kant, afirmando que a política era 
15 
 
fundada e mantida pela guerra incessante, não havendo separação entre Estados 
pacificados e relações interestatais em guerra, nem possibilidade de uma pacificação 
perpétua por meio de uma federação centralizadora universal. Proudhon borrou a 
distinção entre guerra e paz chamando a atenção para a política como petite guerre, 
guerra continuada e insuperável na política: a guerra como situação do homem. Com 
especial atenção ao tema em A guerra e a paz, livro de 1861, Proudhon confrontou a 
tradição da filosofia política e dos juristas do direito das gentes ― exatamente as séries 
nas quais se inscrevem as teorias internacionalistas ― para mostrar que tanto Kant 
quanto Thomas Hobbes e Hugo Grotius se esforçaram para demonstrar que o amálgama 
social somente seria garantido se um poder político centralizado instaurasse a paz. A 
ausência de política, desse modo, seria sinônimo de caos, desordem, guerra. Esse 
esforço, sustenta Proudhon, visava apagar da história o fato de que todo direito era 
derivado da força, da violência do mais forte que determinava o justo e o injusto, o legal 
e o ilegal. Sob a grandiloqüência dos discursos jurídicos e políticos produzidos por 
magistrados e soberanos, operaria, para Proudhon, o direito da força que fazia da guerra 
seu meio de efetivação: “direito” inadmissível para aqueles que buscavam as formas de 
legitimar e justificar a existência benévola, incontornável e necessária do Estado. Para 
Proudhon, a política não seria paz, mas uma guerra permanente que nem a superação do 
Estado por ele defendida poderia eliminar. O fim da propriedade privada e estatal e o 
despontar das federações agrícola-industriais indicadas por Proudhon não implicariam 
na abolição das tensões entre os homens, das divergências de opinião e de posições 
políticas e éticas que fazem da vida uma batalha constante. 
Um século depois de Proudhon, Michel Foucault afirmou que a história da 
política era a história da guerra continuada por outros meios e não a de sua superação. 
Sendo a política conformada por infindáveis correlações de força, não haveria16 
 
possibilidade de pensar uma sociedade sem relações de poder, a vida fora da política ou 
a vida fora da guerra. A hipótese de Foucault para compreender a política é a hipótese 
da guerra. Hipótese oposta à de Clausewitz, como propõe Michel Foucault em seu 
curso no Collège de France de 1976, por meio da qual o filósofo se perguntava se a 
guerra, o fato da batalha, a luta e as resistências, não poderiam ser maneiras de analisar 
as relações de poder. Caso pudessem, haveria que abandonar a lógica da soberania 
jurídica e do poder de Estado, operando um deslocamento para a análise dos 
dispositivos, técnicas e tecnologias de poder atuantes pelo aparato de Estado, mas não 
exclusivamente a partir dele. Para Foucault, as teorias tradicionais do poder estavam 
vinculadas à preocupação de explicar o poder a partir do Estado, do direito, de sua 
legitimidade, limites e origem. Tal prisma, para o filósofo, não permitiria compreender 
como as relações de poder se exerciam efetivamente nas sociedades ocidentais. A 
perspectiva da guerra, no entanto, permitia pensar as relações de poder a partir da lógica 
do enfrentamento. Assim, contra a lógica do soberano, uma perspectiva do agonismo 
das relações de poder ― noção desenvolvida por Foucault a partir do princípio grego de 
combate. Tomando as relações de poder como combate, a política passaria a ser vista 
como um campo de batalhas incessantes, continuadas por meio das instituições e 
exercidas nas relações cotidianas entre homens com seus embates de interesses, 
vontades de governo e resistências ao comando superior. A política como agonismo se 
afastaria, desse modo, da tradição jurídico-política que define a política como paz ― o 
espaço pacificado criado pelo contrato social e mantido pela autoridade superior do 
Estado. Nessa tese, procura-se experimentar essa hipótese da guerra no campo das 
relações internacionais, a fim não de deslocar seu estudo das teorias realista e liberal 
para a perspectiva da política como guerra, mas ensaiar outra analítica que ao penetrar 
na luta entre discursos de verdades provoque conexões entre fluxos de resistências. 
17 
 
 O campo teórico das Relações Internacionais, fazendo parte dessa série da teoria 
da soberania, partilha ― pelo viés realista ou pelo prisma liberal ― o princípio de que a 
política está isenta de guerra. Assumindo a perspectiva proudhoniana da petite guerre e 
a hipótese foucaultiana da urgência em compreender a política pelo agonismo, seria 
possível notar como as teorias internacionalistas transitam pelo mesmo trajeto que, para 
Foucault, não daria conta de compreender como acontecem outras dimensões das 
relações de poder, como se exerce e se resiste ao poder, como se dá a política. Assim, a 
pergunta que aqui se faz é: não seria possível problematizar as teorias de Relações 
Internacionais a partir de uma perspectiva agonística que permitisse esboçar outra forma 
de estudar as relações internacionais? Uma forma de estudo que tomasse efetivamente a 
guerra ― tema central e fundador da área acadêmica das RI ― como instrumento de 
análise da política internacional, sem a pretensão de anulá-la sob o comando do Estado 
ou isolá-la na “anarquia internacional”, mas, ao contrário, tomá-la desvencilhada da 
utopia da paz que atravessa tanto liberais quanto realistas? Uma analítica das relações 
internacionais que não buscasse reformar as teorias em vigor ou apresentar uma teoria 
alternativa, mas ensaiar um método de análise, voltado ao combate e interessado em um 
saber sobre as relações internacionais liberado da obrigação de filiar-se às teorias 
tradicionais? E, por meio de tal liberação, constituir-se como instrumento interessante 
para o estudo da política internacional contemporânea? 
 Tratar-se-ia, ao menos, de indicar uma virada metodológica sem pretensão de 
formular conceitos universais; virada que seria mais uma atitude de investigação 
interessada numa história política das relações internacionais do que o estudo das 
Relações Internacionais como história do poder de Estado, do poder soberano, da lógica 
do Príncipe. Uma história dedicada à análise do presente, buscando para tanto as 
procedências dos saberes e práticas no campo das Relações Internacionais de modo a 
18 
 
problematizá-los, destacando a luta permanente não só da política, como a dos saberes e 
teorias produzidos para tentar compreender a política internacional. Para ensaiar essa 
analítica, escolheu-se caminhar ao lado de Proudhon e Foucault, dois autores que, em 
momentos diferentes e com intenções distintas, afirmaram a perspectiva de estudo da 
política como guerra. As noções de Proudhon e Foucault servem como armas na 
problematização das teorias de Relações Internacionais; são instrumentos analíticos no 
campo de uma história política que confronta a universalidade pretensamente 
desinteressada das teorias políticas por meio de estudos locais, perspectivistas e 
comprometidos com lutas pontuais. O método de Foucault interessa-se exatamente 
pelos saberes que foram sujeitados, derrotados e desqualificados por outros que não são 
nem mais verdadeiros ou científicos, mas apenas circunstancialmente vitoriosos. Esses 
saberes sujeitados, no entanto, podem provocar abalos e insurgências; podem ressurgir 
do soterramento a que foram submetidos. Por isso, a analítica foucaultiana assume uma 
perspectiva de luta, rechaçando vivamente a pretensão de constituir-se em teoria. Ela é, 
assim, uma atitude analítica contra os saberes que sujeitam e buscam afirmar discursos 
de verdade sobre os corpos sujeitados de inúmeras outras práticas e saberes. Trata-se de 
uma corajosa decisão de interpelar os saberes aliados ao poder político central, 
provocando-os ao combate de modo a explicitar que também são parciais, também 
defendem interesses, vontades e posições políticas. Uma analítica das relações 
internacionais pretenderia estar ao lado desse Foucault libertário, que fala franca e 
destemidamente aos saberes hegemônicos não para denunciá-los como hipócritas, mas 
para lutar por espaços de liberdade para outras formas de compreender as relações de 
poder. A analítica de Foucault combate pela insurgência de saberes. Uma possível 
analítica das relações internacionais ensaiaria uma insurgência no campo de estudos da 
política internacional; uma atitude metodológica voltada para a análise do presente, e 
19 
 
inimiga das adversárias teorias internacionalistas. E, como inimiga, reconhecendo a 
força das teorias e a impossibilidade de superar a guerra permanente contra elas. Uma 
analítica interessada em perscrutar como se dão as relações de poder na política 
internacional no início do século XXI; como se busca prolongar a paz numa época em 
que o sistema westfaliano cede rapidamente lugar a novas formas de organização 
política que não são nacionais, mas regionais e transterritoriais e como se transforma e 
se conduz a guerra quando ela age em fluxos sem respeito às fronteiras estatais. 
 
*** 
 
 Essa tese propõe uma analítica em três movimentos. Em Política como paz, 
elabora-se uma problematização das teorias liberal e realista interessada em analisar 
suas procedências na filosofia política, com destaque para as leituras que os liberais 
fazem de escritos de Immanuel Kant e que realistas empreendem da obra de Thomas 
Hobbes. Interessa investigar como num ramo teórico ou noutro, a premissa fundamental 
é de que o Estado institui a política como espaço de paz em contraposição à “anarquia” 
tomada como guerra: “anarquia” existente antes do contrato social e que, depois dele, 
teria sido expulsa para as relações internacionais. Assim, a guerra ― sujeitada pelo 
Estado ― restaria além-fronteiras, apenas como instrumento depolítica externa. As 
teorias liberal e realista não seriam, assim, antagônicas em seus princípios e interesses, 
mas convergentes e adversárias, transitando no campo do discurso jurídico-político 
preocupado com a defesa do Estado, sua justificativa e legitimidade. Esse movimento 
dedica-se à lógica do soberano, do território, do posicionamento: ao pensamento fixado 
em fronteiras e na utopia da paz. 
20 
 
Contra esse movimento, outro em que se procura ativar leituras de combate às da 
lógica da soberania e da pacificação da política. Em Política como guerra, busca-se a 
companhia de Proudhon em sua afronta direta aos juristas e filósofos políticos que 
procuraram evitar a guerra, não reconhecendo nela o acontecimento elementar da vida 
humana e das sociedades. As noções de Proudhon levam à genealogia da história 
política exercitada por Foucault que se interessa em mostrar como é possível 
experimentar uma análise das relações de poder a partir da lógica da guerra, do 
agonismo. O agonismo é um ataque direto à lógica jurídico-política, aos saberes que 
visam justificar o poder de Estado a partir da afirmação de que a política faz cessar a 
guerra. É, portanto, um ataque frontal à posição na qual se perfilam as teorias realista e 
liberal. A partir da perspectiva agonística esboça-se uma analítica das relações 
internacionais que procura afirmar outro ângulo de estudo sem pretensões teóricas, mas 
que, ao contrário, se assume perspectivista, local, voltado ao combate e as resistências. 
Nesse movimento, a partir de um contra-posicionamento à lógica jurídico-política, 
opera-se um deslocamento de perspectiva que sugere uma analítica desvencilhada da 
fixação e fixidez territorial das teorias internacionalistas sem ficar restrita a outra 
posição estanque: uma atitude metodológica voltada para as relações de poder que se 
dão nos fluxos e na velocidade incessante de uma política contemporânea que 
redimensiona espaços de poder, abala as fronteiras modernas e anuncia uma política 
propriamente planetária, sem distinção entre dentro e fora, atravessada por relações de 
força em incontáveis fluxos. 
Essa analítica, interessada no presente, ensaia em Fluxos 01010101 sua 
pertinência para o estudo das relações internacionais na sociedade de controle, com sua 
política, economia e guerras em fluxo. Época de desterritorializações e nova 
territorializações para além e aquém do Estado nacional; período em que novos projetos 
21 
 
de pacificação são construídos a partir de unidades políticas ampliadas como a União 
Européia e projetos para um direito global que atualiza o cosmopolitismo anunciando 
reformas no direito internacional que ainda se reporta à lógica do Estado; tempos de 
uma política planetária na qual os poderes políticos visam controlar os fluxos de 
resistências que, de forma reativa, ambicionam criar Estados teocráticos e, de forma 
ativa, desafiam os poderes centrais e a convocação a participar como fluxo inteligente 
no capitalismo globalizado e na democracia que se universaliza como regime político. 
Esse ensaio analítico procura indicar a possibilidade de um estudo das relações 
internacionais atento ao que não mais se restringe ao território do Estado-nação, 
exercitando uma perspectiva de resistência contra o duopólio das teorias 
internacionalistas e, também, às formas contemporâneas de pacificação política que não 
mais se confinam ao Estado, transformando-se em projeto planetário. As teorias realista 
e liberal operam pela distinção entre dentro e fora, entre paz e guerra, como absolutos 
inconciliáveis; a analítica, na perspectiva genealógica, atua na indistinção entre o dentro 
o e o fora, entre guerra e política e na dissolução das dicotomias. A analítica das 
relações internacionais se pretende uma metodologia em combate nos fluxos e não um 
contra-posicionamento fixo; modo de problematizar as relações de poder nas relações 
internacionais que deixam de ser inter-nacionais e inter-estatais para tornaram-se 
globais ou planetárias; uma analítica voltada para o presente e que compreende a guerra 
não como força domesticada pelo Estado, mas como princípio das relações de poder, 
sendo assim uma perspectiva plena de potências para o estudo de uma política 
internacional que esgarça os limites do jurídico-político, abrindo fendas pelas quais se 
pode ousar outras miradas. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Política como paz 
 
 
 
 
“Como alguém escaparia diante do que nunca se põe?” 
 Heráclito 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
23 
 
 
Primeiro Capítulo 
 
 
A política dos pacificadores: as teorias das Relações 
Internacionais contra as marcas da guerra 
 
 
A paz pelas baionetas 
 
 Uma multidão acompanhava a carruagem pelas avenidas parisienses, lançando 
vivas e aclamações. Pelos postes, faixas de boas-vindas e de agradecimento eram 
ladeadas por bandeiras em azul, branco e vermelho. Principiava o mês de dezembro de 
1918. Admirado, Thomas Woodrow Wilson deleitava-se com a calorosa acolhida que 
recebia dos franceses, gratos que estavam pela decisiva intervenção dos Estados Unidos 
na Grande Guerra. Quatro anos antes, auelas mesmas ruas, de modo similar ao de outras 
nas principais cidades da Europa, foram tomadas por diferente onda de entusiasmo que 
comemorava o início de uma guerra que para a maioria parecia ser uma aventura 
patriótica necessária e redentora. Passados os anos de trincheiras, epidemias, gases 
tóxicos, destruição e fome, com seus milhões de mortos, toda disposição perecia ser, 
então, a de celebrar a paz. Paz conquistada pelo auxílio das baionetas da mais nova 
potência mundial, que trouxe seus exércitos do Novo Mundo com o intuito declarado de 
pacificar o Velho. Wilson, presidente que rompe o isolamento de seu país levando-o à 
Europa, em 1917, estava pronto para participar da conferência de paz que se seguiria à 
guerra que, em suas palavras, teria colocado fim a todas as guerras. Mais do que um 
representante da pujança militar e industrial, Wilson se auto-declarava o portador da 
24 
 
esperança de um novo ordenamento do mundo em termos pacíficos. Chegava à Europa 
não apenas como líder do país determinante na vitória dos Aliados, mas como o porta-
voz de um novo mundo, de uma nova e duradoura paz. 
 É interessante notar como foi possível que se associasse de modo tão intenso a 
imagem de pacifista a um chefe de Estado que rompeu os obstáculos políticos 
domésticos à entrada do seu país na guerra. No entanto, a aparente contradição se 
dissolve quando se repara que a plataforma a partir da qual Wilson constrói seu discurso 
residia num liberalismo interpretado à maneira do messianismo estadunidense. Wilson 
defendera a entrada de seu país na guerra com o argumento de que era urgente levar aos 
europeus, e por extensão ao mundo, valores que estavam consolidados nos EUA, mas 
que não lhes eram exclusivos. Segundo MacMillan, Wilson “julgava falar pela 
humanidade” entendendo “seu governo e sociedade como modelos para todos” (2004: 
23). O presidente, eleito em 1912 e reeleito em 1916, era cientista político renomado e 
presbiteriano de formação. Filho de um pastor conhecido no Sul dos Estados Unidos, 
Wilson foi educado com base na fé de que a salvação individual dependeria da devoção 
e obediência irrestritas à lei divina. Essa carga moral foi fundamental para cristalizar em 
Wilson, desde jovem, a idéia de que ele era um homem que “Deus havia designado para 
guiar, direta ou indiretamente, a nação americana na missão sagrada que ele atribuía a 
ela (...): dar o exemplo ao mundo” (Aunchincloss, 2003: 11). A confiançana própria 
capacidade estava de acordo com a crença difundida entre os estadunidenses do destino 
manifesto da nação, concepção moral e política, surgida no século XIX, que atribuía aos 
Estados Unidos o dever de defender a liberdade no mundo e a inevitabilidade da 
expansão territorial do país. 
Esse homem, talhado no messianismo, governou um país que emergia no cenário 
internacional, despontando como potência econômica e militar num concerto mundial 
25 
 
ainda dominado por Estados europeus. Em seus mandatos, Woodrow Wilson 
desenvolveu diretrizes de política externa que os Estados Unidos praticavam desde o 
final do século XIX, principalmente a partir da guerra hispano-americana, de 1898, 
quando a vitória sobre a Espanha garantiu aos EUA territórios (Porto Rico, Filipinas, 
Guantánamo, Guam) e uma posição de destaque diante do restrito clube europeu de 
nações. A mais bem acabada tradução desse período de ativo intervencionismo 
estadunidense, continuado por Wilson, foi o Corolário Roosevelt, de 1904, doutrina de 
política externa que inaugurou a época das intervenções militares estadunidenses no 
continente americano e que ficou conhecida como política das canhoneiras ou do big 
stick1. Durante o governo do democrata Woodrow Wilson, os Estados Unidos levaram 
adiante a política intervencionista iniciada pelo governo republicano de Theodore 
Roosevelt, mantendo a presença na América Central, as pressões sobre o México e a 
América do Sul e invadindo o Haiti, em 1915. 
 O despontar dos Estados Unidos como uma potência com pretensões extra-
americanas esbarrou, no entanto, nos interesses coloniais europeus, principalmente na 
Ásia, e em resistências domésticas. No momento em que os EUA decidem conquistar 
posições vantajosas do ponto de vista estratégico e comercial naquele continente, a Ásia 
estava já esquadrinhada, divida entre Estados europeus que gerenciavam protetorados, 
colônias ou tutelavam países formalmente independentes como a China. A tática 
estadunidense no oriente foi a da aproximação comercial, aliada às pressões 
diplomático-militares diretas sobre países como o Japão e o apoio a regimes débeis 
 
1 O Corolário Roosevelt é considerado como um complemento da Doutrina Monroe, delineada em 1823, e 
que estabelecia o continente americano como zona de influência dos Estados Unidos, devendo, portanto, 
ser defendida contra a presença européia para que permanecesse sob a órbita estadunidense. Os EUA do 
início do século XX, no entanto, fortalecidos econômica e militarmente no processo de modernização 
com centralização do poder de Estado aprofundado com a vitória dos unionistas na Guerra de Secessão 
(1861-65), passam a intervir militarmente, ocupando países ou pressionando governos no Caribe, 
América Central e do Sul sob a justificativa de defender os interesses estratégicos e de particulares 
estadunidenses nessas regiões. 
26 
 
como o chinês em suas querelas com os Estados ocidentais2. Por outro lado, havia 
grande oposição nos EUA, por parte de grupos sociais e forças políticas isolacionistas, 
quando o tema era o da atuação militar e ingerência em regiões fora das Américas; 
posição que estendeu quando colocada em questão a pertinência ou não dos Estados 
Unidos mandarem forças militares à guerra em curso na Europa. Apenas após uma série 
de torpedeamentos de navios mercantes estadunidenses por submarinos alemães, em 
1916, que o cenário tornou-se mais propício às propostas de envolvimento na Grande 
Guerra. Wilson passou a defender a intervenção na guerra, alegando a necessidade de 
defesa do país e de seus interesses. A declaração de guerra às potências centrais 
(Alemanha, Áustria-Hungria, Bulgária, Império Otomano) marcaria não apenas um 
desequilíbrio no confronto que transcorria na Europa em favor dos Aliados, como 
também, apontaria a ascensão dos Estados Unidos como uma potência internacional, 
com capacidade de ação diplomática e militar em escala mundial. Segundo Döpcke, “a 
entrada dos Estados Unidos na guerra foi decisiva”, pois desequilibrou o estancado 
conflito nas trincheiras do front ocidental, abalando em definitivo o Império alemão 
que, com isso, e já depois de deflagrada a revolução liberal em Berlim, em novembro de 
1918, foi levado a “aceitar as condições do cessar-fogo e, com isso, sua derrota” (1997: 
156). 
 A nova configuração das relações de poder no mundo pós-guerra, passado o 
armistício, deveria ser definida na conferência de paz à qual acorreram Wilson e líderes 
de outros vinte e seis Estados que declaram guerra às potências centrais (Taylor, 1966). 
No entanto, havia um problema de fundo colocado justamente pela tensão que se 
estabelecera entre os Estados Unidos e seus enfraquecidos aliados europeus. O debate 
 
2 Exemplo dessa abordagem foi o apoio que os Estados Unidos ofereceram à China em sua demanda por 
um maior controle sobre o comércio do ópio contra os interesses de ingleses, franceses, holandeses e 
portugueses. Como resultado desse suporte, foi realizada a Conferência de Xangai, em 1907, primeiro 
encontro internacional destinado a restringir a produção e circulação de uma droga psicoativa que reuniu 
as potências coloniais européias, China e os Estados Unidos (McAllister, 2000). 
27 
 
surge, à primeira vista, como uma incompatibilidade entre visões de mundo que 
colocariam em lados opostos a realpolitik dos europeus e a “nova ordem mundial” 
estadunidense. Em contraposição às práticas da diplomacia secreta e do equilíbrio de 
poder alimentadas pelos Estados europeus, Wilson postulava “a possibilidade de uma 
revolução nas concepções e nas práticas da política internacional e da diplomacia, com 
o intuito de inaugurar uma nova era de entendimento e paz entre as nações” (Cervo, 
1997: 166). As balizas da posição da delegação estadunidense em Versalhes haviam 
sido apresentadas em 09 de janeiro de 1918 quando Wilson, em discurso no Congresso, 
defendeu metas para uma reconfiguração voltada para a paz mundial que ficaram 
conhecidas como Os 14 Pontos. Em linhas gerais, os catorze pontos versavam sobre: a 
necessidade em abandonar a diplomacia secreta, abrindo as negociações entre Estados 
ao controle da opinião pública; a urgência em controlar a produção de armamentos, 
limitando as forças militares às exigências mínimas para manutenção da ordem e da 
segurança do Estado; o valor de assegurar o direito de independência e 
autodeterminação aos povos que as reclamassem (na Europa, isso significava atender 
demandas nacionalistas que poriam fim aos grandes impérios multinacionais, como o 
Império Otomano e o Austro-Húngaro); a relevância em defender o livre fluxo 
comercial em todo o mundo, garantindo a passagem constante das frotas mercantes em 
regiões estratégicas como os estreitos de Bósforo e Dardanelos e, por fim, a importância 
de uma mudança na “arquitetura” das relações de poder entre os Estados que 
substituísse a lógica do equilíbrio de poder por outra baseada no conceito de segurança 
coletiva (Henig, 1991). 
Esse último imperativo postulado por Wilson significava o deslocamento da 
busca pela segurança nacional calcada na autonomia plena (econômica, política e 
militar) e nos jogos voláteis de alianças defensivas e ofensivas por uma outra disposição 
28 
 
na qual todos os Estados buscassem sua segurança (em termos de bem-estar e 
sobrevivência nacional) apostando na recusa à guerra de agressão e na solução pacífica 
de controvérsias. Para tanto, Wilson defendia a criação de uma associação de nações, 
reunidas formalmente e sob um estatuto jurídico comum que pudesse se firmar como 
uma assembléia permanente dedicada a equacionar litígiosentre os Estados a partir da 
regra fundamental da abdicação do recurso à guerra como instrumento de política 
externa. Seria uma liga de povos livres irmanados no objetivo de alcançar a paz 
mundial. 
 As posições defendidas pelo presidente estadunidense acabaram por pressionar 
pela abertura de um fórum paralelo às negociações de paz em Versalhes, que se 
dedicaria a pensar essa associação de nações. Assim, o documento fundador da Liga das 
Nações, apresentado em 1919, deve sua existência, em grande medida, à pressão da 
delegação estadunidense (Taylor, 1991). O texto final do tratado responde às demandas 
de Wilson delineadas nos 14 Pontos, principalmente no que diz respeito ao 
compromisso que deveria ser assumido entre os Estados signatários de não recorrer à 
guerra de agressão, mas à arbitragem da própria Liga por meio de “solução judicial ou 
investigação pelo Conselho” da organização (Dinstein, 2004: 112). O tratado trazia, 
ainda, as premissas defendidas por Wilson referentes à autodeterminação dos povos, 
(Art. 10), redução de armamentos nacionais “ao mínimo compatível com a segurança 
nacional e com a execução das obrigações internacionais impostas por uma ação 
comum” (Art. 08, par. 1º)3, publicidade dos tratados (Art. 18) e o princípio da segurança 
coletiva (Art. 16), segundo o qual o recurso à guerra por um dos membros da Liga seria 
“considerado como (...) um ato de guerra contra todos os outros membros”, o que 
 
3 O texto do Pacto da Liga das Nações utilizado aqui como referência é o que se encontra publicado em 
Seitenfus (1997), pp. 258-269. 
29 
 
implicaria em sanções diplomáticas, comerciais e até mesmo militares (a mencionada 
“ação comum” descrita no Art. 10). 
 A importância e o peso político das posições de Woodrow Wilson não devem, 
no entanto, sugerir que o presidente estadunidense fosse um enunciador original. Wilson 
dava expressão a discursos amplamente divulgados na década de 1910 e que foram 
potencializados pela reação pacifista à Grande Guerra. Já em princípios dessa década, 
organizou-se um difuso “movimento idealista pela paz que tentou atacar a 
irracionalidade dos gastos com armamentos e que alcançou certa notoriedade nas 
conferências de paz de Haia” (Krippendorff, 1985: 28). Proliferaram, a partir dos anos 
1910, sociedades sem fins lucrativos e institutos de pesquisa dedicados a decifrar as 
causas da guerra e encontrar caminhos para o estabelecimento de um concerto 
duradouro entre os Estados. A primeira cadeira de Relações Internacionais foi criada, 
em 1917, na Universidade do País de Gales e foi denominada, sintomaticamente, 
Cadeira Woodrow Wilson de Política Internacional (Sarfati, 2005; Nogueira e Messari, 
2005). Os próprios governos de Estados envolvidos na Primeira Guerra Mundial 
promoveram fundações como a inglesa Royal Institute of International Affairs, a 
estadunidense Council of Foreing Relations e a alemã Deutsche Hochschule fuer 
Politik, todas criadas em 1920 (Krippendorff, 1985). 
 As primeiras iniciativas para a formação de uma área exclusiva de estudos das 
relações internacionais nascem, assim, embebidas em uma perspectiva pacifista que 
investia no pressuposto que era necessário constituir uma ciência da política 
internacional que pudesse apontar os meios para evitar uma nova guerra como a iniciada 
em 1914. Segundo Bonanate, “seria possível dizer que a disciplina acadêmica das 
relações internacionais nasceu no final da Primeira Guerra Mundial, justamente para 
abordar de forma científica apenas este problema: por que a guerra na política 
30 
 
internacional? As duas têm a mesma essência?” (2001: 148). Portanto, a disciplina das 
Relações Internacionais toma forma num contexto de crítica à realpolitik — os cálculos 
de força, alianças estratégicas e equilíbrios de poder — tão fortemente identificadas 
com os Estados continentais europeus, e que era atravessado pela emergência de uma 
nova potência internacional, os Estados Unidos — que trazia um outro discurso e novas 
maneiras abordar a projeção de poder político, diplomático, econômico e militar. 
 Apesar da frustração de Wilson em não conseguir a ratificação do Tratado de 
Versalhes (e, com ele, do Pacto da Liga das Nações) por um oposicionista Congresso 
dos Estados Unidos (Renouvin e Duroselle, 2001), a demarcação de um campo 
específico de estudos da política internacional acompanha o final da Primeira Guerra. O 
despontar da iniciativa teorizadora das relações internacionais — que configuraria uma 
nova ciência social com sua vontade de verdade e vocação normativa — teve o tema da 
guerra como grande e primeiro motivador. A guerra, nesses movimentos iniciais da 
disciplina acadêmica, foi tratada como um “grande flagelo” a ser controlado por 
organizações internacionais, pela construção de normas internacionais e conseqüente 
renúncia de soberania por parte dos Estados. A emergência das Relações Internacionais 
se deu, portanto, num contexto bastante específico, de corte liberal como se verá abaixo. 
No entanto, a predominância do liberalismo e dos discursos pacifistas, nesses momentos 
iniciais, seria circunstancial, anunciando disputas visando a supremacia cognitiva sobre 
os “fatos internacionais”, a conquista de nichos acadêmicos e a influência sobre os 
centros de decisão diplomático-militares dos Estados Unidos, Inglaterra e França, as 
principais potências militares de então. 
 
 
 
31 
 
Liberais, realistas e a disputa pelas Relações Internacionais 
 
A Liga das Nações nascera enfraquecida pela ausência dos Estados Unidos. No 
entanto, o discurso pacifista centrado na idéia de que regras e instituições 
supranacionais seriam a senha para a superação das guerras não arrefeceu. A Liga 
manteve a estrutura delineada pela delegação estadunidense, com apoio inglês, e que 
criava uma estrutura voltada para a segurança coletiva e não uma associação militar de 
defesa anti-alemã como pretendiam os franceses. Segundo Taylor, “haveria aumentado 
o prestígio da Liga das Nações se os Estado Unidos dela fossem membros, no entanto, a 
política britânica em Genebra indicava que a participação de uma segunda potência 
anglo-saxônica não teria necessariamente transformado a Liga no instrumento de defesa 
pretendido pelos franceses” (1991: 56). Ao contrário, a Liga permaneceu atravessada 
pelos propósitos pacifistas que, na década de 1910, eram projetados nos institutos e 
centros de pesquisa dedicados ao tema da política internacional. Ganhavam repercussão 
autores críticos aos jogos de alianças, à corrida armamentista, ao recurso à guerra, ou 
seja, ao conjunto de práticas diplomático-militares destinado a aumentar o poder dos 
Estados consagrado sob o nome de política do poder. Um dos autores mais importantes 
desse período e perspectiva foi o jornalista inglês Norman Angell (1872-1967), que 
publicou seu mais influente escrito, o livro A grande ilusão, em 1910. Em suma, o 
argumento de Angell era que os europeus permaneciam enredados na percepção de que 
a conquista de bem-estar, riqueza e grandeza para os Estados viriam com políticas 
calcadas no isolamento e protecionismo econômico, na expansão colonial, na corrida 
armamentista e nas eventuais guerras de agressão destinadas a manter zonas 
estratégicas, fontes de matérias-primas e rotas comerciais. Angell previa que a era da 
mobilização total de forças nacionais em nome da autonomia e supremacia dos Estados 
32 
 
europeus conduziria a uma guerra catastrófica a opor nacionalismos radicais. No 
entanto, para Angell, tais concepções expansionistas eram como uma “ilusão de ótica” 
(2002: 22) em tempos de interdependência financeira e econômica entre economiase de 
interesses transnacionais; época na qual, agentes privados de diversas procedências 
borravam fronteiras nacionais deixando consolidar um capitalismo propriamente 
mundial. Assim, a maioria dos estadistas, políticos, intelectuais, estrategistas e cidadãos 
estariam iludidos. 
Para Angell, “a idéia de que é possível eliminar a competição dos rivais 
conquistando-os é uma das manifestações da curiosa ilusão” (2002: 24) que acometia 
seus contemporâneos. Tal idéia, para ele, era falsa pelo simples fato que ao incorporar 
um outro território, o Estado vencedor incluiria necessariamente em suas fronteiras 
agentes econômicos do país anexado, gerando competição para seus nacionais (ao 
menos que toda a população conquistada fosse eliminada). Do mesmo modo, a tese da 
riqueza nacional pela posse de colônias era equivocada já que o colonialismo era uma 
prática afinada à economia mercantilista e, portanto, pré-industrial e não-
interdependente. As colônias, em pleno século XX, só trariam despesas às metrópoles, 
uma vez que não seriam mercados consumidores interessantes se presas a um pacto 
colonial que apenas as espoliasse. Para que fossem lucrativos mercados, as colônias 
deveriam ser tratadas como se fossem países independentes, com uma diversificação das 
atividades econômicas locais e com a permissão de acumular dinheiro, gerando 
consumo. Angell sustentava que não seria viável manter uma colônia à força porque 
essa decisão era “do ponto de vista econômico (...) ineficaz e pueril” (2002: 93). Assim 
teriam percebido os britânicos ao criarem sua Commonwealth, dando autonomia em 
diversos aspectos aos territórios que, formal e politicamente permaneciam sob o 
Império. Por fim, o poder político (medido em território, população e capacidade 
33 
 
militar) não seria sinônimo de riqueza material, como atestaria a “prosperidade 
mercantil e o bem-estar social das pequenas nações [européias], desprovidas de poder 
político” (2002: 24). Sem deter-se em críticas aos argumentos do autor, pretende-se aqui 
apontar como ele alinhava um discurso que mantinha a clara intencionalidade de 
comprovar que as políticas expansionistas (do ponto de vista político-militar) e 
protecionistas (do ponto de vista econômico) eram contrárias à paz e, portanto, ao bem-
estar dos povos. Angell não se considerava um utópico, já que estaria apenas indicando 
fatos de integração e dinamismo econômicos mundiais que, segundo ele, poderiam ser 
percebidos nas relações internacionais. 
O que é possível notar, no entanto, é que os elementos levantados e a tese 
defendida pelo autor estão em um terreno liberal que associa liberdade de trânsito, 
interdependência econômica, autodeterminação dos povos, livre iniciativa e contenção 
dos gastos militares com sucesso econômico e bem-estar social. No que diz respeito ao 
tema da guerra, a abordagem de Angell é clara: protecionismo, nacionalismo e 
expansionismo levam à guerra; e com ela, viria a penúria dos povos. A tese de que a 
soma de nacionalismo e imperialismo conduziria à guerra já havia sido trabalhada pelos 
socialistas desde o século XIX e, à época em que Angell publica, despontava em 
reflexões de socialistas como Vladmir Lenin e Rosa Luxemburg. A diferença 
substancial entre a abordagem de Angell e a dos socialistas está no fato de que para o 
primeiro a conduta nacionalista e protecionista poderia ser corrigida pela melhor 
aplicação das lições do capitalismo liberal, evitando, pelo desenvolvimento da livre 
iniciativa e da economia de mercado, o choque entre Estados em competição; já para os 
socialistas, a fricção inevitável entre Estados imperialistas seria parte fundamental da 
crise do capitalismo, levando a guerras de grandes proporções que marcariam o passo 
34 
 
para verdadeira superação da guerra que viria após a tomada e conversão dos Estados 
em ditaduras do proletariado. 
A ênfase que Angell dá às forças econômicas não significa que, para o autor, a 
questão da segurança do Estado tivesse deixado de ser central. Segundo Paradiso, 
Angell “admitia que a defesa era um fator predominante no comportamento externo dos 
Estados [e] que a auto-preservação era a primeira e última de suas exigências” (2002: 
XXXV). O tema de fundo para Angell, conforme aponta Paradiso, é a necessidade de 
evitar a “anarquia” no cenário internacional: a ausência de ordem ou autoridade que 
conferisse previsibilidade ou segurança aos Estados. Essa “anarquia” só poderia ser 
superada eficazmente se fossem abandonados os jogos de alianças entre Estados, 
sempre efêmeros e prenhes de guerras futuras, pela lógica da segurança coletiva, mais 
adiante defendida publicamente por Woodrow Wilson e que seria a pedra de toque do 
projeto de Liga das Nações. A combinação de liberdade comercial, renúncia à guerra de 
agressão, confiança na sua própria segurança por meio de um acordo coletivo e do 
respeito a normas comuns seria uma combinação não “ilusória”, mas “concreta”, para 
evitar as guerras no futuro. Junto ao espectro da Primeira Grande Guerra, referencia 
fundamental para o pacifismo desse momento, havia o assombro causado pela revolução 
bolchevista na Rússia, em outubro de 1917, e que atravessava, de modo silencioso, as 
preocupações dos liberais e de Wilson em particular relativas ao re-ordenamento das 
relações internacionais. Em outras palavras, o pacifismo liberal atentava para a criação 
de dispositivos e normas que evitassem a guerra entre Estados capitalistas e que, 
simultaneamente, pudessem criar condições para evitar a proliferação de sublevações 
socialistas em Estados já constituídos ou a combinação perigosa entre nacionalismo (nas 
colônias e nos Estados multi-étnicos europeus) e socialismo bolchevista. Tão importante 
quanto criar uma nova ordem liberal era evitar a difusão do socialismo russo que, já 
35 
 
então, afirmava-se como modelo inimigo do capitalismo liberal. Projetos para a paz 
internacional, para a formação de uma Liga das Nações, para a criação de um sistema de 
segurança coletiva, com a defesa da autodeterminação dos povos e o fortalecimento do 
direito internacional de matriz ocidental não podem ser entendidos, portanto, sem 
considerar a Revolução Russa e as novas correlações de força por ela introduzidas. 
Em tal contexto, a argumentação de Angell conquistou ampla audiência, 
notadamente no período pós-Primeira Guerra Mundial. Sua popularidade e influência 
nos círculos internacionalistas impulsionaram sua candidatura vitoriosa ao Prêmio 
Nobel da Paz após a reedição de seu livro, em 1933. As posturas defendidas por 
Norman Angell, assim como a instrumentalização de idéias similares propostas por 
Wilson, são amostras bastante significativas do conjunto de conceitos e pressupostos 
que forjaram a disciplina acadêmica das Relações Internacionais em sua emergência 
(Arraes, 2005). O pacifismo liberal deu o tom do despontar dessa área e foi 
predominante no campo de estudos da política internacional nos anos 1920 e 1930, até 
começar a ser castigado por críticas que acompanharam os sucessivos fracassos da Liga 
das Nações, quando ela foi chamada a lidar com crises de segurança internacional4. O 
predomínio da realpolitik no estudo da política internacional, presente no século XIX e 
até a Primeira Guerra Mundial, foi interrompido no período entre-guerras, mas ensaiou 
sua volta antes mesmo do início da Segunda Grande Guerra (Bedin, 2004). 
O autor mais significativo da onda crítica que se agiganta sobre o 
internacionalismo liberal é outro inglês, o historiador Edward Hallet Carr (1892-1982), 
apontado pela literatura dedicada ao estudo das Relações Internacionais como o 
primeiro a evocar a necessidade de uma análise da política internacional que não fosse4 Taylor (1991) aponta que os principais fracassos da Liga das Nações foram justamente aqueles 
relacionados aos Estados que comporiam o Eixo Berlim-Roma-Tóquio durante a Segunda Guerra 
Mundial. A Liga foi impotente para impedir as anexações territoriais da Alemanha nazista na Europa 
central e do leste ao longo dos anos 1930, reticente no caso da invasão japonesa à Manchúria, em 1933, e 
omissa quando da invasão da Etiópia, em 1936, pela Itália fascista. 
36 
 
moldada por preceitos morais e normativos que desconsideram a realidade dos fatos, 
em nome da projeção de um “dever ser” (Braillard, 1990; Dougherty e Pfaltzgraff Jr, 
2001; Nogueira e Messari, 2005; Roche, 2006). Diplomata entre 1916 e 1936, Carr 
participou da Conferência de Paz de Versalhes, fez parte da delegação britânica na Liga 
das Nações nos anos 1920 e serviu na embaixada inglesa em Riga, Letônia. Abandonou 
o serviço diplomático para assumir a Cátedra Woodrow Wilson de Política 
Internacional, na Universidade do País de Gales, batizada ironicamente com o nome do 
principal representante das idéias sobre política internacional que tanto criticaria. Carr 
foi, também, um simpatizante da Revolução Russa e um dos mais importantes 
historiadores do socialismo, publicando obras que se tornaram referências, com 
destaque para as biografias de Karl Marx (publicada em 1934), Mikhail Bakunin (1937) 
e História da Rússia Soviética, em 14 volumes, publicada entre 1950 e 1978 (Griffiths, 
2004). 
 No entanto, o livro pelo qual é lembrado pelos estudiosos das relações 
internacionais, e que marca uma posição francamente contrária ao internacionalismo 
liberal que qualifica como “utopismo”, é o Vinte anos de crise 1919-1939, editado em 
1939. Na obra, Carr dedica-se a criticar a crença na possibilidade de um ordenamento 
das relações internacionais baseado no compromisso livre e espontâneo dos Estados 
com valores universais pacifistas regulados pelo direito internacional. Segundo 
Griffiths, Carr via a jovem ciência social das RI como “um tanto prescritiva, 
subordinando a análise dos fatos ao desejo reformador do mundo” (2004: 19). Para 
Carr, essa ciência da política internacional desenvolvida pelos liberais desde os anos 
1910 vivia uma espécie de “infância utópica” caracterizada pela aposta na conquista de 
uma “harmonia geral de interesses que via no comércio internacional o melhor meio de 
alcançar a paz” (Roche, 2006: 31). Haveria um a priori — a crença na paz universal — 
37 
 
que seria efetivada, inevitavelmente, como o resultado da evolução da razão (contra a 
bestialidade e irracionalidade da guerra). A fim de reforçar essa percepção, Carr lembra 
uma passagem na qual Woodrow Wilson, que estava a caminho da Conferência de Paz 
de Paris, responde à questão se seu plano de uma Liga das Nações tinha chances de 
vingar com um lacônico: “se não funcionar, teremos que fazê-lo funcionar” (2001: 12). 
Essa postura de um dos ícones do liberalismo do entre-guerras era a constatação, para 
Carr, de que os estudos internacionais estavam presos a um “utopismo” paralisante, uma 
vez que “nenhuma ciência merece tal nome até que tenha adquirido humildade 
suficiente para não se considerar onipotente, e para distinguir a análise do que é, da 
aspiração do que deveria ser” (2001: 13). 
A fé no direito internacional e na Liga das Nações, portanto, teria levado o 
estudioso da política internacional para longe da realidade que é conformada pela 
interminável correlação de forças e interesses dos Estados nacionais. Os Estados, essas 
entidades políticas que convivem com uma questão incontornável e que define todo seu 
comportamento na relação com os pares: a urgência em sobreviver num mundo em que 
não há um poder político-militar regulador que seja superior aos Estados e efetivo na 
aplicação de qualquer norma. Desse modo, para o autor inglês, o projeto wilsoniano 
assentado na Liga das Nações fracassou não porque tivesse tido algum problema de 
execução. Sua falha era genética, pois deitava raízes na decisão em não reconhecer as 
relações de poder e de interesse como as que de fato moldariam as relações interestatais: 
“o colapso da década de trinta foi contundente demais para ser explicado meramente em 
termos de ações ou omissões individuais. Sua ruína envolveu a falência dos postulados 
em que estava baseada” (Carr, 2001: 55). Exemplo maior desse descolamento com a 
realidade da política internacional seria a pretensão dos liberais “utópicos” de que a 
regra do pacta sunt servanda — a de que os signatários devem cumprir os tratados que 
38 
 
assinaram sem questioná-los — fosse para sempre observada sendo que nunca havia 
sido (desde a formação do Estado moderno) porque o que rege as movimentações dos 
Estados teria sido sempre a dupla urgência em sobreviver e aumentar a quantidade de 
situações vantajosas para o exercício do poder sobre outros Estados (entendendo-se 
“exercer poder” como a capacidade de moldar o comportamento de outrem, gerando 
uma relação de mando e obediência). Desse modo, e diante da ausência de um Estado 
mundial, os tratados seriam apenas intenções morais sujeitas ao cumprimento ou 
descumprimento segundo as vontades e capacidades de cada Estado. 
Carr discorda, no entanto, do realismo de tipo realpolitik que desconsidera toda 
e qualquer forma de valor ou moral nas relações entre Estados. Para o historiador, os 
Estados não são desprovidos de moral, mas, ao contrário, tem uma moral própria porque 
são entidades distintas dos indivíduos que os compõem. Se sobreviver é uma 
necessidade de cada Estado, a realização de acordos ou o seguimento de regras que 
auxiliem na busca dessa meta tem o seu porquê e se efetivam em acertos pontuais, não 
em projetos utópicos. O direito internacional, então, seria o conjunto de códigos morais 
voláteis, traçados por entidades — os Estados — que os negociam e assinam dentro de 
sua luta primordial pela sobrevivência. Carr alinhava essa reflexão com um elogio ao 
Estado afirmando que “está claro que a sociedade humana terá de sofrer uma 
transformação substancial antes de descobrir alguma outra ficção igualmente 
conveniente para substituir a personificação da unidade política [o Estado]” (2001: 196). 
Ser realista na perspectiva de Carr significa, portanto, evitar o “utopismo liberal” da era 
wilsoniana e também a política amoral à moda de Richelieu ou Bismarck, reconhecendo 
que a realidade da política internacional compreende competição, mas também 
cooperação, e que ambas tem que ver com egoísmo e necessidade de sobrevivência em 
um mundo de relações de mando e submissão. 
39 
 
O livro de Edward Carr foi o primeiro grande golpe a iniciar um período de 
desqualificação sistemática do internacionalismo liberal das primeiras décadas do 
século XX. A crise do cosmopolitismo liberal, no entanto, não deve ser entendida 
apenas como uma decorrência dos sistemáticos fracassos da Liga das Nações em sua 
pretensão de arbitrar os conflitos entre Estados. Há que se reparar como o ressurgimento 
da realpolitik, transformada naquilo que seria conhecido como teoria realista das 
relações internacionais, foi um recurso de análise interessante para a academia e os 
centros de decisão diplomático-militares dos Estados capitalistas europeus e também 
dos Estados Unidos diante do crescimento político, militar e econômico da União 
Soviética e dos movimentos socialistas no mundo. Apoiados diretamente por Moscou, 
como no caso dos partidos comunistas criados na vaga da III Internacional, ou com 
intensas nuances e especificidades, como na Guerra Civil Espanhola, os movimentos 
socialistas ganhavam fôlego atrelados a um Estado-matriz, a URSS, que despontava 
como modelo alternativo ao Estado democrático-liberal.Assim, é preciso investigar até 
que ponto a emergência do realismo não se limita ao campo de uma resposta ao 
internacionalismo liberal, sendo também, uma produção de saber voltada à capacitação 
conceitual e estratégica de Estados democrático-capitalistas dispostos a enfrentar o 
socialismo de Estado em ascensão. O acontecimento crucial a marcar o fortalecimento 
da interpretação realista da política internacional, levando em consideração tanto a 
hipótese da resposta ao liberalismo quanto ao socialismo, foi a Segunda Guerra 
Mundial. 
Ao acontecer, a Segunda Guerra parecia demonstrar, para os primeiros críticos 
realistas, que uma ordem mundial baseada nos conceitos de segurança coletiva, de 
confiança no direito internacional e na observância escrupulosa dos deveres e normas 
por parte dos Estados era impossível e irrealizável diante da natureza das unidades 
40 
 
soberanas e do sistema interestatal. Os Estados eram ciosos de sua sobrevivência e não 
poderiam efetivamente contar com outro apoio para assegurar sua continuidade que suas 
próprias forças. Essa era sua natureza: entidades políticas autônomas, irredutíveis umas 
às outras, zelosas de sua soberania inquestionável (celebrada desde o Tratado de 
Vestfália, de 1648). A inexistência de uma entidade política mundial ou supranacional 
com poder militar que garantisse eficácia como governo seria a característica 
fundamental, para os realistas, do sistema internacional. Essa situação foi classificada 
pelos realistas de “anarquia internacional”, a partir da lógica contratualista que alimenta 
suas reflexões e que será analisada na próxima seção. Essa “anarquia” em sentido 
contratualista, e nessa leitura realista, significaria simplesmente a ausência de um poder 
central supranacional que, na prática, faz com os Estados sejam unidades sem qualquer 
constrangimento para buscar suas aspirações e metas. Esse cenário leva à preocupação 
maior dos Estados — a sobrevivência em um mundo inseguro — que os realistas 
batizaram de dilema da segurança (Nogueira e Messari, 2005). Com a Segunda Guerra 
Mundial e com o novo arranjo geopolítico com os Estados Unidos e a União Soviética 
despontando como líderes mundiais, os realistas pareciam encorajados a avançar na 
destruição dos pressupostos liberais e na construção de um arcabouço teórico que, na 
sua avaliação, seria mais qualificado para compreender a dinâmica mundial. Esse passo, 
mais amplo e pretensioso em termos teóricos ao já esboçado por Carr, foi dado por 
Hans Morgenthau (1904-80). 
Judeu alemão exilado nos Estados Unidos, nos anos 1930, para escapar à 
perseguição nazista, Morgenthau estudara direito e diplomacia e se formara admirando a 
obra de seu conterrâneo Max Weber. Nos EUA, foi professor na Universidade de 
Chicago, entre 1943 e 1971, e colaborou diretamente com o governo estadunidense em 
duas oportunidades: no final dos anos quarenta foi consultor da equipe de Planejamento 
41 
 
Político do Departamento de Estado e, no começo dos anos 1960, foi conselheiro do 
Pentágono. Data da época em que trabalhava para o Departamento de Estado seu livro 
mais influente na área das Relações Internacionais: A política entre as nações: a luta 
pelo poder e pela paz, editado em 1948. A obra refletia a crença de Morgenthau no 
papel dos Estados Unidos como país-chave para a manutenção da ordem internacional; 
fato que fez com que a intenção de aconselhar e instruir as instâncias estadunidenses 
formuladoras de política externa atravessasse o texto. Essa intenção foi acompanhada de 
uma crítica à falta de racionalidade que Morgenthau enxergava nas ações diplomático-
militares dos EUA, permeadas, segundo ele, por valores morais, crença no poder do 
direito e na harmonia de interesses entre as nações. Enfim, a política externa 
estadunidense estaria, ainda, embebida no “utopismo” wilsoniano (Griffiths, 2004). 
Para Morgenthau, as metas fundamentais a serem perseguidas pelos Estados só 
poderiam ser alcançadas por meio de práticas de política externa racionais, balizadas 
por uma teoria extensiva que pudesse conferir sentido “à massa de fenômenos (...) 
desconexos e incompreensíveis” (2003: 03) que conformam as relações internacionais. 
O dever ser do internacionalismo liberal não só desconheceria a realidade dos fatos e 
dos concretos interesses dos Estados, como também seria perigoso para a manutenção 
da ordem internacional (entendida como ausência de guerra e equilíbrio de poder entre 
os Estados), pois indicaria caminhos para a organização das relações internacionais que, 
ao não serem factíveis, impediriam a efetivação de modos possíveis para a manutenção 
da paz. Para Morgenthau, uma “política externa racional é uma boa política externa, 
visto que somente uma política externa racional minimiza riscos e maximiza vantagens” 
(2003: 16). Assim, para o alemão, seria necessário apresentar uma teoria que observasse 
e procurasse compreender o real, estando atenta “mais a precedentes históricos do que a 
princípios abstratos” e que tivesse “por objetivo a realização do mal menor em vez do 
42 
 
bem absoluto” (2003: 04). Logo, havia que se formular uma teoria realista da política 
internacional que se opusesse à escola liberal, com sua crença na cooperação, na lei 
internacional e na importância das instituições supranacionais. 
O conceito básico apresentado pelo autor é o de “interesse traduzido em termos 
de poder” (2003: 06). Na visão utilitarista de Morgenthau, todos os Estados buscam o 
mesmo: maximizar ganhos e minimizar perdas, que são medidos na quantidade de 
relações de poder favoráveis produzidas e desfavoráveis evitadas. O interesse nacional, 
portanto, é o conceito que põe em marcha toda e qualquer estratégia de política exterior. 
Ele se resume aos temas já mencionados da sobrevivência nacional e da expansão de 
influência política. Se interesse nacional e poder são conceitos intrinsecamente ligados, 
suas potencialidades conceituais viriam pelo fato de serem universalmente válidos: 
todos os Estados, independente do tamanho e força política, econômica e militar, 
enfrentariam esses mesmos problemas. Todo Estado tem sua pauta de interesses 
nacionais e todos exercem poder e sofrem efeitos do poder exercidos por outros. Para 
Morgenthau, esse poder significa “tudo que estabeleça e mantenha o controle do homem 
sobre o homem” (2003: 18). Portanto, as relações de poder entre os Estados se 
circunscrevem à situação de mando e obediência e ao estabelecimento (e sustentação) 
de variados níveis de hierarquia que são correlatos às relações de poder que se dão entre 
homens. Os “homens artificiais” que são os Estados emulam os embates e situações de 
dominação que ocorrem entre os homens reais. Em suma, poder e exercício do poder 
são entendidos, exclusivamente, como forças negativas, supressivas, instauradoras de 
submissões e modeladoras do comportamento dos entes sujeitados. As relações de 
poder, em Morgenthau, pressupõem uma fonte da qual emana poder sobre um alvo a ele 
sujeitado. Trata-se de um modo de pensar as relações de poder a partir da lógica da 
soberania do Estado, com efeitos de poder sobre os súditos ou cidadãos. 
43 
 
Além dessa onipresença dos interesses e do conceito de poder, todos os Estados 
estariam submetidos a uma mesma situação, a um mesmo ambiente: a condição de 
existirem em um mundo sem autoridade central, o que faria do sistema internacional um 
espaço caracterizado pela “instabilidade extrema e pela ameaça sempre presente de 
violência em larga escala” (Morgenthau, 2003: 19). Desse modo, o tema da segurança 
nacional (da sobrevivência do Estado) era crucial, uma vez que nenhum poder superior 
poderia assegurar a vida de uma unidade soberana. A ausência

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