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Hipotiposes de Sexto Empírico

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SIÍXTOEMPÍRÍCO 
H l i ' O T rPOSES' PIRRÔ N I.CAS 
NOTA DO •I'R.\DUTOR 
Esta tradução do Livro I das Hipotiposes de Sexto Empírico foi realizada, seguindo a sugestão 
e o apoio do professor Luiz Bícca, durante o piimeiro semestre Ictivo de 2005, e entregue como 
trabalho final dc uma disciplina de pós-graduaçao ministrada pelo professor Danilo Marcondes, a 
quem devo, evidentemente, não só a feliz oportunidade de empreender esta tarefa, tnas também 
insighis flindamentais a respeito da terminologia c da "conduta" cétic^i. 
• Baseei-me tias traduções francesa, deP. Pellegrin (Esquissei;pyrrhoniejies, Editiona du Seuil, 
1997), e inglesa, de R. G. Burv' (Otiflines ofpyrrhonisin, HarN-ard Llniversity Press, 1933). Nas 
situações em que as duas traduções apresentavam soluções muito diferentes para o texto ,gi-e.go, 
consultei-o diretamente (conforme oferecido na edição de Pellegrin), e também a tradução de J. 
Anileis e J. Barnes (OtítUnes of scepticism, Cambridge University Press, 1994). Segui a nurrictação 
do texto original fornecida por Pellegrin, e inclui notas retiradas das três fontes, especialmente das 
duas primeiras. Além disso, nos capítulos I a XII., beneficiei-me, ainda, da tradução do pipfessor 
Danilo Marcondes, que foi fonte de importantes sugestões. 
No que diz respeito aos tcn.nos mais fundamentais para a argumentação dc Sexto Empírico, 
optei sempre por apresenlá-los da forma nmisHtera^ possível, tendo em mente que uma tra,dução, 
por si mesma, não pode ooljcjonar problemas filosjficos através da escolha da palavra correta. 
Assim, não traduzo "epochée" nem por "suspensão doassentimcuto", que é o equivalente em 
português para a tradução de Peííegria, nem por "suspensãp do juízo", que é a escolha de Bury, mas 
simplesmente por "suspensão", deixando a encargo do esforço particular de cada estudatite decidir 
sobre o que é, afinal, que a suspensão cética tem efeito. Pelo mesmo motivo, não segui a tradução 
inglesa, que sugeriria uma utilização extensiva do tenno "objcto" ao longo da argumentação - iiara 
fazer referência, por exemplo, aos objetos das impressões, objetos do pensamento ou objetos 
extemos - , e tampouco empreguei, com consistência inabalável, o termo "coisa", seguindo o 
"chose" da tradução francesa - o que resultaria, então, em que se falasse de "coisas externas", 
"coisas pensadas". Parecc-rac que as opções por utilizações absolutamettte consistentes de "objeto" 
' TaTifo a iradiição francesa quanto a inglesa sugcrcni, para a pala\Ta grega ln>potypoosis, termos que. em português, 
seriam eqaivaleates a "esboço". No eulsmlo, valeria obsen.'ar que hypoiypoosis passou para o latim como dcsignaçíto de 
uma figura de retórica que o dicionário Houaiss define da seguiute maneira: "de.scrição de uma cena ou siuiação com 
cores tão vivas, que faz o omnnte ou leitor ter a sensação de que as presencia pesscaiinente." 
l 
ou de "coisa" fazem com que a atmosfera polémica do texto fique carregada ou por ares de teoria do 
conJiecimcnto, ou por humores de ontojogia. Então, seguindo mais ou menos literalmente a Ungua 
grega, achei por bem não me decidir nem por coisas nem por objetos, mas fazer referência 
simplesmente a "aquilo que é pensado", ou "aquilo que aparece", utilizando, às vezes, o termo 
"coisa", mas sem qualquer.compromisso ontológjco, ao dizermos, por exemplo: "tem uma coisa que 
está me preocupando" - ou, para citai' as primeiras palavras das hipotiposes, ao dizermos: "quando 
investigamos atgiima coisa", sendo que, neste caso, especificamente, a palavra "coisa" ("pragma") 
está presente. 
Por outro lado, traduzi "hypokeimenoon" por "substancia", e "ektos hypokeimenoon" por 
"substância externa", e não por "objcto externo", seguindo .Bury, ou "coisa externa", como faz 
Pellegrin. Com isso, intenoionei tão somente sensibilizar o leitor os momentos era que .Sexto 
Etupírico utiliza este termo tão caro à tradição filosófica e que desempenha, afinal, um papel 
fundamental em um_cbs_principai^ sistemas dognT á^x[cos_ d_a_época de nosso autor, o estoicismo. 
Mmha opção, quanto a este caso, se baseou na consideração de que quem acredita que Sexto 
Empírico não faz uma utilização técnica ou dogmática do termo, deve concordar, ao mesmo tempo, 
que é justamente no fato de utilizar o termo de nianeira não-dpgmátiça - visto que 
"hypokeirrienqqn" é uma palavra do idioma grego como tantas outras, e não um concsiro que 
circula apenas em meios cieirtíficos especiaHzados - que está a crítica cética (se é qu_e_eia_exi.ste), e 
que tal crítica talvez não fosse tão visível se o autor simplesmente optasse por um outro tenno. 
Por fim, para possibilitar, ainda, uma margem de autonomia por parte do leitor, ofereço a 
transi iteração de palavras gregas (preferencialmente no nominativo singular, para os substantivo, e 
no infinitivo, para os verbos) para alguns dos termos cuja compreensão me parece mais impiicada 
uf. mterpretação do tex1:o. Tenso ter utilizado um mélocc de transi iteração suticiememeníe claro: 
utilizei, sempre que possível, letras obviamente equivalentes (a para alfa, b para beta, g para gama, 
etc); usei dz para o dzeta, th para o teta, cs para o csi, ph para o fi, ch para o qui e ps para o psi, 
indiquei o espírito fechado (o qual denota um som aspirado) através da letra h no início das 
palavras; ignorei os espíritos abertos e toda espécie de acentuação; usei y para transcrever o ipsilon 
- exceto nos ditongos ômega-ípsilon, onde utilizei u, tendo cm vista a sonoridade ec para 
transcrever o eta, e oo para o ômega (que, quando necessário, separo por um traço das suas 
ecjuivalentes curtas, como cm ete-ee, épsiloir tau, épsílon. eta). Com isso, espero fer ocasionado 
que, denire todos os problemas possíveis, esta tradução ao menos não tenlia os de ordem 
computacional. 
P. R. de Ohveira 
C.APÍKn.O I 
D A PRINCWAL DIFERENÇA EJ'-ÍTRE AS FiLOSOI^ÍAS 
[1] Aparentemente, quando empreendemos uma investigação^' sobre aigrnna coisa, segue-sc 
que ou fazemos uma descoberta; ou negamos ter feito uma descoberta, reconhecendo, assim, que a 
coisa é inaprccnsivel; ou airitinuanigs Ji;ocu_rando. [2] E por isso, provavelmente, que, no que diz 
respeito ao que é investigado ])ela filosofia, alguns afirmam terem ^eaiQbejtp a yerx^ Sli'-!!!^' 
ela não pode ser apreendida; c outros, ainda, continuam investigando^ [3] Aqueles que pensam ter 
encontrado são os chamados dogmáticas, em sentido estrito; por exemplo, os seguidores de 
Aj'istóteles e de Epicuro, os es;l;<í)cios, entre outros. Clitômaco, Caniéades e outros acadêniicos são 
partidários do inapreensivel. Os que continuam procurando são os céticos"'. [4] Assim, parece 
razoável manter que há três_tipps de filosofia: a dogmática, a académica c a cética. A respeito das 
duas primeiras, é melhor que outras pessoal falem, mas, no que cíinceme a conduta^ cética, 
apresenta-la-emos aqui em linhas gerais, tendo sempre em vista o seguinte: não asseguramos que 
nada do que será dito é exaíamenfe como dizemos, mas, como o cronista, apenas fazemos, de cada 
coisa tratada, um relato, conforme o que nos aparece no momento. 
CA.PÍTL)1.O n 
DAS Iví/vMElRAS DE SE EXPOK.' O C;E'n.ClSMO 
[S] LTma das maneiras de ss expor a filosofia cética cíiama-sc "gera!" e, a outra, "especial". A. 
geral é aquela na qual expomos as características pióprias do ceticismo: seu conceito, seus 
princípios, seus discursos, seu critério, seu fim'', os modos da suspensão, a maneira como 
compreendemos as afirmações céíicas, e os pontos que disriiiguem o ceticismo das filosofias que 
lhe são próximas. [6] A especial é aquela na qual fazemos objeções a cada uma das partes daquilo 
que se chama de filosofia. Em primeiro lugar, trataremos da maneira de exposição geral, 
começando nossa descrição com os nomes usadospara designar a conduta cética. 
CA.?ra-iLO I L I 
DAS ívOKíENCLAimAS DO CETICISMO 
" o vcrbc é dzeeieoo^ que quer dizer, literalmente, "procurar'. 
" skepiikòs 
agoogee 
^ Tratam-sc dos toeoí do ceticismo. 
3 
[7] A conduta cética é clmmada "inquiridora"' devido ao fato de que sua atividade diz respeito 
a busca e à indagação^; é chamada "suspensiva"'' a propósito da afecção^" que advém naquele que 
empreende tal busca; é chamada "aporética"^', seja porque, conforme dizem alguns, fica mantem-se 
em agoria'' e busca sempre, seja porque diz-se que ela c incapaz de dizer se dcve-se dar o 
assentimento ou recusá-io; e é cliamada também "pirrónica" porque nos parece que. _Ptn-o se 
aproxiiuou do ceticismo de uma maneira mais consistente e mais evidente do que seus 
predecessores. 
C.APÍTiJl.0 I V 
O QtJE É o CETICISMO 
[8] o ceticismo é a capacidade de colocar frente a frente'^ [ou opor], umas com as outras, da 
maneira que seja, tanto as coisas que aparecem'" quanto as coi.sas inteligíveis'', capacidade esta 
que, devido à força igual\que há nas coisas'^ e nos pensamentos'' opostos, nos faz ter à suspensão'^ 
e, em seguida, à tranquilidade''. [9] Nós a chamamos "capacidade" não em um .sentido elaborado, 
mas simplesmente no sentido de "ser capaz de". Ademais, entendemos por "coisas que aparecem" 
aquilo que é sentido^*', era contraste com aquiio que é pensado"'. E quanto á expressão "da maneira 
que seja", ela pode ser ligada a "capacidade", se lomamos o termo simplesmente, como dissemos, 
ou, também, a "colocar írente a frente tanto as coi.sa.s que aparecem quanto as coisas inteligíveis". 
Pois dizemos "da maneira que seja" uma vez que as opomos de maneiras variadas - seja as coisas 
aparentes às coisas aparentes, seja as coisas pensadas às coisas pensadas, seja as coisas aparentes às 
coisaí- pensadas de forma a assegurar a inclusão de todas as; oposições. A expressão 'da ma,neira 
que seja" pode, ainda, ser ligada a "tanto as coisas que aparecem quanto as coisas inteligívsis", para 
' ielos 
^ dzceteetiksc. de dzeeieoo. procurar. 
skfplestiia: 
' cphekiikee 
'"^ÍT/ÀOÍ, que Bun- traduz, na maioria das vezes, por "feeting'', e PelJegri.ii., sempre por "affcct". Minlia opção j)or 
"afecção" baseia-se somente em que "aíèto" evoca, parece-me, um cont.exlo psicológico um laiiio estrito deawis. 
" apoi-ecíikee 
'~ O dicionário Railíy indica principalmente os segaintes sigiiiJãcados píua o termo grego apor/o: dificuldade de seguir, 
falta de recursos, necessidade (no sentido de pobreza ou indigência), problema, dificuJdade, incerteza (parucuianneiiie 
quando sc e.stá proairando alguma coisa ou eni uma discussão). 
dynaniis anleíhikee 
phainomenoon, plural de "o que aparece" 
noouménoon, pltiral de "o que é pensado" 
"' no siiigiilar, pragma 
' ' no singular, logos: pensanienlo, discurso, raciocínio, argumento, juízo, etc. 
epoche 
ataracsia, ausência de agitação, de problemas 
~° aísíheeía: mas 'B\m' diz: "íhc objects of sense pcrccplion". 
^' naeeta 
mostrar que não investigaremos como aparece aquilo que aparece, ou como é pensado aquilo que é 
pensado, mas simplesmente tomaremos isso tudo como dad_o. 
[10] E não tomamos os "pensamentos opostos" sempre como afirmação e negação, mas 
simplesmente no sentido de pensamentos em conflito. Chamamos de "força igual" a igualdade no 
que diz respeito à credibilidade"^ ou à falta dela, de modo que nenhum, dos pensamentos em contlito 
possui qualquer superioridade sobre os outros por ser mais convincente. A "suspensão", ela é a 
estagnação do pensamento'' que se deve ao fato de que não rejeitamos nem afuinamos coisa 
alguma. E quanto à "tranquilidade", ela é a ausência contínua de perturbações, a quietude da alma 
Como a tranquilidade é trazida pela suspensão, trataremos dela no capíuilo sobre o firn do 
ceticismo."'' 
CAPÍn.Ti.o V 
Do CÉTICO 
[11] A definição da conduta cética dá conta, implicitamente, da expressão "filósofo 
pirrõnico"; ele é o homem que participa desta capacidade. 
CAPÍTUJ.O V I 
Dos PBONCÍPIOS D O CHTICISMO 
[12] Dizemos que o principio causal do ceticismo é a esperança de atingir a tranquilidade, Dc 
fato, os homens naturalmente grandiosos, perturbados pela irregularidade das coisas e em 
dificuldades"^ a respeito de a quais deias dar seu assentimento, puseram-se a fazer invesrlgíiçôes 
sobre o que é verdadeiro e o que é falso a com relação a elas, pensando que obteriam a tranquilidade 
através da distinção entre o verdadeiro e o falso. 
O princípio constitutivo cético por excelência é que a todo argumento se opõe um argmnento 
igual. Pois parece-nos que é como conseqiiência disso que não dogmarizamos. 
CAPrnjLoVll 
O cÉitco DOGMMTZA'-'''? 
" o substantivo é pisías, "o que é digno de fé" (Bailly) EscoUii não manter imia consistência obstinaciii nn tradução 
dcsie temio, o o.scilei entie seguir o caminlio de Pellegriu. ((jue usa sempre •"conviction" c, píira o verbo /'JÍKÍ-.-ÍÍ, 
"empoiter la convicUou") e o de Bur,' (que usa vários teniios, desde "probabilily" até "belief). AJUIÍI; e Ea.rnes 
oferecem, ainda, "persoasioif'. 
^ srasis dianoias 
Livro I , capitulo Xlí. 
•'^ aporeoo 
Annas e Banies: "Do sceptics hold t«lieí?", "os céticos têm crenças?" 
[13] Quando dizemos que o cético não dogmatiza, não utilizamos o termo "dogma", como 
comumenic se faz, no sentido de dizer que um dogma é o fato de aceitar uma coisa determinada 
(pois o cético dá seu assentimento" às afecções quc_llie são impostas através de uma impressão^*, 
de maneira que não diria, por exemplo, na medida que está com calor, ou com frio, que não está 
com calor, ou com frio), mas no sentido de acordo com o qual se diz que um dogma é o 
assentiment<}-tjma coisa determinada entre as coisas não-evidentes'^ que estão sendo investigadas 
cientificamente^" Pois o pirrõnico, com efeito, não dá seu assentimento a nada que seja não-
evideme. 
[14] E ele não dogmatiza nem mesmo quando, a respeito das çínsas não-evidentes, o cético 
enuncia expressões tais como "'isto não mais do que aquilo", ou "eu nada determino", ou qualquer 
uma das outras expressões das quais falaremos adiante^'. Pois aquele que dogmatiza põe como 
existente"^ a coisa a propósito da qual dogmatiza, enquanto que o cético põe tais expressões como 
não sendo absolutamente existentes. Pois ele supõe que, assim como a expressão "tudo é falso" 
anuncia sua própria falsidade tanto quanto a de todo o resto, cxDmo ocorre, tanibcm, com "nada é 
verdadeiro", também a expressão "isto não mais do que aquiio" diz que ela mesma, juntamente com 
todas as outras coisas, não é mais isto do que aquilo'"'. E dizemos o mesmo das outras expressões 
céticas. [15] Ora, se aquele que dogmatiza põe como existente aquiio sobre o que ele dogmatiza., e 
se o cético enuncia suas expressões de maneira que suas limitações recaem sobre si me.^mas, então 
não se pode dizer que o cético dogmatiza a enunciar suas expressões. Mas o essencial é que, ao 
enunciar suas expressões, o cético diz aquilo que lhe aparece, e faz um relato de sua afecção sem 
sustentar opiniões, sem afirmar nada a respeito das substâncias externas.""^ 
C/Vi^ ÍTULO IX 
o CÉTICO PERTENCE A \JMA ESCOLA? 
~' O verbo para "dar assentimento" é S)'glíataíithefni. 
phamasia, que Bury traduz qoasc sempre por "sense impressiou" e Pellegrin por "impressiou". Este último (p. 547) 
manifesta ainda que phaniasia não designa apenas impressões sensíveis, ma,s também aquelas Citie tem lugar na 
imaginaçfio, era alucinações, etc. 
O não-eNddenle c o adecloon^ que Bun' traduz por "none\'ideut" c. .Pellegrin, \xsr "obscure", termo que, arri.sco-ine a 
dizer, não capta a espccíScidade do que precisa ser indicado, que é o fato de que cenas coisas simplesinente não são 
óbvias e, diante destas, o cético sc vêlevado à suspensão. 
Os tennos envohtdos são o verbo dzeeieoo e o substa^ Ili^ '0 episteemec. 
Li\TO i , capítulos 18 a 28. 
Estão £n\'oh'idos o verbo lilhcemi (colocar, pôr, depor) e o panicípio do verbo hyparkxio, hyparkoon (aquilo que se 
encon.lra, que sc dá, que existe -Baitly). 
Especialmeilte, que não é mais certa do que errada, 
^'^ eaivcthcn hypokeimenoon 
6 
[16] Seguimos o mesmo caminho ao responder a questão sobre se o cético pertence a uma 
escola"'. Se dr/.cmos que uma escola é uma inclinação a seguir uma porção de dogmas que sc 
seguem uns aos outros assim como seguem as coisas aparentes, e dizemos que um dogma e o 
assentimento a algo que é não-evidente, então diremos que o cético não peilence a uma escola. [17] 
Mas sc declarainos que uma escola é a conduta que segue um raciocínio determinado de acordo 
com aquilo que aparece, raciocínio este que mostra como parece possível viver correrarnentc (e 
tomamos corretamente não no sentido de "^egundo a viitude", mas em um sentido mais amplo), e 
que tende a nos dar a possibilidade da suspensão, diremos, então, que o cético pertence a utna 
escola. Pois nós seguimos um raciocínio determinado que nos mostra, de acordo com a aparência, 
como viver segundo os costumes tradicionais, as leis, os modos de vida e nossas afecções prc)prias. 
CATÍTULO L X 
O CÉTICO DEDICA-SF. ÁS CIÊÍ'JCy\ N A T U R A I S ? 
[18] Dizemos algo similar ao responder a questão sobre se o cético deve dedicar-sc às ciências 
naturais: não as estudamos de maneira a poder fazer afirmações convictas a respeito dos pontos 
dogmaticamente tratados por elas. Mas, com o objetivo de colocar diante de todo argumento''" um 
argumento igual, e rendo em vista a tranquilidade, estudamos as ciências naturais. F. também desta 
maneira que lidamos com a parte lógica e a parte ética daquilo que se chama fdosofia. 
CAPm,.iI..O X 
O CÉTICO REJEITA AQUILO QUE É .APAREíTrE*^ 
[19] Parece-me que aqueles que dizem que os céticos rejeitam o que é aparente não prestatn 
atenção a o que dizemos. Pois, como dissemos antes '^, não recusamos aquiio que nos conduz ao 
assentimento involuntariamente'^^, e em conformidade com uma impressão passiva"'', e i.sto que 
assim nos conduz é precisamente aquilo que aparece. M.as quando investigamos se aquilo t|uc é 
rea1^° étal como aparece, aceitamos que ele aparece, e o que investigamos não é aquilo que aparece, 
mas aquilo que sc diz sobre o que aparece. Ora, isso é diferente de se fazer uma investigação sobre 
'""^ airciis, que Bun' traduz por '"doctriiial nile", e qne Bailly aponta como significando literalmente "iima preferê.ncia 
por uma doutrina", e por extensão, a uma escola fiJosó.fica, iiíerríjía, médica ou a um .sccio religioso. 
'° Ingos, que Pellegrin traduz aqui, por "raison" c, Bur>', por "proposiiion". 
" L i v r e i , 13 e 17.^ 
Pellegriti: "sans que nous le \'oulioiis"; Annas-tíamcs. "witlioui our willing it"; Bury; "involuntariiy". A idéía é- que 
não preci.samos ftizcr qualquer esforço específico para concordar com o que se nos é oferecido através das imprcisões. 
phaniasian patheetikeert, que Bury traduz, aqui, por ";ifl'eclive sense iiupression". íratani-sc de impressões pelas 
quais, poder-se-ia dizer, somos vitimados, que simplesmente sc díio cm nós, e q\ic não causamos de maneira algnuia. 
'"^ hypokeimenon 
aquilo mesmo que aparece. [20] Por exemplo, o,'mel nos parece ler uma ação adoçante: isto 
admitimos, pois é algo que percebemos através dos sentidos. Mas sc, além disso, o mel é doce, de 
acordo com o que se segue do argumento precedente, continuamos buscando, e isio não é o que e 
aparente, mas algo que é dito sobre o que é aparente, E se propomos argmnentos diretamente contia 
o que é aparente, não o fazemos com a intenção de rejeitar aquilo que é aparente, mas sim. de 
mostrar a precipitação dos dogmáticos. Pois se o raciocínio é tão enganador a ponto de qua.se 
arrancar aquilo que é aparente de sob nossos olhos, quanto não temos que desconfiar dele no que 
diz respeito às coisas não-cvidenr.es, para que não sejamos, por ele, levados à precipitação? 
CAPÍTULO Xi: 
Do CimTlRlO 1X3 CETICISMO 
[21] Que atentamos àquilo que é aparente, isto está claro a partir do cjue dizemos a respeito do 
critério da conduta cética. Falamos de critério.cm_,d.ois_ sentid_qs: o crhério que sc adota para nos 
convencermos da existência'" ou não-existência de qualquer coisa, do qual trataremos quando 
discutirmos sua refinação, e o critério que se adota para a ação, e de acordo com o quai íi&zemos, em 
nossas vidas, certas coisas, e deixamos de fazer outras. E deste último tipo de critério que 
trataremos agora. 
[22] Dizemos que o critério da conduta cética é a coisa aparente, implicitamente designando, 
assim, a impressão. Du: respeito a algo que, por ser um afeto"'^ ou afecção involuntária'"',, não pode 
ser objeto de investigação. Por isso, ninguém estaria disposto a discutir a sc as substâncias reais'*'' 
tem esta ou aquela aparência, o que se investiga é se elas são de fato tal como aparecem. 
[23] PonaniO, ao nos prendermos àquilo que aparece, vivemos em otise.r\'ância nãn-dogmádci;. 
das regras da \jda çiuotjrlia.na'''\á que não podemos permanecer completamente inativos. Esta 
obsei"vação das regras da vida quotidiana parece ter quatro aspectos: um consiste na direç-ão da 
natureza, outro na necessidade de nossas afecções, outro na tradição das leis e dos costuivíes e outro 
no aprendizado das artes, [24] Pela direção da natureza somos naturalmente dotados de sensação e 
de pensamento; pela necessidade das afecções, a fome nos leva à comida e a sede à bebida; pela 
hyparcsis 
peisis. uin termo utilizado, segmido BailJy, especiaiineiite no contexto da medicina (no cjual designa mwã "affecdoiv', 
algo dc que se é o eíèíto e, também, de que se soire ou p.iúece] e da filosofia (na qual designa uma "affcctíov. de ,í'.;inie", 
uma afecção da aima). Bur>- traduz assim o U'echo onde este termo está implicado; "this lies in feeling and Lnvoluníarv' 
idiection". 
páhei keiménec. O verbo keimai, segundo BaiJIy, J X J S S U Í , entre outras, as seguintes sign.i.ficações; estar estendido e 
imóvel, sor abandonado, estar inativo ou desocupado, estar infeliz ser abatido por depressão, estar situado, enccntrar-.ie 
(quando referiudo-se a depósitos de líquidos), encontrar-sc em lai ou tal estado, 
'''' hypokniinonoií. que Burs' traduz, aqui e em algumas outias situações, la[nl>cm por "underiyang objecl'', o objsio 
subjacente (às impressões, qtiiçáj. 
tradição das leis c dos costumes, consideramos a piedade'*' como boa e a impiedade como má, oelo 
aprendizado das artes'*^ , não permanecemos inativos nas artes que adotamos. Mas dizemos tudo isso 
de maneira não-dogmática. 
CAPÍTULO X Í I 
QU.AL É O FIM DQ CETíCtSMO? 
[25] Trataremos, em seguida, do fiin da conduta cética. Ora, imn fim é aquilo em vista do que 
tudo é feho ou pensado, mas que, em sí mesmo, não se dá em vista de nenhuma outra coisa. E, 
também, o objeto último de nossos desejos. Dizemos, ainda, que o fim do ceticismo é a 
tranquilidade no que diz respeito às pjiiniões e a.moderação dos afetos no que diz respeito ao que 
nos é imposto'*". [26] Pois, uma vez que se começa a filosofar tendo em vista decidir-se entre as 
impressões c saber quais são verdadeiras e quais são falsas, de maneira a alcançar a iraiiqíjilidade, 
chega-se ao desacordo entre partes^desigual força e, diante da incapacidade de decidir-se, ícm lugar 
a suspensão'*'', E, para aquele que foi ter à suspensão,,a tranqi[i!idade quanto às opini5e.s scgue-se 
forhiitamente, 
[27] De fato, aquele que afirma dogmaticamente que tal coisa é naúiralmente boa ou fná está 
exposto à uma intranquilidade ininterrupta. Quando lhe faltam as coisas que ele con.sidera boas, ele 
estimaque está perseguido pelos males naturais e, portanto, põe-se a perseguir aquilo que peni^ a 
serem os bens. Contudo, tão logo os obtém, passa a sofrer de inquietações ainda maiores, pois é 
toma.do de e?udtação sem razão nem medida e, temendo que sua sorte mude, faz tudo para não 
perder aquiio que lhe parece serem os bens. [28] Mas aquele que nada determina sobre o que é 
naturalmente bem ou mal, nem busca nem cvicn coisa alguma avidamente. • Jonseqiienten?ente, fica 
tranquilo., 
De fato, ao célico sobrevêm aquilo que se conta a respeito de Apeles'*'. Diz-se que, uma vez, 
enquanto pintava um cavalo, e tentava Imitar a espuma do cavalo, diante de seu contínuo in;".,iCssso, 
aiirou sobre a pintura a esponja que utilizava para limpar as tintas de seu pincel. Ora, ao atingir a 
pintura, a esponja provocou, nela, a imitação da espuma do cavalo, [29] Da mesn,ia maneira, os 
céticos esperavam alcançar a tranquilidade decidindo-se a respeito da irregularidade daquilo que 
Diz PcLlegrin: "nous vivons en obseivaiit Ics règJcs de la vic c|uoUdiennç sans soutenir d opinious'', ou seja, "--iveruos 
dc acordo com as regras da vida quotidiana sem sustentar opi,niÕes", 
•"^ e.usebees, a piedade religiosa. Vale lembrar, incidentaJmente, que algmis diziam que Pirro ara .sacerdote de Hades, 
technee^ que tem o sentido ds '•oficio". 
*''• Diz Bun-, "o inevitável". 
''' Nas iraduções para língua inglesa e fi-ancesa que consultei se traduz eppchee por suspensão de algo, seja do 
assentiracnto, seja do juízo, e não liá a preocupação em. ressaltar o asp<;cto passivo envolvido nesta operação. A 
suspensão, parece, é simplesmente um estado de índecisãa: ponanto, a rigor, não é algo que se realiza. Dai iriiihíi. opção 
por fazer referência à suspensão como algo que "tem lugar", que simplesmente oconre, 
"^ Pintor da corte, dc Alexandre o Grande (cerca de 350-300 a.C.) (Bury). 
aparece e que são pensadas e, sendo incapazes de fazê-lo, foram tei' à suspens<ão. Mas quando 
enquanto estavam em suspensão, a tranquilidade seguiu-se fortuitamente, como uma sombra segue 
um conpo 
Não pensamos, contudo, que o cético é completamente isento dc perturbações, mas dizemos 
que ele é perturbado por aquilo que se lhe é imposto, visto que sente frio, sede e diversas coisas 
deste tipo. [30] Mas, mesmo nestes casos, as pessoas comuns são afligidas duplamente: pelas 
afecções mesmas e. também, pela crença em que tais afecções sejam más poi' natureza, o que não 
contribui pouco para seu sofrimento. Já os céticos, por recusarem-se a adicionar, a uma 
circnnsrância, uma opinião de que ela é má por natureza, arravessam"'''-na de forma mais ;comedida. 
É por isso que dizemos que o fim do ceticismo é a tranqtiiiidade com respeito às opiniões e a 
modejação das a/ecções com respeito às coisas que nos são impostas. 
Certos céticos eminentes mencionam, ainda, a suspensão nas investigações. 
CAPÍTULO XTTT 
Dos MODOS"" GERAJ.S QUE LEVAt\ À SUSPEÍ4SÀO 
[31] Tendo dito que a tranqtiiiidade se segue à suspensão do juízo, nossa próxima tarefa será 
explicar como chegamos a_^esU.su_spensão. .Pode-se dizer, de forma geral, que cia é o resultado de se 
colocar coisas em."oposição. Podemos opor ou coisas que aparecem a coisas que aparecem ou coisas 
pensadas a coisas pensadas, ou estas àquelas. [32] .Por exemplo, opomos o que aparece a o que 
aparece quando dizemos: "A mesma torre parece redonda de longe, roas quadrada de perto"; e 
coisas pensadas a coisas pensadas, quando, em resposta àquele que afirma a existência da 
providência a partir da ordem dos corpos celestes, opomos o fato de que, muitas vezes,, aos bons 
sucede o mal e aos maus sucede o bem, e hramos, daí, a inferência de que não há providência, [33] 
Também opomos pensamentos a aparências, como quando .An?.xagoras'"^ argumentou assim contra a 
noção de que a neve é branca: "A neve é água congelada, c a água é preta; portanto, a neve também 
é preta." De outro ponto de •^•ista, opomos coisas presentes^ "*, ás vezes, a coisas presenres, como no 
exemplo precedente e, às vezes, a coisas passadas ou futuras, como, por exemplo, quando alguém 
nos propõe uma teoria que somos incapazes de refutar, [34] e replicamos: "assim como, antes do 
nascimento do fundador da escola à qual você pertence, a teoria que ela mantém ainda não estava 
aparente como uma teoria consistente, muito embora já existisse, também é possível que a teoria 
apalassoo 
No siugu.lar, tropos. 
Cerca de 500-428 a.C. Mantíníia que lodos os objelos naturais .são compostos de partículas mimiscuías que contém 
uma mistura de todas as qualidades, e que a mente ou a inteligência (uotis) atua sobre massas destas pa.rdculas para criar 
objetos (BuTi'). 
paronta, do verbo pare.imi 
10 
oposta àquela que você propõe agora já exista, embora não esteja aparente para nós, de modo que 
não deveríamos, porliora, assentir a esta teoria que, no momento, parece ser válida." 
[35] Mas, para que possamos ter um entendimento mais exato destas antíteses, descreverei os 
modos através dos quais se realiza a suspensão, mas sem fazer qualquer declaração afirmativa a 
respeito seja de seu número ou de sua validade, Pois é possível que eles não sejam consistentes, ou 
que tiaja mais deles do que enumerarei aqui. 
CAPÍTULO XLY 
Dos DEZ MOLK)S 
[36] A tradição usual entre os céticos mais antigos é a de que os "modos" através dos quais 
supõe-se que a "suspensão" do juízo seja realizada são dez em número, e, também, que recebem as 
designações sinonimas de "argumentos" e "tipos"'". São eles: o primeiro, baseado na variedade dos 
animais; o segundo, nas diferenças entre os seres humanos; o terceiro, nas diferentes estruturas dos 
órgãos dos sentidos, o quarto, nas circunstâncias exteriores; o quinto, em posições, distâncias e 
lugares; o sexto, em misturas; [37] o sétimo, nas quantidades e formações das substâncias; o oitavo, 
no que é relativo; o nono, na frequência ou raridade de ocorrência; o décimo, nos modos de vida, 
costumes, leis, nos crenças em lendas e convicções dogmáticas, [38] ,Esta ordein. entretanto, 
adotamo-la sem preconceito. 
Por .sobre estes modos, há três outros: um que diz respeito àquele que julga, outro baseado 
naquilo que é julgado"*'" e outro que deriva dos dois. Sob o modo que diz respeito a quem julga, 
ficam os quatro primeiros modos, pois quem julga pode ser ou um animal, ou um ser humano, ou 
um sentido, e todos esíci existem em circunstância;; determinadas; sob aqueie que diz respeito ao 
que é julgado, ficam o sétimo e o décimo; e, sob aquele que é composto dos dois, estão subsumidos 
o quinto, o sexto, o oitavo e o nono, [39] Estes três modos, por sua vez, reiacionam-se com o modo 
da relatividade, e isso de tal maneira que a relatividade é o género mais alto, do qual os três 
supracitados são as" espécies às quais, então, esíão subordinados os dez. Oferecemos este relato 
como sendo o provável no que diz respeito a seu número. Quanto à sua força argiimeniativa, o que 
dizemos é o seguinte: 
|Primciro modo] 
""•^ togoiís e íypous 
''^ Bmy faJa de "ujn sujeito qne julga" c "um otijeto que é julgado". 
11 
[40] O primeiro argumento (ou tropo), como dissemos, é aquele que mostra que, devido às 
diferenças entre os animais, as mesmas impressões não são produzidas pelas mesmas coisas. Isto, 
inferimos tanto das diferenças quanto à geração"'' dos animais quanto da variedade de composição 
de seus corpos. 
[41] No que diz respeito à geração, alguns animais são pioduzidos sem união mas, outros, 
através da cópula Daqueles que são produzidos sem cópula, alguns vêm do fogo, como os 
animálculos que aparecem nas fornalhas; outros da água pútrida, como os mosquitos; outi'os do 
pântano, como os sapos; outros da lama, como os vermes; outros dos jumentos, como os besouros;outros dos vegetais, como as lagartas; outros das frutas, como os insetos que põe ovos nos figos 
selvagens; outros de animais em putrefação, como as abelhas que vêm dos touros, e as vespas que 
vênt dos cavalos. 
[42] Dos animais gerados através da cópula, alguns - de fato, a maioria - vêm de pais 
homogéneos, outros de pais heterogéneos, como as mulas. Novamente, dos animais em geral, 
alguns nascem vivos, como os homens; outros nascem sob a forma de ovos, como os pássaros; e 
outros, ainda, sob a foi"ma de massas de carne, como os ursos. [4:3] E natural, então, que estes 
modos dissimilares e variados de nascimento possam produzir muita contrariedade no que diz 
respeito a serem afetados, e que esta seja uma fonte de seu carátcr divergente, discordante e 
conflituoso, 
[44] Além disso, as diferenças encontradas nas partes mais importantes do corpo, e 
especialmente naquelas cuja iiinção natural é decidir ou perceber, são capazes de produzh' uma 
grande quantidade de divergência nas impressões, devido à variedade entre os animais. /\ssim, 
pessoas que sofrem de icterícia dizem, das coisas que nos parecem ser braiicas, que são amareias, 
enquanto que aquelas cujos olhos estão inflamados dizem-nas vermelho-sangue. Uma vez que, 
então, alguns animais têm olhos amarelos, outros, car de sangue, outros, brancos e outros, de outras 
cores, suponíio que é razoável^^ que tenliani diferentes percepções de cores. [45] Além disso, se nos 
c.ur\-amos sobre ura livro depois de ter olhado por muito tempo e fixamente para o sol. teremos a 
impressão de que asleíras são de cor dourada e que estão movendo-se em círculos. Uma vez, então, 
que alguns animais possuem ura brilho natural em seus olhos, e enútem deles um fluxo de luz claro 
e móvel, de modo que podem ver ate mesmo a noite, parecemos obrigados a supior que aquiio que e 
externo'^ nos aféta os sentidos da mesma maneira que a eles. [46] Os ilusionistas, também, por sujar 
os pavios das lanternas com a fermgem do cobre ou cotn a tintura da lula, fazem com que os 
espectadores pareçam ser ora cor de cí)bre, ora pretos — e isso unicamente salpicando um pouco de 
génesis. Bun' oferece: "quanto às suas origens". 
O verbo grego é eikoo, e o sentido é semelhante ao do nosso verbo "parecer" quando dizemos: "parece que \'aj 
cliover". Biirj- usa diferentes tennos para uaduzir os lermos relacionados com este veitK): "reasonable" e "probablc", 
entre eies. Pelicgrin opta quase sempre por "vaorseinblable". 
12 
matéria extra. Ceitamente. então, temos ainda mais razão em supor que, quando diferentes líquidos 
são misturados na visão dos animais, suas impressões dos objetos tomam-se diferentes. [47] /vlém 
disso, quando pressionamos o olho, as formas, figuras e tamanhos dos objetos parecem ser oblongas 
e esireitas. Assim,, é razoável que todos os animais que possuem a pupila do olho oblíqua ou 
alongada, lais como cabras, gatos e animais similares, tenl.iam impressões diferentes das impressões 
dos animais que possuem pupilas redondas. [48] Os espelhos, também, devido às diferenças cm sua 
Gonstmção, às vezes mostram as coisas externas"" muito reduzidas - quando o espelho é côncavo -
c, às vezes, alongadas e estreitas - quando o espelho é convexo. Outros, ainda, mostram, na parle de 
baixo, a cabeça daquele que é refletido, e, na parte de cima, os pés. [49] E como, então, alguns 
órgãos da visão chegam a projetar-se para além do rosto devido à sua convexidade, enquanto outros 
são mais côncavos, e outros, por sua vez, têm forma plana, também, é razoável, por isso, que .suas 
impressões sejam diferentes, e que os cães, peixes, leões, homens e gafanhotos não vejam as 
mesmas coisas nem como tendo tamanho igual nem como sendo dc forma similar, e que seja visão, 
que recebe a coisa aparente, que produz uma impressão própria para cada coisa. 
[50] Este mesmo raciocínio vale igualmente para os outros sentidos. Assim, com relação ao 
tato, como é possível nianter-se que criaíuras cobertas de conchas, pele, espinhos, escamas, são 
todas afetadas de maneira similar? E, no que diz respeito ao senlido da audição, como podería,mos 
dizer que as percepções são semelhantes em animais com ura canal auditivo muito estreito c em 
outros onde o mesmo é muito largo, ou em animais com ouvidos peludos e naqueles que têm 
orelhas lisas? Pois, no que àu respeito a este sentido, até nós mesmos verificamos que tioss.3 
audição é afetada de uma determinada maneira quando nossas orelhas estão tampadas e de uma 
outra maneira quando as' usamos simplesmente como são. [51] O oifato também pode diferií devido 
à diversidade dos animais. Pois, se nós somos afetados dc uma maneira quando estamos rer.ffisdos e 
nosso catarro interno é excessivo, e de outra maneira quando vários lugares de nossa cabeça estão 
cheios com um excesso de sangue - quando, então, sentimos aversão a cheiros que parecem 
agradáveis a todos, considerando-os nocivos - é razoável que as coisas que os animais sentem pele 
olfato pareçam diferentes a cada um deles, uma vez que alguns são flácidos por natureza, e ticos em 
catarro, outros ncos em sangue, outros marcados por um excesso predominante de bile amarela ou 
preta. [52] E assim também é com os objetos do paladar; pois alguns animais têm. línguas ásperas c 
secas, enquanto outros têm línguas extremamente úmidas. E até nós mesmos, quando estamos com. 
a língua muito seca, em casos de febre, temos a impressão de que a comida que nos é oferecida está 
terrosa e mal temperada, ou amarga - uma afecção que se deve à variação nos sucos predomiuantes 
que, conforme se diz, temos dentro de nós. E uma vez, portanto, que os animais também têm órgãos 
59 
7}<ÍOS 
do paladar que são diferentes e que têm diferentes líquidos em excesso, eles receberão, no que diz 
respeiro ao seu paladar, diferentes impressões das substâncias. [53] Pois, assim como a mesma 
comida, quando digerida, í.oma-sc, em um lugar, uma veia, em outro, uma artéria, era outro, um 
osso, em outro, um tendão, ou algum outro pedaço do corpo, exibindo uma potência diferente de 
acordo com as diferenças entre as partes que a recebeiem; de maneira idêntica, a mesma á.gtia não-
misturada, quando absorvida por uma ár\'ore, e dividida em seu interior, torna-se, em um. lugar, 
casca, cm outro, galho, em outro, flor, e também, finalmente, figo e marmelo, e cada uma das outras 
fmtas [54]; dc maneira idêntica, o fôlego de um músico, sendo um e idêntico, quando soprado 
dentro de uma flauta, toraa-se, aqui, uma nota aguda e, lá, uma nota grave, e a mesma pressão da 
mão na lira produz, aqui, uma nota grave c, ah, uma aguda; e assim, também, é provável que as 
substâncias externas pareçam diferentes devido às diferenças na estrutura dos animais que 
experimentam as impressões dos sentidos. 
[55] iVIas pode-sc apreender isto mais claramente a partir das preferências e aversões dos 
animais. O óleo doce parece muito agradável aos homens, mas intolerável aos besouros e abelhas; c 
o óleo de oliva é benéfico ao homem, mas, quando derramado sobre vespas e abelhas, destrói-nas; e 
a água do mar é uma poção desagradável e venenosa para os homens, mas os peixes bebem-na e 
acham-na agradável. [56] Assim, também, os porcos preferem chafurdar na lama mais fedorenta do 
que na água limpa e transparente. E enquanto alguns animais comem grama, outros comem 
arbustos, outros alimentara-se nas florestas, outros vivem de sementes ou carne ou leite; além disse, 
alguns preferem sua comida levemente decomposta, outros gostam dela fi-esca e, enquanto alguns 
preferem-na crua, outros preferem-na cozida. Assim, de maneira geral, aquilo que é agradável a 
alguns é, para outros, desagradável, repugnante e mortal, [57] De fato, as codornas são engordadas 
cem cicuta, e os porcos con: meimendro; e ns{xircos Lambem gostam de comer «alamandras, da 
mesma maneira como os cervos gostam de criaturas venenosas, e engolem mosquitos. E as foro.iigas 
e cupins, quando engolidas pelos homens, causam terriveis dores cólicas, enquanto que o urso, 
quando adoece, cura a si mesmo capmrando-os com a hngua. [58] O mero toque de um bastão de 
carvalho paralisa a víbora e, o da folha de plátano, o morcego, O elefante foge do carneu-o, o leão 
do galo, monstros marinhos, do estalido de vagens rebentando e, o tigre, do som de um tambor. 
Seria possível, de fato, citar muitos outros exemplos, mas - para não parecer indevidamente prolixo 
- , se as mesmas coisas são desagradáveis para alguns, mas agradáveis para outros, e o prazer e o 
desprazer dependem das impressões, então os animais recebem diferentes impressões das 
substâncias. 
[59] Mas se as mesmas coisas parecem ser diferentes devido à diversidade dos animais, 
seremos, de fato,'capazes de declarar nossas próprias impressões a respeilo da substância, mas, no 
que diz respeito à sua natureza, deveremos suspender o juízo. Pois não podemos decidir-nos entre 
14 
nossas próprias impressões e aquelas dos outros animais, uma vez que estamos nós mesmos 
envolvidos na disputa e, portanto, estamos mais necessitados de um juiz do que capacitados para. 
julgar. [60] Ademais, somos incapazes, seja com ou sem demonstração^', de preferir nossas 
próprias impressões àquelas dos animais irracionais. Pois, além da possibilidade de que a 
demonstração não exista, como veremos'"', a própna assim-chaniada demonstração será ou aparente 
ou não aparente. Se for não-aparente, não a aceitaremos com convicção; enquanto que, se nos for 
aparente, na medida em que o que está em questão é aquilo que é aparente para os animais, e tratar-
se-á dc uma demonstração aparente para nós que somos animais, a demonstração será ela mesma 
objeto da investigação a respeito dela ser verdadeira ou não enquanto aparente. [61] E, de fato, 
absurdo tentar estabelecer aquilo que está em questão por meio daquilo que está em qiiestão, uma 
vez que, neste caso, a mesma coisa será objeto dc convicção c de falta de convicção: de convicção, 
na medida que ela pretende provar algo, e, da falta de convicção, uma vez que a coisa requer 
demonstração, e isso é impossível. Em conseqtiència, jamais disporemos de uma demonstração que 
nos permita dar às ivossas próprias impressões dos sentidos a preferência sobre aquelas dos assini-
chamados animais irracionais. Se, então, devido à diversidade dos animiais, suas impressões 
sensíveis diferem, e é impossível julgar entre elas, somos necessariamente levados à suspensão no 
que diz respeito às substâncias e.xtemas. 
[62] Também, de forma suplementar, fazemos comparações entre os homens e os assini 
charnados animais irracionais, no que diz respeito às suas impressões sensíveis. Pois, depois de 
nossa eficiente argumentação, consideramos adequado fazer troça dos dogmáticos, arrogantes 
presunçosos que .são. Via de regra, nossa escola compara os ammais irracionais com a espécie 
humana; [63] mas, uma vez que os dogmáticos capciosamente afirmam que a comparação é 
desigual, nós apresentaremos um argumento suplementar - uma ocasião a mais dc escarnecer dos 
dogmáticos - , o qual será ba.seado, então, em um animal apenas: se vos apraz, o cachoi"!'o, por 
exemplo, o qual, segundo se mantém, é o mais desprezível dos animais. Pois, mesmo neste caso, 
verificaremos que os animais que estamos discutindo não são de maneira alguma inferiores a nós 
mesmos no que diz respeito à credibilidade que pode ser atribuída ao que aparece. 
[64] É concedido pelos dogmáticos que este animal, o cachorro, nos supera em sensação: no 
que diz respeilo ao olfato, ele apreende mais do que somos capazes: através deste sentido, cie segue 
o rastro de animais que não pode ver; e, com seus olhos, ele os pode ver com mais rapidez do .:.]ue 
nós, e sua percepção auditiva também é muito aguda. [65] Vejamos, então, sua faculdade do 
raciocínio. Da razão, uma parte é interna, implantada na alma, e a outra e verbal e. externa^"'. 
"' apodeicsis, que Buiy traduz sempre por "prcxif \n usa sempre "dernonsiratíon" e justifi.ca-se por ser o tennc 
apoáeicsií lelacionado com a esfera da arguinenlaçâo. 
''^ Alusão ao LivTO II, 134ss (Pellegrin). 
^' Em gicgo, temos imi temio único, prophehkos, "produzido do lado de fora pela palavra, verbal" (Bailly). 
15 
Coosideremos, primeiramente, a razão interna. De acordo com os dogmáticos que são nossos 
onncipais oponentes no momento, os Estóicos, a razão interna ocupa-se, supostamente, com o 
seguinte: a escolha de coisas congeniais e a evitação do que é prejudicial; o conhecimento das artes 
que contribuem para tanto; a apreensão das virtudes que pertencem à natureza própria de cada um e 
daquelas que dizem respeito às afecções, [65] Pois bem, o cachorro - o animal no qual, através do 
exemplo, decidimos basear nosso argumento - exerce a escolha do congenial e a evitação do 
prejudicial, pois que caça em busca de alimento e esquiva-se de um clhcote erguido Além do mais, 
possui uma arl:e que o abastece do congenial, a saber, a arte da caça. [67] E tampouco c destituído 
de virtude pois, certamente, se a justiça consiste em dar a cada um o que jhe é devido, ao cachorro, 
que acolhe seus amigos e benfeitores, mas expulsa estranhos e malfeitores, não pode faltar a justiça, 
[68] Mas se ele possui esta justiça, então, uma vez que as virtudes são interdependentes'"'', ele possui 
também todas as outras virtudes; e estas, dizem os fdósofos, a maioria dos homens não possuem. 
Que o cachorro é corajoso, vê-se bem pela maneira como ele repele atac[ucs. Que é, também, 
inteligente, o próprio Homero o testemunhou^' ao cantar sobre como Odisseu passou desapercebido 
por todas as pessoas de sua própria casa s foi recoiiliecido apenas pelo cachono, Argos, que não foi 
enganado nem mesmo pela alteração física do herói, nem perdeu sua impressão cognitiva"" original, 
a qual, de fato, ele evidentemente reteve melhor que os homens [69] E, de acordo com Crisipo^', 
que demonstra uma hostilidade especial aos animais inacionais, o cachorro até mesmo compartilha 
da tão famoíia "dialética". Este filósofo, de fato, declara que o cachon-o faz uso do quinto silogismo, 
complexo e indemonstrávef ^ quando, ao chegar em um ponto em que três caminhos se encontram, 
depois de cheirar as duas estradas pelas quais sua caça não passou, investe imediatamente pela 
terceira, sem sequer parar para cheirá-la também. Pois, como diz o velho autor, o cachotTCs 
iitiplicitimente raciocina assim: ",A, criatura caça foi ou por este canfmho, ou por aque<e, ou por 
aquele outro; mas não foi por nem por este nem por aquele: portanto, foi por aquele outro," [70] 
AJém disso, o cachorro é capaz de compreender e satisfazer seus próprios afetos; pois, quando um 
espinho fica preso ao seu pé, ele se apressa era retirá-lo, seja esfregando o pé no chão, seja usando 
os dentes, E, se está ferido em algum lugar, dado que feridas sujas são difíceis de curar, enquanto 
que feridas limpas curam-se facilmente, o cachorro gentilmente lambe a secreção acumulada. [711 E 
mais, o cachon"o admiravelmente observa a prescrição de Hipócrates''^: uma vez que o remédio pexa 
^ Trata-se de mna dotilrina socrática mantida (x;lo estóicos (Pellcg,riji). 
" Odisseia, XVn, 300 (Bury). 
phaniasia icataleaptikee 
^ Cerca de 280 a 206 aC, Filósofo Estóico grego que era considerado, juntamente com Zenão, o flitidador da acadeiaia 
Sioa em Atenas (Bury). 
^ Os Estóicos tinham cinco sdogisraos que denominavam anapodêiticos, ou "indemonstráveis", uma vez que não 
exigiam prova, mas ser-nam para provar outros. O silogismo "complexo" lintia a forma; "Ou A ou B ou C e.xistem: mas 
nem A nem B exiislem;ponanto C existe" (Bur)'). 
^ O famoso medico de Cos (por volta dc 460-^00 a.C). 
16 
um pé machucada é a imobihdade, o cachorro, sempre que machuca o pé, niantém-no erguido e tão 
livre quanto possível de todo esforço. E, quando se sente agoniado por humores insahibres. ele 
come grama, com a ajuda da qual vomita o que é insalubre, e fica bom novamente. [72] Se, então, 
demonstrou-se que o animal no qual, sob a forma de exemplo, baseamos nosso argumento, não 
apenas escolhe o saudável e evita o nocivo, como também possui uma arte capaz de supri-lo do que 
é saudável, e é capaz de compreender e sadsfazer suas afecções, e não é destituído de virtudes, 
então - sendo estas as coisas em que consiste a perfeição das razões internas - o cachono é, até 
agora, perfeito. E isso, eu supcjnho, é o porquê de cenos professores de filosofia terem adornado a si 
mesmos com o título deste animal. 
[73] No que diz respeito à razão expressiva, verbal, qualquer investigação é desnecessária no 
momento; pois alguns dogmáticos até rejeitavam-na como um obstáculo à aquisição da virtude e, 
por esta razão, coshirnavam praticar o silêncio durante o período de instmção. Ademais, supondo 
que um homem, seja mudo, ninguém o chamará, por isso, de irracional. E sc deixamos isto de lado, 
vemos certamente que alguns animais - os quais, são, afinal, o objeto de nossa argumentação - por 
exemplo, os gaios, por exemplo, e ceitos outros. [47] Mas se deixamos de lado também este ponto, 
mesmo que não compreendamos as falas dos chamados animais irracionais, ainda assimi não seria 
improvável que eles conversas.sem; pois, de fato, quando ouvimos a fala de bárbaros, não a 
podemos entender, e a cremos indecifrável. [75] Além do mais, entcndcmos^^ que os cachorros 
proferem um som quando estão expulsando alguém, outro som quando estão uivando, oiítro ainda 
quando alguém lhes bate, e um. outro bem diferente quando estão abanando a cauda. E assim, em 
geral, no caso dc todos os demais animais, bem como no do cachorro, quem quer que examine a 
questão cuidadosamente, descobrirá uma grande variedade de sons de acordo com as diferentes 
ciicunscàncias, de modo que, consequentemente, pode-se dizer que, provavelmente, os assim-
chamados animais irracionais participam da razão externa. 
[76] Mas se eles não ficam atrás do ser humano na acuidade de seus sentidos'^, nem no que 
diz respeito à razão interna, e tampouco (para ir ainda mais longe) à razão expressiva, então eles 
não merecem menos crédito do que nós no que diz respeito às suas impressões. [77J Além disso, 
provavelmente, poderíamos chegar a esta conclusão baseando nosso argumento em cada tipo 
determinado de animal irracional. Assim, por exemplo, quem negaria que os pássaros distingue-se 
por sua rapidez de discernimento'"', ou que empregam a razão expressiva? Pois eles e.iitendeni não 
apenas os eventos presentes, mas também o fiituro, que manifestam previamente àqueles que são 
capazes de compreendê-los, seja através de seus gritos proféticos, seja por outros meios. 
Tiaíam-se dos cínicos, kynikos, cujo nome deriva de kuoon, cao. 
" O verbo c akouoo, que significa tainto eníender quanto ousar. 
aisthees&oon, que Bury traduz por "pcrccpuons". 
Ou "wacidadc dc espírito" que é o equivalente da expressão que Pellegrin usa para agchinoia. 
[78J Realizei esta comparação (como havia previamente indicado ) de forma suplementar, já 
tendo provando suficientemente, conforme me parece, que não podemos preferir nossas próprias 
impressões àquelas dos animais irracionais. Se, entretanto, os animais irracionais não são menos 
dignos de crédito do que nós no que diz respeito ao valor das impressões, e tais impressões variam 
conforme a diveisidade dos animais, então, embora cu seja capaz de dizer como a natureza de cada 
uma das substâncias me parece, ser, serei levado, de acordo com o que foi dho, à suspensão no que 
conceime sua natureza real, 
[Segundo modo] 
[79] Este, portanto, é o primeiro dos modos que induzem à suspensão. O segundo modo é, 
como havíamos dito, aquele baseado ,nas diferenças entre os homens; pois, mesmo se admidrmos, 
por hipótese, que os homens .são mais dignos de crédito do que os animais irracionais, verificaremos 
que mesmo nossas próprias diferenças, por si mesmas, levam à suspensão. Pois diz-se que o ser 
humano é composto de duas coisas, alma e corpo, e que, cora base em cada uma delas, os homens 
se distinguem uns dos outros. Assim, no que diz respeito ao corpo, diferimos no que diz respeito ao 
nosso aspecto e no que diz respeito às nossas peculiaridades constitutivas'"', O cotpo de i\m indiano 
é diferente em forma daquele de um cita; e diz-se que o que causa a variação é um diferença nos 
humores predominantes. Devido a esta diferença nos humores predominantes, as impressões 
tomam-se diferentes, elas luesnias, conforme indicamos em nosso primeiro argumento^". Assim, no 
que diz respeito à escolha e evitação dos objetos externos, os homens exibem, grandes diferenças: os 
indianos gostam de algumas coisas, outros povos, de outras, e o gostar de coisas diferentes é uma 
indicação de que recebemos impressões variadas das substâncias. 
[81] No que diz respeito às nossas peculiaridades constitutivas, nossas diferenças são tais que 
alguns de nós digerem a carne de boi mais facilmente do que a dos peixes que \Tvem entre as 
pedras, ou ficam com diarreia por causa do vinho fraco de Lesbos. Uma velha parteira da Atina, 
dizem, engohu, sem qualquer consequência danosa, trinta dracmas de cicuta, e Lísis tomou quatro 
dracmas de suco de papoula sem se prejudicar. [82] Demofon, empregado dc Alexandre, costumava 
senth calafrios quando estava ao sol ou era um banlio quente, mas sentia-se quente quando à 
sombra, Atenágoras, o -Argonauta, não era prejudicado pela picada de escorpiões e a!'anhas 
venenoscis; e aqueles que são chamados de psileanos" não podem ser feridos pelas mordidas de 
Livro L 62, 
Idiosvgkrisinis 
~'° LivTo 1, 52, 
" Uma tribo cLa Áirica do Norte (Buiy). 
18 
cobras ou áspides; [83] e tampouco são os tcntiritas^^ do Egito feridos pelo crocx)diio. Além disso, 
os etíopes que vivem perto do Lago Meróe''^, às margeas do rio Ástapos, comem impunemente 
escorpiões, cobras, e animais similares. Rufmo de Chalcis, quando bebia heléboro, nem vomitava 
nem soíria qualquer efeito do purgante, mas engolia-o e digeria-o como qualquer outra bebida 
ordinária. [84] Crisermos, o médico hierofíleo, e.stava sujeito a ter um ataque cardíaco sempre que 
ingeria pimenta; e Sotéricos, o ciairgião, era atacado de diarreia sempre que sentia o cheiro de 
sardinhas fritas. Âiidron, o Argonauta, era tão imune à sede que cruzou as secas teiras da Líbia sem 
precisar nada beber. Tibério César podia ver no escuro; e Aristóteles nos conta de uma pessoa de 
Tasos que imaginava que a imagem de um homem cx^ntinuamente andava diante dele. 
[85] Ohser\'ando, portanto, que os homens variam tanto no que diz respeito a seus corpos -
para nos contentar com apenas alguns dos exemplos dentre os muitos coletados pelos dogináticos - , 
é razoável que eles difiram também uns dos outros no que diz respeito à própria alma\s o cí)rpo 
é um tipo de expressão da alma, como é provado pela ciência da fisionomia. Mas a maior prova das 
vastas e infmdáveis diferenças quanto à intehgêncta dos homens é o desacordo entre as afirmações 
dos dogmáticos a respeito de diversos assuntos, mas especialmente dos objetos que convém 
escolher ou evitar. [86] Quanto a isso, os poetas, também, expressaram-se adequadamente. Assim, 
dizPíndaro: 
As coroas e troféus de seus corcéis com pés de tempestade 
A alguns, dão alegria, enquanto, outros, encontiam-na 
Eiabitando em quartos suiitucsos de ouro ornados; 
Alguns até se deleitam com viagensSobre as vagas do oceano cm um barco veloz 
E o poeta^° diz: "Uma coisa é agradável para um homem, outra coisa paia outro." Também a 
tragédia é cheia de tais depoimentos; por exemplo: 
Se o belo c o sábio frissem em tudo uma só coisa 
Não haveria disputas contenciosas 
E novamente: 
É estranho que a mesma coisa abominada por alguns 
Tendra era uma cidade no Alto Egito (Bury). 
' AosuJ do Egito. 
Possa dar., a outros, prazer. 
[87] Visto, então, que escolher ou evitar depende do prazer e do desprazer, e que o desprazer e o 
prazer dependem da sensação e das impressões sensíveis, sempie que alguém escolhe precisamente 
aqueias coisas que são evitadas por outros, é lògicx), para nós, concluir que também é 
diferentemente afetado pelas mesmas coisas, uma vez que, fos.se de outra maneira, todos 
escolheriam ou evitariam as mesmas coisas de fornia semelhante Mas se as mesmas coisas aíetani 
os homens de maneira diferente devido às diferenças entre os homens, então, também com base 
nisto, poderemos ser nizoavelmeníe levados à suspensão do juízo. Pois, ainda que sejamos, sem 
díivida, capazes de afirmar o que cada uma das substâncias parece ser, relativamente a cada 
diferença, somos incapazes de explicar o que ela é na realidade. [88] Pois temos que acreditar ou 
em todos os homens ou em alguns. Mas se acreditarmos em. todos, estaremos esforçando-nos em 
fazer o impossível, e aceitando contradições, e se acreditarmos apenas em alguns, então que nos 
seja dito a quem devemos seginr. Pois os platonistas dirão: "Platão", os epicnri.stas: "Epicuro", e 
assim por diante com todos os demais; e, desta fornia, com suas disputas não-dccididas, eies nos 
levarão novamente para um estado de suspensão. [89] AJém disso, aquele que mantém que 
deveríamos assentir à maioria está fazendo uma proposta pueril, uma vez que ninguém é capíiz de 
visitar a humanidade inteira e determinar o que agrada a maioria dela; pois, possivelmente, há raças 
a respeito das quais nada sabemos, e entre as quais condições que consideramos raras, são coinuns, 
e condições que consideramos comuns, são raras. E possível, por exemplo, que certos povos não 
sintam dor devido às picadas de aranhas, ainda que alguns, em raras ocasiões, sintam tal dor; e 
assim por diante com o resto das "idiossincrasias" mencionadas acima. Necessariamente, portanto, 
as diferenças entre os homens proporcionara uma razão adicional para sermos levados à suspensão. 
[90] Quando os dogmáticos, homens que praticam sempre a estima a si mesmos, afirmam que, 
ao julgar as coisas, devem dar preferência a si próprios em lugar dos outros, sabemos que sua 
alegação é absurda. Afinal, eles mesmos são uma das partes da controvérsia, c sc, .ao julgar 
aparências, já dão preferência a si mesmos, então, encarregando-se desta maneira do julgamento, 
estão tomando como provado um questionamento que nem começou. [91] Não obstante, dc maneira 
a que possamos chegar a uma suspensão de juízo baseando nosso argumento em uma pessoa - tal 
como, por exemplo, o "sábio" que existe cm seus sonhos - adotamos o modo que vem em terceiro 
lugar. 
[Terceiro modo] 
Homero, Odisseia, >,7V, 228 (Bur>-). 
Bi!i5' diz "objects". 
20 
Hste terceiro modo é. wiifomie dizemos, baseado n.as diferenças dos sentidos. Que os 
senndos diferem uns dos outros é evidente. [92] Assim, para o oílio, as pinturas parecem ter 
recessos e projeções, mas não para o tato. Também o mel, a alguns, parece agradável à Imgua, 
porem desagradável aos olhos; de modo que é impossível dizer se ele é absolutamente agradável ou 
desagradável. O mesmo se aplica ao óleo perfumado, pois ele agrada o sentido do olfato mas 
desagrada o sentido do paladar. Assim também com a eufórbia: uma vez que ela é dolorosa para os 
oUios, mas não causa dor a nenhuma outra parte do corpo, não podemos dizer se, em sua natureza 
real, ela é pura e simplesmente dolorosa ou não-dolorosa para os corpos. A água da chuva, também, 
é benéfica para os olhos, mas irrita a traqueia e os pulmões; como tan\bém o óleo de oliva, apesar 
de molificar a epiderme. A raia elétrica, quando aplicada às extremidades, produz câimbras, mas 
pode ser aplicada ao resto do corpo sem causar danos. .É por isso que não somos capazes de dizer 
qual é a real natureza de cada uma destas coisas, embora seja possível dizer o que cada coisa em 
cada momento parece ser, 
[94] Uma lista maior de exemplos poderia ser dada mas, para evitar a prolixidade, em vista do 
plano de nosso tratado, diremos apenas o que se segue. Cada uma das coisas que aparecem 
percebidas pelos sentidos parecem nos afetar dc diversas maneiras''", a maçã, por exemplo, parece 
lisa, fi^agrante, doce e amarela. Mas o fato de que ela realmente possui apenas estas características 
não é evidente; e tampouco se ela tem apenas uma qualidade, parecendo variada apenas devido à 
constituição variada dos órgãos sensoriais; ou, novamente, se eia tem mais qualidades do que as 
aparentes, algumas das quais escapara à nossa percepção. [95] Que a maçã tem apen i^s uma 
qualidade poderia ser afirmado cora base no que dissemos a c i m a a respeito da comida absoi-vida 
pelos corpos, e a água sugada pelas ání-orcs, e o sopro dentro das flautas e insti"uinent.os 3ÍB.itl:3res; 
pois a maçã, da mesma forma, pode ser inteiramente de um único caráter, aparecendo diferente 
devido a diferenças nos órgãos sensoriais nos quais a percepção tem lugai, [96] E quanto à 
possibilidade de que a maçã tenha mais qualidades do que aquelas que nos são aparentes, 
argumentamos da seguinte maneira: imaginemos um homem que possui, de nascença, os sentidos 
do tato, paladar e oifato, mas que não possa nem ous'n nem ver. Este homem, então, tomará por 
certo que nada visual ou audível tem qualquer existência, mas apenas aqueles três tipos de 
qualidades que ele é capaz de apreender. [97] Possivelmente, então, nós também, que temos apenas 
nossos cinco sentidos, percebemos apenas aquelas qualidades da maçã que somos ca.p<ízes de 
apreender; e é possível que ela tenha outras qualidades que afetariam outros órgãos dos sentidos. 
Segui a tradução de Aiinas e Barnes Bury e Pellegrin dizem, cespectfvaineiite, que cada uma das coisas parece "um 
complexo" ("a complex") e "diversa" ("diversc"). 
^ Livro L 53. 
embora nós. que não somos dotados destes órgãos, falhemos em apreender os objetos dos sentidos 
que vém através deles, ' 
[98] ?ode-se, contudo, discordar disso, alegando-se que a natureza fez os sentidos 
comensuráveis às coisas sentidas. "Que tipo de natureza?", perguntamos, considerando quantas 
controvérsias irresolvidas há entre os dogmáticos no que diz respeito à realidade da natureza. Pois 
aquele que pretender decidir as questões relativas à existência da natureza será desacreditado [pelos 
dogmáticos] se for uma pessoa comum, enquanto que, se for um filósofo, será pajtc da controvérsia 
e, portanto, estará sujeito ao julgamento, não podendo ser um juiz [99], Se, entretanto, é possível 
que apenas aquelas qualidades que parecemos perceber subsistam na maçã, ou que um número 
maior delas exi,st,a ou, então, que nem mesmo as qualidades que nos afetam subsistam, então não 
será evidente para nós qual é realmente a natureza da maçã. E o mesmo argumento apiica-se a todas 
as outras coisas sensíveis. Mas se os sentidos não apreendem coisas externas"'', tampouco pode o 
pensamento '^ apreendê-las; portanto, também por causa deste argumento, parece que seremos 
levados à suspensão no que diz respeho ao julgamento sobre as substâncias externas. 
[Quarto modo] 
[100] Para alcançarmos a suspensão baseando nosso argumento em cada ura dos sentidos, 
individualmente, ou mesmo desconsidera.ndo-os dc todo, adotamos, ainda, o quarío modo de 
suspensão. Este modo baseia-se, como dizemos,nas "circunstâncias" e, com este termo, quereruos 
indicar condições ou disposições. Este modo, dizenios, lida com estados que são ou naturais ou não-
naturais, tais como estar acordado ou estar dormindo; com condicionamentos devidos à idade, ao 
movimento ou ao repouso, ao amor ou ao ódio, ao vazio ou ao preenchimento, à embriaguez ou à 
sobriedade, com predisposições tais como corrfiança ou medo, sofi"imento ou alegria. [101] Assim, 
sendo o estado mental natural ou não-natural, as coisas não afetam nossos sentidos da mesma 
maneira, como quando os homens, em delírio ou em estado de êxt.ase, acreditam que ouvem as 
vozes de demónios, enquanto, conosco, isso não se dá. De forma similar, tais homens dizem, 
fi-equentemente, que percebem um odor de resina ou de incenso, ou algum odor deste tipo, e muitas 
outras coisas, embora nós não as consigamos perceber. Além disso, a mesma água que parece estar 
tnuito quente quando derramada sobre pontos inflamados, a nós parece morna. E o rnesma 
vestimenta, para um homens com os olhos inflamados, parece amarela, mas não parece ser assim 
para mim. E o mesmo inel parece ser doce para mim, mas amargo para homens com. icterícta, [102] 
E se alguém disser que é apenas uma mistura de certos humores que, nos homens que estão em um 
sk-íos 
Bun,' diz: "a mente" ("niuid"), 
22 
estado não-naturaL produz impressões impróprias das substâncias, temos que responder que, uma 
vez que as pessoas saudáveis também possuem humores misturados, também estes humores devem 
ser capazes de fazer com que as substâncias externas pareçam, àqueles que dizemos estar em um 
estado não-natural, como são naturalmente, e diferentes de como são para as pessoas saudáveis. 
[103] Pois atribuir aos humores dos primeiros, c não aos dos últimos, o poder de aherar as 
substâncias, é questão de puro capricho, já que, assim como os homens saudáveis estão em urn 
estado que é naúiral para os homens saudáveis e não-natin-al para os doentes, também os homens 
doentes estão em um estado que é não-natural para os saudáveis mas natural para os doentes, de 
maneira que somos obrigados a crer que também estes últimos, relativamente falando, estão em um 
estado natural. 
[104] Os estados de sono e vigília também dão origem a diferentes impressões, pois não 
imaginamos, quando estamos acordados, o que imaginamos quando estamos dormindo, e tampouco, 
quando dormindo, o que imaginamos quando acordados, de sorte que a existência ou não-existência 
das impressões^^ não é absoluta, mas relativa, c relativa á nossa condição de estarmos dormindo ou 
estarmos acordados. É, portanto, razoável que, nos sonhos, vejamos coisas que, para nosso estado 
desperto, são irreais, embora não completamente irreais, uma vez que existem em nossos sonlios da 
mesma maneira como as realidades da vigília existem, embora sejam inexistentes nos sonlios. 
[105] Â idade é uma outra causa de diferença. Pois o mesmo ar pode parecer frio para os 
velho.s, porém agradável para os que estão era sua mocidade: e a mesma cor parece débil paia 
homens mais velhos, mas vívida para homens jovens; e, da mesma forma, o mesmo som parece, aos 
primeiros, indistinto, porém claramente audível para os últimos. [106] Além disso, aqueles que 
diferem em idade são afetados diferentemente no que diz respeito à escolha ou á evitação. Pois 
enquanto as crianças - para citar um caso — são ávidas por bolas e aros, os homens maduros 
escolhem outras coisas e, os mais velhos, ainda outras. E, daí, concluímos que as dfferenças em 
idade também causam impressões diferentes advindas das mesmas substâncias. 
[107] As coisas também parecem diferentes por estarem em movimento ou em repouso. Pois 
as mesmas coisas que, quando estamos parados, vemos como estando imóveis, parecem estar em 
movimento quando estamos navegando. 
[108] Também parecem diferentes devido ao amor e ao ódio, pois alguns sentem uma aversão 
extrema à carne de porco, enquanto outros gostam muitíssimo de comc-ia. Por isso, disse 
Mcnandro: 
Olhai agora seu semblante, que mudaT.iç.a ali se deu 
^ Passagem confusa. Para BiKy, trata-se da existência ou inexistência das impressões, c para Pellegrii; o A.nnas c 
Bames, dos objetos. 
2.3 
Deoois de se ter assim tomado! Como uma fera. 
Não cometer a injustiça nos toma belos, 
E. também, muitos homens que possuem amantes feias acham-nas muito belas. 
As coisas também parecem diferentes devido à fome e à saciedade, pois a mesnta comida 
parece a,gradável aos famintos, porém desagradável aos fartos. 
Também parecem diferentes devido à embriagues e à sobriedade; pois as ações que achamos 
ser vergonhosas quando estamos sóbrios não parecem ser vcrgotthosas quando estamos ébrios. 
|Í10"| Também parecem diferentes devido às predisposições; pois o mesmo vinho que parece 
azedo àqueles que previamente comeram tâmaras ou figos, parece doce àqueles que há pouco 
consumiram nozes ou grãos-dc-bico; e o vestíbulo da casa de banhos, que esquenta aqueles que 
entram, vindos de fora, esfria aqueles que vêm do salão de banhos, se param muito tempo uelc, 
[111] Também parecem diferentes devido ao medo e à coragem, pois aquilo que parece, ao 
covarde, ser pavoroso e temível, não se parece assim em nada para o corajoso. 
Também parecem diferentes devido à tristeza e à alegria; pois as mesmas ocupações são 
penosas para aqueles que estão tristes, porém aprazíveis para aqueles que regozijam-se, 
[112] Vendo que as disposições também são causa de desigualdade, e que os homens são 
diferentes conforme suas diferentes disposições, é, sem dúvida, fácil dizer que nature7;a cada 
substância parece possuir para cada homem, mas não podemos ir adiante e dizer o que é a natureza 
real, uma vez que a irregularidade impede uma decisão. Pois a pessoa que tenta dccidir-se quanto a 
isso ou é de alguma das disposições mencionadas acima, ou não é de dispcsição nenhuma. Mas 
declarar que ela não é de disposição alguma - como, por exemplo, nem saudável nem doente, nem 
em movimento nem em repouso, de nenhuma idade definida, e destituída dc todas as demais 
disposições também - é o cúmulo do absurdo. E se tal pessoa deve julgar as impressões .ssfisívois 
enquanto cstà em aigurna disposição, ela será mais uma parte no desacordo, [ I 13] c não será capítz 
de julgar de maneira imparcial as substâncias externas, uma vez que será con«.mdido pela 
disposição na qual está. Aquele que está em vigília, por exemplo, não pode comparar as impressões 
dos que domiem com as dos que estão em vigíHa, e tampouco, a pessoa saudável aquelas dos 
doentes cora aquelas dos saudáveis; pois damos mais prontamente nosso assentimento a coisas que 
estão presentes, e que nos afetam no presente, do que a coisas que não estão presentes. 
[114] Também de ainda outra maneira, a irregularidade de tais impressões não admite 
resolução. Pois aquele que prefere uma impressão a outra, ou uma ""circunstância" a outra,, o faz ou 
sem crítica e sem provas ou criticamente e com provas; mas não pode fazê-lo nem sern estes meios 
(jjois, neste ca,so, seria desacreditado) nem através deles. Pois, se proferir um juízo -5 respeito das 
impressões, precisa certamente juígá-las por um critério, [115] Este critério, ent-ão, deve ser 
deciarado verdadeiro ou falso. Se for falso., não proporcionará qualquer convicção, enquanto que, se 
o declarar verdadeiro, estará afirmando que o critério ou é verdadeiro com demonstração, ou o é 
sem demonstração. Mas, sc o for sem demonstração, não proporcionará convicção, e se o for com 
demonstração, tal critério será certamente necessário também para que a prova seja verdadeira. 
Dirá, então, que é verdadeira a demonstração adotada para tornar convincente o critério depois de 
tc-la julgado ou sem julgá-la? [116] Se o fizer sem julgar,não será convincente, mas se o fizer 
depois de julgar, evidentemente dirá que julgou com um critério; e, para tal critério, pediremos uma 
demon.stração, bem como um critério para tal demonstração. Pois a demonstração sempre exige um 
critério nara confmná-la, e o critério também requer uma prova para demoiistr'ar sua verdade; e 
tampouco pode uma demonstração ser confiável sem a existência prévia de um verdadeiro critério, 
ou o critério ser verdadeiro sem a confirmação prévia da demonstração. [117] Desta maneira, tanto 
o critério quanto a prova estão envolvidos ao processo de raciocínio circular de raciocínio - o 
dialelo - e, por isso, constata-se que ambos são indignos de confiança; pois, uma vez que cada um 
deles depende do outro para ser convincente, cada um é tão pouco capaz dc proporcionar convicção 
quanto o outro. Consequentemente, se não se pode preferir uma impressão a qualquer outra, nem 
sem provas e sem criténo, nem com eles, então as impressões que se revelam, diferentes segundo 
diferentes condições serão indecidíveis; de forma que, como resultado deste modo, somos também 
levados a suspender o juízo no que diz respeito à natureza das realidades externas. 
[Quinto modo] 
[118] O quinto argumento (ou tropo) c aquele baseado nas posições, distâncias e localizaçõe.s, 
pois, devido a cada um destes, os mesmos objetos parecem diferentes. Por exemplo, o mesmc 
pórtico, quando visto de uma de suas extremidades, parece menor na paite de cima, mas, quando 
visto de frente, parece simétnco em todos os lados; e o mesmo barco parece, á distância, ser 
pequeno e estacionário mas, de perto, grande e móvel, e a mesma torre, à distância, parece redonda; 
porém, de ura pontcpróximo, parece quadrangular. 
[119] Isto quanto aos efeitos que se devem às distâncias. Já quanto aos efeitos devidos as 
localizações, temos o seguinte: a luz de uma lanterna parece débil sob o sol, mas brilhante uo 
escuro; c o mesmo remo parece dobrado quando está dentro d'água, porém reto quando fora dela; e 
o ovo, mole quando dentro da ave, porém, duro quando no ar; e o som parece diferente cxjnfomie 
seja produzido em uma flauta de Pan, uma flauta, ou simplesmente no ar. 
[120] Os efeitos devidos à posição .são os seguintes: a mesma pintura, quando vísia em um 
plano, parece lisa, mas, quando inchnada para a frente a um certo ângulo, parece ter recí;Ssos e 
xoemméDcias. Os pescoços das pombas, também, parecem ser de diferentes colorações quando se 
fflciinam de diversas maneiras. 
[121] Uma vez que, então, tudo que aparece é obser\'ado em um certo lugar, e de uma cena 
disiâacia, ou em uma certa posição, e cada uma destas condições produz uma grande variação nas 
impressões, conforme mencionado acima, seremos compelidos, também por este modo, à 
suspensão. Pois, de fato, qualquer um que pretender dar a preferência a alguma dessas impressões 
estará tentando o impossível. [122] Pois, caso seu juízo seja proferido sem demonstração, não 
proporcionará qualquer convicção; mas, se tal pessoa, por outro lado, desejar recorrer a uma 
demonstração, ela reflitará a si própria se disser que a demonstração é falsa, enquanto, se afirmar 
que a demonstração é verdadeira, uma demonstração disto ser-lhe.-á solicitada, c novamente utna 
demonstração desta última demonstração, uma vez que também ela deve ser verdadeira, e assim por 
diante ao infinito. [123] Mas produzir provas ao infinito é impossível; de modo que nem através das 
provas será tal pessoa capaz de dar preferência a uma impressão era lugar de qualquer outra. Mas se 
não se pode decidir a respeito das impressões mencionadas, nem com demonstração, bem sem 
demonstração, então somos levados à suspensão, pois, enquanto podemos, sem dúvida, dex;larar que 
natureza cada objeto parece possuir na medida em, que é visto em urna certa posição ou em uma 
certa distância ou em um certo lugar, não somos capazes de declarar qual é sua naúireza real, pelas 
razões precedentes. 
[Sexto modo] 
[124] O sexto modo é aquele baseado nas misturas, e por ele concluímos que, já que nenhuma, 
das substâncias afeta nossos sentidos por si mesma, mas sempre em conjunção com alaup^ia outr.a 
coisa, então, mesmo que, possivelmente, sejamos capaz.es de afirmar a natureza da mistura 
resultante formada pela substância exterior junto a que ela é percebida, não seremos capazes de 
dizer qual é a natureza da substância externa pura e simplesmente. Que nenhuma das Sí}bstâ.ncías 
externas afeta nossos sentidos por si mesma, mas sempre em conjunção com alguma outra cc>isa, e 
que, consequentemente, é obsen^ada de maneira diferente é. conforme imagino, bastante óbvio. 
[125] Assim, nossa própria fisionomia assume uma determinada tonalidade no ar queníe, e outra no 
frio, e não somos capazes de dizer como realmente é nossa fisionomia, mas apenas com o que ela se 
narccc em Gonfunção com cada uma destas condições. .E o mesmo som parece de um tipo em 
conjunção com o ar rarefcho, e de outro com o ar denso; e os aromas são mais pungentes em íima 
quente sala de banhos, ou ao sol, do qiie no ar frio; e o corpo fica leve quando imerso na .agua, 
Doréra pesado quando circundado de ar. 
[126] Mas, sigamos adiante, para além da questão da mistura externa. Nossos próprios olhos 
contém, dentro de si, membranas e líquidos. Dado que, então, as coisas que vemos não são 
percebidas separadamente de tais membrana.s e líquidos, elas não serão apreendidas com. cxatidâo, 
pois o que percebemos é a mistura resultante e, por causa disso, quem so.fire de icterícia vê tudo 
amarelo, e aqueles cujos olhos esíão inflamados, vêem tudo avermelhado como o sangue. H, uma 
vez que o mesmo som parece ser de uma qualidade nos locais abertos, e de outra em locais 
apertados e sinuosos, e diferente no ar puro e no ar perturbado, é razoável que não apreendamos o 
som em sua pureza real; pois os ouvidos possuem passagens tortas e estreitas, as quais também são 
enevoadas por diversos eflúvios vaporosos os quais, diz.-se, são emitidos pelas regiões da cabeça. 
[127] Além disso, uma vez que certas substâncias residem nas narinas e nos órgãos do paladar, 
apreendemos os objetos do paladar e do olfato em conjunção com eles, e não em sua pureza real. De 
modo que, por causa destas misturas, os sentidos não apreendem a qualidade exata das substâncias 
externas. 
[128] Mas tampouco apreende-as o pensamento, conquanto seus guias, que são os sentidos, já 
estejam enganados; pois verifica-se que há certos humores presentes em cada uma das regiões que 
os dogmáticos vêem como a sede do princípio governante da alma - seja o cérebro ou o coração, ou 
qualquer que seja a parte do animal em que se escolha alojá-lo. Assim, de acordo com este modo, 
também verificamos que, devido à nossa inabilidade de fazer qualquer afinnação a respeito da 
natureza real dos objetos extemos, somos compelidos a suspender o juízo. 
[Sétimo modo] 
[129] O sétimo modo é aquele baseado, como dissemos, na quantidade c na constituição das 
substâncias, sendo que, por "constituição", queremos designar as composições. E é evidente que, 
por m.eio deste modo, também somos compelidos à suspensão relativamente à natureza real das 
coisas. Assim, por exemplo, as partículas hmadas do chifre de uma cabra parecem brancas C[uando 
vistas simplesmente por si mesmas e sem combinação mas, quando combinadas no chifre real, 
parecem pretas. E a limalha da prata parece preta quando as partículas são vistas por si mesmas 
mas, quando unidas à massa total, são sentidas como brancas. [150] E pedacinhos do mármore de 
Tenaro parecem brancos quando fi-agmentados pela plaina mas, combinados em um bloco 
completo, parecem amarelos. Separados uns dos outros, os grão de areia parecem ásperos mas, em 
quantidade, afetam nossos sentidos

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