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Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP Faculdade de Direito Caique de Souza O novo delito de tráfico de pessoas: Analise do Artigo 149-A do Código Penal Piracicaba – SP 2017 Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP Faculdade de Direito Caique de Souza O novo delito de tráfico de pessoas: Analise do Artigo 149-A do Código Penal Trabalho acadêmico apresentado à disciplina de Direito Penal II (Parte Especial), como requisito avaliativo do 5º semestre da Faculdade de Direito, da Universidade Metodista de Piracicaba. Orientador: Prof. Dr. José Luiz Joveli. Piracicaba – SP 2017 RESUMO O presente trabalho acadêmico tem como objetivo discorrer sobre o delito de tráfico de pessoas no âmbito jurídico e processual. Será analisado o artigo 149-A do Código Penal, bem como a evolução histórica das legislações estabelecidas para combater e tráfico de pessoas, em âmbito nacional e internacional. PALAVRAS-CHAVE: Tráfico; Pessoas; Mulheres; Crianças; Código Penal; Convenção; Internacional; Repressão; Lenocínio; Prostituição; Transplante-de- Órgãos. SUMMARY The objective of this academic work is to discuss the crime of trafficking in persons in the legal and procedural sphere. Article 149-A of the Criminal Code will be analyzed, as well as the historical evolution of the legislation established to combat and traffic in persons, nationally and internationally. KEY WORDS: Traffic; People; Women; Children; Criminal Code; Convention; International; Repression; Littering; Prostitution; Organ transplantation. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO.......................................................................................................01 2. O TRÁFICO DE MULHERES.................................................................................03 2.1. Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890 – Código Penal................................03 2.2. Depois da Lei nº 2.992, de 25 de setembro de 1915..........................................04 2.3. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal.....................05 3. O TRÁFICO DE PESSOAS....................................................................................08 3.1. Depois da Lei nº 11.106/2005.............................................................................09 3.2. Depois da Lei nº 12.015/2009.............................................................................10 3.3. Depois da Lei nº 13.344/2016.............................................................................14 3.3.1. Artigo 149-A, do Código Penal.........................................................................16 3.3.1.1. Da sobreposição do novo delito....................................................................18 3.3.2. Alterações no Código de Processo Penal........................................................21 3.3.3. A remoção de órgãos humanos.......................................................................23 4. CONCLUSÃO.........................................................................................................25 5. BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................27 1 1. INTRODUÇÃO Na Inglaterra, em 1885, foi publicada a primeira lei incriminadora do tráfico de mulheres, denominada Criminal Law Amendment. O crime tráfico de seres humanos, ao longo da história, manifestou-se em diversos momentos. Inicialmente ligado à escravidão, no seu sentido originário, tomou impulso no final do século XIX e início do século XX, com o tráfico de mulheres brancas para fins de exploração sexual e prostituição, fomentando a elaboração dos primeiros instrumentos internacionais. Os principais tratados internacionais que trataram do tema tráfico de pessoas ao longo da história foram a Conferência Internacional de Paris (1902); o Acordo para a Repressão do Tráfico de Mulheres Brancas (1904); a Convenção Internacional para a Supressão do Tráfico de Escravas Brancas (1910); a Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças (1921); a Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres Maiores (1933), emendado em 1947; a Convenção e Protocolo Final para a Repressão do Tráfico de Pessoas e do Lenocínio (1949); a Convenção para a Supressão do Tráfico de Pessoas e da Exploração da Prostituição de Outrem (1949); e o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças (2000), elencando em seu artigo 3º, a definição de tráfico de pessoas.1 1 “A expressão ‘tráfico de pessoas’ significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos.” – Artigo 3º, alínea “a”, do “Protocolo adicional à Convenção das Nações Unidas contra o crime organizado transnacional relativo à prevenção, repressão e punição do Tráfico de Pessoas, em especial mulheres e crianças”, promulgado pelo Decreto nº 5.017, de 12 de março de 2004. 2 No direito penal brasileiro, o Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil, de 1890, trouxe pela primeira vez a criminalização do tráfico de mulheres em seu artigo 278. O Código Penal de 1940 manteve a criminalização do delito tráfico de mulheres, no artigo 231. Posteriormente, o referido diploma legal sofreu duas alterações legislativas promovidas nos anos de 2005 e 2009. A Lei nº 11.106/2005 afastou a condição de gênero e estabeleceu normas de criminalização do tráfico internacional de pessoas e passou a criminalizar o tráfico interno de seres humanos (artigos 231 e 231-A). A Lei nº 12.019/2009 buscou construir um conceito de crime sexual fundado na dignidade da pessoa humana, representou um avanço muito importante no enfrentamento ao tema tráfico de pessoas (artigos 231 e 231-A). A Lei nº 13.344/2016 revogou expressamente os artigos 231 e 231-A, do Código Penal, levando a previsibilidade dos crimes de tráfico internacional de pessoas e tráfico interno de pessoas para fins de exploração sexual para o artigo 149-A, do Código Penal. Além de questões gerais e propedêuticas (princípios, forma de prevenção etc.), essa lei também tem importantes dispositivos penais e processuais. No atual cenário mundial, o tráfico de seres humanos afirma-se como um fenômeno em ascensão. 3 2. O TRÁFICO DE MULHERES O comércio carnal não tem fronteiras. Temos tomado conhecimento, com uma frequência assustadora, pelos meios de comunicação de massa, sobre o grande número, principalmente de mulheres, que partem do Brasil para o exterior, especialmente para os países da Europa, iludidas com promessas de trabalho, ou, até mesmo, com propostas de casamento para, na verdade, exercerema prostituição.2 “O contrário também ocorre, ou seja, mulheres estrangeiras são aliciadas para se prostituírem no Brasil, mesmo que com uma frequência menor, em virtude do pequeno valor de nossa moeda.”3 2.1. Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890 – Código Penal. A partir do final do século XIX, já abolida a escravidão, a preocupação passa a ser com o tráfico de escravas brancas para fins de exploração sexual. No Brasil, o Código Criminal do Império não previa o crime de lenocínio, mas este foi incluído no Código Penal de 1890, período de intensa migração.4 O tráfico de pessoas, no início, com o advento do Código Penal de 1890 (Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890), porém, só tratava sobre o tráfico da mulher, contendo a seguinte redação: Artigo 278. Induzir mulheres, quer abusando de sua fraqueza ou miséria, quer constrangendo-as por intimidações ou ameaças, a empregarem-se no tráfico da prostituição; prestar-lhes, por conta própria ou de outrem, sob sua ou alheia responsabilidade, assistência, habitação e auxílios para auferir, direta ou indiretamente, lucros desta especulação: Penas – de prisão Celular5 por um a dois anos e multa de 500$ a 1:000$0006.7 2 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 13ª Edição. Niterói, RJ: Impetus, 2016. p. 177. 3 Idem. p. 178. 4 RODRIGUES, Thaís de Camargo – Tráfico Internacional de Pessoas para fins de exploração sexual. – São Paulo – Editora Saraiva, 2013. 5 Privação de liberdade, em regime fechado, cumprida em penitenciária. 6 500 réis a 1 milhão de réis (1 conto de réis). 7 BRASIL. Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890 – Código Penal. Senado Federal. 4 2.2. Depois da Lei nº 2.992, de 25 de setembro de 1915. O problema do tráfico era persistente, não só no Brasil, mas em todo o globo terrestre, então, começaram a surgir organizações a nível internacional para combater esse mal. “O primeiro registro que se tem é a Conferência de Paris em 1902, que tinha como principal objetivo a repressão ao tráfico de pessoas, a princípio apenas no combate ao tráfico de mulheres brancas, o documento ficou conhecido como Protocolo de Paris, em 1904.”8 Após alguns embates dobre o tema, no dia 25 de setembro de 1915, foi promulgada a Lei nº 2.992, que alterou o artigo 278, do Código Penal, a fim de trazer uma pena mais severa para o delito do tráfico de mulheres à fim de prostituição. A alteração deixou a seguinte redação: Artigo 278. Manter ou explorar casas de tolerância, admitir na casa em que residir, pessoas de sexos diferentes, ou do mesmo sexo, que ali se reúnam para fins libidinosos; induzir mulheres, quer abusando de sua fraqueza ou miséria, quer constrangendo-as por intimidação ou ameaças a entregarem-se á prostituição; prestar, por conta própria ou de outrem, sob sua ou alheia responsabilidade, qualquer assistência ou auxilio ao comércio da prostituição: Pena – de prisão Celular9 por um a três anos e multa de 1:000$ a 2:000$00010. § 1º Aliciar, atrair ou desencaminhar, para satisfazer as paixões lascivas de outrem, qualquer mulher menor, virgem ou não, mesmo com o seu consentimento; aliciar, atrair ou desencaminhar, para satisfazer ás paixões lascivas de outrem, qualquer mulher maior, virgem ou não empregando para esse fim ameaça, violência, fraude, engano, abuso de poder ou qualquer outro meio de coação; reter, por qualquer dos meios acima referidos, ainda mesmo por causa de dividas contraídas, qualquer mulher maior ou menor, virgem ou não, em casa de lenocínio, obrigá-la a entregar-se á prostituição: Pena – as do dispositivo anterior.11 § 2º Os crimes de que trata o art. 278 e e § 1º do mencionado artigo serão puníveis no Brasil ainda que um ou mais atos constitutivos das 8 LAZZURI, Milena Sabatini. Tráfico Internacional de Pessoas para Fins de Exploração Sexual. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVIII, n. 137, junho de 2015. 9 Privação de liberdade, em regime fechado, cumprida em penitenciária. 10 Mil réis a 2 milhões de réis (2 contos de réis). 11 Prisão Celular por dois a três anos. 5 infracções neles previstas tenham sido praticados em país estrangeiro. § 3º Nas infracções de que trata este artigo haverá lograr a ação penal: a) por denúncia do Ministério Público; b) mediante queixa da vítima ou de seu representante legal; c) mediante denuncia de qualquer pessoa.12 2.3. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Em 1933 houve uma nova convenção intitulada Repressão de Tráfico de Mulheres Maiores, a qual considerou o tráfico em seu artigo primeiro, como: “[...] the acts of procurimg, enticing or leading away, even with her consent, a woman or girl of full age, for immoral purposes to be carrie out in another country (Tradução: Os atos de aquisição, sedução ou afastamento, mesmo com o consentimento, de uma mulher ou de uma rapariga de maioridade, para fins imorais a serem realizados em outro país.).” Apresentou-se relevante haja vista que passou a criminalizar o recrutamento que obtivesse a exploração posterior da prostituição, mesma que tenha havido o consentimento da vítima. Também deve ser ressaltado que, a partir desse tratado, o viés abolicionista prevaleceu sobre as tendências regulacionistas e passou a ser adotado pelas legislações locais, a partir de então.13 No Brasil, com o advento do novo Código Penal (Decreto-Lei 2.828, de 07 de dezembro de 1940), o tráfico de mulheres foi tratado no artigo 231, e teve as suas qualificações nos artigos 232, 223 e 224, contendo as seguintes redações: Tráfico de mulheres Art. 231 - Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de mulher que nele venha exercer a prostituição, ou a saída de mulher que vá exercê-la no estrangeiro: Pena - reclusão, de três a oito anos. § 1º - Se ocorre qualquer das hipóteses do § 1º do art. 227: Pena - reclusão, de quatro a dez anos. § 2º - Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude, a pena é de reclusão, de 5 (cinco) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência § 3º - Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa. 12 BRASIL. Lei nº 2.992, de 25 de setembro de 1915. Modifica os artigos. 266, 277 e 278 do Código Penal (Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890). Senado Federal. 13 ARY apud DOEZEMA, 2002. p. 23. 6 Bem como as figuras qualificadas: Art. 232 - Nos crimes de que trata este Capítulo, é aplicável o disposto nos arts. 223 e 224. Formas qualificadas Art. 223 - Se da violência resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de quatro a doze anos. Pena - reclusão, de oito a doze anos. Parágrafo único - Se do fato resulta a morte: Pena - reclusão, de oito a vinte anos. Pena - reclusão, de doze a vinte e cinco anos. Presunção de violência Art. 224 - Presume-se a violência, se a vítima: a) não é maior de catorze anos; b) é alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância; c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência. Com tal redação, o tráfico de mulheres tinha como objeto jurídico a moralidade pública sexual; o sujeito ativo poderia se qualquer pessoa; o sujeito passivo só poderia ser mulher (sem dependência de sua honestidade); o tipo objetivo poderia ser o que promover (dar causa, executar) ou facilitar (tonar mais fácil, ajudar), devendo visar: a) à entrada, no território nacional, de mulher que venha exercer a prostituição; b) à saída de mulher que vá exercê-la no estrangeiro.14 Observe-se que a lei falava, simplesmente,“mulher” (no singular), não exigindo a pluralidade delas, apesar da rubrica do artigo 231; nem faz distinção quanto à sua condição de prostituta ou mulher honesta, bastando que ela venha ou saia com a finalidade de exercer o meretrício. Sendo a entrada o que se pune, a mera passagem pelo país não se enquadra na infração (em igual sentido: H. Fragoso, Lições D. Penal, 14 DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 3ª Edição – Atualizada e ampliada por Roberto Delmanto. – Rio de Janeiro: Renovar, 1991. p. 374. 7 1965, parte especial, III/699; contra: Margalhães Noronha, D. Penal, 1979, III/282). O consentimento da vítima e o fim de lucro (vide §3º.) são indiferentes à tipificação.15 O tipo subjetivo era o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de promover ou facilitar, ciente do propósito da mulher de dedicar-se à prostituição. Para a doutrina tradicional era o “dolo genérico”; além de não haver a previsão da modalidade culposa. A consumação se dava com a efetiva entrada ou saída do território nacional, sendo desnecessário que a mulher exercitasse a prostituição. Admitia-se a tentativa; e a ação penal era publica incondicionada, da competência da Justiça Federal, conforme o artigo 109, inciso V16, da Constituição Federal de 1988.17 Havia também uma pena maior (Reclusão, de quatro a dez anos) por conta da idade da vítima (maior de catorze e menor de dezoito anos) ou pela remissão (ação ou efeito de remeter, de encaminhar a um determinado ponto18) da autoridade do agente (ascendente, descendente, marido, irmão, tutor ou curador, ou pessoa a que esteja confiada para fins de educação, de tratamento ou de guarda), previstas no §1º do artigo 227 do Código Penal. Havendo violência física, presumida (artigo 232 c/c artigo 224 do Código Penal), grave ameaça (promessa idônea de mal sério) ou fraude (ardil, artificio), a reclusão era de cinco a doze anos, além do concurso material com a pena correspondente à violência. Por fim, se o crime cometido com fim de lucro, além da pena reclusiva, aplicava- se também multa. 15 Idem. p. 375. 16 “Aos juízes federais compete processar e julgar: Os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente.” 17 DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 3ª Edição – Atualizada e ampliada por Roberto Delmanto. – Rio de Janeiro: Renovar, 1991. p. 375. 18 HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa / elaborado pelo Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa S/C Ltda. 1ª edição. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. p. 1642. 8 3. O TRÁFICO DE PESSOAS Em 21 de março de 1950, a Convenção das Nações Unidas destinada à repressão do tráfico de pessoas e do lenocínio, foi concluída, em Nova Iorque, assinada pelo Brasil em 5 de outubro de 1951 e aprovada pelo Decreto Legislativo nº 6, de 1958, tendo sido depositado o instrumento de ratificação na ONU em 12 de setembro de 1958.19 Havia uma preocupação em nível internacional no que diz respeito ao tráfico de pessoas com o fim de serem exploradas sexualmente, mediante, principalmente, o exercício da prostituição. Era necessário que a legislação brasileira se adequa-se aos parâmetros assinados junto ao tratado internacional, porém, como nos anos seguintes os cenários político e financeiro foram afetados no Brasil, apenas 45 anos mais tarde a transformação começou a ser executada. Houve a criação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, criada pelo Requerimento nº2 de 2003, para investigar as situações de violência e redes de exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil, que apontou algo muito importante: Na questão do tráfico para fins sexuais, a globalização joga um papel fundamental: “facilitado pela tecnologia, pela migração, pelos avanços dos sistemas de transporte, pela internacionalização da economia e pela desregulamentação dos mercados, o tráfico, no contexto da globalização, articula-se a mercados e a atividades criminosas, movimentando enormes somas de dinheiro. Os mercados locais e globais do crime organizado, das drogas e do tráfico para fins sexuais, como por exemplo, a Yakusa, as Tríades Chinesas, a Máfia Russa e os Snake Heads, são responsáveis pela transação de quase um bilhão de dólares no mercado internacional de tráfico humano”.20 19 Em 8 de outubro, foi promulgada pelo Decreto nº 46.981, publicado no Diário Oficial de 13 de outubro de 1958. 20 Diário do Senado Federal, relatório nº1, de 2004 – CN (final), p. 56. 9 Os fatores colaboradores para o aumento do tráfico de pessoas são: os econômicos, feminização da pobreza e a migração feminina, discriminação baseada em gênero, o crescimento da indústria de entretenimento e sexo, leis e políticas sobre imigração, leis deficientes, os conflitos armados, a corrupção das autoridades, as práticas culturais e religiosas, baixo nível educativo, falta de oportunidades, situações familiares em que existam casos de abuso sexual ou violência, falta de informação e ingenuidade. O tráfico de seres humanos não versa exclusivamente sobre a finalidade de exploração sexual, possui outras formas de exploração, como a extração de órgãos, tecidos e células humanas; exploração do trabalho forçado ou escravo; quaisquer outras modalidade degradantes (casamentos forçados, adoções ilegais, exploração da mendicância). 3.1. Depois da Lei nº 11.106/2005 Só com a promulgação da Lei nº 11.106, de 28 de março de 2005, conseguiu- se modificar a redação original do artigo 231 do Código Penal. Também houve a criação do artigo 231-A do Código Penal, para diferenciar o tráfico interno de pessoas, com o tráfico internacional; conferindo-nos as seguintes redações: Tráfico internacional de pessoas Art. 231. Promover, intermediar ou facilitar a entrada, no território nacional, de pessoa que venha exercer a prostituição ou a saída de pessoa para exercê-la no estrangeiro: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa. § 1º - Se ocorre qualquer das hipóteses do § 1º do art. 227: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa. § 2o Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude, a pena é de reclusão, de 5 (cinco) a 12 (doze) anos, e multa, além da pena correspondente à violência. 10 Tráfico interno de pessoas Art. 231-A. Promover, intermediar ou facilitar, no território nacional, o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento da pessoa que venha exercer a prostituição: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa. Parágrafo único. Aplica-se ao crime de que trata este artigo o disposto nos §§ 1o e 2o do art. 231 deste Decreto-Lei.21 Depois das modificações as infrações penais passaram a ser chamadas de “tráfico internacional de pessoas”, e “tráfico interno de pessoas”, além disso, os homens e as mulheres já podiam figurar como sujeitos passivos do delito, pois, antes só avia previsão para a mulher. 3.2. Depois da Lei nº 12.015/2009 Como a redação dada pela Lei nº 11.106, de 28 de março de 2005, ainda não estava adequada com os parâmetros exigidos pela Convenção Internacional, o Legislador “voltou a alterar o antigo nomen juris do artigo 231 (“Tráfico internacional de pessoas”) para ‘Tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual’, bem como modificou o caput e os §§ 1º e 2º, e acrescentou o § 3º.”22 A Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, reformouo Código Penal Brasileiro para acrescentar o elemento nuclear do tipo “exploração sexual” no caput do art. 231. Manteve, ainda, a “prostituição”, bem como a dispensabilidade da análise do consentimento: mesmo que a vítima esteja de acordo e tenha plena consciência de irá se prostituir, e que não permaneça em condições degradantes, tampouco tenha sua liberdade cerceada e seus documentos retidos, vai configurar tráfico de pessoas. Também “alterou o antigo 21 BRASIL. Lei nº 11.106, de 28 de março de 2005. Altera os arts. 148, 215, 216, 226, 227, 231 e acrescenta o art. 231-A ao Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal e dá outras providências. 22 DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; DELMANTO JUNIOR, Roberto; DELMANTO, Fabio M. De Almeida. Código Penal Comentado. 9ª edição. Revisada, atualizada e ampliada. – São Paulo: Saraiva, 2016. p. 1007. 11 nomen juris do artigo 231-A (“Tráfico interno de pessoas”) para ‘Tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual’, modificou o caput, cancelou o antigo parágrafo único e acrescentou os §§ 1º a 3º.”23 O resultado das alterações nos artigos 231 e 231-A do Código Penal, concretizou nas seguintes redações: Tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro. Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos. § 1º - Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la. § 2º - A pena é aumentada da metade se: I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato; III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude. § 3º - Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.” Tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual Art. 231-A. Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. § 1º - Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la. § 2º - A pena é aumentada da metade se: I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato; 23 DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; DELMANTO JUNIOR, Roberto; DELMANTO, Fabio M. De Almeida. Código Penal Comentado. 9ª edição. Revisada, atualizada e ampliada. – São Paulo: Saraiva, 2016. p. 1010. 12 III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude. § 3º - Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.24 Com a nova alteração do artigo 231-A, o legislador manteve os mesmos núcleos, que foi constituído na lei anterior, ou seja, promover e facilitar o trânsito de pessoas destinadas à prostituição ou outras formas de exploração sexual. Nos dias atuais, infelizmente, é muito comum que se ocorra esse tipo de comportamento, destinado ao “turismo do sexo”, como explica Eva T. Silveira Faleiros: É o comércio sexual, em cidades turísticas, envolvendo turistas nacionais e estrangeiros e principalmente mulheres jovens, de setores pobres e excluídos, de terceiro mundo. O principal serviço sexual comercializado no turismo sexual é a prostituição, Inclui-se neste comércio a pornografia (Shows eróticos); (...) O turismo sexual é, talvez, a forma de exploração sexual mais articulada com atividades econômicas, no caso com o desenvolvimento do turismo. Marcel Harzeu, pesquisador da área, aponta as situações de trânsito como importante fator de ruptura de limites e padrões culturais e de liberalização sexual. As redes de turismo sexual são as que promovem e ganham com o turismo: agências de viagem, guias turísticos, hotéis, restaurantes, bares, barracas de praia, boates, casas de show, porteiros, garçons, taxistas. O turismo e as redes de turismo sexual incluem-se numa economia globalizada.25 No tocante ao artigo 231, do Código Penal, podemos classificar que o objeto jurídico e a proteção da dignidade sexual e a liberdade sexual; o sujeitos ativo e 24 BRASIL. Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009. Altera o Título VI da Parte Especial do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, e o art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do inciso XLIII do art. 5o da Constituição Federal e revoga a Lei no 2.252, de 1o de julho de 1954, que trata de corrupção de menores. 25 FAVEIROS, Eva T. Silveira. A exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil: reflexões teóricas, relatos de pesquisa e intervenções psicossociais. p. 79. 13 passivo pode ser qualquer pessoa; o tipo objetivo é o de promover e facilitar à entrada ou saída do território brasileiro para que nele venha exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual; o tipo subjetivo é o dolo; a consumação dar-se-á na efetiva entrada ou saída do país, sendo desnecessário o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual; e cabe tentativa, pois, “embora também exista discussão doutrinaria nesse sentido, entendemos perfeitamente possível o reconhecimento da tentativa, haja vista tratar-se de crime plurissubsistente, no qual se pode fracionar o iter criminis.”26 Seguindo essa linha de raciocínio, afirma Edgar Magalhães Noronha: Se um lenão desenvolveu a atividade necessária junto à vítima, convencendo-a de exercer o meretrício no estrangeiro, preparando- lhe os papéis, provendo-a do indispensável para a viagem etc., e, tudo isso feito, é preso quando penetrava, em sua companhia o navio surto em porto nacional, não cremos se possa dizer que não houve tentativa de tráfico, tráfego ou transporte, destinado ao meretrício. Trata-se de crime que admite fracionamento, podendo ser interrompido antes do momento consumativo e, assim, ser tentado.27 Quanto ao artigo 231-A, do Código Penal, pode-se classificar que o objeto jurídico é a proteção da dignidade sexual e a liberdade sexual; os sujeitos ativo e passivo podem ser qualquer pessoa; o tipo objetivo é o de promover e facilitar o deslocamento dentro território brasileiro para que nele venha exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual; o tipo subjetivo é o dolo; a consumação é tida com o deslocamento, independentemente do exercício efetivo da prostituição ou da sujeição à exploração sexual; e também cabe tentativa, pois, “o agente pode ter praticado qualquer um dos comportamentos previstos pela figura típica, mas se a pessoa prostituição não conseguir levar a efeito o comércio carnal por circunstâncias26 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 13ª Edição. Niterói, RJ: Impetus, 2016. p. 181. 27 NORONHA, Edgard Magalhães. Código penal comentado. p. 825-826. 14 alheias a vontade do agente, podemos concluir pela possibilidade de ser responsabilizado pelo delito em sua modalidade tentada.”28 3.3. Depois da Lei nº 13.344/2016 O Protocolo de Palermo29 prevê como um de seus objetivos o combate ao tráfico de pessoas e a cooperação entre os Estados-partes, impondo a criminalização da conduta definida como tráfico de pessoas, e esboçou o que a doutrina chama de “4 Ps”: prevenção, persecução (repressão), proteção e parceria entre Estado e sociedade civil. No Brasil, em cumprimento às obrigações assumidas pela ratificação do Protocolo de Palermo, foi editada a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, edificada com a participação de setores do governo e da sociedade civil.30 Foi publicada no dia 7 de outubro de 2016 a Lei nº 13.344/16, que trata dos crimes de tráfico interno e internacional de pessoas. No artigo 1º, a lei estabelece a sua aplicação para o tráfico de pessoas cometido no território nacional contra vítima brasileira ou estrangeira e no exterior contra vítima brasileira, não sendo aplicável ao tráfico de pessoas cometido no exterior contra vítima estrangeira. No artigo 3º, inciso VIII, aponta como diretriz do enfrentamento ao tráfico de pessoas a preservação do sigilo dos procedimentos administrativos e judiciais, nos termos da lei. 28 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 13ª Edição. Niterói, RJ: Impetus, 2016. p. 187-188. 29 Protocolo Complementar à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, promulgado pelo Decreto 5.017 de 12 de março de 2004. 30 Decreto 5.948/2006 e Decreto 7901/2013, que instituiu o Comitê Nacional de Enfrentamento ao tráfico de pessoas – CONATRAP. 15 No artigo 5º, esse diploma legal prevê que a repressão ao tráfico de pessoas ocorrerá por meio da cooperação entre órgãos do sistema de justiça e segurança, nacionais e estrangeiros; da integração de políticas e ações de repressão aos crimes correlatos e da responsabilização dos seus autores; e da formação de equipes conjuntas de investigação. No artigo 6º prevê várias formas de proteção e atendimento as vítimas, como por exemplo, o atendimento humanizado, assim como as várias formas de assistência (jurídica, social, de trabalho e emprego e de saúde). Em seu artigo 8º, a lei possibilita que o juiz, inclusive de ofício, determine medidas assecuratórias relacionadas a bens, direitos ou valores pertencentes ao investigado ou acusado, que sejam instrumento, produto ou proveito do crime de tráfico de pessoas. Da mesma forma, a referida Lei acresce ao Código de Processo Penal os artigos 13-A e 13-B, que permitem, em linhas gerais, que o Ministério Público e o delegado de polícia requisitem dados e informações cadastrais da vítima ou de suspeitos, inovação a possibilidade de que o membro do Ministério Público ou o delegado de polícia, requisitem, mediante autorização judicial, às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos do delito em curso. Referente à execução penal, alterou-se o artigo 83, inciso V, do Código Penal, para exigir do condenado pelo crime de tráfico de pessoas o cumprimento de 2/3 da pena para que possa obter o livramento condicional. Assim, o tráfico de pessoas, sem ser um crime hediondo ou equiparado a hediondo, passa a exigir essa fração superior, 16 da mesma forma que os crimes hediondos, de tráfico de drogas, de terrorismo e de tortura. 3.3.1. Artigo 149-A, do Código Penal Com o advento da nova Lei, foram revogadas as condutas descritas nos artigos 231 (Tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual) e 231-A (tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual), ambos do Código Penal. Agora as condutas passaram a vigorar no seguinte dispositivo: Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de: I - remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo; II - submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo; III - submetê-la a qualquer tipo de servidão; IV - adoção ilegal; ou V - exploração sexual. Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. § 1º A pena é aumentada de um terço até a metade se: I - o crime for cometido por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las; II - o crime for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência; III - o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função; ou IV - a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional. § 2º A pena é reduzida de um a dois terços se o agente for primário e não integrar organização criminosa.31 31 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Vade Mecum RT. 14ª edição. Revisada, ampliada e atualizada até 30/12/216 – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. 17 Como esclarece Rogério Greco, o crime dos artigos 231 e 231-A tinham como bem jurídico é “a moral pública sexual e, num sentido mais amplo, a dignidade sexual”32. Enquanto que o bem juridicamente protegido do art. 149-A é a liberdade individual, haja vista encontrar-se inserido no Capítulo intitulado Dos Crimes Contra a Liberdade Individual. O novo dispositivo não tem necessariamente por elemento subjetivo a exploração sexual, mas alternativamente a de remoção de órgãos, trabalho escravo, servidão ou de adoção ilegal. Sua consumação, no entanto, independe da efetiva concretização da vontade específica, bastando a realização de um dos núcleos do tipo mediante violência física ou moral, fraude ou abuso. As majorantes também foram alteradas, prevendo margem de um terço até a metade, nos casos em que o crime tenha sido praticado: por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las; contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência; quando o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função; ou se a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional. A pena será reduzida de um a dois terços se o agente for primário e não integrar organização criminosa. 32 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 13ª Edição. Niterói, RJ: Impetus, 2016. p. 180. 18 3.3.1.1. Da sobreposição do novo delito Ocorre que o determinado tipo penal incriminador foi expressamente revogado, mas seus elementos migraram para o tipo penal criado pela nova lei. Nesse caso, “embora aparentemente tenha havido abolição da figura típica, temos aquilo que se denomina continuidade normativo-típica.”33 Portanto, não houve abolitio criminis, apenas a conduta anteriormente incriminada permaneceu,constando em outro tipo penal. Nessa linha de pensamento, “podemos citar o que ocorreu com o revogado artigo 12 da Lei nº 6.368/1976, cujos elementos foram abrangidos pela atual figura típica constante do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006.”34 Um outro exemplo recorrente nas doutrinas, é o caso do “revogado delito de atentado violento ao pudor, cujos elementos migraram para a nova figura típica do artigo 213 do Código Penal, com a redação que lhe foi conferida pela Lei nº 12.015/2009.”35 Nesse sentido, já reconheceu o STJ: PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 306 DO CTB. ALTERAÇÃO PROMOVIDA PELA LEI N. 12.760/2012. ABOLITIO CRIMINIS. NÃO OCORRÊNCIA. CONTINUIDADE NORMATIVO-TÍPICA. 1. A ação de conduzir veículo automotor, na via pública, estando [o motorista] com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas (art. 306 da Lei n. 9.503/1997, na redação dada pela Lei n. 11.705/2008) não foi descriminalizada pela alteração promovida pela Lei n. 12.760/2012. 2. A nova redação do tipo legal, ao se referir à condução de veículo automotor por pessoa com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool, manteve a criminalização da conduta daquele que pratica o fato com concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue, nos termos do § 1º, I, do art. 306 da Lei n. 9.503/1997. Precedentes. 3. O crime de que ora se trata é de perigo abstrato, o que dispensa a demonstração de potencialidade lesiva da conduta, razão pela qual se amolda ao tipo a condução de veículo automotor por pessoa em estado de embriaguez, aferida na forma indicada pelo referido art. 306, § 1º, I, da Lei n. 9.503/1997. 4. Trata-se da aplicação 33 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, volume I. 18ª Edição. Niterói, RJ: Impetus, 2016. p. 164. 34 Idem. p. 165. 35 Idem. p. 165. 19 do princípio da continuidade normativo-típica, o que afasta a abolitio criminis reconhecida n acórdão recorrido. 5. Recurso especial provido.36 HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO ORIGINÁRIA. SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO ORDINÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. RESPEITO AO SISTEMA RECURSAL PREVISTO NA CARTA MAGNA. NÃO CONHECIMENTO. 1. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, buscando dar efetividade às normas previstas na Constituição Federal e na Lei 8.038/90, passou a não mais admitir o manejo do habeas corpus originário em substituição ao recurso ordinário cabível, entendimento que deve ser adotado por este Superior Tribunal de Justiça, a fim de que seja restabelecida a organicidade da prestação jurisdicional que envolve a tutela do direito de locomoção. 2. Tratando- se de writ impetrado antes da alteração do entendimento jurisprudencial, o alegado constrangimento ilegal será enfrentado para que se analise a possibilidade de eventual concessão de habeas corpus de ofício. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. ABOLITIO CRIMINIS. FATO QUE CONTINUOU SENDO TIPIFICADO APÓS O ADVENTO DA LEI 12.045/2009. PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE NORMATIVO-TÍPICA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. 1. Com o advento da Lei 12.015/2009, as figuras do estupro e do atentado violento ao pudor foram condensadas em um mesmo dispositivo, não havendo que se falar em abolitio criminis, estando-se diante do princípio da continuidade normativa. Doutrina. Jurisprudência. NULIDADE. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA DEFESA ACERCA DA EXPEDIÇÃO DE CARTA PRECATÓRIA PARA A OITIVA DA VÍTIMA E DE DUAS TESTEMUNHAS DE ACUSAÇÃO. PECULIARIDADES DO CASO. CERCEAMENTO DE DEFESA CARACTERIZADO. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. 1. De acordo com a Súmula 155 do Supremo Tribunal Federal, é relativa a nulidade do processo criminal por falta de intimação da expedição de precatória para inquirição de testemunha". 2. Cuidando-se de acusação da prática de delitos contra a liberdade sexual que não deixam vestígios, os quais, na maioria dos episódios, são cometidos à clandestinidade, o conjunto probatório se resume ao confronto da versão dos fatos dada pelo acusado e pela vítima, sendo certo que a jurisprudência atribui maior relevância à palavra desta última, quando exarada de forma coerente e desprovida de contradições. Precedentes. 3. Tendo em vista a natureza da infração penal denunciada, no ato processual para o qual não houve intimação da defesa foram produzidas praticamente todas as provas da instrução criminal, já que a carta precatória foi expedida para a oitiva da vítima, bem como do seu irmão e da sua genitora, arrolados na denúncia como testemunhas de acusação. 4. Constata-se, portanto, que a quase totalidade dos elementos de prova foram produzidos ao arrepio das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, insculpidas no artigo 5º, inciso LV, da Carta Magna, a autorizar o reconhecimento da nulidade do processo em razão do cerceamento de defesa caracterizado. 5. Habeas corpus não conhecido. Ordem 36 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Direito Penal. Crimes previstos na Legislação Extravagante – Crimes de Trânsito. Recurso Especial nº 1.492.642 - RS, da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Brasília, DF, 15 de Junho de 2015. 20 concedida de ofício para declarar a nulidade da ação penal a partir da expedição da carta precatória para oitiva das testemunhas de acusação, inclusive, determinando-se a expedição de alvará de soltura em favor do paciente, salvo se por outro motivo se encontrar preso.37 O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, recentemente, já posicionou favorável no sentido de que não houve abolitio criminis no artigo 149-A do Código Penal, e sim a continuidade normativo-típica, conforme o seguinte julgado: PENAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE PESSOAS. FINALIDADE. EXPLORAÇÃO SEXUAL. CÓDIGO PENAL. ART. 231, §§ 2º E 3º. CONTINUIDADE NORMATIVO-TÍPICA. ART. 149-A DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE E AUTORIA. COMPROVAÇÃO. CONDENAÇÃO MANTIDA. PENA. ALTERAÇÕES. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Recurso de apelação interposto por réu contra sentença em que foi ele condenado pela prática do delito tipificado no art. 231, §§ 2º e 3º, do Código Penal, com a redação anterior à conferida pela Lei 11.106/05. 2. Inexistência de abolitio criminis. Conduta em tese amoldada ao novel art. 149-A do Código Penal. Imputação de prática do delito de aliciar pessoas, mediante fraude, para posterior saída do território nacional com intuito de exploração sexual das vítimas. 3. Materialidade e autoria. Comprovação. Réu que atuava na coordenação do esquema, bem como no fornecimento dos meios materiais para promoção da saída das aliciadas do território nacional. Condição de partícipe (relevante) atestada, na forma do art. 29 do Código Penal. Vítimas que eram aliciadas diretamente pelo irmão do réu (cuja ação penal foi desmembrada), com falsas promessas de emprego regular na Europa como garçonetes. Chegando em solo português, eram submetidas a exploração sexual contínua, mediante coação. Comprovada, ainda, a ciência do réu quanto ao método fraudulento de promoção da saída das vítimas do território nacional. Prática da conduta típica na forma qualificada (Código Penal, art. 231, § 2º, na redação anterior à vigência da Lei 11.106/05). Condenação mantida. 4. Dosimetria. Alterações. 4.1 Pena-base reduzida, excluindo-se a valoração negativa da conduta social do réu, de maneira a evitar inaceitável bis in idem. Mantida a valoração negativa da culpabilidade, das circunstâncias do crime e da personalidade do réu. 4.2 Bem se sabe que a avaliação da personalidade de um indivíduo deve ser feita com rigorosa cautela, para que não se recaia em preconceitos ou no desvalor apenas com base em morais de maior aceitação em determinadas quadras históricas, subjetivismos vedados em ordenamento jurídicopluralista e assegurador das liberdades e de direitos individuais em geral. Ocorre que, no caso concreto, há provas no sentido de que o réu praticou crimes de diversas espécies por longo espaço de tempo, em reiterado e contínuo descumprimento das normas básicas (jurídicas e 37 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Direito Penal. Crimes contra a Dignidade Sexual – Atentado Violento ao Pudor. Habeas-corpus nº 215.444 - BA, da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Brasília, DF, 21 de Novembro de 2013. 21 sociais) de convívio humano. Conforme consta dos autos, foi o réu condenado na República Portuguesa (com trânsito em julgado) pelas práticas de sequestro, lenocínio, falsificação de documento, lesão corporal e porte ilegal de arma, condutas essas praticadas a partir de 1998. Demais disso, e conforme os relatos das vítimas constantes dos autos, praticava o acusado agressões contra elas e mesmo contra sua esposa, chegando a obrigar a própria cônjuge a se prostituir. 4.3 Reduzida a fração de majoração da pena decorrente da aplicação da regra prevista no art. 71 do Código Penal (continuidade delitiva), em linha com a jurisprudência do C. STJ a respeito do tema. 4.4 Pena de multa e valor unitário do dia-multa reduzidos. Multa que deve ser estabelecida com obediência aos mesmos critérios utilizados para fixação concreta da pena privativa de liberdade. 4.5 Mantido o regime inicial fechado para cumprimento da pena privativa de liberdade, ante as circunstâncias judiciais especialmente negativas do caso concreto. Código Penal, art. 33, § 3º. 5. Condenação mantida. Recurso defensivo parcialmente provido. Determinada expedição de ofício ao Ministério da Justiça, para posterior encaminhamento ao Reino da Espanha (onde corre processo de extradição movido em face do réu por esta República).38 3.3.2. Alterações no Código de Processo Penal Conforme o artigo 11º, da referida Lei, o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), passa a vigorar acrescido dos artigos 13-A e 13-B: Art. 13-A. Nos crimes previstos nos arts. 148, 149 e 149-A, no § 3º do art. 158 e no art. 159 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e no art. 239 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), o membro do Ministério Público ou o delegado de polícia poderá requisitar, de quaisquer órgãos do poder público ou de empresas da iniciativa privada, dados e informações cadastrais da vítima ou de suspeitos. Parágrafo único. A requisição, que será atendida no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, conterá: I - o nome da autoridade requisitante; II - o número do inquérito policial; e III - a identificação da unidade de polícia judiciária responsável pela investigação. 38 BRASIL. Tribunal Regional Federal. Região, 3. Penal e Processo Penal. Tráfico de Pessoas. Continuidade Normativo-Típica. Condenação Mantida. Apelação Criminal nº 0002955- 90.2005.4.03.6181/SP, da 11ª Turma do Tribunal Regional da 3ª Região. São Paulo, SP, 15 de Fevereiro de 2017. 22 Art. 13-B. Se necessário à prevenção e à repressão dos crimes relacionados ao tráfico de pessoas, o membro do Ministério Público ou o delegado de polícia poderão requisitar, mediante autorização judicial, às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados – como sinais, informações e outros – que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos do delito em curso. Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade –ADI Nº 5642, foi interposta em 17 de janeiro deste ano pela Associação Nacional das Operadoras de celulares –ACEL, que vem suscitando debates, devido a sua repercussão geral, sobre a inviolabilidade do sigilo e acesso aos dados e informações cadastrais de usuários dos mais diversos meios de comunicação. Na petição inicial houve o pedido de Medida Cautelar, para afastar a norma, enquanto ela é discutida no Supremo Tribunal Federal. Na Decisão do Ministro Edson Fachin, em 02 de março de 2017, não houve a concessão da Medida Cautelar, “tendo em vista a relevância da matéria debatida nos presentes autos e sua importância para a ordem social e segurança jurídica”39, e adotou o rito positivado no artigo 12º da Lei nº 9.868/1999, para possibilitar que o Supremo Tribunal Federal analise definitivamente a questão. Além disso, requisitou informações à Presidência da República e ao Congresso Nacional, bem como o colhimento das manifestações da Advogada-Geral da União e do Procurador-Geral da República. No dia 07 de abril de 2017, no parecer da Advocacia-Geral da União40, “ante o exposto, a Advogada-Geral da União manifestou-se, preliminarmente, pelo não 39 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Ação de Inconstitucionalidade nº 5.642 – DF. Decisão Monocrática do Ministro Edson Fachin. Brasília, DF, 2 de Março de 2017. 40 Assinados pela Grace Maria Fernandes Mendonça (Advogada-Geral da União), pela Isadora Maria B. R. Cartaxo de Arruda (Advogada da União / Secretária-Geral de Contencioso), e pela Maria Helena Martins Rocha Pedrosa (advogada da União). 23 conhecimento parcial da presente ação direta e, no mérito, pela improcedência dos pedidos veiculados pela requerente.”41 No dia 19 de junho de 2017, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal – ADPF, protocolou uma petição junto à Ação Direita de Inconstitucionalidade nº5.642/DF, para ser admitida como Amicus Curiae e ter todos os poderes que lhe é devido (possibilidade de apresentação de memoriais e de realização de sustentação oral, no processo, entendendo que as empresas de telefonia não podem, “ante a ausência de determinação judicial, negarem o fornecimento de informações cadastrais constantes em seu banco de dados, pois os respectivos registros não correspondem aos bens e valores jurídicos resguardados pelo artigo 5º, incisos X e XII, da Constituição da República”42; e também pediu que a ação seja julgada improcedente e declarada, em definitivo, a constitucionalidade do artigo 11º da Lei nº 13.344/2016. Não se sebe de fato quando o STF jugará a ação, mas, tudo caminha para a improcedência da mesma, causando a constitucionalidade da referida lei. 3.3.3. A remoção de órgãos humanos A Lei n.º 9.434/97, que cuida da disposição de tecidos e órgãos do corpo humano, traz elencados nos artigos 14 a 20 vários tipos penais referentes a condutas relacionadas com remoção, compra, venda, transporte, guarda ou distribuição de 41 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. O parecer da Advocacia-Geral da União, na ADI nº 5642/DF. Peças eletrônicas da ADI 5642. Disponíveis em: <http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronic o.jsf?seqobjetoincidente=5117846>. Acessado em: 20 de junho de 2017. 42 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Petição inicial da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal - ADPF, na ADI nº 5642/DF. Peças eletrônicas da ADI 5642. Disponíveis em: <http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronic o.jsf?seqobjetoincidente=5117846>. Acessado em: 20 de junho de 2017. 24 órgãos humanos, assim como realização de transplante ou enxerto sabendo que as partes do corpo humano foram obtidas em desacordo com o dispositivo da lei. A novatio legis em comento, por sua vez, que introduziu a nova norma incriminadora ao artigo 149-A do Código Penal, no entanto, carrega uma tutela penal diferenciada,pois abrange o homem em sua individualidade, na sua mais ampla liberdade, conferindo a ele todos os suportes protetivos compreendidos nos princípios da dignidade da pessoa humana, da promoção da cidadania e dos direitos humanos, dentre outros. Não havia tipificação específica para o tráfico com esta finalidade. Se houvesse a remoção de órgão, a conduta poderia se enquadrar em lesão grave ou gravíssima (art. 129, §§1º e 2º) se a vítima estivesse viva, ou destruição, subtração ou ocultação de cadáver (art. 211), se a remoção fosse em cadáver. Após a lei, se ocorrer o tráfico e a posterior remoção do órgão estaremos diante de concurso material de crimes. Trata-se de crime praticado mediante ação múltipla, com a descrição de várias condutas, representadas por verbos diferentes, inseridos no mesmo tipo penal e basta a realização de uma só delas para que seja consolidado o ilícito. Cada uma revela, dentro da elasticidade a ser retirada dos núcleos do tipo, que o agente age em seu próprio interesse ou faz parte de um grupo bem organizado, com funções aparentemente distribuídas e espalhadas nas diversas rotas, incluindo as de turismo, para a realização de transplantes, numa perfeita conexão nacional e internacional para a retirada de órgãos bem cotados no mercado negro, deixando antever a finalidade lucrativa contida na intolerável conduta, agindo sempre com emprego de grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, contra as incautas vítimas. 25 4. CONCLUSÃO Nos últimos anos, o fruto da grande pressão internacional nesta matéria, vários governos têm procurado desenvolver estratégias de combate ao tráfico de seres humanos, em especial o de mulheres. A estratégia primordial, por parte dos governos, tem sido a produção e reforço de legislação referente a este fenômeno. Esta é, sem dúvida, uma área fundamental, uma vez que apesar da intensa produção de convenções e declarações internacionais, a preocupação com a gravidade do tráfico de mulheres para fins de exploração sexual ainda não se refletiu na legislação penal de vários países. Um avanço notório do novo diploma foi a desvinculação do tráfico de pessoas com a disciplina do corpo feminino independentemente de seu consentimento. Assim, a lei foi ao encontro do Protocolo de Palermo ao prever que o consentimento da vítima é irrelevante para a caracterização do fato como tráfico de pessoas desde que o perpetrador se utilize de ameaça, força, coação ou se aproveite da situação de vulnerabilidade da vítima. Os artigos 8º ao 11º, da Lei nº 13.344/2016, alteraram o Código de Processo Penal, de forma a ampliar o rol de medidas assecuratórias e de coleta e gestão de provas. O artigo 12º, por sua vez, restringiu a concessão de livramento condicional ao condenado por tráfico de pessoas para somente após cumpridos mais de dois terços da pena, colocando a modalidade ao lado dos crimes hediondos, da prática de tortura e do tráfico de drogas. A presente lei é de suma importância para o combate contra tal prática criminosa se revelando como um avanço legislativo tendo em vista que não somente trabalha na prevenção do tráfico de pessoas, mas dispõem sobre o atendimento de 26 suas vítimas, conforme o entendimento presente no artigo 6º, à lei já em vigor, cria toda uma rede de proteção para o acolhimento e a reinserção social destas pessoas vitimadas por esta prática imoral e que atinge toda a humanidade. Certamente o combate ao tráfico de pessoas deverá se intensificar ainda mais, através da cooperação entre órgãos do sistema de justiça e segurança, nacionais e estrangeiros, a integração de políticas e ações de repressão aos crimes correlatos e da responsabilização dos seus autores, bem como da formação de equipes conjuntas e investigação. “A doutrina entende ter havido uma falha do legislador ao não contemplar a entrada de pessoa no Brasil para fins de tráfico (importação de pessoas), agravando a pena somente para quando a vítima é retirada (exportada) do Brasil para outro país.”43 Entre os pontos acertados e os que deixou a desejar, o fato é que a Lei 13.344/16 possui enorme relevância. 43 JOVELI, José Luiz. Apostila de Direito Penal IV - 2017. 27 5. BIBLIOGRAFIA BERTACO, Aline Sugahara. Tráfico de pessoas para fins de lenocínio. Disponível em: <http://intertemas.toledoprudente.edu.br/revista/index.php/Juridica/article/viewFile/78 7/761.>. Acessado em: 10 de Junho de 2017. BRASIL. 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