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Ilu st ra çã o: E du ar do M or ci llo (2 00 8) . II Atenção à saúde da pessoa idosa 4. Processo de envelhecimento e bases da avaliação multidimensional do idoso Edgar Nunes de Moraes, Flávia Lanna de Moraes e Célia Pereira Caldas Dona Conceição tem 91 anos, Índice de Massa Corporal (IMC) 19, mede cerca de 1,58 m e é independente nas Atividades de Vida Diária (AVD) básicas e instrumentais. Mora na Rua Sergipe n. 15, há dez anos, com sua irmã Ofélia, 85 anos, portadora de doença de Alzheimer. Ambas são viúvas. Todo o funcionamento da casa é gerenciado por d. Conceição, além de cuidar da irmã. Tem dois filhos, Paulo e Antônio, que, apesar de mora- rem em outra cidade, dão muita assistência. A sobrinha, filha de Ofélia, é bastante presente e está sempre disponível para ajudar nos afazeres da casa ou resolver problemas em bancos, fazer compras mais pesadas, levar ao médico e a alguns passeios. Tem cinco netos e dois bisnetos, que a visitam com frequência. Adora crianças e gosta quando os bisnetos passam a tarde com ela. Nesses dias, ela prepara o lanche, bolo, biscoitos, enfim, faz tudo o que os bisnetos mais gostam. Às vezes, a irmã, Ofélia, fica mais irritada com a bagunça das crianças, mas d. Conceição contorna o problema brincando com as crianças no quintal da casa, ao qual a irmã tem pouco acesso. Dona Conceição está sempre de bom humor e se diz satisfeita com a vida. Ninguém nunca a viu reclamar de nada. Sorridente o tempo todo, mesmo quando a irmã insiste em discordar de suas atitudes ou afirma que a empregada está roubando seu dinheiro (“delírio de roubo”). Nes- sas horas, ela conversa com tanta tranquilidade, que a irmã Ofélia fica até mais calma, e ela consegue mudar de assunto. 100 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa delírios de roubo são muito comuns na pessoa idosa. São crenças fortes, embora não verdadeiras e dificilmente modificáveis, o que acarreta grandes transtornos no manejo da situação. Há cerca de oito anos, d. Conceição recebeu diagnóstico de câncer de intestino grosso, graças ao exame de pesquisa de sangue oculto nas fezes. Após a doença ter sido confirmada, realizou-se a hemicolectomia (retirada parcial do intestino), e a evolução foi ótima. Atualmente, nega qualquer alteração do hábito intestinal. É portadora de osteoporose den- sitométrica não complicada e osteoartrose no joelho direito, que não trazem nenhuma limitação à sua mobilidade. Faz uso regular de parace- tamol quando a dor se torna mais intensa, com boa resposta. Qual é o conceito de envelhecimento? Na Unidade de Aprendizagem I, estudamos a diferença entre envelheci- mento individual e populacional. O envelhecimento populacional pode ser reversível, caso ocorra aumento da fecundidade. Já o envelhecimento individual representa a consequência ou os efeitos da passagem do tempo. Esses efeitos podem ser positivos ou negativos e são observados nas diversas dimensões do indivíduo: organismo (envelhecimento bioló- gico) e psiquismo (envelhecimento psíquico). São igualmente importan- tes na medida em que atuam como coadjuvantes para a manutenção da autonomia e independência do indivíduo. Conforme refletimos na Unidade de Aprendizagem I, envelhecimento não é sinônimo de incapacidade e dependência, mas sim de maior vul- nerabilidade. A heterogeneidade entre os indivíduos idosos é marcante e progressiva ao longo do processo de envelhecimento. As doenças são mais frequentes nessa faixa etária, porém nem sempre estão associadas à dependência funcional. Como resultante desse fato, não basta para o profissional da área do envelhecimento a “antiga informação”, aquela que esclarece se o paciente é portador ou não de doenças, pois 90% deles são (RAMOS 2003). Envelhecer sem nenhuma doença crônica é mais uma exceção do que a regra (VERAS, 2012). Logo, essa é uma informação que não agrega pos- sibilidades de mudança, e, por esse motivo, introduzimos um novo indi- cador de saúde: a capacidade funcional. Embora seja muito importante o diagnóstico clínico registrado na Classificação Internacional de Doenças (CID), essa informação isolada não deixa claro o quadro funcional do Capacidade funcional (cF) do idoso é definida pela ausência de dificuldades no desempenho de certos gestos e atividades da vida cotidiana. os conceitos fazem parte de um sistema de classificação internacional de comprometimento, incapacidades e desvantagens (ciF), da organização Mundial da Saúde (oMS). 101 Processo de envelhecimento e bases da avaliação multidimensional do idoso idoso. Indivíduos com o mesmo diagnóstico clínico podem apresentar capacidade funcional absolutamente distinta um do outro. Assim, a fron- teira entre os conceitos de saúde, doenças, dependência e incapacidades deve estar bem definida. Quais são os tipos de envelhecimento do organismo? Todos os seres vivos passam por transformações ao longo dos anos. Elas podem ser consideradas uma involução morfológica e funcional que afeta a maioria dos órgãos e leva ao gradual declínio no desempenho funcional dos indivíduos, culminando com a morte. O termo envelheci- mento é utilizado para indicar tais transformações. O envelhecimento biológico é inexorável, dinâmico e irreversível, carac- terizado por maior vulnerabilidade às agressões do meio interno e externo e, portanto, maior suscetibilidade nos níveis celular, tecidual e de órgãos/aparelhos/sistemas. Entretanto, não significa adoecer. Senili- dade não é diagnóstico. Em condições basais, o idoso funciona tão bem quanto o jovem. A diferença se manifesta nas situações em que se torna necessária a utilização das reservas homeostáticas (de equilíbrio), que, no idoso, são mais frágeis. Além disso, cada órgão ou sistema envelhece de forma diferenciada. A variabilidade é, então, cada vez maior à medida que envelhecemos. envelhecimento = vulnerabilidade + variabilidade + irreversibilidade O Gráfico 1 mostra a relação entre a funcionalidade global do organismo e os ciclos de vida (infância, adolescência, adultez e velhice). O ser humano atinge o máximo de suas funções orgânicas por volta dos 30 a 40 anos. Entre os 40 e 50 anos, há a estabilização e, a partir daí, o declí- nio funcional progressivo, com a perda funcional global de 1% ao ano. Portanto, quanto maior a reserva funcional, menor será a repercussão do declínio considerado fisiológico (envelhecimento fisiológico). 102 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa Gráfico 1 – Funcionalidade global x idade Fonte: Moraes (2008). O envelhecimento biológico pode ser fisiológico (senescência) ou pato- lógico (senilidade). É possível subdividir o envelhecimento fisiológico em dois tipos: bem-sucedido e usual. No envelhecimento bem-sucedido, o organismo mantém todas as funções fisiológicas de forma robusta, semelhante à idade adulta. No envelhecimento usual, observa-se perda funcional lentamente progressiva, que não provoca incapacidade, mas traz alguma limitação à pessoa. Ainda dentro do envelhecimento fisiológico, podemos encontrar idosos com alterações fisiológicas mais expressivas, o que caracteriza a síndrome da fragilidade ou frailty. Esse tipo de envelhecimento é difícil de ser diferenciado do envelhecimento patológico. Existe forte sobreposição entre eles. Todavia, não há doenças aparentes capazes de justificar o grau de fragilidade apresentado pelo idoso. Provavel- mente, deve-se a alterações fisiológicas mais acentuadas, de causa desconhecida ou não diagnosticada. Os principais fatores de risco para a síndrome da fragilidade são: here- ditariedade, sexo feminino, baixo nível socioeconômico, má nutrição, sedentarismo, senescência, sarcopenia (perda muscular), anorexia e, obviamente, a presença de múltiplas comorbidades ou doenças incapa- 103 Processo de envelhecimentoe bases da avaliação multidimensional do idoso citantes, como acidente vascular cerebral (AVC), doença de Alzheimer, doença de Parkinson e depressão. Gráfico 2 – Formas de envelhecimento a hereditariedade, os hábitos de vida e as doenças são os principais determinantes das alterações moleculares causadoras de desregulação dos sistemas homeostáticos, capazes de comprometer o funcionamento harmonioso do organismo, gerando perda de autonomia e independência, hospitalização, institucionalização e óbito. Qual é a relação entre saúde e envelhecimento? Saúde pode ser definida como uma medida da capacidade de realizar aspirações e de satisfazer as necessidades, e não simplesmente como a ausência de doenças. A maioria dos idosos é portadora de doenças ou disfunções orgânicas, que, na maior parte das vezes, não estão associa- das à limitação das atividades ou restrição da participação social. assim, mesmo apresentando doenças, o idoso pode continuar desempenhando suas atividades e os papéis sociais. 104 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa O foco da saúde está estritamente relacionado à funcionalidade glo- bal do indivíduo, definida como a capacidade de gerir a própria vida e cuidar de si mesmo. A pessoa considerada saudável é capaz de realizar as tarefas do cotidiano de forma independente e autônoma, mesmo na presença de doenças (MORAES, LANNA, 2014; RAMOS, 2003). Faz-se necessário também definir a diferença entre capacidade funcional e desempenho funcional. A Classificação Internacional de Funcionali- dade, Incapacidade e Saúde (CIF) utiliza os termos desempenho fun- cional para descrever o que o indivíduo consegue fazer no seu ambiente habitual, ou seja, no contexto real em que vive; já a capacidade fun- cional é testada por instrumentos ou testes específicos em ambientes controlados (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2003). A portaria que institui a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2006/GM/ GM-2528.htm) registra que “o conceito de saúde para o indivíduo idoso se traduz mais pela sua condição de autonomia e independência do que pela presença ou ausência de doença orgânica” (BRASIL, 2006a). Bem- -estar e funcionalidade são complementares. Representam a presença de autonomia (capacidade individual de decisão e comando sobre as ações, estabelecendo e seguindo as próprias convicções) e independên- cia (capacidade de realizar algo com os próprios meios), permitindo que o indivíduo cuide de si e de sua vida. Cabe ressaltar que independência e autonomia estão intimamente rela- cionadas, mas são conceitos diferentes. Existem pessoas com depen- dência física, porém capazes de escolher com autonomia as atividades de seu interesse. No entanto, há pessoas que apresentam condições físicas para realizar determinadas tarefas do cotidiano, mas sem condi- ções de decidir com segurança sobre como, quando e onde se envolver nessas atividades. A perda da independência nem sempre vem associada à perda de auto- nomia: um idoso com perda da capacidade de deambular pode perfeita- mente gerenciar sua vida com autonomia e participação social. Assim, a funcionalidade global é a base do conceito de saúde do idoso. O declínio funcional é a perda da autonomia e/ou da independência, pois restringe a participação social do indivíduo. Por sua vez, a independência e auto- nomia estão intimamente relacionadas ao funcionamento integrado e harmonioso de quatro sistemas funcionais (MORAES, 2012): � Cognição: capacidade mental de compreender e resolver adequadamente os problemas do cotidiano. 105 Processo de envelhecimento e bases da avaliação multidimensional do idoso � Humor/Comportamento: motivação necessária para realizar atividades e/ou participar socialmente. Inclui também o comportamento do indivíduo, que é afetado pelas outras funções mentais, como a sensopercepção, o pensamento e o nível de consciência. � Mobilidade: capacidade individual de deslocamento e de manipulação do meio. Por sua vez, a mobilidade depende de quatro subsistemas funcionais: a capacidade aeróbica e muscular (massa e função), o alcance/preensão/pinça (membros superiores) e a postura, transferência e marcha. A continência esfincteriana é também considerada um subsistema da mobilidade, pois sua ausência (incontinência esfincteriana) é capaz de interferir na mobilidade, restringindo a participação social do indivíduo. � Comunicação: capacidade de estabelecer um relacionamento produtivo com o meio, trocar informações, manifestar desejos, ideias e sentimentos. Depende de três subsistemas funcionais: visão, audição e produção/motricidade oral. Esse último é representado pela voz, fala e deglutição. A perda da independência e/ou autonomia é causada pelas principais síndromes associadas ao envelhecimento, conhecidas como “grandes síndromes geriátricas” ou “gigantes da geriatria”: incapacidade cogni- tiva, instabilidade postural, incontinência esfincteriana, imobilidade e incapacidade comunicativa. A presença dessas condições crônicas de saúde aumenta a complexidade do manejo clínico e o risco de iatrogenia. Além disso, estão associadas ao aumento de cuidados de longa duração, usualmente realizados pela família, que, na maioria das vezes, não se encontra preparada para essa nova função. É quando se apresenta a insu- ficiência familiar (Figura 1). Iatrogenia é uma alteração patológica causada no paciente por diagnóstico ou tratamento de qualquer tipo. Insuficiência familiar significa a perda da capacidade da família em prover os cuidados, dar apoio e suporte ao idoso, por ausência de família ou falta de condições. 106 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa Figura 1 – Grandes síndromes geriátricas Fonte: Moraes (2012). A presença de declínio funcional, capaz de restringir a autonomia e a independência do indivíduo, não pode ser atribuída ao envelhecimento normal, mas sim à presença de incapacidade funcional, resultante das grandes síndromes geriátricas, de forma isolada ou associada (poli- -incapacidades). Esse declínio funcional não deve ser considerado “nor- mal da idade”, pois representa o principal determinante de desfechos negativos, como o desenvolvimento de outras incapacidades e piora funcional, institucionalização, hospitalização e morte (RAMOS, 2001). Usualmente, as causas são múltiplas e multifatoriais, com frequência associadas à presença de doenças crônico-degenerativas, polifarmácia, sarcopenia e alto risco de iatrogenia. 107 Processo de envelhecimento e bases da avaliação multidimensional do idoso A Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (BRASIL, 2006a) considera idoso frágil ou em situação de fragilidade aquele que: vive em Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI), encon- tra-se acamado, esteve hospitalizado recentemente por qual- quer razão, apresente doenças sabidamente causadoras de incapacidade funcional – acidente vascular encefálico, síndro- mes demenciais e outras doenças neurodegenerativas, etilis- mo, neoplasia terminal, amputações de membros, encontra-se com pelo menos uma incapacidade funcional básica, ou viva situações de violência doméstica. O declínio funcional é, portanto, a principal manifestação de vulnera- bilidade, foco da intervenção geriátrica e gerontológica, independen- temente da idade do paciente, podendo ser estabelecido ou iminente. Quadro 1 – Tipos de declínio funcional Declínio funcional Estabelecido Iminente presença de incapacidade funcional ou de dependência propriamente dita presença de condições crônicas preditoras de dependência funcional como idade avançada, polipatologia, polifarmácia, sarcopenia e risco sociofamiliar elevado. O desafio atual é a operacionalização do conceito de fragilidade a fim de permitir seu reconhecimento e estabelecerintervenções capazes de maximizar a independência e autonomia do indivíduo, bem como impe- dir ou retardar o surgimento de desfechos adversos (CLEGG et al., 2013). Fried et al. (2001) definiram fragilidade (frailty) como uma síndrome geriátrica, de natureza multifatorial, caracterizada pela diminuição das reservas de energia e resistência reduzida aos estressores, condições essas que resultam do declínio cumulativo dos sistemas fisiológicos. Fundamentado nesse conceito, desenvolveu o “fenótipo da fragili- dade”, caracterizado pela presença de três ou mais dos seguintes cri- térios: perda de peso, fatigabilidade (exaustão), fraqueza (redução da força muscular), baixo nível de atividade física e lentificação da mar- cha. A presença de três ou mais parâmetros definiu o “idoso frágil”, e a presença de dois parâmetros definiu o idoso “pré-frágil”. É crescente a ideia de que a fragilidade é multidimensional, e sua ope- racionalização deve considerar componentes sociodemográficos, médi- cos, funcionais, afetivos, cognitivos e físicos (LACAS; ROCKWOOD, 2012). 108 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa A prevalência de fragilidade em idosos residentes na comunidade é de 10,7%, variando de 4,0% a 59,1%, conforme o critério utilizado (COLLARD, 2012). O fenótipo de fragilidade de Fried é o critério mais usado, e, nesses casos, a prevalência foi menor, variando de 4 a 17%. A utilização de modelos multidimensionais aumenta a prevalência da fragilidade (4,2% a 59,1%). Entendemos que ambos os modelos são complementares, com aplica- bilidades distintas e integrantes do espectro da fragilidade (Figura 2). O modelo fenotípico descrito por Fried seria mais útil para pesquisas clínicas, enquanto o modelo multidimensional mais adequado para organização e planejamento de sistemas de saúde. Fonte: Moraes (2014). O modelo de classificação clínico-funcional proposto é baseado em uma visão de saúde pública, fortemente ancorado na multidimensionalidade dos determinantes da saúde do idoso, sem desprezar a importância das Figura 2 – Fenótipo da fragilidade, segundo Fried 109 Processo de envelhecimento e bases da avaliação multidimensional do idoso doenças ou das alterações físicas, como a sarcopenia (MORLEY et al., 2013). Nele, o termo fragilidade é utilizado para representar as seguin- tes situações (MORAES; LANNA, 2014): � presença de condições crônicas preditoras de declínio funcional, institucionalização e/ou óbito; � dependência funcional estabelecida. De acordo com essa lógica, os idosos podem ser classificados em (Figura 3): � Idoso robusto: idoso capaz de gerenciar sua vida de forma independente e autônoma, não apresenta incapacidade funcional ou condição crônica de saúde associada à maior vulnerabilidade. As intervenções devem priorizar o manejo adequado das condições crônicas de saúde, abordagem precoce de doenças ou eventos agudos ou intermitentes, realização dos rastreamentos indicados para cada faixa etária e implementação de intervenções preventivas e promocionais. � Idoso em risco de fragilização: idoso capaz de gerenciar sua vida de forma independente e autônoma, todavia encontra-se em estado dinâmico entre senescência e senilidade, resultando na presença de limitações funcionais (declínio funcional iminente), mas sem dependência funcional. Apresenta uma ou mais condições crônicas de saúde preditoras de desfechos adversos, como: • Evidências de sarcopenia: presença de alterações da massa e função muscular (força e desempenho muscular). Os critérios de operacionalização do diagnóstico de sarcopenia são variáveis e incluem o fenótipo de fragilidade descrito por Fried (emagrecimento significativo não intencional, fatigabilidade, fraqueza, baixo nível de atividade física e lentificação da marcha) e os critérios baseados na medida quantitativa da massa muscular, associadas medidas de função muscular, como a força de preensão palmar e a velocidade da marcha. A lentificação da marcha é o principal determinante de sarcopenia/dinapenia e pode ser definida quando for igual ou menor que 0,8 m/s (distância padronizada de quatro metros, com velocidade pouco acima da usual, sem distância para aceleração ou desaceleração) (SAYER, 2013). Outro bom indicador de sarcopenia é a circunferência da panturrilha menor ou igual a 31 cm. A perda significativa de peso não intencional de 4,5 kg ou 5% do peso corporal no último ano, 6 kg ou mais nos últimos seis meses ou 3 kg ou mais no último mês e IMC < 22 kg/m2 também podem ser preditores de sarcopenia (CRUZ-JENKOFT et al., 2010; FIELDING et al., 2011). 110 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa • Presença de comorbidades múltiplas representadas pela polipatologia (presença simultânea de cinco ou mais condições crônicas de saúde, acometendo sistemas fisiológicos diferentes) ou polifarmácia (uso regular e concomitante de cinco ou mais medicamentos por dia para condições crônicas diferentes) ou história de internações recentes (≤ 6 meses) e/ou pós-alta hospitalar. • Alta vulnerabilidade sociofamiliar (insuficiência familiar): a perda do suporte familiar e/ou social está associada ao maior risco de declínio funcional. � Idoso frágil: idoso com declínio funcional estabelecido e incapaz de gerenciar sua vida em virtude da presença de incapacidades, únicas ou múltiplas, como: • incapacidade cognitiva – demência, depressão e “doença mental”; • instabilidade postural – história de duas ou mais quedas nos últimos seis meses e/ou dificuldades na marcha, caracterizada por desequilíbrio e alterações no padrão da marcha, capazes de restringir a participação social do indivíduo; • imobilidade parcial ou completa; • incontinência esfincteriana capaz de restringir a participação social do indivíduo; • incapacidade comunicativa – distúrbios da comunicação oral/escrita, da audição e da visão, capazes de restringir a participação social do indivíduo. Por sua vez, os idosos frágeis podem ser subdivididos em: � Idoso frágil: apresenta declínio funcional estabelecido e, consequentemente, dependência funcional nas atividades de vida diária. Encontra-se estável clinicamente, sem apresentar dúvidas diagnósticas e/ou terapêuticas. � Idoso frágil de alta complexidade: apresenta dependência funcional nas atividades de vida diária associada a condições de saúde de difícil manejo clínico (diagnóstico, tratamento ou reabilitação). � Idoso frágil em fase final de vida: apresenta alto grau de dependência funcional e sobrevida estimada menor que seis meses (cuidados paliativos). 111 Processo de envelhecimento e bases da avaliação multidimensional do idoso Figura 3 – Classificação clínico-funcional dos idosos Fonte: Moraes (2014). Para refletir com base nas informações apresentadas no início deste módulo sobre d. conceição e sua irmã ofélia e considerando a Figura 3, como você as classificaria? Figura 4 – Processo de fragilidade Fonte: Moraes (2014). 112 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa Vários termos e conceitos são utilizados rotineiramente em geriatria e gerontologia de forma não padronizada e, por vezes, com significados diferentes. Como tentativa de padronizar e uniformizar esses termos, listamos, a seguir, os conceitos utilizados neste texto. � Atividades de vida diária básica (AVD básica): referem-se às tarefas necessárias para o cuidado com seu corpo ou autopreservação (autocuidado). � Atividades instrumentais de vida diária (AVD instrumental): referem-se às tarefas necessárias para o cuidado com seu domicílio ou atividades domésticas. � Atividades avançadas de vida diária (AVD avançada): referem-se às atividades produtivas, recreativas e sociais. � Autonomia: capacidade individual de decisão e comando sobre as ações (autogoverno), estabelecendoe seguindo as próprias convicções. � Comorbidades: presença simultânea, no mesmo indivíduo, de três ou mais doenças, com base em critérios diagnósticos bem estabelecidos. A American Geriatrics Society (AMERICAN GERIATRICS SOCIETY EXPERT PANEL ON THE CARE OF OLDER ADULTS WITH MULTIMORBIDITY, 2012) utiliza o termo multimorbidade para expressar essa condição de saúde presente em mais de 50% dos idosos americanos, com efeitos cumulativos distintos para cada indivíduo. � Condição crônica de saúde: termo que engloba as circunstâncias ou condições na saúde das pessoas que exigem resposta dos sistemas de atenção à saúde, mas nem sempre são patológicas ou definidas como doenças. Inclui os sintomas e sinais sem definição diagnóstica (insônia, tontura, constipação etc.), doenças propriamente, achados laboratoriais (hiponatremia, deficiências vitamínicas etc.), senecultura (cuidados com idoso robusto), senicultura (cuidados com idoso frágil), síndrome de fragilidade etc. � Declínio funcional iminente: síndrome caracterizada pela presença de condições crônicas de saúde preditoras de desfechos clínicos negativos ou adversos (dependência funcional, institucionalização, hospitalização e morte). Essas condições incluem a presença de polipatologia, polifarmácia, sarcopenia, internação recente e risco sociofamiliar elevado. � Declínio funcional estabelecido: presença de incapacidade funcional ou dependência, com consequente restrição da participação social. 113 Processo de envelhecimento e bases da avaliação multidimensional do idoso � Deficiências: disfunções, anormalidades ou problemas nas funções ou estruturas do corpo (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2003). � Dependência ou incapacidade funcional: dificuldade para realizar tarefas essenciais a uma vida independente, incluindo atividades de autocuidado e domiciliares, com necessidade da ajuda de outra pessoa. � Dinapenia: perda da força e potência muscular, independente da massa muscular (CLARK; MANINI, 2008). � Envelhecimento bem-sucedido (Successful aging): termo utilizado para identificar idosos que envelheceram livres de comorbidades e sem apresentar nenhum tipo de declínio funcional na cognição, humor, mobilidade e comunicação. Fatores genéticos e ambientais são determinantes do tipo de envelhecimento. Nesse grupo, podemos também acrescentar o envelhecimento ativo, que se refere aos idosos portadores de doenças crônicas, plenamente controladas e capazes de viver com total independência e autonomia, autorrealização e desempenho de importantes papéis sociais (idoso robusto). A tendência é incorporar o envelhecimento ativo dentro do bem-sucedido, ou seja, há os que envelhecem sem doenças e são bem-sucedidos, mas há também os que envelhecem com doenças crônicas e são igualmente bem-sucedidos. � Falência orgânica múltipla (Failure to thrive): termo utilizado para descrever a síndrome de declínio funcional global caracterizada pela presença cumulativa de fragilidade física (perda de peso, subnutrição e sarcopenia) incapacidade cognitiva (demência, depressão e/ou delirium) e dependência funcional avançada. � Fragilidade: redução da reserva homeostática e/ou da capacidade de adaptação às agressões biopsicossociais e, consequentemente, maior vulnerabilidade ao declínio funcional. � Fragilização é o processo dinâmico de redução da capacidade funcional e aumento progressivo da vulnerabilidade, culminando com o declínio funcional estabelecido. � Incapacidade: termo que inclui deficiências, limitação de atividades ou restrição na participação social (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2003). Em geriatria, é utilizado para representar a presença de dependência ou declínio funcional estabelecido. As principais causas de incapacidade nos idosos são: incapacidade cognitiva, instabilidade postural, incontinência esfincteriana, imobilidade e incapacidade comunicativa, também conhecidas como grandes síndromes geriátricas. 114 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa � Independência: capacidade individual de executar algo com os próprios meios, sem ajuda de outra pessoa. � Limitação funcional (limitação das atividades): diz respeito às dificuldades que um indivíduo pode encontrar na execução de atividades (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2003), com lentificação global, mas sem restrição ou impedimento no desempenho das tarefas do cotidiano. � Polifarmácia: uso regular e concomitante de cinco ou mais medicamentos por dia para condições crônicas diferentes. � Polipatologia: presença de cinco ou mais diagnósticos de condições crônicas de saúde acometendo sistemas fisiológicos diferentes. � Restrição da participação social: perda da autonomia e/ ou independência. Segundo a CIF (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2003), são problemas que o indivíduo pode experimentar relacionados a situações reais da vida (dependência funcional). � Sarcopenia: síndrome clínica caracterizada pela perda progressiva e generalizada da massa muscular esquelética e função muscular; representada pela redução da força muscular e desempenho funcional, com risco de desfechos adversos como incapacidade física, baixa qualidade de vida e morte. � Senescência: processo de envelhecimento normal (envelhecimento usual). � Senilidade: processo de envelhecimento patológico. � Síndrome da fragilidade (Frailty): síndrome geriátrica, de natureza multifatorial, caracterizada pela diminuição das reservas de energia e resistência reduzida aos estressores, condições essas que resultam do declínio cumulativo dos sistemas fisiológicos. A operacionalização desse conceito está estritamente condicionada à presença do fenótipo da fragilidade, caracterizado pela presença de três ou mais dos seguintes critérios: perda de peso, fatigabilidade, fraqueza, baixo nível de atividade física e lentificação da marcha (FRIED et al., 2001). � Vitalidade: capacidade individual de resistência aos agentes agressores internos e externos, também conhecida como reserva homeostática. � Vulnerabilidade: redução da reserva homeostática e consequente aumento do risco de fragilização. 115 Processo de envelhecimento e bases da avaliação multidimensional do idoso O envelhecimento normal não afeta a capacidade de decisão (auto- nomia) ou de execução (independência) do indivíduo, como pôde ser observado com d. Conceição. Percebe-se a lentificação global em seu funcionamento, capaz de trazer algumas limitações, mas não a restrição da participação social. A maior vulnerabilidade do idoso exige determi- nados cuidados nas tarefas do cotidiano e a utilização mais constante de facilitadores ambientais. Tais limitações devem ser percebidas pelo idoso, familiares e equipe de saúde da família. A maior vulnerabilidade do idoso diante das agressões do meio interno e externo resulta do envelhecimento dos sistemas fisiológicos principais. Caderno de Atividades realize a atividade 1 do Módulo 4. Apresentaremos, agora, as principais alterações orgânicas associadas ao envelhecimento. Composição corporal A água é a principal parte da composição corporal na criança, corres- pondendo a 70% do seu peso. Com o envelhecimento, há redução de 20% a 30% da água corporal total e 8% a 10% do volume plasmático. A redução é maior no conteúdo intracelular. Essa “desidratação crônica” agrava-se pela diminuição da sensação de sede, tornando o idoso mais vulnerável à desidratação aguda e às reações adversas das drogas em virtude da alteração do volume de distribuição das drogas hidrossolúveis. Além da redução da água corporal, o envelhecimento provoca redu- ção de 20% a 30% da massa muscular (sarcopenia) e da massa óssea (osteopenia/osteoporose), causada pelas alterações neuroendócrinas – menor responsividade renal ao hormônio antidiurético, redução dos níveisbasais de aldosterona, redução do hormônio de crescimento e hormônios sexuais, aumento do paratormônio, redução da função renal, vitamina D – e inatividade física. A sarcopenia contribui para as seguintes alterações presentes no idoso: � maior tendência à redução do peso corporal da maioria dos órgãos; � redução na força muscular, na mobilidade, no equilíbrio e na tolerância ao exercício, predispondo a quedas e imobilidade; 116 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa � redução dos tecidos metabolicamente ativos, levando à diminuição do metabolismo basal (100 kcal/década) que, por sua vez, causa anorexia e consequente redução da ingestão alimentar, agravando ainda mais o quadro, podendo causar subnutrição proteico-calórica e deficiência de micronutrientes, como vitamina D, magnésio, cálcio e zinco; � diminuição da sensibilidade à insulina – intolerância à glicose; � comprometimento da resposta imunológica. Ocorre aumento de 20% a 30% na gordura corporal total (2% a 5% por década, após os 40 anos) e modificação de sua distribuição, tendendo à localização mais central, abdominal e visceral. No sexo feminino, a gordura deposita-se mais na região das nádegas e coxas (aparência de “pêra”), e nos homens localiza-se mais na região abdominal (aparência de “maçã”). A principal complicação é o aumento da meia-vida das drogas lipossolúveis como os benzodiazepínicos (diazepam), intensifi- cando o risco de toxicidade. Nutrição e antropometria As alterações fisiológicas do envelhecimento que comprometem as necessidades nutricionais ou ingestão alimentar são: � redução de olfato e do paladar – redução nos botões e papilas gustativas sobre a língua, diminuição nas terminações nervosas gustativas e olfatórias, ambos comprometem a palatabilidade dos alimentos. Alterações nas papilas gustativas e na condução neurossensorial ocorrem progressivamente com a idade, apresentam tendência para elevar o limiar de percepção dos sabores doce e salgado, trazendo a sensação de que os alimentos estão amargos e azedos; � aumento da necessidade proteica – diminuição da síntese e ingestão; � redução da biodisponibilidade da vitamina D, levando à redução da absorção intestinal de cálcio; � deficiência na utilização da vitamina B6; � redução da acidez gástrica, levando à menor absorção de vitamina B12, ferro, cálcio, ácido fólico e zinco; � insuficiência dos mecanismos reguladores de sede, fome e saciedade; � aumento da toxicidade de vitaminas lipossolúveis (vitaminas A, D, E, K); 117 Processo de envelhecimento e bases da avaliação multidimensional do idoso � maior dificuldade na obtenção, preparo e ingestão de alimentos; � xerostomia (boca seca). Outros fatores que contribuem para a desnutrição nos idosos são: menor acesso ao alimento secundário por causas físicas (sequela de AVC, parkinsonismo, demência avançada) ou sociais (isolamento, ins- titucionalização, baixo poder aquisitivo); uso de drogas que produzem inapetência (digoxina) ou alteram o sabor dos alimentos – Inibidores da Enzima Conversora de Angiotensina (Ieca); depressão; medo exagerado de alimentos considerados “inadequados” (colesterol, carne vermelha, sal, açúcar); desordens da mastigação (dentaduras mal-adaptadas, ausência de dentes, gengivite, candidíase oral) e/ou disfagia; diarreia e má absorção; doenças consumptivas; hipertireoidismo; alcoolismo; dentre outros. Ocorre, ainda, uma redução da estatura do idoso, cerca de 1 cm (homens) a 1,5 cm (mulheres) por década, a partir dos 40-50 anos. A redução da massa óssea (osteopenia e/ou osteoporose) associada à hipercifose torácica, cifoescoliose e redução dos discos intervertebrais (achatamento) caracteriza os principais determinantes, particularmente nas mulheres. No cálculo do IMC, pode-se utilizar a altura do joelho para corrigir essa redução da estatura. O IMC (Índice de Quetelet = peso em quilogramas dividido pela esta- tura em metros elevada ao quadrado) tende a se elevar com o enve- lhecimento, provavelmente pelo aumento progressivo da massa de gordura corporal, redução da atividade física, mudanças dos hábitos alimentares e alterações endócrinas. Segundo a OMS, para a população adulta, os limites da eutrofia situam-se entre 18,5 kg/m2 a 25 kg/m2. Nos idosos, os pontos de corte do IMC são diferentes. Utilizam-se os seguintes pontos de corte: Quadro 2 – IMC para a população Diagnóstico IMC (kg/m2) eutrofia 22-27 Subnutrição < 22 obesidade > 27 Fonte: protocolos do Sistema de vigilância alimentar e nutricional – SiSvan (2008). 118 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa A prevalência de obesidade e/ou sobrepeso em idosos brasileiros, medi- dos pelo IMC, varia de 30% a 50%. A obesidade representa importante fator de risco para hipertensão arterial, vasculopatia periférica, AVC, câncer de mama e de endométrio, insuficiência venosa, intolerância ao exercício, redução da mobilidade, osteoartrite, lombalgia, apneia do sono, diabetes mellitus, entre outros. Os únicos benefícios são a redução do risco de fratura de fragilidade e de hipotermia. Temperatura A homeostase da regulação da temperatura corporal e a habilidade para adaptação térmica são comprometidas com o envelhecimento, provavelmente por disfunção hipotalâmica, lentificação da resposta aos pirogênios, dificuldade da produção e conservação do calor (redução da gordura subcutânea, lentificação da vasoconstrição periférica, entre outros). Os idosos apresentam temperaturas basais menores que os jovens. A febre pode estar ausente nos processos infecciosos. Tempera- tura axilar maior ou igual a 37,2ºC ou elevações de 2ºC na temperatura basal merecem investigação. No entanto, não é raro o desenvolvimento de hipotermia (temperatura axilar < 35ºC) em resposta à infecção. A hipotermia pode causar sonolência, confusão mental, disartria, bra- dicinesia, hipertonia, bradipneia, hipoxemia, dilatação gástrica, lesão aguda de mucosa gastroduodenal, coma, arritmias ventriculares e morte. A mensuração da temperatura axilar deve ser mais prolongada (cinco minutos). Imunossenescência Basicamente, ocorre involução anatômica e funcional do timo, com redução de 20% a 30% dos linfócitos T circulantes e declínio na reação de hipersensibilidade tipo tardia, na citotoxicidade e na resposta pro- liferativa. Não há alterações evidentes na imunidade humoral. Essas alterações contribuem para o aumento do risco de infecção, doenças autoimunes e neoplasias. Órgãos dos sentidos Com o envelhecimento, ocorre crescimento relativo das orelhas e do nariz. Os pelos da orelha (tragus) tornam-se mais grossos, compridos e proeminentes. Os principais sintomas auditivos associados ao envelhe- cimento são disfunção auditiva, prurido e zumbidos nos ouvidos. 119 Processo de envelhecimento e bases da avaliação multidimensional do idoso A disfunção auditiva pode ser neurossensorial ou condutiva. A hipo- acusia neurossensorial caracteriza-se pela perda bilateral lenta e pro- gressiva da audição para tons de alta frequência. Portanto, não se recomenda gritar com o paciente a fim de não agravar mais ainda o discernimento das palavras. O teste do sussurro (sussurrar uma ordem a 60 centímetros do ouvido e observar a compreensão do comando) é indicado como teste de triagem. A otoscopia é fundamental para se afastar a hipoacusia condutiva por impactação de cera. Prurido é queixa comum, secundário à atrofia da pele e ao ressecamento. Zumbido no ouvido, uni ou bilateral, é sintoma comum e multifatorial. As alterações anatômicas mais comuns nos olhos são enoftalmia (olho fundo), edema de pálpebra inferior, ptose (queda da pálpebra), entró- pio (internalização dos cílios), ectrópio (eversão das pálpebras e lacri- mejamento), halo senil (anel esbranquiçado na íris), pterígio (carne que cresce no olho) e conjuntivamais fina e friável (sensação de areia nos olhos). Do ponto de vista funcional, observa-se a presbiopia (dimi- nuição da acomodação para objetos próximos), glaucoma, miose senil (redução da visão noturna e da acomodação aos clarões), maior risco de descolamento de retina e redução da visão periférica e central, compro- metendo a visão espacial e aumentando a probabilidade de quedas. A degeneração macular e a catarata (esclerose do cristalino) representam as principais causas de cegueira nos idosos. Pele e anexos O envelhecimento cutâneo é bastante pronunciado. A hereditariedade e, principalmente, a exposição solar são responsáveis pelas alterações da epiderme (redução de potencial proliferativo, melanócitos, células de Langerhans e da adesão dermo-epidérmica), derme (redução da espessura, da celularidade e vascularização, degeneração do colágeno), subcutâneo e anexos. A pele do idoso torna-se ressecada e descamativa (xerodermia), precipitando o prurido (localizado ou generalizado), que, por sua vez, predispõe a fissuras, escoriações e infecções cutâneas. O prurido senil deve ser diferenciado daquele resultante de doenças sistê- micas, como colestase hepática, gota, diabetes, escabiose, entre outras. Observa-se, ainda, pele fina, lisa, com pouca elasticidade e distensibi- lidade. A fragilidade capilar favorece o surgimento de equimoses e da púrpura senil nas regiões mais expostas a traumas (mãos e antebraços). 120 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa A leucodermia puntiforme (pontinhos brancos nas mãos), secundária às alterações dos melanócitos, mais localizada nas mãos e antebraços, pode trazer bastante desconforto estético, principalmente às mulheres. Em locais expostos à radiação solar, podem ocorrer a ceratose actínica (lesão pré-maligna) e epiteliomas basocelular e espinocelular (lesões malignas). A ceratose seborreica, também comum, é considerada neo- plasia benigna da epiderme. Úlceras em membros inferiores em razão de insuficiência vascular crônica (venosa e/ou arterial) devem ser pes- quisadas, assim como as úlceras por pressão (escaras), mais comuns nas regiões sacra, trocantérica e calcâneo, e em pacientes acamados. Merecem atenção, ainda, as alterações dos pelos, que se tornam mais finos, rarefeitos e quebradiços. As unhas ficam mais frágeis, opacas, de crescimento mais lento, espessas e encurvadas nos pés (onicogrifose), diferente da onicomicose ou infecção fúngica do leito ungueal (unha), cujo tratamento específico é discutível no idoso. Micoses interdigitais são mais frequentes e devem ser tratadas de forma rotineira, pois repre- sentam porta de entrada para infecções bacterianas mais graves. Sistemas fisiológicos principais O envelhecimento dos principais sistemas fisiológicos é caracterizado pelas alterações apresentadas no Quadro 3. Quadro 3 – Envelhecimento dos principais sistemas fisiológicos Sistema Alterações anatômicas Alterações funcionais Repercussão Sistema cardiovascular Miocárdio Hipertrofia ventricular disfunção diastólica (alteração do relaxamento ventricular) endocárdio valvulopatia degenerativa degeneração aórtica degeneração mitral Sistema de condução Fibrose e substituição dos feixes de condução nervosa intracardíacos distúrbios na formação e/ou condução do estímulo cardíaco artérias aterosclerose insuficiência arterial veias varizes insuficiência venosa Sistema respiratório parede torácica enrijecimento da parede torácica redução da complacência da parede torácica Musculatura respiratória Sarcopenia redução de 25% na força da musculatura respiratória brônquios / bronquíolos redução do clearance mucociliar aumento da aspiração orotraqueal e da colonização por bactérias gram-negativas aumento de colágeno anormal redução da complacência pulmonar alvéolos adelgaçamento da parede alveolar com dilatação dos ductos e alvéolos redução da superfície respiratória pela destruição dos septos alveolares 121 Processo de envelhecimento e bases da avaliação multidimensional do idoso Sistema Alterações anatômicas Alterações funcionais Repercussão Sistema genito- urinário rins esclerose glomerular progressiva e redução da massa tubular redução progressiva do fluxo sanguíneo renal: 1% por ano após os 40 anos bexiga e uretra aumento da trabeculação e da fibrose redução da inervação autonômica aumento das contrações involuntárias aumento do volume pós-miccional Maior resistência ao fluxo miccional próstata Hiperplasia nodosa irritação de receptores adrenérgicos e maior resistência ao fluxo miccional vagina atrofia epitelial uretrite atrófica assoalho pélvico Fraqueza muscular e deposição de colágeno e tecido conjuntivo disfunção uretral Sistema gastrointestinal esôfago redução da inervação autonômica aumento dos espasmos esofageanos estômago redução da inervação autonômica Maior tempo de esvaziamento gástrico redução das células parietais ou oxínticas redução na mucosa gástrica dos fatores citoprotetores vias biliares redução da contratilidade da vesícula biliar redução da secreção de ácido biliar aumento do colesterol biliar Fígado redução do volume do fígado (20-40%) e do fluxo sanguíneo hepático redução do metabolismo das drogas intestino redução dos neurônios do plexo mioentérico e da parede muscular redução do trânsito intestinal e da resistência da parede intestinal Sistema nervoso central encéfalo perda neuronal, particularmente na região dorso-lateral do lobo frontal lentificação da condução nervosa nervos periféricos redução da inervação periférica lentificação da condução nervosa Sistema músculo- esquelético Músculos Sarcopenia e infiltração gordurosa redução da massa e da força muscular ossos redução do osso trabecular e cortical osteopenia articulações disfunção condrocitária (redução da densidade, da atividade e da resposta a fatores de crescimento) aumento da rigidez das cartilagens e menor capacidade de amortecimento e distribuição da tensão Quadro 3 – Envelhecimento dos principais sistemas fisiológicos (cont.) Fonte: Moraes (2008). Autonomia e independência Condições que dependem dos hábitos de vida, das doenças adquiri- das, fatores hereditários, envelhecimento psíquico e amadurecimento. Além disso, estão sujeitos não só à passagem do tempo, mas, sobre- tudo, ao esforço pessoal contínuo na busca do autoconhecimento e do sentido da vida. No entanto, o envelhecimento do psiquismo ou ama- durecimento não é naturalmente progressivo e nem ocorre de forma inexorável, como efeito da passagem de tempo. 122 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa Para refletir ao considerar que “o envelhecimento do organismo é natural, progressivo e irreversível” e “tudo dependerá dos hábitos de vida de cada um, das doenças adquiridas e de fatores hereditários”, como você avalia sua vida em relação ao seu envelhecimento? O autoconhecimento, o estudo da estrutura e da dinâmica do psiquismo e a superação dos conflitos do cotidiano são indispensáveis para atingir- mos a independência psíquica, condição necessária para a sabedoria. O amadurecimento é uma conquista individual e se traduz pela modifica- ção dos valores de vida ou aquisição da consciência (Gráfico 3) Gráfico 3 – Amadurecimento x idade cronológica Fonte: Moraes (2008). Com o amadurecimento psíquico há, portanto, redução da vulnera- bilidade. A pessoa idosa torna-se suficientemente sábia para aceitar a realidade, tolerar a dor ou, até mesmo, a perda da independência bio- lógica, pois seus dispositivos de segurança são cada vez mais eficazes na relação com o mundo. É a liberdade plena ou independência psíquica, porque compreende o sentido da vida. Os valores que regem sua vida 123 Processo de envelhecimento e bases da avaliação multidimensionaldo idoso (filosofia de vida) são cada vez mais elevados, racionais, inteligentes, enfim, conscientes. O idoso entrega-se à existência com a pureza das crianças, mas sem a ingenuidade, com o vigor do adolescente, mas sem a sua agressividade, com a sensatez do homem maduro, mas sem o seu orgulho. Torna-se cidadão do Universo com a astúcia da raposa e a malícia da serpente, o que faz dele um sábio (BRASIL, 2002). A vida é uma grande viagem em busca da realização plena do desen- volvimento humano. Para tanto, faz-se necessário o aproveitamento de todas as fases da vida, superando-se os conflitos inerentes a cada ciclo, na busca de um equilíbrio cada vez maior. Quadro 4 – Ciclos da vida Faixas etárias Ciclo de vida Duração 0 a 12 anos infância 12 anos 60 anos 12 a 18 anos adolescência 6 anos 18 a 59 anos adultez 41 anos ≥ 60 anos velhice 60 anos 60 anos 120 anos limite biológico estimado para a vida A infância psíquica é a fase inicial de preparação para a vida, quando o indivíduo começa a se criar, isso é, instruir-se, disciplinar-se. Inicia-se no nascimento e perdura até os 12 anos, época em que, usualmente, ocorre a instalação da sexualidade genital, com a primeira menstru- ação da menina e a primeira ejaculação do menino. No princípio, o comportamento da criança é regido pelo instinto, pois não se pode falar ainda em inteligência – a capacidade de resolver os problemas –, nem em consciência – a compreensão do sentido da conduta. É a fase de máxima dependência física e psíquica do indivíduo. Com o desenvolvimento, a criança alcança níveis mais sofisticados de percepção e atuação no mundo, passando por angústia, medo, obsessão, farsa e praticidade. Quando surge a razão, a criança adquire a capacidade de reflexão. O indivíduo vai se tornando cada vez mais independente do adulto, capaz de atuar no mundo de forma prática ou ponderada. A adolescência caracteriza-se pela puberdade e a capacidade de raciocí- nio abstrato. Capaz de abstrair, começa a questionar filosoficamente as diretrizes de vida que lhe são impostas desde sempre. Revolta-se contra Fonte: Moraes (2008). 124 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa os hábitos culturais, mas também, e principalmente, contra posições polí- ticas, religiosas e filosóficas. Com o passar do tempo, percebe que nem sempre os argumentos aguerridos levam ao resultado desejado; percebe sua independência psíquica, mas reconhece sua dependência afetiva. Ainda carece de informações sobre as regras do jogo da vida. Começa a refletir sobre as contradições da vida, e que o bem e o mal podem ser complementares. A adultez é o período de realização da vida, quando o indivíduo adquire equilíbrio cada vez maior e atinge a estabilidade duradoura. Adulto é o ser humano que está preparado para existir. Já percebe a importância de contribuir para a coletividade, pois dela depende. Constata que não adianta tentar convencer as pessoas de suas verdades se elas não estiverem preparadas. É independente física e psiquicamente e, portanto, capaz de amar, devotar-se, sem criar problemas, sem deixar- -se levar pelos conflitos inerentes às idades anteriores. Surge o interesse fraterno em busca do bem comum. O amor retoma seu ápice a fim de ampliar seus benefícios além das fronteiras dos grupos dos quais parti- cipa. Ele pode experimentar o amor humanístico, sabendo que, sendo compreendido ou não, recebendo retribuição ou não, sua afetividade só se satisfaz na sua devoção ao bem-estar de todos os seus semelhantes. A adultez velha ou velhice (acima de 60 anos) é a grande fase da vida, quando o indivíduo, agora pessoa, atinge o grau máximo de compre- ensão do mistério da vida e do seu papel na unificação do universo. Vive a liberdade plena, permitindo-lhe compreender o lugar e a parte que cabem ao mal em um mundo em evolução. O sentido ético da sua existência admite superar os preconceitos e participar ativamente da evolução das pessoas e dos grupos aos quais esteja ligado. O que é o envelhecimento bem-sucedido e o malsucedido? O envelhecimento biológico aumenta a vulnerabilidade da pessoa às agressões orgânicas, compensado pela menor vulnerabilidade psíquica, permitindo uma vida saudável mesmo com as limitações impostas pela doença/disfunção ou, até mesmo, pela incapacidade. A felicidade pode coexistir com a limitação física. O idoso, portanto, necessita ser informado sobre a diminuição natu- ral de determinadas funções na intenção de saber como adaptar-se às limitações naturais da sua idade. A permanência na infância psíquica 125 Processo de envelhecimento e bases da avaliação multidimensional do idoso faz com que as alterações do envelhecimento biológico predominem, podendo tornar a velhice repleta de tristezas e perdas (envelhecimento malsucedido) (Gráfico 4). Gráfico 4 – Capacidade x idade Fonte: Moraes (2008). Assim, o ser humano pode envelhecer como um sábio ancião ou per- manecer nos estágios infantis do psiquismo. Autonomia e indepen- dência são, portanto, resultantes do equilíbrio entre o envelhecimento psíquico e biológico. A singularidade individual torna-se mais exuberante quando se ava- liam ambas as dimensões, biológica e psíquica, associadas ao contexto familiar e social, ou seja, à integralidade do indivíduo. O processo de envelhecimento é, portanto, absolutamente individual, variável, cuja conquista se dá dia após dia, desde a infância. A velhice bem-sucedida é consequência de uma vida bem-sucedida. Para refletir como você classificaria o envelhecimento de d. conceição e de sua irmã? 126 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa Gráfico 5 – Capacidade psíquica e orgânica x idade Fonte: Moraes (2008). O principal objetivo da intervenção geriátrica e gerontológica é a pre- servação ou recuperação da qualidade de vida. Autonomia de decisão e independência funcional são variáveis fundamentais na capacidade de desempenhar os papéis sociais. A busca da felicidade – principal objetivo da vida – depende de outra variável difícil de ser conceituada. Trata-se, talvez, do amadurecimento psíquico, que depende do auto- conhecimento, única forma de atingirmos a verdadeira sabedoria na velhice. Qualidade de vida, portanto, resulta da interação destas três variáveis: autonomia, independência e sabedoria. Infelizmente, a minoria das pessoas atinge a velhice em sua plenitude, usufruindo dos ganhos advindos do passar dos anos. Grande parte desse insucesso resulta da falta de preparação ou investimento pessoal na pre- venção das grandes síndromes geriátricas/gerontológicas (MORAES, 2008): � incapacidade cognitiva; � imobilidade; � instabilidade postural; � incontinência esfincteriana; � iatrogenia; 127 Processo de envelhecimento e bases da avaliação multidimensional do idoso � incapacidade comunicativa; � isolamento social; � insuficiência familiar. Pelo exposto no caso clínico descrito no início deste módulo, d. Con- ceição é um raro exemplo de envelhecimento bem-sucedido. Apesar de seus 91 anos, a passagem do tempo não causou nenhum declínio significativo no funcionamento dos sistemas fisiológicos principais, tampouco restrição em suas atividades de vida diárias. Foi diagnosticado: � osteoartrose no joelho direito, sem limitação funcional; � passado de câncer de intestino; � osteoporose densitométrica não complicada; � deficiência de vitamina B12; � hipotireoidismo subclínico. Tais problemas de saúde não foram suficientes para comprometer a cognição, o humor, a mobilidade e a comunicação, garantindo sua independência e autonomia. Todavia, devemos ficar atentos para a manutenção do seu estado funcional e reconhecer precocemente qual- quer disfunção ou deficiência nos sistemas fisiológicos principais. Do ponto de vista psíquico, o envelhecimento permitiu-lhe o autoconhe-cimento e a superação dos conflitos, ferramentas indispensáveis para a conquista da liberdade plena ou sabedoria. Está, assim, cumprido o destino do ser humano, cuja fé em si mesmo e no destino do mundo o faz viver em permanente harmonia, condição indispensável para o bem-estar geral, ou melhor, a felicidade. Como devemos avaliar o idoso e reconhecer a fragilidade e as grandes síndromes geriátricas? A identificação da fragilidade ou estratificação de risco é fundamental para o planejamento das ações em saúde, além de corroborar na defini- ção de metas terapêuticas e priorização do cuidado. O reconhecimento da dependência funcional e/ou fragilidade não é realizado de forma rotineira pela maioria dos profissionais médicos. A integralidade da pessoa idosa deve ser valorizada, evitando-se ao máximo a fragmentação da avaliação e do cuidado. Portanto, todo pro- 128 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa cesso de avaliação deve contemplar a coleta de informações sobre a funcionalidade global, sistemas funcionais, subsistemas funcionais, sis- temas fisiológicos, sistemas fisiológicos reguladores e, até mesmo, sobre as bases celulares, moleculares e bioquímicas que compõem nosso organismo, como pode ser observado na figura a seguir. Figura 5 – Modelo multidimensional de saúde do idoso Fonte: Moraes (2014). A avaliação multidimensional do idoso (Figura 6) é a forma já estabe- lecida para reconhecer e planejar o cuidado com o idoso frágil. Con- siste na busca de informações referentes às atividades de vida diária, sistemas funcionais (cognição, humor, mobilidade e comunicação), sistemas fisiológicos principais (nutrição, saúde bucal, sono, pele/ane- xos e revisão dos sistemas cardiovascular, respiratório, digestivo, geni- turinário, musculoesquelético, nervoso e endócrino-metabólico), uso de medicamentos, história pregressa e fatores contextuais (avaliação sociofamiliar, do cuidador e do ambiente). 129 Processo de envelhecimento e bases da avaliação multidimensional do idoso Figura 6 – Avaliação multidimensional do idoso Fonte: Moraes (2014). Para refletir você conhece esse instrumento de avaliação? já o utilizou? encontrou dificuldades para usar/interpretar? Quais? Frequentemente, é necessária a aplicação de instrumentos ou escalas de avaliação funcional (Quadro 6) e de avaliações específicas realizadas pela equipe interdisciplinar (neuropsicologia, fisioterapia, terapia ocu- pacional, fonoaudiologia, farmácia, nutrição, serviço social e enferma- gem). Muitas vezes, uma propedêutica complementar mais sofisticada (densitometria óssea, tomografia computadorizada, ressonância mag- nética etc.) também é necessária. Não significa sempre “avaliar tudo em todos os idosos”. O “mito da completude” mostra que, por melhor que seja a avaliação, sempre haverá dúvidas ou lacunas no processo diagnóstico, que serão resolvidas com o acompanhamento longitudinal do paciente. 130 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa Quadro 5 – Escalas ou instrumentos de avaliação funcional Dimensão Duração média Funcionalidade Global AVD Avançada lazer, trabalho e interação social AVD Instrumental escala de Lawton-Brody 5 min AVD Básica Índice de Katz SiSteMaS FuncionaiS Cognição Miniexame do estado Mental (MeeM) 5 min reconhecimento de figuras 12 min lista de palavras do cerad 15 min Fluência verbal 3 min teste do relógio 2 min Humor/ Comportamento escala Geriátrica de depressão 4 min Mobilidade alcance, preensão e pinça avaliação do membro superior: ombro, braço, antebraço e mão 2 min postura, marcha e transferência Timed up and go test / Get up and go test velocidade da marcha teste de Romberg Nudge Test equilíbrio unipodálico 10 min capacidade aeróbica teste de caminhada de 6 minutos 7 min continência esfincteriana presença de incontinência urinária ou fecal. diário miccional 2 min SiSteMaS FuncionaiS Comunicação Snellen simplificado 1 min teste do sussurro 1 min produção/motricidade oral 1 min Fonte: Moraes (2014). Para refletir você conhece essa escala/instrumento de avaliação? já a(o) utilizou? 131 Processo de envelhecimento e bases da avaliação multidimensional do idoso Apesar de suas inúmeras vantagens, a incorporação da avaliação multi- dimensional do idoso no cotidiano da atenção básica é inviável e apre- senta uma relação custo-benefício insatisfatória em termos de saúde pública. Além disso, a insuficiência de recursos humanos especializados na área de geriatria e gerontologia limita mais ainda sua ampla utili- zação. Definir qual o idoso que deve ser submetido à avaliação multi- dimensional do idoso ou avaliação geriátrica ampla (PIALOUX; GOYARD; LESOURD, 2012) se torna necessário. Vários instrumentos de triagem rápida foram desenvolvidos para a identificação de vulnerabilidade clínico-funcional. A idade, por si só, não é um bom indicador de fragilidade. A aplicação de instrumen- tos com níveis crescentes de complexidade, desde questionários mais simples até a avaliação feita por especialistas, é a melhor forma de hierarquização da demanda dos idosos. A escassez de recursos huma- nos especializados na avaliação geriátrico-gerontológica justifica essa abordagem passo a passo. Por isso, o instrumento de triagem deverá ter alta sensibilidade para detectar os idosos verdadeiramente frágeis, como também alta especificidade com o objetivo de limitar o encami- nhamento de idosos robustos para a avaliação especializada (HAMAKER et al., 2012). Assim, na presença de “sinais de alerta de fragilidade” nesses instrumentos de rápida aplicação, o idoso é encaminhado para a atenção secundária, em que será submetido a avaliações mais com- plexas e, portanto, mais demoradas. A avaliação multidimensional hierarquizada é a melhor alternativa para um sistema de saúde tão complexo como o nosso. Identificar o idoso de risco se torna uma ação proativa, ou seja, não se deve esperar o idoso desenvolver a dependência funcional para reconhecê-lo como frágil. Devemos tentar prever tais desfechos desfavoráveis por meio de instrumentos simples, capazes de serem aplicados pela equipe de saúde da família e, em particular, pelo agente comunitário de saúde (ACS). O ACS convive no território de sua área de atuação e, portanto, é capaz de reconhecer mais facilmente o declínio funcional, que, como estu- damos, é a base da avaliação do idoso. Na Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa, 3ª edição (2014), foi elaborado um instrumento simples e de rápida aplicação direcionado ao ACS e/ou auxiliar/técnico de enfermagem (profissionais de nível médio), deno- minado Índice de Vulnerabilidade Clínico-Funcional para a Atenção Básica (IVCF-AB). 132 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa O IVCF-AB apresenta caráter multidimensional e avalia oito dimensões consideradas preditoras de declínio funcional: a idade, a autopercep- ção da saúde, as atividades de vida diária (três AVD instrumentais e uma AVD básica), a cognição, o humor/comportamento, a mobilidade (alcance, preensão e pinça; capacidade aeróbica/muscular; marcha e continência esfincteriana), a comunicação (visão e audição) e a pre- sença de comorbidades múltiplas, representadas por polipatologia, poli- farmácia e/ou internação recente. Cada domínio é avaliado por meio de perguntas rápidas, que podem ser respondidas pelo idoso ou alguém que conviva com ele (cuidador ou familiar). Algumas medidas foram inseridas para aumentar o valor preditivo do instrumento, como a circunferência da panturrilha, velo- cidade da marcha e peso/IMC. Cada pergunta recebe uma pontuação, conforme o desempenho do idoso. A pontuação total varia de 0 a 40 pontos. Os pontos de corte estabelecidos foram: � 0 a 3 pontos: não há evidências suficientes para o diagnósticode fragilidade. O acompanhamento do idoso deve ser feito de forma rotineira. � 4 a 9 pontos: há evidências suficientes para a suspeita de risco de fragilização. O idoso merece atenção diferenciada para o diagnóstico adequado das condições crônicas de saúde e deve ser submetido a intervenções capazes de evitar o declínio funcional. � ≥ 10 pontos: há evidências suficientes para o diagnóstico de fragilidade. O idoso necessita de intervenções interdisciplinares concretas para a recuperação de sua funcionalidade global, preferencialmente na atenção secundária. 133 Processo de envelhecimento e bases da avaliação multidimensional do idoso Quadro 6 – Índice de Vulnerabilidade Clínico-Funcional para a Atenção Básica (IVCF-AB) MARCADORES DE VULNERABILIDADE CLÍNICO-FUNCIONAL • Todas as respostas devem ser confirmadas por alguém que conviva com o idoso. • Para os idosos incapazes de responder, utilizar as respostas do cuidador. Pontuação IDADE 1. Qual é a sua idade? 60 a 74 anos 0 75 a 84 anos 1 ≥ 85 anos 3 AUTOPERCEPÇÃO DA SAÚDE 2. em geral, comparando com outras pessoas de sua idade, você diria que sua saúde é: excelente, muito boa ou boa 0 regular ou ruim 1 A TI V ID A D ES D E V ID A D IÁ R IA AVD Instrumental respostas positivas valem 4 pontos cada. todavia, a pontuação máxima é de 4 pontos, mesmo que o idoso tenha respondido sim para todas as três atividades de vida diária. 3. por causa de sua saúde ou condição física, você deixou de fazer compras? instrumental 4 ( ) não ou não faz compras por outros motivos que não a saúde. 0 respostas positivas valem 4 pontos cada. todavia, a pontuação máxima é de 4 pontos, mesmo que o idoso tenha respondido sim para todas as três atividades de vida diária. ( ) Sim 4 ( ) não ou não faz mais pequenos trabalhos domésticos por outros motivos que não a saúde 0 AVD Básica resposta positiva vale 6 pontos. 6. por causa de sua saúde ou condição física, você deixou de tomar banho sozinho? ( ) Sim 6 ( ) não 0 Sim Não COGNIÇÃO 7. algum familiar ou amigo falou que você está ficando esquecido? 1 0 8. esse esquecimento está piorando nos últimos meses? 1 0 9. esse esquecimento está impedindo a realização de alguma atividade do cotidiano? 2 0 HUMOR 10. no último mês, você ficou com desânimo, tristeza ou desesperança? 2 0 11. no último mês, você perdeu o interesse ou prazer em atividades anteriormente prazerosas? 2 0 134 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa Sim Não M O B IL ID A D E Alcance, preensão e pinça 12. você é incapaz de elevar os braços acima do nível do ombro? 1 0 13. você é incapaz de manusear ou segurar pequenos objetos? 1 0 Capacidade aeróbica e/ ou muscular 14. você tem alguma das quatro condições abaixo relacionadas? • perda de peso não intencional de 4,5 kg ou 5% do peso corporal no último ano ou 6 kg nos últimos 6 meses ou 3 kg no último mês; • iMc menor que 22 kg/m2; • circunferência da panturrilha < 31 cm; • tempo gasto no teste de velocidade da marcha (4m) > 5 seg; 2 0 Marcha 15. você teve duas ou mais quedas no último ano? 2 0 16. você tem dificuldade para caminhar que impeça a realização de alguma atividade do cotidiano? 2 0 Continência esfincteriana 17. você perde urina ou fezes, sem querer, em algum momento? 2 0 COMUNICAÇÃO 18. você tem problemas de visão capazes de impedir a realização de alguma atividade do cotidiano? • É permitido o uso de óculos ou lentes de contato 2 0 19. você tem problemas de audição capazes de impedir a realização de alguma atividade do cotidiano? • É permitido o uso de aparelhos de audição 2 0 COMORBIDADES MÚLTIPLAS 20. você tem alguma das três condições abaixo relacionadas? • cinco ou mais doenças crônicas; • uso regular de cinco ou mais medicamentos diferentes, todo dia; • internação recente, nos últimos 6 meses. 4 0 Pontuação Final 40 pontos Quadro 6 – Índice de Vulnerabilidade Clínico-Funcional para a Atenção Básica (IVCF-AB) (cont.) Fonte: cab 19 (braSil, 2014). Outra grande vantagem desse instrumento é a possibilidade de repre- sentação gráfica e seguimento longitudinal do idoso. A ideia é que tal instrumento seja aplicado anualmente em todos os idosos. Desta forma, o idoso que se encontra na faixa verde é considerado normal. As faixas amarela e vermelha indicam uma avaliação mais minuciosa do caso, pois as alterações não podem ser consideradas “normais da idade”. Os exemplos 1, 2 e 3 mostram trajetórias funcionais possíveis, ao longo do tempo. No exemplo 1, o idoso encontra-se estável, e as alterações 135 Processo de envelhecimento e bases da avaliação multidimensional do idoso apresentadas devem ser abordadas de forma específica. Não há necessi- dade de avaliação geriátrico-gerontológica especializada. No exemplo 2, o idoso demonstrou melhora funcional, traduzindo boa resposta às inter- venções propostas. Por último, no exemplo 3, vê-se claramente que o idoso está apresentando declínio funcional importante e progressivo e necessita de intervenções diagnósticas e terapêuticas especializadas. Gráfico 6 – Exemplos de trajetórias clínico-funcionais Fonte: cab 19 (braSil, 2014). Essa metodologia permite que a avaliação multidimensional do idoso ou avaliação geriátrica ampla seja aplicada somente naqueles idosos de risco, reduzindo custos e otimizando o acesso deles às equipes geriá- trico-gerontológicas especializadas. No quadro a seguir, demonstramos a correspondência entre os diversos instrumentos utilizados na prática clínica, com graus de complexidade distintos, mas complementares. A utilização de determinado instrumento dependerá, portanto, da com- plexidade do caso e da disponibilidade de equipes geriátrico-gerontoló- gicas especializadas. recomendamos, agora, a leitura do guia de bolso Avaliação multidimensional do idoso: instrumentos de rastreio, no qual inserimos todo o conteúdo teórico necessário para a compreensão dos diversos testes amplamente utilizados na avaliação funcional do idoso. após a leitura, assista aos filmes disponíveis no ava, que apresentam exemplos reais da aplicação dos instrumentos de rastreio. 136 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa Q u ad ro 7 – A va li aç ão m u lt id im en si o n al d o i d o so h ie ra rq u iz ad a A te n çã o B ás ic a A te n çã o S ec u n d ár ia A te n çã o T er ci ár ia pr of is si on al d e n ív el M éd io M éd ic o G en er al is ta c en tr o de r ef er ên ci a do id os o es pe ci al id ad es A ti vi d ad es d e V id a D iá ri a Fa ze r co m pr as es ca la d e La w to n- Br od y Ín di ce d e K at z la ze r, tr ab al ho e in te ra çã o so ci al es ca la d e La w to n- Br od y Ín di ce d e Pf fe ff er Ín di ce d e K at z M ed id a de in de pe nd ên ci a Fu nc io na l ( M iF ) c on tr ol e fin an ce iro re al iz aç ão d e pe qu en os t ra ba lh os d om és tic os to m ar b an ho C o g n iç ão a lg um f am ili ar o u am ig o fa lo u qu e vo cê e st á fic an do e sq ue ci do ? a ut op er ce pç ão : F= p; F > p; F < p a va lia çã oec ol óg ic a M in ie xa m e do es ta do M en ta l (M ee M ) re co nh ec im en to d e Fi gu ra s li st a de p al av ra s do c er ad Fl uê nc ia v er ba l te st e do r el óg io a va lia çã o n eu ro ps ic ol óg ic a Fo rm al es se e sq ue ci m en to e st á pi or an do n os ú lti m os m es es ? es se e sq ue ci m en to e st á im pe di nd o a re al iz aç ão d e al gu m a at iv id ad e do c ot id ia no ? H u m o r n o úl tim o m ês , v oc ê fic ou c om d es ân im o, tr is te za o u de se sp er an ça ? ve rs ão s im pl ifi ca da -5 da e G d c rit ér io s do d SM -iv ve rs ão s im pl ifi ca da -1 5 da eG d v er sã o c rit ér io s do d SM -iv es ca la d e H am ilt on c rit ér io s do d SM -iv n o úl tim o m ês , v oc ê pe rd eu o in te re ss e ou p ra ze r em a tiv id ad es a nt er io rm en te pr az er os as ? M o b ili d ad e a lc an ce , pr ee ns ão e pi nç a vo cê é in ca pa z de e le va r os b ra ço s ac im a do ní ve l d o om br o? a va lia çã o do m em br o su pe rio r a va lia çã o fe ita p or es pe ci al is ta vo cê é in ca pa z de m an us ea r ou s eg ur ar pe qu en os o bj et os ? po st ur a, m ar ch a e tr an sf er ên ci a vo cê t ev e du as o u m ai s qu ed as n o úl tim o an o? Ti m ed u p an d go te st / G et u p an d go t es t te st e de R om be r N ud ge T es t eq ui líb rio u ni po dá lic o es ca la d e a va lia çã o do eq ui líb rio e d a M ar ch a de Ti nn et i es ca la P er fo m an ce -O rie nt ed M ob ili ty A ss es sm en t (p om a) a va lia çã o c om pu ta do riz ad a da M ar ch a vo cê t em d ifi cu ld ad e pa ra c am in ha r ca pa z de im pe di r a re al iz aç ão d e al gu m a at iv id ad e do co tid ia no ? 137 Processo de envelhecimento e bases da avaliação multidimensional do idoso A te n çã o B ás ic a A te n çã o S ec u n d ár ia A te n çã o T er ci ár ia pr of is si on al d e n ív el M éd io M éd ic o G en er al is ta c en tr o de r ef er ên ci a do id os o es pe ci al id ad es M o b ili d ad e c ap ac id ad e ae ró bi ca / m us cu la r vo cê t em a lg um a da s qu at ro c on di çõ es ab ai xo r el ac io na da s? • pe rd a de p es o nã o in te nc io na l d e 4, 5 kg o u 5% d o pe so c or po ra l n o úl tim o an o ou 6 k g no s úl tim os 6 m es es o u 3 kg n o úl tim o m ês ; • iM c m en or q ue 2 2 kg /m 2 ; • c irc un fe rê nc ia d a pa nt ur ril ha < 3 1 cm ; • te m po g as to n o te st e de v el oc id ad e da m ar ch a (4 m ) > 5 s eg ; a na m ne se nu tr ic io na l de ta lh ad a a va lia çã o da ve lo ci da de d a m ar ch a co m cr on ôm et ro Fo rç a de p re en sã o pa lm ar te st e de c am in ha da d e 6 m in ut os M in i-a va lia çã o n ut ric io na l (M a n ) d ex a / tc / rM p ar a m ed id a da c om po si çã o co rp or al bi oi m pe da ci om et ria Sh or t Ph ys ic al P er fo rm an ce Ba tt er y (S pp b) Fo rç a de f le xã o/ ex te ns ão do jo el ho c on tin ên ci a es fin ct er ia na vo cê p er de u rin a ou f ez es , s em q ue re r, em al gu m m om en to ? a na m ne se d et al ha da da f un çã o m ic ci on al d iá rio m ic ci on al es tu do u ro di nâ m ic o C o m u n ic aç ão vo cê t em p ro bl em as d e vi sã o ca pa ze s de im pe di r a re al iz aç ão d e al gu m a at iv id ad e do co tid ia no ? a va lia çã o qu al ita tiv a Sn el le n si m pl ifi ca do c on su lta o ft al m ol óg ic a vo cê t em p ro bl em as d e au di çã o ca pa ze s de im pe di r a re al iz aç ão d e al gu m a at iv id ad e do co tid ia no ? a va lia çã o qu al ita tiv a te st e do s us su rr o a ud io m et ria c on su lta ot or rin ol ar in go ló gi ca C o m o rb id ad es M ú lt ip la s vo cê t em a lg um a da s tr ês c on di çõ es a ba ix o re la ci on ad as ? • c in co o u m ai s do en ça s cr ôn ic as ; • u so r eg ul ar d e ci nc o ou m ai s m ed ic am en to s di fe re nt es , t od o di a; • in te rn aç ão r ec en te n os ú lti m os 6 m es es . a va lia çã o do s si st em as f is io ló gi co s pr in ci pa is p el o m éd ic o ge ne ra lis ta (r ev is ão d os si st em as ) a va lia çã o do s si st em as fis io ló gi co s pr in ci pa is p el o ge ria tr a a va lia çã o po r es pe ci al is ta s: ca rd io lo gi a, n eu ro lo gi a et c. Q u ad ro 7 – A va li aç ão m u lt id im en si o n al d o i d o so h ie ra rq u iz ad a (c o n t. ) Fo nt e: F on te : c a b 19 (b ra Si l, 2 01 4) . 138 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa O caso de d. Cristina Dona Cristina, 82 anos, viúva, leucodérmica, com baixa escolaridade (dois anos), moradora na Rua Maranhão
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