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GRADUAÇÃO 2012.2 INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL AUTOR: CARLOS AFFONSO PEREIRA DE SOUZA Sumário Introdução ao Direito Civil ROTEIRO DAS AULAS: ........................................................................................................................................... 3 PARTE I: INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL .................................................................................................................. 3 Aula 1 — Apresentação da disciplina — introdução ao Direito Civil ............................................. 3 Aula 2 — o papel da pessoa humana no direito civil moderno ....................................................... 6 PARTE II: DIREITO DAS PESSOAS ........................................................................................................................... 11 Aula 3 — Conceitos Estruturais — A Pessoa Física ...................................................................... 11 Aula 4 — Conceitos Estruturais — Direitos da Personalidade ..................................................... 26 Aula 5 — Direitos da Personalidade — Direito à Integridade Física ............................................ 39 Aula 6 — Direitos da Personalidade — Direito ao nome e à honra .............................................. 49 Aula 7 — Direitos da Personalidade — Direito à Privacidade ...................................................... 58 Aula 8 — Direitos da Personalidade — Direito à Privacidade e Tecnologia .................................. 66 Aula 9 — Direitos da Personalidade — Direito à Imagem ........................................................... 78 Aula 10 — Direito à Imagem e privacidade — análise de casos .............................................................................................................. 106 Aula 11 — Conceitos Estruturais — Pessoas jurídicas ............................................................... 121 Aula 12 — Pessoas jurídicas — sociedade, associações e fundações ............................................ 133 PARTE III: DIREITO DOS BENS ............................................................................................................................. 139 Aula 13 — Conceitos Estruturais — Bens ................................................................................. 139 Aula 14 — Benfeitorias — Bem de Família ............................................................................... 148 PARTE IV: NEGÓCIOS JURÍDICOS ......................................................................................................................... 168 Aula 15: — Conceitos Estruturais — Negócio Jurídico ............................................................. 168 Aula 16 — Invalidade do Negócio Jurídico ................................................................................ 179 Aula 17 — Interpretação dos Negócios Jurídicos ....................................................................... 183 Aula 18 — Defeitos do Negócio Jurídico: Erro e Dolo .............................................................. 188 Aula 19 — Defeitos do Negócio Jurídico: Coação, Simulação e Fraude contra Credores ........... 197 Aula 20 — Lesão e Estado de Perigo .......................................................................................... 206 Aula 21 — Condição, Termo e Encargo .................................................................................... 212 PARTE V: PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA .................................................................................................................. 221 Aula 22 — Fundamentos para Aplicação da Prescrição e da Decadência .................................... 221 Aula 23 — Suspensão, Impedimento e Interrupção dos Prazos Prescricionais ............................ 240 INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL FGV DIREITO RIO 3 ROTEIRO DAS AULAS: PARTE I: INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL AULA 1 — APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA — INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL EMENTÁRIO DE TEMAS Direito Privado — Direito Civil — Direito Civil Constitucional — Apresen- tação do Código Civil de 2002 LEITURA OBRIGATÓRIA TEPEDINO, Gustavo. “Premissas Metodológicas para a Constitucionaliza- ção do Direito Civil”, in Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004; pp. 7/22. LEITURAS COMPLEMENTARES GIORGIANNI, Michele. “O Direito Privado e suas Atuais Fronteiras”, in Revista dos Tribunais nº 747; e PEREIRA, Caio Mário da Silva. Institui- ções de Direito Civil, v. I. Rio de Janeiro: Forense, 2005; pp. 5/27. 1. ROTEIRO DE AULA Estudar o Direito Civil hoje signifi ca estudar um campo do Direito que atravessa uma de suas maiores transformações. Por um lado, diversas teorias tem sido erigidas sobre a chamada publicização, ou constitucionalização do Direito Civil, por outro, e mais particularmente no Brasil, a recente publi- cação de um novo Código ainda acarreta, e acarretará por um longo tempo, todo um trabalho de adequação e interpretação do novo texto. A análise dos dispositivos do Código Civil à luz da Constituição Federal marca os estudos não apenas do Direito Civil, mas de todo o Direito Privado, nos últimos trinta anos. Uma das premissas desse Direito Civil Constitu- cional é justamente a aplicação dos princípios constitucionais nas relações travadas entre particulares. INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL FGV DIREITO RIO 4 1 O papel centralizador do Código Civil pode ser notado na seguinte passagem de José de Alencar, escrita pelo roman- cista (e jurista) sobre a oportunidade de criação de um Código Civil para o Brasil: “Outorga-se aos povos ou eles conquistam no dia de sua liberdade uma Constituição, escrita ao estrepito da batalha ou às aclamações da praça publica, mas um Código Civil procede uma longa gestação das idéias; ele é o marco de um largo período no progres- so da jurisprudência, e o depositário da experiência e estudo não só de um povo, mas da humanidade culta.” (in Esboços Jurídicos. Rio:Garnier, 1883; p. 132). 2 Pietro Perlingieri. Perfi s do Direito Civil. Rio: Renovar, 1998; p. 6. Tomando por base o rompimento da summa divisio entre Direito Pú- blico e Direito Privado, e a afi rmação do texto constitucional como vértice axiológico e normativo do ordenamento jurídico, essa perspectiva de análise permite compreender como esses princípios infl uenciam as atividades dos particulares e podem ser exigidos na prática. O Direito Civil Constitucional, ao aplicar os dispositivos constitucionais nas relações privadas, evidencia o fenômeno da perda do papel centralizador no ordenamento jurídico desempenhado pelo Código Civil na teoria jurídica do século XIX.1 Com a intensa produção legislativa que caracterizou o século XX, progres- sivamente o Código Civil foi cedendo espaço para leis esparsas que inicial- mente eram editadas de forma extraordinária, sendo sucessivamente substitu- ído o caráter de excepcionalidade pela prática reiterada de elaboração de leis especiais, editadas em separado do Código Civil e constituindo verdadeiros micro-sistemas. A fragmentação extrema do Direito Civil somente pôde ser evitada com a compreensão de que todo o ordenamento jurídico está sujeito aos preceitos constitucionais. A Constituição Federal, com o estabelecimento de princí- pios que norteiam todo o ordenamento jurídico, reunifi ca o ordenamento, submetendo todas as relações jurídicas ao seu poder normativo. Nesse sentido, explicita Pietro Perlingieri que “o código civil certamente perdeu a centralidade de outrora. O papel unifi cador do sistema, tanto nos seus aspectos mais tradicionalmente civilísticos quanto naqueles de relevân- cia publicista, é desempenhado de maneira cada vez mais incisiva pelo texto constitucional.”2 O reconhecimento, à luz da moderna doutrina constitucional, da nor- matividade dos princípios, confere à Constituição potencialtransformador jamais possuído. Sua infl uência se espraia por todo o ordenamento jurídico, propondo uma releitura dos institutos e consolidando a própria aplicabilida- de da Constituição nas situações cotidianas. Mas a discussão está longe de ser encerrada. A edição de um novo Código Civil pode fazer você se perguntar sobre a necessidade de se utilizar a Consti- tuição nos estudos de Direito Civil. O recurso à Constituição parecia se fazer necessário quando o Código Civil em vigor no país era o mesmo desde 1916. Com a edição do novo Código, em 2002, pergunta-se: precisamos ainda da Constituição? Os diversos assuntos que serão estudados durante essa discipli- na fornecerão a resposta para essa pergunta. INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL FGV DIREITO RIO 5 Como primeira aula da disciplina, deve o professor buscar familiari- zar o aluno com o estudo do Direito Civil através de uma curta expla- nação sobre a transição do papel desempenhado pelo Código Civil no século XIX, para o atual papel do Código. A necessidade de se estudar o Direito Civil com base nos precei- tos fundamentais é a tônica dominante no texto de leitura obrigatória. Como os alunos já cursaram Direito Constitucional I, e já tomaram contato com conceitos como supremacia da Constituição, princípios constitucionais, ponderação de interesses e etc, eles não deverão ter difi culdades para compreender a dinâmica do Direito Civil Constitu- cional. É importante que o professor dê um panorama amplo dos estudos em Direito Civil no país, e, ao fi nal da aula, faça uma apresentação do Código Civil, explicando resumidamente as matérias que serão aborda- das no decorrer do curso. INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL FGV DIREITO RIO 6 3 Nesse sentido, afi rma Gustavo Tepedi- no que: “com a evolução cada vez mais dinâmica dos fatos sociais, torna-se assaz difícil estabelecer disciplina legis- lativa para todas as possíveis situações jurídicas de que seja a pessoa humana titular.” (in Temas, cit.; p. 36.) 4 Pietro Perlingieri. Perfi s do Direito Civil. Rio, Renovar, 1997; p. 155. AULA 2 — O PAPEL DA PESSOA HUMANA NO DIREITO CIVIL MODERNO EMENTÁRIO DE TEMAS Dignidade da Pessoa Humana — Autonomia Privada CASO GERADOR “Lançamento de anão” e Peep-Show LEITURA OBRIGATÓRIA MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2003; pp. 81/117. LEITURAS COMPLEMENTARES AZEVEDO, Antonio Junqueira. “Caracterização Jurídica da Dignidade da Pessoa Humana”, in Estudos e Pareceres de Direito Privado. São Paulo: Saraiva, 2004; pp. 03/24. 1. ROTEIRO DE AULA A proteção da pessoa humana hoje ocupa um papel central nos estudos jurídicos. Conforme leciona Pietro Perlingieri, a personalidade humana deve ser tutelada nas múltiplas situações enfrentadas pela pessoa, resultando que o modelo de direito subjetivo tipifi cado se mostrará sempre insufi ciente.3 Conforme expõe o autor italiano, “[a] esta matéria não se pode aplicar o direito subjetivo elaborado sobre a categoria do ‘ter’. Na categoria do ‘ser’ não existe a dualidade entre sujeito e objeto, porque ambos representam o ser, e a titularidade é institucional, orgânica. Onde o objeto da tutela é a pessoa, a perspectiva deve mudar; torna-se necessidade lógica reconhecer, pela especial natureza do interesse protegido, que é justamente a pessoa a constituir ao mesmo tempo o sujeito titular do direito e o ponto de referência objetivo da relação.”4 INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL FGV DIREITO RIO 7 5 Maria Celina Bodin de Moraes, “A Ca- minho de um Direito Civil Constitucio- nal”, in Revista de Direito Civil nº 65, p. 28. Vide, ainda, Gustavo Tepedino. “Có- digo Civil, os chamados micro-sistemas e a Constituição: premissas para uma reforma legislativa”, in Gustavo Tepe- dino (coord). Problemas de Direito Civil- Constitucional. Rio, Renovar, 2000; p. 12; Luiz Edson Fachin. Teoria Crítica, cit.; p. 33; e Tereza Negreiros. “Dicotomia Público-Privado frente ao Problema da Colisão de Princípios”, in Ricardo Lobo Torres (org) Teoria dos Direitos Funda- mentais. Rio, Renovar, 1999; p. 363. A tutela que demanda a personalidade encontra-se além da summa divisio entre Direito Privado e Direito Público (direitos fundamentais e direitos da personalidade, respectivamente), e da discussão sobre a tipicidade ou atipici- dade dos direitos da personalidade. Importa ao Direito que a pessoa humana seja protegida de forma integral. Assim, perde relevância a discussão sobre o enunciado de um único direito subjetivo ou a classifi cação em inúmeros direitos da personalidade, que será trabalhada mais à frente. Deve-se, isso sim, salvaguardar a pessoa em qual- quer momento da atividade social. As diretrizes elencadas nos artigos 1º, I e III da Constituição Federal, ele- gendo a cidadania e a dignidade da pessoa humana como fundamentos da República, somadas à adoção do princípio da igualdade substancial (art.3º, III), e da isonomia formal do art. 5º, acrescido da garantia residual constante do artigo 5º, § 2º condicionam todo o ordenamento jurídico. Tais diretrizes alcançam tanto a relação do indivíduo frente ao poder público como as rela- ções tipicamente privadas. Na mesma direção está o entendimento de Maria Celina Bodin de Moraes: “A rigor, portanto, o esforço hermenêutico do jurista moderno volta-se para a aplicação direta e efetiva dos valores e princípios da Constituição, não apenas na re- lação Estado-indivíduo, mas também na relação interindividual, situada no âmbito dos modelos próprios do direito privado.”5 Dessa forma, a tutela da pessoa humana não pode ser restringida por con- cepções estanques de relações jurídicas públicas, de um lado, e relações jurídi- cas privadas, de outro. A pessoa humana requer proteção integral, atendendo à cláusula geral fi xada no texto constitucional para a proteção e promoção de sua dignidade. Contudo, se é certa a necessidade de proteção integral da pessoa humana, resta ainda defi nir o que vem a ser a chamada “dignidade da pessoa humana”. Para trabalhar com esse conceito, leia o caso gerador abaixo. INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL FGV DIREITO RIO 8 2. CASO GERADOR Leia a notícia abaixo: Lançamento de Anão Correio Brasiliense, 14 de março de 2002 A polícia invadiu um concurso de arremesso de anões promovido no bar Odissey, em Long Island, no Estado de Nova Iorque (EUA). Os clientes haviam pago US$ 10 para participar da bizarra competição, que funcionava como uma prova de arremesso de peso. Um agente da State Liquor Authority, entidade que fi scaliza os bares, informou que havia uma área de arremesso em que foram colocados dois colchões de ar e que os anões usavam capacete para se proteger. As 200 pessoas que haviam no local, inclusive os anões, foram liberados sem qualquer punição, mas o dono do bar, Tony Alfanom, foi multado em US$ 600. O arremesso de anões, legalizado em alguns estados norte-americanos, é proibido em Nova York. A notícia acima reporta a proibição, nos Estados Unidos, da prática conhecida por lançamento de anão (“dwarf tossing”). A sua proibição em território francês gerou, nos anos 90, um dos mais conhecidos acórdãos do Conselho de Estado da- quele país, o chamado caso “Morsang-sur-Orge”. A Prefeitura de Morsang-sur-Orse decidiu acabar com os espetáculos de lança- mento de anão naquela cidade. Para tanto, foi movimentada uma força policial para averiguar se nos bares e boates da região a prática estava sendo desenvolvida. A Prefeitura, como Administração Pública, tem a faculdade de intervir nas relações privadas com o chamado “poder de polícia”. Especialmente no direito francês, existe uma legislação especial para a utilização do poder de polícia em eventos públicos, visando a garantir a segurança dos espectadores e prevenir even- tuais tumultos. Todavia, o fundamento utilizadopela Prefeitura para comandar as incursões nos bares e boates foi distinto. Alegou-se, à época, que a proibição da atividade estava sendo feita em homenagem ao princípio da indisponibilidade da dignida- de da pessoa humana. Um dos anões que foi proibido de ser lançado em boates locais ingressou então com uma ação contra a Prefeitura. Alegava o anão que a proibição baixada era ilegal pois violava a sua liberdade de iniciativa. Por conta de sua baixa estatura, argumentou o anão, estava difícil conseguir um emprego na cidade. Dessa forma, ser lançado de um lado para outra na boate era o único emprego que ele havia obtido. E agora o Estado estava lhe retirando o seu próprio sustento. INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL FGV DIREITO RIO 9 Na decisão de 27.10.1995, o Conselho de Estado francês pela primeira vez reconheceu a dignidade da pessoa humana como elemento integrante da “ordem pública” e, conseqüentemente, declarou ser a prática do lançamento de anão uma atividade que atenta contra a dignidade da pessoa, não podendo, mesmo volun- tariamente, ser exercida pela mesma. Se você fosse o juiz de um caso idêntico àquele decidido pelo Conselho de Esta- do francês, qual seria a sua decisão? CASO 2: Na Alemanha discutia-se a possibilidade de se conceder uma licença de funcio- namento para um estabelecimento onde se praticava o chamado “peep-show”, no qual uma mulher dança sensualmente (e geralmente sem roupas) em uma cabine fechada, mediante remuneração, para um espectador individual. A licença de funcionamento não fora concedida administrativamente sob o argumento de que aquela atividade seria degradante para mulher e, portanto, violava a dignidade da pessoa humana. Em razão disso, os interessados ingressa- ram com ação judicial questionando o ato administrativo. Eles argumentavam que a mulher estaria realizando aquele trabalho por livre e espontânea vontade e por isso não havia que se falar em violação à dignidade da pessoa humana. Sustentaram ainda que várias boates onde se praticava o strip-tease obtiveram a devida licença de funcionamento, razão pela qual o “peep-show” também deveria ser permitido. O caso chegou até a Corte Constitucional alemã (TCF), que deveria decidir se merecia prevalecer a autonomia da vontade da mulher, que estava ali volunta- riamente, por escolha própria, ou a dignidade da pessoa humana, já que aquela atividade colocava a dançarina na condição de mero objeto de prazer sexual. A decisão foi no sentido de que o “peep-show” violaria a dignidade da pessoa humana e, portanto, deveria ser proibido. Na argumentação, o TCF decidiu que “a simples exibição do corpo feminino não viola a dignidade humana; assim, pelo menos em relação à dignidade da pessoa humana, não existe qualquer ob- jeção contra as performances de strip-tease de um modo geral”. Já os Peep-shows — argumentaram os julgadores — “são bastante diferentes das performances de strip-tease. No strip-tease, existe uma performance artística. Já em um peep-show a mulher é colocada em uma posição degradante. Ela é tratada como um objeto para estímulo do interesse sexual dos expectadores”. Explicou ainda o TCF que a violação da dignidade não seria afastada ou jus- tifi cada pelo fato de a mulher que atua em um “peep-show” estar ali voluntaria- mente. Afi nal, “a dignidade da pessoa humana é um objetivo e valor inalienável, cujo respeito não pode fi car ao arbítrio do indivíduo” INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL FGV DIREITO RIO 10 Você concorda com a decisão acima? Como a autonomia privada e o princípio da dignidade da pessoa humana podem ser enquadrados nesse caso? (As citações foram extraídas de ADLER, Libby. Dignity and Degration: transnacional lessons from constitucional protection of sex. Disponível On-line: http://papers.ssrn.com/. O texto acima é uma adaptação do tex- to de George Mamelstein constante do site: http://direitosfundamentais. net/2007/08/14/jurisprudenciando-casos-curiosos-julgamentos-pitorescos/) 3. QUESTÕES DE CONCURSO UnB/CESPE — OAB 37º Exame de Ordem 2008.3 QUESTÃO 20 Assinale a opção correta no que se refere à aplicação do princípio da dig- nidade da pessoa humana. A. O uso de algemas não requer prévio juízo de ponderação da neces- sidade, como em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, pois, como a fuga é ato extremamente provável no momento da prisão, as algemas podem ser utilizadas como regra. B. A referência, na CF, à dignidade da pessoa humana, aos direitos da pessoa humana, ao livre exercício dos direitos individuais e aosdi- reitos e garantias individuais está relacionada aos direitos e garantias do indivíduo dotado de personalidade jurídica ou não. Desse modo, a aplicação do princípio da dignidade humana exige a proteção dos embriões humanos obtidos por fertilização in vitro e congelados, devendo-se evitar sua utilização em pesquisas científi cas e terapias. C. A aplicação do princípio da insignifi cância, embora seja consequ- ência do princípio da dignidade da pessoa humana, nãoé aplicável aos crimes militares, haja vista a dignidade do bem jurídico prote- gido pelos tipos penais que têm por objeto de proteção os interesses da administração militar. D. A ausência de indicação da conduta individualizada dos acusados de crimes societários, além de implicar a inobservância aos princí- pios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, fere o princípio da dignidade da pessoa humana. Resposta: D INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL FGV DIREITO RIO 11 PARTE II: DIREITO DAS PESSOAS AULA 3 — CONCEITOS ESTRUTURAIS — A PESSOA FÍSICA EMENTÁRIO DE TEMAS Pessoa física — Início e fi m da personalidade — Incapacidade — Identifi ca- ção e Registro LEITURA OBRIGATÓRIA RODRIGUES, Rafael Garcia. “A Pessoa e o Ser Humano no novo Código Civil”, in TEPEDINO, Gustavo. Parte Geral do Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004; pp. 1/34 LEITURAS COMPLEMENTARES NONATO, Orozimbo. “Personalidade”, verb. in Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro, v. 37; e EBERLE, Simone. “Mais capacidade, menos autonomia: o estatuto da menoridade no novo Código Civil”, in Revis- tra Trimestral de Direito Civil nª 17 (2004), pp. 181-191. 1. ROTEIRO DA AULA Antes de ingressar no estudo da personalidade, é importante remeter aos conceitos de relação jurídica e de direito subjetivo. A relação jurídica, na con- ceituação de Pontes de Miranda, nada mais é do que “a relação inter-humana, a que a regra jurídica, incidindo sobre os fatos, torna jurídica”. Assim, além da incidência da norma, que torna determinada relação relevante ao direito, te- mos que, necessariamente, a relação jurídica se desenvolve entre entes capazes de ter direitos e deveres. Outra consideração a que devemos nos remeter são os conceitos de direito subjetivo e direito objetivo. O direito objetivo, norma agendi, é o direito posto, ou seja, a norma jurídica que vigora em determinado Estado. Já o direito sub- jetivo, de forma sucinta, é a prerrogativa titularizada por um indivíduo decor- rente da regular observância de norma de direito objetivo. É a facultas agendi. A conexidade desses conceitos com o de personalidade deriva justa- mente do fato que, em regra, aos entes dotados de personalidade é dado INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL FGV DIREITO RIO 12 integrar algum dos pólos da relação de direito material, seja o pólo ativo ou o pólo passivo. Na tentativa de dirimir o caráter abstrato da matéria, pode-se socorrer com exemplos derivados do Direito das Obrigações. Assim, num contrato de compra e venda fi guram, concomitantemente, o vendedor e o comprador. O primeiro, sendo titular de um direito de crédito, é o sujeito ativo da relação; o segundo, comprador do bem, é o sujeito passivo, é aquele em virtudedo qual pode ser exigida uma ação condizente na entrega do bem. O vendedor é o devedor da relação. Contudo, a dinâmica da relação obrigacional suscitada não é tão simples. A relação contratual citada, seguindo a lógica das obrigações, possui um ca- ráter sinalagmático, ou seja, há correspondência na exigência de condutas recíprocas para ambas as partes. Dessa forma, ao vendedor corresponde o direito subjetivo de receber a importância acordada, ao mesmo tempo em que compete ao comprador o dever-jurídico de pagar-lhe o preço. Analisando sob outra perspectiva, tem-se que, de forma concomitante, o comprador é titular do direito subjetivo de receber a mercadoria, ao passo que o vendedor está adstrito ao dever jurídico de entregá-la nas condições estabelecidas — dia, hora, quantidade, qualida- de, etc. Nos direitos reais, por outro lado, a defi nição do sujeito passivo não é tão clara como no exemplo acima apresentado: contra quem se pode exigir uma prestação quando o direito titularizado é o direito, p.ex, de propriedade sobre um bem? No direito de propriedade, enquanto o sujeito ativo é o titular do domínio, são sujeitos passivos da relação jurídica todas os demais terceiros, exceto o titular do direito real. Personalidade e pessoa natural O Código Civil regula a personalidade nos artigos 1º a 12. A personali- dade, conforme exposto pela doutrina tradicional, se traduz na capacidade genérica para ser titular de direitos e deveres, sendo adquirida, a partir do que se depreende do artigo 2º do Código Civil, do nascimento com vida. Para uma crítica desse conceito de personalidade, remete-se a leitura à aula seguinte, sobre os chamados direitos da personalidade. De forma clara, na confi guração da personalidade do indivíduo não há que tecer considerações acerca de elementos próprios de sua capacidade psí- quica, tais como o tirocínio, a maturidade, a livre e consciente capacidade de manifestar sua vontade e de comportar-se de forma condizente com essa manifestação. A personalidade, de forma peremptória, pressupõe apenas o nascimento com vida. INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL FGV DIREITO RIO 13 6 Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil, v. I. Rio: Forense, 2005, p. 142. 7 Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil, v. I. Rio: Forense, 2005; p. 146. Como destaca Caio Mário, a personalidade não depende de consciência ou vontade do indivíduo, pois “a criança, mesmo recém-nascida, o louco, o portador de enfermidade que desliga o indivíduo do ambiente físico ou moral, não obstante a ausência de conhecimento da realidade, ou a falta de reação psíquica, é uma pessoa, e por isso mesmo dotado de personalidade, atributo inseparável do homem dentro da ordem jurídica, qualidade que não decorre do preenchimento de qualquer requisito psíquico e também dele inseparável.”6 A personalidade, de acordo com a redação do artigo primeiro do CC2002, se inicia com a vida. Esse é o único pré-requisito, pois o direito brasileiro não considera, conforme a legislação estrangeira prevê em alguns casos, elemen- tos como a viabilidade da vida ou mesmo, a “aparência humana”. Contudo, o feto, enquanto integrante do corpo da mãe, não é uma massa amorfa desconsiderada em sua importância pelo direito. O próprio dispositi- vo aqui referido, art. 2º, determina que a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. Nascituro, é segundo a defi nição clássica, o ser já concebido e que se encontra no útero materno durante o período gestacional. Não é dotado ainda de perso- nalidade, a qual somente surgirá no momento de seu nascimento com vida. Não obstante essa falta de personalidade, o direito civil pátrio protege esse ente ainda em formação. Isso decorre da tradição romanística de nosso direi- to, segundo a qual o feto, antes do nascimento, não é ainda uma pessoa, mas se vem à luz como um ser dotado de direitos, a sua existência, no tocante aos seus interesses, retroage ao momento de sua concepção. Os direitos reconheci- dos ao nascituro permanecem então em estado de potencialidade até o advento do nascimento, quando só então efetivamente se aperfeiçoam. A lógica dessa é muito clara: se o feto não nasce, ou se não nasce vivo, a relação de direito não chega a se formar. Nesse caso, nenhum direito será transmitido à mãe por intermédio do natimorto. É como se nunca houvesse ocorrido a concepção. Surge logicamente a necessidade de precisar o momento no qual se reputa, para fi ns jurídicos, a regular constituição da vida. Quando temos efetivamen- te esse nascimento com vida tão aludido pelo direito? Segundo a lição de Caio Mário, “[a] vida do novo ser confi gura-se no momento em que se opera a primeira troca oxicarbônica no meio ambiente. Viveu a criança que tiver inalado ar atmosférico, ainda que pereça em seguida. Desde que tenha respi- rado, viveu: a entrada de ar nos pulmões denota a vida, mesmo que não tenha sido cortado o cordão umbilical, e a sua prova far-se-á por todos os meios, como sejam o choro, os movimentos, e essencialmente os processos técnicos de que se utiliza a medicina legal para a verifi cação do ar nos pulmões”.7 Não há que se falar em pré-condicionamentos de natureza temporal para o regular aperfeiçoamento da personalidade. Tendo nascido vivo, anda que INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL FGV DIREITO RIO 14 8 Patrimônio na acepção jurídica deve ser concebido como o conjunto de relações jurídicas de que o indivíduo é titular. Dessa forma, transcende à simples ótica dos bens materialmente tangíveis. 9 Art. 15 C.F “É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspen- são só se dará nos casos de: I- cancela- mento da naturalização por sentença transitada em julgado; II – incapacida- de civil absoluta; III – condenação cri- minal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; IV – recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII.” 10 A necessidade de prova pode ser exemplifi cada pelo art. 88 da Lei de Registros Públicos: “Poderão os Juízes togados admitir justifi cação para o assento de óbito de pessoas desa- parecidas em naufrágio, inundação, incêndio, terremoto ou qualquer outra catástrofe, quando estiver provada a sua presença no local do desastre e não for possível encontrar-se o cadáver para exame. Parágrafo único. Será também admitida a justifi cação no caso de desa- parecimento em campanha, provados a impossibilidade de ter sido feito o re- gistro nos termos do artigo 85 e os fatos que convençam da ocorrência do óbito.” depois pereça, constituiu-se enquanto ser e, portanto, os direitos que se en- contravam em estado potencial se aperfeiçoaram concomitantemente. Conforme já abordado, todo ser humano é titular em caráter genérico de direitos, bastando para isso o seu nascimento com vida. Não obstante, não é somente ao homem que se confere personalidade, mas o direito igualmente a confere a outras entidades. É o caso de agrupamentos de indivíduos que se associam para a consecução de uma atividade econômica ou social (socieda- des e associações), ou que se forma com vistas à destinação de um patrimônio para um fi m determinado (fundações). Qualquer que seja a fi gura de que se trate, o mais importante é constatar que tais entes são dotados de autonomia e independência em relação àqueles que lhe compõem. Essa personalidade, que é conferida ao homem e aos entes por ele criados, não se estende a outros seres vivos. Hipóteses há em que a lei trata com espe- cial consideração animais ou mesmo determinados objetos, contudo, apenas o faz em atenção ao homem que delas se serve. A vedação à caça ou aos maus tratos, por exemplo, não é refl exo de uma eventual personalidade dos animais ou mesmo de direitos que estes eventualmente titularizem. Corporifi catão somente a idéia de que, em determinadas situações, o sofrimento e pereci- mento destes é atentatório ao direito do próprio homem. Fim da personalidade civil Essa mesma personalidade que é adquirida com o nascimento com vida, termina com o advento da morte (CC, art. 6º). Estende-se, então, durante todo o período de vida do indivíduo. Somente com a morte, a aptidão para adquirir direitos que se iniciou com o nascimento irá se expirar, transferindo- se seu patrimônio8 aos herdeiros. O direito atual não prevê hipótese alguma de perda da personalidade em vida, não constituindo exceção a previsão constitucional de cassação de direi- tos políticos.9 Também não há que se caracterizar como morte a presunção inserida no regramento da ausência, na medida em que esta se opera somente no que toca aos efeitos patrimoniais. De ordinário, prova-se a morte pela certidão extraída do assento de óbito. Pode, contudo, ser provada por uma sentença declaratória do falecimento, e nesse caso, o ônus da prova caberá àquele que possui interesse em provar que a pessoa esteja morta. 10 Comoriência Reputam-se comorientes aquelas pessoas que falecem na mesma ocasião, de maneira a impossibilitar-se decifrar qual delas pré-morreu à outra. É o que INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL FGV DIREITO RIO 15 pode ser facilmente visualizado, a título de exemplo, em hipóteses de incên- dio, naufrágio ou queda de uma aeronave. Logicamente, existe a necessidade de valer-se de todos os recursos periciais possíveis no intento de descobrir o momento das mortes, e nesse particular, o jurista recorre muitas vezes a seara da medicina legal. É nessa hipótese de falha na apuração da precedência dos óbitos que se adotou como regra a simultaneidade das mortes. Segundo determina o art. 8º do CC2002: Art. 8o Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultanea- mente mortos. Os efeitos dessa presunção se processam de forma que, entre os como- rientes, não há transferência de direitos, ou seja, há uma impossibilidade de que um suceda ao outro. Não obstante, os outros herdeiros de cada um dos comorientes devem ser chamados à sucessão. A questão é relevante, pois dependendo da situação, pode implicar em uma série de efeitos do ponto de vista sucessório. O exemplo clássico remon- ta à situação em que pai e fi lho são vitimados pelo mesmo acidente. A solu- ção jurídica comportará enunciados inteiramente diferentes dependendo da apuração da ordem das pré-mortes. Na impossibilidade dessa aferição, vale-se da comoriência. Registro Civil das Pessoas Naturais O registro civil de pessoas naturais possui suas origens na prática adotada pela Igreja Católica na Idade Média segundo a qual os padres registravam o batismo, casamento e óbito dos fi éis. Justamente por esse motivo, o registro foi deixado a cargo da Igreja por um longo tempo. Atualmente, os fatos atinentes ao estado das pessoas são averbados no registro civil. O Registro Civil de Pessoas Naturais congrega duas funções essenciais: (i) por um lado, documenta informações de relevante interesse; e (ii) por outro, confere publicidade a essas informações. A par das fi nalidades já destacadas, existem ainda dois princípios que de- vem pautar a atividade dos registros públicos: o da fé pública e da continui- dade. A fé pública constitui-se de uma presunção de veracidade das informa- ções constantes dos atos registrais. O princípio da continuidade, por sua vez, pressupõe que todas as informações atinentes ao indivíduo devem constar no registro para que se forme um histórico das situações jurídicas relevantes, sendo facultada a consulta por eventuais interessados. INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL FGV DIREITO RIO 16 11 Elucidativa também é a nomenclatu- ra oriunda da tradição francesa, onde a capacidade de direito corresponde à ca- pacidade de gozo e a capacidade de fato pressupõe a capacidade de exercício. Capacidade A capacidade, em sentido lato, congrega também a idéia de executorie- dade de direitos da pessoa, correspondendo assim, não só à possibilidade do indivíduo adquiri-los, mas também de os exercer de per se ou mediante a assistência de outrem. Embora sejam conceitos distintos, existe uma comple- mentaridade entre personalidade e capacidade. A capacidade se subdivide em dois tipos distintos: a capacidade de direito, oriunda da personalidade e a capacidade de fato, que é a aptidão para utilizar e exercer direitos por si mesmo. A primeira remete à idéia de capacidade de aquisição, ao passo que a segunda implica numa capacidade de exercício.11 A capacidade de direito surge concomitantemente com a personalidade, isto é, tão logo ocorre o nascimento com vida. A vinculação entre capacidade de direito e personalidade é bem enunciada pela doutrina clássica. Do expos- to, pode-se depreender uma conclusão: apenas da capacidade de fato decorre o pleno exercício de direitos. No estudo sobre a personalidade jurídica, devemos ter em mente que ca- pacidade é a regra e a incapacidade a exceção. Ou seja, toda pessoa tem a ca- pacidade de direito ou de aquisição, sendo presumida a capacidade de fato (ou de exercício). Somente através de exceções de natureza legal o indivíduo pode ser privado da capacidade de fato. Assim, não constitui uma faculdade do indivíduo abdicar ou dispor de sua capacidade. A incapacidade não denota forma alguma de restrição à personalidade ou a capacidade de direito. Os indivíduos por ela atingidos são afetados no exer- cício pessoal e direto dos direitos, e, portanto, a sua natureza nada mais é do que uma limitação à autonomia de agir no mundo jurídico. Importante ter em mente que essa limitação deve ser sempre interpretada de forma restrita (stricti iuris) e em consonância com a idéia já aqui exposta de que capacidade é a regra e incapacidade é a exceção. Qualquer restrição ao exercício de direitos que resulte de ato jurídico, seja ele inter vivos ou causa mortis, não implica em incapacidade. Outro preceito de grande importância que deve ser destacado na teoria acerca da incapacidade é o de que esta deriva exclusivamente da lei. É o le- gislador que determina as hipóteses em que o indivíduo será privado de sua capacidade e cabe ao intérprete visualizar essas restrições de taxativamente. Esses dispositivos têm caráter de ordem pública. Igualmente importante é evitar confundir incapacidade com a vedação que a lei impõe a algumas pessoas de pactuarem certos negócios jurídicos. É o caso, por exemplo, das hipóteses em que a lei taxa como defesa a possibilida- de do tutor adquirir bens do pupilo ou ainda, dos ascendentes alienarem bens a alguns descendentes sem o expresso consentimento dos demais. A lógica INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL FGV DIREITO RIO 17 dessas vedações é a preservação da moralidade e elas somente visam restringir, limitadamente, os atos por ela previstos. A lógica que orienta a incapacidade é a proteção daqueles cujo discerni- mento é falho. Somente aqueles eivados de defi ciências juridicamente rele- vantes devem ser alvo do instituto. Os incapazes são submetidos a um regime legal privilegiado cujo principal escopo é a preservação de seus interesses. Atentando à extensão das defi ciências, o direito gradua o nível de incapa- cidade. Dessa forma, em sendo o défi cit psíquico menos ou mais severo, te- mos a possibilidade de que aquele por ele atingido seja determinado absoluta ou relativamente incapaz. Distinção que também deve ser destacada é aquela relativa à graduação da forma de proteção, no sentido de que aos relativamente incapazes assume o aspecto da assistência, e em relação aos absolutamente incapazes assume o aspecto da representação. Distinção entre incapacidade relativa e absoluta O elenco dos absolutamente incapazesestá previsto no artigo 3º do CC2002, ao passo que os relativamente incapazes se encontram no artigo 4º do mesmo diploma. Grosso modo, pode-se dizer que a distinção entre incapacidade absoluta e relativa é de grau apenas. As incapacidades decorrem ou da idade imatura ou de uma defi ciência física e mental determinada. O citado artigo 3º assim dispõe sobre a matéria: Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I — os menores de dezesseis anos; II — os que, por enfermidade ou defi ciência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III — os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. O artigo 4º do CC2002, por sua vez, considera relativamente incapazes aqueles que: Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I — os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II — os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por defi ciência mental, tenham o discernimento reduzido; III — os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV — os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial. INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL FGV DIREITO RIO 18 12 Caio Mário da Silva Pereira. Institui- ções de Direito Civil, v. I. Rio: Forense, 2005; p. 169. Atentando-se à redação da lei, pode-se observar que aos absolutamente incapazes é defeso a prática, de forma autônoma, de quaisquer atos jurídicos. A norma desconsidera a sua vontade, não sendo a mesma qualifi cada como elemento válido para o aperfeiçoamento de relações jurídicas. Se ao arrepio da lei, o absolutamente incapaz pratica um ato jurídico, através de sua própria manifestação de vontade, isto é, não se valendo aqui de representante legalmente constituído, este ato deve ser reputado nulo. É o defi nido pelo art. 166, I, do CC2002, que prescreve ser nulo o negócio jurídico quando celebrado por pessoa absolutamente incapaz. Situação distinta é a da capacidade relativa, pois nela a inaptidão físico- psíquica dos benefi ciários é menos pronunciada. O julgamento da realidade nessas pessoas não se opera com perfeição, mas também não deve ser de todo desprezado. A liberdade para agir no mundo jurídico é restringida, mas não de todo anulada, sendo ainda condicionada, para sua regular validade, a intermediação de um assistente. Esse assistente, pessoa plenamente capaz, é quem aconselhará o relativamente incapaz. Os atos praticados por relativamente incapaz são passíveis de anulação. Contudo, uma vez submetido tal ato à anuência do assistente, ele será con- validado e terá força cogente equivalente aos atos que desde o seu início per- feitamente se constituem. Incapacidade absoluta Absolutamente incapazes, como visto, são aqueles que detêm direitos, podem adquiri-los, mas são desabilitados a exercê-los. Sendo apartados de atividades ci- vis, não participam direta e pessoalmente de qualquer negócio jurídico.12 Con- trariando-se essa vedação que a lei os imprime, o ato será nulo de pleno direito. Os indivíduos que se encontram nessa situação se valem de representantes que os substituem por completo na prática de todos os atos atinentes a vida civil. A representação pode se dar de duas formas: automaticamente, ou por nomeação ou designação de autoridade judiciária. A representação se processa de forma automática quando em virtude de relações de parentesco ocorrem as hipóteses legais já determinadas. No caso de nomeação, o representante adquire esse status em virtude de ato judicial. A incapacidade absoluta ou está relacionada à idade ou à enfermidade men- tal. Os preceitos legais versam exclusivamente sobre essas duas causas. Incapacidade absoluta dos menores de dezesseis anos — A lei parte do pressu- posto de que indivíduos de pouca idade são naturalmente inaptos ao exercí- cio de atos da vida civil. Essa incapacidade é decorrente da falta de discerni- mento e maturidade que o legislador crê que somente o transcurso dos anos é capaz de dotar o indivíduo. INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL FGV DIREITO RIO 19 Nesse particular, chama maior atenção que a fi xação da idade de 16 anos para o fi m da incapacidade absoluta é inovação do CC2002. No direito an- terior, esse estado se alongava até os 18 anos. Os que, por enfermidade ou defi ciência mental não tiverem o necessário dis- cernimento para a prática desses atos — O inciso II do art. 3º se refere àqueles nos quais, ao se constatar problemas psíquicos, fi cam impossibilitados de se autogovernar. No entanto, a decretação da incapacidade depende de um pro- cesso de interdição, o qual é disciplinado pelos artigos 1.177 e seguintes do CPC, processo esse em que o interditando se valerá dos meios legais para im- pedir tal provimento jurisdicional. No processo de interdição, o juiz se valerá dos meios de prova, em particular de laudo pericial médico. A participação do Ministério Público também é necessária. Também é relevante a questão de saber se são válidos os atos praticados pelo amental anteriormente à sentença que declare a sua interdição. A pro- blemática aqui enunciada remete a dois interesses confl itantes: por um lado, encontra-se o amental, que tendo seu discernimento maculado, pratica atos que lhe são desfavoráveis e é por conta disso, alvo de uma especial conside- ração por parte da lei; por outro lado, encontra-se o interesse do terceiro de boa-fé que com ele contrata. A possibilidade de anulação do ato jurídico poderá causar o inconveniente da falta de segurança jurídica. A questão é controvertida tanto em campo doutrinário como jurispruden- cial. Autores e juízes demonstram inclinações diversas e a somente a análise da situação casuística representa o fator determinante para a invalidação ou não de atos praticados pelos amentais antes de sua interdição. A boa-fé do contratante que negocia com o amental se consubstancia numa série de condutas que devem ser necessariamente observadas. Assim, p.ex., se o contratante tinha conhecimento do estado de afetação intelectiva da outra parte, se a alienação era evidente, se a apuração da condição de inca- pacidade podia ter sido feita, ou ainda, se as próprias condições do negócio já induziam que o contratante não estaria procedendo de forma coerente, não há que se falar em boa-fé. Má-fé e boa-fé, valendo-nos aqui de uma alegoria muito utilizada, não são campos limítrofes, separados por uma tênue fronteira. Não existe uma deli- mitação precisa. Existe, em verdade, uma grande “região cinzenta” que separa a boa-fé da má-fé. Por conseguinte, o fato de um contratante não agir delibe- radamente de ma-fé não implica na necessária retidão de conduta do mesmo. A boa-fé perpassa a idéia de não agir em desfavor da parte contrária com o intuído de angariar vantagem, consubstanciando-se muitas vezes num atuar positivo, diligente e que congrega elementos de ordem moral. Não obstante, como se observa, o entendimento no sentido de tornar nulo o ato executado por incapaz já foi diversas vezes afi rmado nos tribunais: INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL FGV DIREITO RIO 20 13 STJ, Resp nº 296895/PR, Min. Carlos Alberto Direito; j. em 29.06.2004. Nulidade de ato jurídico praticado por incapaz antes da sentença de interdição. Reconhecimento da incapacidade e da ausência de notoriedade. Proteção do adqui- rente de boa-fé. Precedentes da Corte. 1. A decretação da nulidade do ato jurídico praticado pelo incapaz não depende da sentença de interdição. Reconhecida pelas instâncias ordinárias a existência da incapacidade, impõe-se a decretação da nulidade, protegendo-se o adquirente de boa- fé com a retenção do imóvel até a devolução do preço pago, devidamente corrigido, e a indenização das benfeitorias, na forma de precedente da Corte. 2. Recurso especial conhecido e provido13 Essa posição fica mais defensável quando se verifi ca que na legislação pro- cessualista brasileira a sentença proferida no processo de interdição tem efeito declaratório. Não se trata de provimento constitutivo, não é o decreto de interdição, que cria a incapacidade, mas sim o pré-constituído estado de alie- nação mental. O desfazimento do negócio, quando determinado, não pode implicar em prejuízo ainda maior para aquele que acreditava dele extrair todos os efeitos esperados. No caso apresentado, apesar do desfazimento do ato de caráter negocial, os valores empregados na conservação e aprimoramento do imóvel alienado pelo incapaz devem ser ressarcidos. Contudo, a invalidação dos atos não é questão absolutamente pacífi ca. Julgados há que, dispondo em sentido oposto, prescrevem que em home- nagem ao contratante de boa-fé, é imperioso não desfazer o ato jurídico ce- lebrado antes da sentença que decrete a incapacidade absoluta. Os autores que defendem a continuidade do negócio, postulando a primazia da boa-fé, asseveram que essa deve restar clara, facilmente perceptível. Os que, mesmo por motivo transitório, não puderem exprimir a sua vontade — Não só a vontade deve ser livre em sua construção, fruto da perfeita ela- boração intelectiva do agente. Ela deve se pronunciar igualmente sob forma desembaraçada, deve ser livre em sua exteriorização. Se essa segunda conside- ração é ausente na manifestação de vontade o ato simplesmente carecerá de seu elemento gerador. Incapacidade relativa Os relativamente incapazes não são de todo privados da capacidade de fato. O diferencial aqui não é a incapacidade de se autodeterminar, pois os relativamente incapazes possuem discernimento que não pode ser desconsi- derado pelo direito. É por conta dessa constatação que eles se encontram a meio caminho entre a incapacidade plena e o livre exercício de prerrogativas jurídicas. INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL FGV DIREITO RIO 21 Nos atos da vida civil, exige a lei que sejam eles assistidos por quem o di- reito positivo encarrega desse ofício — em razão do laço de parentesco ou em virtude de relação de ordem civil, ou ainda por designação judicial. Como já ressaltado nas considerações gerais que versam sobre a capaci- dade, os atos praticados por relativamente incapaz não são nulos de pleno direito, mas apenas anuláveis. Uma vez ratifi cados pelo assistente do inca- paz, nenhum outro vício poderá ser argüido contra eles. São entendimen- tos que também se encontram expressos na lei, nos artigos 171 e 172 do Código Civil: Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: I — por incapacidade relativa do agente; II — por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores. (grifo nosso); Art. 172. O negócio anulável pode ser confi rmado pelas partes, salvo direito de terceiro. O CC2002 considera como relativamente incapazes os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos. Aqui se admite que o indivíduo já tenha alcançado determinado desenvolvimento intelectual, e que, portanto, não há que se desprezar a sua vontade. Seguindo a lógica da incapacidade relativa, para que seus atos sejam reputados válidos, a lei prevê a anuência de seu pai ou tutor. Contudo, quem atua no negócio jurídico é o próprio menor, sendo a sua vontade a real a mola propulsora do negócio a ser celebrado. Ao defi nir a incapacidade relativa entre dezesseis e dezoito anos, o CC2002 se harmonizou com as regras eleitorais e com a maioridade penal. Se o me- nor púbere realiza ato jurídico sem a assistência de seu representante esse ato será passível de anulação, tanto pelo menor como por seu assistente legal. Contudo, o direito se pauta também pela regra de que a ninguém é dado se benefi ciar de sua própria torpeza, e dessa forma, aquele que dolosamente age, enganando o outro contratante, não pode encontrar acolhida no direito. É o que dispõe o art. 180: Art. 180. O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior. Além aqueles de idade superior a dezesseis e inferior a 18, o código aloca entre os relativamente incapazes outras fi guras. É o caso dos ébrios habituais, dos viciados em tóxicos e daqueles eivados de defi ciência mental — defi ciência essa que ao contrário da enunciada no art. 3º não obsta a prática de atos civis. INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL FGV DIREITO RIO 22 A norma se volta à idéia de que os indivíduos eivados desses impedimen- tos são alcançados por uma redução do seu discernimento. Contudo, é in- cumbência da jurisprudência nacional estabelecer o que será, exatamente, este discernimento reduzido de que trata a norma. Pródigo é aquele que, desordenadamente, gasta e destrói o seu patrimônio. A proteção se inspira no relevante interesse social de proteção de sua família e da própria integridade patrimonial do titular, sendo a incapacidade decretada judicialmente por requisição do cônjuge ou de outro familiar. A sua interdição e a conseqüente necessidade de assistência não se ope- ram em relação à prática de todos os atos. Concernem apenas àqueles que possam implicar em redução de seu patrimônio, e ao interesse de sua fa- mília representado no mesmo. Os demais atos da vida civil poderão ser livremente praticados. A capacidade dos indígenas, por sua vez, é regulada em legislação especial, qual seja, o Estatuto do Índio (Lei nº 6001/73), o qual erige normas que atentam à especial condição das comunidades indígenas aos costumes que lhes são próprias. Antecipação de Maioridade A antecipação de maioridade é tão-somente a aquisição da capacidade civil antes da idade de 18 anos, legalmente instituída. Em regra, a capacidade de fato só é conferida ao indivíduo a partir do momento em que este adquire 18 anos, contudo o art. 5º prevê determinadas situações onde há inconve- niência de obstar a prática pelos menores de 18 anos de determinadas ações. Art. 5o A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fi ca ha- bilitada à prática de todos os atos da vida civil. Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade: I — pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instru- mento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; II — pelo casamento; III — pelo exercício de emprego público efetivo; IV — pela colação de grau em curso de ensino superior; V — pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria. A hipótese do inciso I é a possibilidade de antecipação voluntária de maio- ridade, que deve contar ou com a anuência das fi guras paterna e materna, ou INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL FGV DIREITO RIO 23 com sentença judicial. Vale destacar que a exigência da participação de ambos os progenitores nesse ato é obrigatória e decorrente da dicção constitucional que prevê igualdade plena de direitos entre homem e mulher. Os demais casos de antecipação, inseridos nos incisos II a V, são situações expressamente consideradas por preceito legal, onde o legislador reputa como inconveniente que ao menor seja vetada a capacidade de fato. Em qualquer dos casos previstos nesse artigo, a revogação da capacidade de fato antecipada é impossível. Questões de concurso: XXXVI Concurso para o Ingresso na Magistratura de Carreira do Estado do Rio de Janeiro. Prova Preliminar — Direito Civil 1. Agente incapaz demanda, devidamente representado, a anulação de con- trato, alegando que, quando de sua celebração, não estava apto a entendê-lo e querê-lo.A contraparte comprova que o ato não causou prejuízo ao incapaz. Procede o pedido de anulação? Concurso para ingresso no cargo de Advogado de Empresa — BNDES (2002) 6. Se o menor tiver idade superior a dezoito anos, os pais podem conce- der-lhe a emancipação, dada por escritura pública ou particular, cessam a incapacidade, (a) pela declaração de ausência dos pais. (b) pela habilitação para dirigir veículos automotores. (c) pela habilitação e conhecimento da língua portuguesa. (d) pelo estabelecimento, com recursos próprios, de sociedade civil ou co- mercial. (e) pelo ingresso em curso superior, através de concurso vestibular. Exame da Ordem — OAB/SP (concurso nº 126) 29. Compete aos pais, quanto à pessoa dos fi lhos menores: (a) representá-los, até os 18 anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento. (b) conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casar, sendo impossível o suprimento judicial nesse caso. INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL FGV DIREITO RIO 24 (c) reclamá-los de quem ilegalmente os detenha, fazendo uso da própria for- ça, independente de autorização do poder judiciário. (d) exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição, sem prejuízo de sua formação. Ordem dos Advogados do Brasil 42º Exame de Ordem Unifi cado — 2010.2 39. Com relação ao procedimento da curatela dos interditos, é correto afirmar que: A. Na ausência dos pais, do tutor e do cônjuge, um parente próximo pode requerer a interdição. B. A sentença proferida pelo juiz faz coisa julgada material. C. A realização de prova pericial, consistente no exame do interditan- do, é facultativa, podendo o juiz dispensá-la. D. O Ministério Público não tem legii midade para requerer a interdição. Resposta: A Ordem dos Advogados do Brasil VI EXAME DE ORDEM UNIFICADO 41. A Lei Civil afi rma que, a despeito de a personalidade civil da pessoa começar com o nascimento com vida, ao nascituro serão assegurados os seus direitos desde a concepção. Para tanto, é correto afi rmar que, na ação de pos- se em nome de nascituro, A. a nomeação de médico pelo juiz para que emita laudo que compro- ve o estado de gravidez da requerente, assim previsto na lei proces- sual civil, não poderá ser dispensado em qualquer hipótese. B. por se tratar de mera expectativa de nascimento com vida, por- tanto, não tendo o nascituro personalidade civil, fi ca dispensada a intervenção do Ministério Público na causa. C. reconhecida a gravidez, a sentença declarará que seja a requerente investida na posse dos direitos que assistam ao nascituro; não ca- bendo àquela o exercício do pátrio poder, o juiz nomeará curador. D. são documentos indispensáveis à ação o laudo comprobatório do estado gestacional emitido pelo médico nomeado pelo juiz e a cer- tidão de óbito da pessoa de quem o nascituro é sucesso. Resposta: C INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL FGV DIREITO RIO 25 UnB/CESPE — OAB 39º Exame de Ordem 2009.2 QUESTÃO 33 Assinale a opção correta acerca das pessoas naturais e jurídicas. A. Na sistemática do Código Civil, não se admite a declaração judicial de morte presumida sem decretação de ausência. B. A existência legal das pessoas jurídicas de direito privado começa com o início de suas atividades jurídicas. C. A personalidade civil da pessoa natural tem início a partir donas- cimento com vida, independentemente do preenchimentode qual- quer requisito psíquico. D. O indivíduo de 16 anos de idade, ao contrair casamento,adquire a plena capacidade civil por meio da emancipação,voltando à condi- ção de incapaz se, um ano após o casamento, sobrevier a separação judicial. Resposta: C INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL FGV DIREITO RIO 26 AULA 4 — CONCEITOS ESTRUTURAIS — DIREITOS DA PERSONA- LIDADE EMENTÁRIO DE TEMAS Direitos da Personalidade — Teorias negativistas do século XIX — Afi rmação no século XX — Características dos direitos da personalidade — Classifi cação — O problema da fonte dos direitos da personalidade — Teoria Monista e Pluralista —(atividade em sala) ATIVIDADE EM SALA: Análise do Capítulo de direitos da personalidade do Código Civil (arts. 12/21) LEITURA OBRIGATÓRIA DONEDA, Danilo. “Os Direitos da Personalidade no novo Código Civil”, in TEPEDINO, Gustavo. Parte Geral do Novo Código Civil. Rio de Ja- neiro: Renovar, 2004; pp. 35/58. LEITURAS COMPLEMENTARES CAMPOS, Diogo Leite de. “Lições de Direitos da Personalidade”, In Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1991; pp. 129/223; PONTES DE MIRANDA, Francisco. Tratado de Direito Pri- vado, tomo VII. Campinas: Booksellers, 2000; pp. 29/40; TEPEDINO, Gustavo. “A Tutela da Personalidade no Ordenamento Civil-Constitu- cional Brasileiro”, in Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004; pp. 23/54; e ASCENSÃO, José de Oliveira. “Pessoa, direitos fun- damentais e direitos da personalidade”, in Revista Trimestral de Direito Civil nº 26 (2006), pp. 43-66. 1. ROTEIRO DE AULA Os estudos jurídicos sobre a personalidade e a conseqüente elaboração de uma teoria dos direitos da personalidade remontam ao fi nal do século XIX. Os primeiros tratadistas a se debruçar sobre o tema, todavia, assim o fi zeram INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL FGV DIREITO RIO 27 14 Apud. Gustavo Tepedino. Temas de Direito Civil. Rio, Renovar, 2001; p. 25. para refutar a possibilidade de construção de uma teoria jurídica legítima sobre um objeto tão abstrato. Esse panorama foi gradualmente sendo alterado pela necessidade, cada vez mais evidente — sobretudo na primeira metade do século XX — de dotar o Direito de mecanismos efi cientes para tutelar a dignidade da pessoa humana. Visando a atingir esse objetivo, percebeu-se que seriam inefi cazes apenas medidas de natureza política, econômica ou social. A coerção do ordenamen- to jurídico precisava ser utilizada para que a pessoa humana fosse protegida contra violações à sua dignidade. Sendo assim, os juristas se dedicaram ao tema, elaborando-se uma teoria jurídica sobre a personalidade, que evoluiu do inicial repúdio à noção de que a personalidade poderia ser objeto de direi- to, até a sua mais ampla proteção. O Direito Civil, em especial, recepcionou a matéria em estudo na “parte geral” dos Códigos, tratados e manuais. Buscando suprir a mencionada de- manda por uma tutela da pessoa pelo Direito, os civilistas reuniram-se em torno de uma teoria geral dos chamados “direitos da personalidade”, hoje largamente sistematizada. Todavia, cumpre se explicar — ainda que detidamente — a evolução do pensamento jurídico sobre a tutela da personalidade, iniciando-se pelas teo- rias que negavam a possibilidade de um estudo jurídico sobre o tema. Teorias negativistas dos direitos da personalidade Apesar da consagração dos direitos humanos nas Cartas de Direitos do século XIX, a dogmática do Direito Civil encontrou difi culdades em reco- nhecer a existência de direitos atinentes à personalidade humana. Surgiram, assim, questionamentos sobre a natureza e a amplitude desses direitos. Grande parte das teorias negativistas dos direitos da personalidade sus- tentava que a personalidade, entendida como a titularidade de direitos, não poderia atuar em uma relação jurídica como sujeito e objeto desses direitos concomitantemente. Tratar-se-ia de uma confusão de papéis inadmissível para a teoria civilística. Conforme entendimento defendido por Jellinek, a vida e a honra de um indivíduo, por exemplo, não pertenceriam à categoria do ter, mas sim à ca- tegoria do ser. Dessa forma, não poderiam ser compatibilizadas com a noção de direitos subjetivos, os quais teriam aplicação restrita à seara das relações jurídicas de cunho patrimonial.14 O cerne da discussão sobre a existência dos direitosda personalidade re- monta à concepção de alguns autores de que esse instituto, se adotado, termi- naria por conferir ao um indivíduo absoluto sobre a sua própria pessoa. Em última, instância, estar-se-ia legitimando o suicídio. INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL FGV DIREITO RIO 28 15 Andreas Von Thur. Derecho Civil, vol. 12. Madrid: Marcial Pons, 1999; p. 371. 16 F. Pontes de Miranda. Tratado de Di- reito Privado, tomo I. Rio, Borsoi, 1952; p. 153. 17 Idem. Ibidem; p. 153. Não sendo possível, portanto, conceder aos direitos da personalidade o ca- ráter de direitos subjetivos, pois se estaria conferindo à vontade individual a faculdade de dispor sobre características fundamentais do ser humano (como a vida), restava apenas a proteção do ordenamento jurídico contra lesões atra- vés do manejo da responsabilidade civil. A presença preponderante da vontade individual na confi guração dos di- reitos subjetivos pode ser notada na seguinte afi rmação de Andreas Von Th ur: “El concepto de derecho subjetivo, tal como lo desarrollamos em el §1, no es más que una abstracción de los derechos que tienen por sujeto al ser humano; el señorío de la voluntad, en que esencialmente consiste, es un carácter exclusivo del hombre — si se prescinde de los entes creados por el orden jurídico —, así como constituyen fi nes esencialmente individuales los intereses a cuyo servicio el señorío de la voluntad se destina, esto es, la conservación de la existencia y el logro de los propósitos que el individuo elige libremente.”15 Não tardou para que as teorias negativistas começassem a ser contestadas, reconhecendo-se a relevância do estudo da personalidade para o Direito. A partir desse momento, é importante notar as obras doutrinárias que aborda- ram o tema analisaram a personalidade através de um prisma essencialmente estrutural, isto é, buscando inserir a personalidade ora na fi gura do sujeito das relações jurídicas, ora na posição de objeto a ser tutelado. Segundo o ponto de vista estrutural, a pessoa representa nas relações ju- rídicas subjetivas o sujeito de tais situações. Identifi cando-se a pessoa com a fi gura do sujeito de direito — o titular das relações jurídicas — a personali- dade terminaria por se confundir com a própria capacidade jurídica. Essa concepção de pessoa pode ser percebida em diversos tratados e manu- ais de Direito Civil do século XIX e, ainda, em obras clássicas do século XX. Nessa direção, manifesta-se Pontes de Miranda: “Rigorosamente, só se devia tratar das pessoas, depois de se tratar dos sujeitos de direito; porque ser pessoa é apenas ter a possibilidade de ser sujeito de direito. Ser sujeito de direito é estar na posição de titular de direito. (...) Se alguém não está em relação de direito não é sujeito de direito: é pessoa; isto é, pode ser sujeito de direito, além daqueles direitos que o ser pessoa produz.”16 A partir do enunciado acima, conclui o tratadista que: “A personalidade é a possibilidade de se encaixar em suportes fáticos, que, pela incidência das regras jurídicas, se tornem fatos jurídicos; portanto, a possibilidade de ser sujeito de direito.”17 INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL FGV DIREITO RIO 29 18 San Tiago Dantas. Programa de Direito Civil, v. I. Rio, Ed. Rio; p. 192. 19 Segundo Luiz Edson Fachin: “O que a capacidade faz, na verdade, é informar a medida da personalbidade e o grau da sanção que se volta contra o não atendimento a esse requisito.” (in Teo- ria Crítica do Direito Civil. Rio, Renovar, 2000; p. 32). Acrescenta, ainda, o refe- rido autor que “a capacidade é só uma medida da personalidade” (in Teoria Crítica, cit.; p. 36). 20 Serpa Lopes. Curso de Direito Civil. Rio, Freitas Bastos, 1989, p.205. 21 Orlando Gomes. Introdução ao Direito Civil. Rio, Forense. Rio, Forense, 1997; p.131. Adotando conceituação diversa, é possível ainda observar a personalidade como o conjunto de atributos da pessoa humana, sendo assim, objeto de tutela pelo ordenamento jurídico. Tomando-se a personalidade como va- lor, deve-se levar em conta a plêiade de características indispensáveis ao ser humano que emanam da personalidade e demandam, portanto, a devida proteção jurídica. Nesse sentido, cumpre transcrever a célebre lição de San Tiago Dantas sobre a distinção entre personalidade e capacidade jurídica: “A palavra personalidade está tomada, aí, em dois sentidos diferentes. Quando falamos em direitos da personalidade não estamos identifi cando aí a personalidade como a capacidade de ter direitos e obrigações; estamos então considerando a perso- nalidade como um fato natural, como um conjunto de atributos inerentes à condição humana; estamos pensando num homem vivo que é a capacidade jurídica em outras ocasiões identifi cadas com a personalidade.”18 A capacidade jurídica, entendida como a legitimidade para o exercício de direitos, encontra-se disciplinada no Código Civil (artigo 1o), e não se con- funde com a personalidade19, cujo início se dá com o nascimento com vida. Sua duração coincide com a da vida humana, extingüindo-se com a morte, natural ou presumida (i.e., a ausência). Pode-se reconhecer, portanto, duas correntes: (i) aquela que identifi ca a personalidade com o sujeito de direitos e obrigações, compreendendo ser impossível o reconhecimento de direitos da personalidade pela concomitân- cia nas posições de sujeito e objeto das relações jurídicas; e (ii) aquela que, buscando legitimar a existência dos direitos da personalidade, considera que o objeto das relações jurídicas seriam seus atributos essenciais. O reconhecimento da personalidade como objeto de direito Há, como visto, quem defi na os direitos da personalidade como aqueles atinentes à utilização e disponibilidade de certos atributos inatos ao indiví- duo, como projeções biopsíquicas da pessoa humana, constituindo, assim, bens jurídicos assegurados e disciplinados pelo ordenamento.20 A doutrina, ao admitir a personalidade como objeto de direito, buscou superar o dogma da impossibilidade de serem coincidentes a pessoa e o ob- jeto de uma relação jurídica. Os direitos da personalidade seriam, portanto, direitos cujo objeto são bens jurídicos que se convertem em projeções físicas ou psíquicas da pessoa humana, por determinação legal, que os individualiza para lhes dispensar proteção.21 Dessa forma, não se há de confundir o objeto — as projeções que merecem tutela jurídica — com a personalidade. INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL FGV DIREITO RIO 30 22 Alexandre Ferreira Assumpção Alves. A Pessoa Jurídica e os Direitos da Perso- nalidade. Rio, Renovar, 1998; pp. 58/59. 23 Danilo Doneda. “Os direitos da per- sonalidade no novo Código Civil”, in Gustavo Tepedino. A Parte Geral do Novo Código Civil. Rio, Renovar, 2003; p. 45. 24 Conforme enunciado por Gustavo Tepedino, no Temas, cit.; p. 24. O reconhecimento das projeções da personalidade como objeto das situa- ções jurídicas se mostrou, como se verá mais à frente, uma importante tenta- tiva de afi rmação dos direitos da personalidade. Todavia, a busca doutrinária por um objeto externo à pessoa para garantir a legitimidade da categoria dos direitos da personalidade denota ainda um apego à forma de confi guração dos direitos subjetivos patrimoniais. Inserida em um substrato que privilegia a concepção de direito subjetivo como um direito essencialmente patrimonial, a teoria dos direitos da perso- nalidade sempre se padeceu da necessidade de se buscar um objeto externo ao sujeito. Essa ótica remonta à estrutura dogmática dos direitos patrimoniais, conforme explicita Alexandre Ferreira de Assumpção Alves: “Os bens externos dão origem a vários direitos de ordem patrimonial, sobre os quais o homem exerce suas faculdades de apropriação, de domínio. Quanto aos in- ternos, estes compõe uma categoria própria de direitos, que são osdireitos da persona- lidade, cujas características específi cas os distinguem dos demais.”22 As teorias criadas sob o manto do reconhecimento dos atributos, caracte- rísticas, ou radiações da personalidade como objeto da relação jurídica sub- jetiva, podem ser identifi cadas pela prática comum de se buscar um bem jurídico que não se identifi casse com a pessoa, uma vez que as utilidades sobre as quais recaem os interesses patrimoniais do indivíduo lhe são sempre exteriores. Todavia, essa estrutura não se enquadra no que tange às relações jurídi- cas não-patrimoniais. Não cabe ao civilista do século XXI utilizar estruturas pertencentes a construções doutrinárias pretéritas se as mesmas, além de não se adaptarem com perfeição à situação que se busca tutelar, ainda conferem apenas uma proteção inefi ciente. Ao se buscar um objeto externo ao sujeito para validar a fórmula dos direi- tos da personalidade, a doutrina terminou por não vislumbrar toda a poten- cialidade dessa categoria, persistindo em um modelo que apenas contribuiu para operar como fator de limitação de sua efetiva atuação.23 A partir do preceito constitucional que elege a dignidade da pessoa huma- na como fundamento da República brasileira (art. 1º, III da CFRB), cabe ao civilista optar por uma nova dogmática dos chamados direitos da personali- dade, defi nindo a sua situação jurídica de forma consoante com a complexi- dade da realidade social. Cumpre, portanto, que se reconheça os direitos da personalidade como aqueles direitos atinentes à tutela da pessoa humana, considerados essenciais à sua dignidade e integridade.24 Afi rmada essa trajetória teórica de afi rmação dos direitos da personalida- de, em seguida serão abordados alguns pontos de relevo na dogmática dos INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL FGV DIREITO RIO 31 25 Santos Cifuentes se utiliza da ex- pressão “direitos inatos”, mas adverte que o sentido em que a emprega parte de uma “depuração prévia de idéias advindas das ressonâncias históricas que a palavra produz”. Assim, quando o autor se refere a “direitos inatos”, ele está a se referir a direitos que nascem com o próprio sujeito, a partir do iní- cio de sua respiração vital, “estando indefectivelmente unidos ao homem enquanto subiectum iuris” (in Derechos Personalísimos. Buenos Aires, Astrea, 2ª ed., 1995; pp. 175/176). 26 Santos Cifuentes. Derechos Personalí- simos, cit.; pp. 183/184. 27 Conforme dicção de Alexandre Fer- reira de Assumpção Alves. A Pessoa Jurídica, cit.; p. 66. mencionados direitos, com destaque para as suas características e classifi ca- ções, ambas delineadas pela doutrina, bem como o problema da fonte dos direitos da personalidade e o embate entre as teorias monistas e pluralistas. Características dos direitos da personalidade Os direitos da personalidade possuem algumas características que lhes são conferidas por grande parte dos estudos doutrinários. Embora exista alguma discussão sobre a sua correta enumeração, pode-se reduzir as características dos direitos da personalidade a seis, quais sejam: (i) a generalidade; (ii) a extra-patrimonialidade; (iii) a indisponibilidade; (iv) o caráter absoluto; (v) a imprescitibilidade; e (vi) a intransmissibilidade. Por generalidade se entende que os direitos da personalidade são natural- mente concedidos a todos pelo simples fato de se estar vivo. Essa relação entre a carcaterísitca da generalidade e a simples existência da pessoa, faz com que alguns autores utilizem a expressão “direitos inatos”. Todavia, a terminologia deve ser evitada, uma vez que ela estabelece uma conotação jusnaturalista para o estudo da tutela da pessoa humana, o que implica em uma tomada de posição quanto à fonte dos direitos da personalidade.25 Segundo o entendi- mento jusnaturalista, os mencionados direitos seriam pré-existentes à ordem jurídica, independendo de qualquer conformação legislativa. Adicionalmente, deve-se esclarecer que, dentre o rol de direitos da perso- nalidade em espécie, usualmente estabelecido pela doutrina, alguns direitos não adquiridos pelo simples fato da pessoa existir. Nesse particular, o direito moral do autor, reconhecidamente um direito da personalidade, requer que uma obra do espírito seja efetivamente realizada para que sobre o autor recaia a proteção do direito. A extra-patrimonialidade dos direitos da personalidade impõe que se faça uma observação preliminar, segundo advertência de Santos Cifuentes: a re- ferida característica signifi ca apenas que os direitos da personalidade não po- derão ser objeto de apreciação pecuniária, mas essa circunstância não implica que os mesmos sejam incapazes de produzir efeitos econômicos.26 Trata-se de duas situações distintas. Vale destacar que essa característica não impede que a lesão a direito da personalidade resulte em indenização pecuniária, pois a mesma se insere no campo da responsabilidade civil, buscando apenas garantir o equiva- lente daqueles bens personalíssimos que constituem o objeto dos direitos da personalidade.27 Assim, mesmo não sendo possível apreciar o valor pecuniário de um di- reito da personalidade, a pessoa poderá se valer de sua utilização para obter um retorno de ordem econômica. Já conectando essa discussão com o pro- INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL FGV DIREITO RIO 32 28 Gilberto Haddad Jabur. Liberdade de Pensamento e Direito à Vida Privada. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000; pp. 48/49. 29 Vide, p.ex, Francesco Galgano. Diritto Civile e Commerciale, vol.I. Padova, CE- DAM, 1990; p. 151. 30 Gilberto Haddad Jabur. Liberdade de Pensamento, cit.; p. 55. 31 Gilberto Haddad Jabur. Liberdade de Pensamento, cit.; p. 74. blema da indisponibilidade, complementa Gilberto Haddad Jabur que os direitos da personalidade: “[P]or dizerem mais ao conteúdo físico, moral ou espiritual do homem, do que ao seu acervo material, não se imiscuem com o patrimônio, na acepção coloquial de- ferida ao termo, mas sobre ele exercem infl uência, porquanto podem, pela limitação de seu exercício (ou limitação parcial e voluntária de vontade), emprestar utilidade econômica. É o caso da permissão de uso ou venda da imagem e da divulgação de dados íntimos, através ou não de contraprestação pecuniária. Não se trata de con- sagrar a disposição desses bens, posto intransmissíveis e por isso indisponíveis, mas de temporária autorização, o que amiúde ocorre para a sua utilização e exploração econômica.”28 A indisponibilidade trata da impossibilidade do titular dos direitos da per- sonalidade para dispor desses direitos conforme o seu livre alvitre, tornando- os igualmente irrenunciáveis e impenhoráveis. Dessa forma, existe uma re- lação de complementaridade entre a extra-patrimonialidade — que, como visto, permite que a pessoa autorize a utilização de direito da personalidade em troca de compensação fi nanceira — e a indisponibilidade desses direitos. De fato, a indisponibilidade de que trata a doutrina deve ser relativiza- da, na medida em que algumas faculdades emanadas dos direitos da per- sonalidade permitem a contraprestação pecuniária. O direito à imagem é o exemplo sempre mencionado nesse sentido.29 Nessas circunstâncias, o direito permanece intacto, apenas sendo cedidas temporariamente algumas de suas potencialidades.30 Seguindo-se a enumeração de suas características, os direitos da persona- lidade são absolutos na medida em que os mesmos são oponíveis erga-omnes, impondo-se a todos os terceiros o dever de respeitá-los. Essa característica pode ser então enunciada como verdadeira decorrência da obrigação geral de abstenção inscrita no princípio neminen laedere. A utilização do termo “absolutos”, todavia, parece imprecisa na medida em que não se procura defender, com essa característica, o entendimento de que os direitos da personalidade sempre prevalecerão e serão
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