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Comunicação e Expressão Unidade 5: Intertextualidade Professora Doutora Débora Mallet Pezarim de Angelo Intertextualidade Nesta unidade, você vai encontrar situações em que o ponto central a ser observado será o diálogo entre diferentes textos. Para tanto, será preciso entender os seguintes conceitos: intertextualidade explícita e implícita; paráfrase, estilização e paródia. Criativo, eu? Carlos, aluno do curso de publicidade, precisava criar um slogan para um produto removedor de manchas; depois de pensar em alguns títulos, escreveu: “Removec, duas mil e uma utilidades”. Seu professor de redação publicitária, ao receber o exercício, disse que essa frase estava era “muito próxima da original”. Então, Carlos fez outra: “Removec, mil e muitas utilidades”; novamente o professor de Carlos interveio e disse que, para a atividade que estavam fazendo, essas estilizações tão simples não bastavam. Carlos, então, ficou intrigado: como criar uma frase que já não tenha sido criada? “Mil é uma utilidades” é um slogan que consagrou a palha de aço Bombril. Quando Carlos escreveu seus slogans, de forma consciente ou não, seus textos estavam dialogando com o do famoso produto. Produto, aliás, que dialoga com um texto ainda mais famoso e muito antigo, “As mil e uma noites”. A intertextualidade é um fenômeno da linguagem em qualquer uma de suas manifestações textuais. Conhecer um pouco sobre seus processos pode auxiliar na composição e leitura de textos, os mais variados, em qualquer setor profissional. Ao realizarmos qualquer atividade comunicativa, temos a impressão de que o que estamos produzindo é único e original. Sem dúvida, cada pessoa tem seu estilo e ele deixa marcas em todas as suas produções. No entanto, mesmo que não se perceba, tudo o que cada ser humano manifesta é, de alguma forma, a “recombinação” de algo que já foi visto, lido, ouvido, sentido em algum outro lugar: na conversa com a família, no jornal, no rádio, na televisão, no contato com os amigos, entre muitos outros. Assim, pode-se afirmar que é característico da linguagem humana esse diálogo permanente com o que já existe. Se, neste momento, for solicitado a você que escreva ou diga qualquer coisa, como foi o caso do Carlos, é provável que reflita um pouco e busque, em sua mente, uma série de informações sobre o tema pedido. Nesse processo tão rápido, muitas fontes de onde você retirou tal ou tal informação não serão lembradas, pois esse não é seu objetivo; no entanto, seria ingênuo afirmar que elas são completamente novas ou que “vieram do nada”. Quando, nesse processo, é possível reconhecer de forma clara ou levantar hipóteses sobre quais fontes estão sendo retomadas, ocorre o que denominamos intertextualidade. Dizendo de outro modo, é quando um texto, de qualquer natureza, retoma outro (ou mais de um), de alguma forma. Esse diálogo entre textos pode ser explícito ou implícito, conforme veremos. Intertextualidade explícita De acordo com Koch, Bentes e Cavalcante, “A intertextualidade será explícita quando, no próprio texto, é feita menção à fonte do intertexto, isto é, quando outro texto ou um fragmento é citado, atribuído a outro enunciador; ou seja, quando é reportado como sendo dito por outro ou por outros generalizados (...).” Intertextualidade explícita, portanto, é um tipo de diálogo entre textos no qual é possível reconhecer o texto fonte dentro do texto derivado. Isso ocorre pois há marcas textuais claras de seu autor, da obra, entre outras possibilidades. Veja um exemplo: "O auto da Compadecida" - Resumo da obra de Ariano Suassuna 03/09/2012 21h 13 A peça retoma elementos do teatro popular, contidos nos autos medievais, e da literatura de cordel para exaltar os humildes e satirizar os poderosos e os religiosos que se preocupam apenas com questões materiais. http://guiadoestudante.abril.com.br/estudar/literatura/auto-compadecida- resumo-obra-ariano-suassuna-700311.shtml O título do resumo faz intertexto explícito com a obra de Ariano Suassuna, representada aqui pela capa do livro. Nesse caso, mesmo que o leitor não saiba nada sobre o autor e sua peça, poderá encontrar as fontes, explicitamente citadas no resumo. Passemos, agora, à intertextualidade implícita. Intertextualidade implícita Para Koch e Elias, “a intertextualidade implícita ocorre sem citação expressa da fonte, cabendo ao interlocutor recuperá-la na memória para construir o sentido do texto (...). Nesse caso, exige-se do interlocutor uma busca na memória para a identificação do intertexto e dos objetivos do produtor do texto ao inseri-lo no seu discurso. Quando isso não ocorre, grande parte ou mesmo toda a construção do sentido fica prejudicada.” Como podemos notar, no caso da intertextualidade implícita a fonte não está expressamente indicada no texto derivado. Veja um exemplo: Nessa publicidade da rede Horti Fruti, o texto faz uma “brincadeira” com a obra de Ariano Suassuna, “O auto da Compadecida”. No entanto, se o leitor não conhece a obra e seu autor, pode não entender o intertexto, base central do humor dessa propaganda. É claro que, com a internet e as redes sociais, a possibilidade de encontrarmos os intertextos, mesmo que implícitos, ficou muito maior; no entanto, isso não muda o fato de que a fonte mencionada não está explícita nesses casos. O que mudou foi a facilidade com que os leitores podem relacionar diferentes textos com as buscas virtuais. Fique atento! - A questão do repertório Segundo Koch e Elias, “a intertextualidade é elemento constituinte e constitutivo do processo de escrita/ leitura e compreende as diversas maneiras pelas quais a produção/ recepção de um dado texto depende de conhecimentos de outros textos por parte dos interlocutores, ou seja, dos diversos tipos de relações que um texto mantém com outros textos.” Como indicam as autoras, o repertório do leitor, em geral, faz toda a diferença no momento de reconhecer e compreender as intertextualidades. Nesse sentido, muitas vezes, quando lemos os mais diversos textos, sentimos algumas dificuldades de compreensão, devido à quantidade ou complexidade dos intertextos que eles estabelecem. Uma forma de auxiliar esse processo é, antes de iniciar uma leitura, fazer uma pesquisa sobre o autor, a obra, o contexto em que se inserem; outro ponto importante, no caso de livros, é ler os textos introdutórios ou de apresentação. Neles, muitas vezes, encontramos informações importantes para a compreensão geral da obra. Alguns processos intertextuais Os intertextos, explícitos ou implícitos, podem ser construídos de várias formas. Vamos estudar três delas: a paráfrase, a estilização e a paródia. Paráfrase Há diversas formas de paráfrase, que é um tipo de relação intertextual entre dois ou mais textos. Ela ocorre quando o texto fonte é retomado pelo texto derivado, de tal maneira que muito do original é mantido. São exemplos de paráfrases as citações, os resumos, algumas traduções, transcrições etc. Para Othon Garcia, “(...) paráfrase corresponde a uma espécie de tradução dentro da própria língua, em que se diz, de maneira mais clara, num texto B o que contém um texto A, sem comentários marginais, sem nada acrescentar e sem nada omitir do que seja essencial, tudo feito com outros torneios de frase e, tanto quanto possível, com outras palavras, e de tal forma que a nova versão – que pode ser sucinta sem deixar de ser fiel – evidencie opleno entendimento do texto original.” Como destaca Othon Garcia, na paráfrase não há comentários, acréscimos ou omissões dos elementos fundamentais do texto fonte. Existe, sim, um respeito muito grande ao original, que é bastante preservado. Resumo do livro “O monge e o executivo” O livro narra a história de John Daily, um executivo bem sucedido, técnico voluntário de um time de beisebol, casado e pai de dois filhos. Desde o início de sua vida John se via perseguido por um nome: “Simeão”. De todos os fatos e coincidências, ele não compreendia porque, sempre ao longe dos anos, tinha o mesmo sonho que lhe transmitia a mesma mensagem: “Ache Simeão e ouça- o!”. Após um movimento sindical em sua fábrica, as constantes reclamações de sua esposa e a insubordinação de seus filhos, John começa a ver que nem tudo estava como planejara. Diante disso sua esposa sugere que ele vá se aconselhar com o pastor de sua igreja, que o indica a participar de um retiro num pequeno e relativamente desconhecido mosteiro cristão chamado João da Cruz, localizado perto do lago Michigan. Um resumo como esse é um caso típico de paráfrase: o enredo do livro foi preservado, em linhas gerais. Não há comentários do autor sobre a qualidade da obra ou qualquer outro aspecto. Parafrasear, portanto, é um tipo de diálogo entre textos em que se preserva a essência dos valores originais de um texto em outro. Estilização A estilização é uma forma de diálogo em que se acrescentam, no texto que cita outro, outros elementos que não pertenciam a esse original. As imagens associada à marca “Quaker” mostram bem esse fenômeno: de 1877 a 1972, as imagens guardam semelhanças. A original, pois que é a primeira, de 1877, é retomada nas outras. Mas há acréscimo de cores, formatos, formas de mostrar a imagem principal (corpo inteiro, meio corpo, rosto). Paródia Leia o texto a seguir. Oração do internauta Satélite nosso que estais no céu, Acelerado seja o vosso link, Venha a nós o nosso host, Seja feita vossa conexão, Assim em casa como no trabalho. O download nosso de cada dia nos daí hoje, Perdoai nosso tempo perdido no Chat, Assim como nós perdoamos os banners de nossos provedores. Não nos deixeis cair a conexão e livrai-nos do Spam, Amém! Esse texto faz um diálogo bastante explícito com a oração do “Pai Nosso”, acompanhando sua estrutura linha a linha. Mas, diferentemente dos casos anteriores, há aqui uma subversão muito grande dos valores do texto original. Como estrutura, como dissemos, ele está ali, preservado. No entanto, seus valores foram muito adulterados. De uma oração religiosa, de maior texto de fé da comunidade católica, passa a ser uma oração de internautas, que, no lugar de Deus, instauram o “satélite”. De acordo com Fávero, “na paródia, a linguagem torna-se dupla (...): é uma escrita transgressora que engole e transforma o texto primitivo: articula-se sobre ele, reestrutura-o, mas, ao mesmo tempo, o nega”. É exatamente o que ocorre no texto da oração. Essa imagem é uma paródia, baseada na série “Crepúsculo” Sintetizando Para Affonso Romano de Sant’Anna, “(...) a diferença entre esses termos está em que a paródia deforma, a paráfrase conforma e a estilização reforma. (...) Sem dúvida, a paródia deforma o texto original subvertendo sua estrutura ou sentido. Já a paráfrase reafirma os ingredientes do texto primeiro conformando seu sentido. Enquanto a estilização reforma esmaecendo, apagando a forma, mas sem modificação essencial da estrutura”. Testando Pode-se afirmar que, no anúncio, a intertextualidade é: a) implícita, pois o receptor não é informado de que o filme “Kill Bill” é retomado no anúncio. b) explícita, pois o receptor sabe que se trata de um intertexto com o filme “Kill Bill”. c) implícita, pois o receptor é informado de que o filme “Kill Bill” é retomado no anúncio. d) explícita, pois há a indicação clara, no anúncio, de que trata-se de uma referência ao filme “Kill Bill”. e) implícita, pois o anunciante pode não ter pensando no filme “Kill Bill” para produzir o anúncio. Feedback: pode-se dizer que o anúncio retoma o filme “Kill Bill” de forma implícita, pois é necessário que o receptor conheça o filme para reconhecê-lo, em alguns de seus elementos (cor, ação de personagem, nome do filme) no anúncio. Resumo da unidade Nesta unidade, estudamos o fenômeno da intertextualidade, seja em sua manifestação implícita ou explícita. Assim, compreendemos que o diálogo entre textos ocorre a todo o momento e, dependendo da situação, é mais adequado citar nossas fontes; já em outros contextos, essa não é a melhor estratégia. Compreendemos ainda que esse diálogo pode se dar em três grandes níveis de transformação do texto original no texto derivado: paráfrase (alteração mínima), estilização (alteração média) e paródia (grande alteração). Nos três casos, o mais importante é observar que a alteração se dá, em uma instância, nos valores que o texto original transmite. Referências bibliográficas FIORIN, J. L., SAVIOLI, F. P. Lições de texto; leitura e redação. São Paulo: Ática, 1996. GARCIA, O. M. Comunicação em prosa moderna. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003. KOCH, I. V., BENTES, A. C., CAVALCANTE, M. M. Intertextualidade: diálogos possíveis. São Paulo: Cortez, 2007. SANT’ANNA, A. R. Paródia, paráfrase & cia. São Paulo: Ática, 2003. Sites http://www.pucrs.br/gpt/intertextualidade.php– Aqui você encontra algumas explicações análises textuais com base no conceito de intertextualidade. Vídeos http://www.youtube.com/watch?v=TSvX4ZnntZc– Aqui você encontra algumas explicações didáticas sobre a intertextualidade.
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