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Variabilidade e invariabilidade na lingua(1)

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CAMARA JR., Joaquini Mattosso. Estrutura da Lingua Portrrgrresa. Petmpolis: Vozes, 
' 2006. 
VARIABILIDADE E INVARIABILIDADE NA 
LINGUA 
5. Um dos percalqos mais serios com que se tem defrontado a gramatica 
descritiva, desde a Antiguidade Clksica, 6 o fato da enorme variabilidade 
da lingua no seu uso num momento dado. Ela varia no espago, criando no 
seu territorio o conceito dos dialetos regionais. Tmbem varia na 
hierarquia social, estabelecendo o que hoje se chama os dialetos sociais 
(cf. Martinet 1954, Is). Varia ainda, para um mesmo individuo, conforme 
a s i tua~io em que se acha, como ja vimos no capitulo precedente, 
estabelecendo o que um grupo modern0 de linguistas ingleses denomina 
os ccregistros)) (Halliday 1965, 87). Finalmente, uma exploraciio estaica 
da linguagem, para o objetivo de maior expressividade, faz surgir o que se 
classifica como o ccestilon, desde a Antiguidade Clissica, 
Por isso, os teoristas da linguagem, gregos e romanos, dividiram-se 
muito cedo nas duas conentes opostas dos ccanomalistas)) e dos 
ccanalogistasz, claramente apreciados por Antonino Pagliare, 
modernamente, na linguistica italiana (Pagliare 1930, 20). Aqueles 
negavam, em ultima analise, a possibilidade de estabelecer regras gerais 
no uso linguistico. Estes defendiam a possibilidade e a necessidade dessas 
regras, partindo do pressuposto de que o principio filosofico da ctanalogia)) 
domina em geral o uso linguistico, so dando margem a um nurnero pequeno 
de ccexce@es)). Estas f o r m sempre o grande embarago da regulamenta$Fio 
gramatical. Modernamente elas f o r m enfrentadas, e praticamente 
neutralizadas, pela tecnica descritiva dos metodos estruturalistas, como 
veremos no capitulo seguinte. 
De qualquer maneira, a invariabilidade profunda, em meio de 
variabilidades superficiais, e inegivel nas linguas. Nos termos do grande 
linguista contemporheo Roman Jakobson, cro principio das invariantes 
nas varia~iies)) (Jakobson 1967, 185) 6 a chave de toda descriqio 
linguistica. E ele que cria o conceito de (cpadrfio)) (ing. pattern), cuja 
depreensfio numa lingua dada e o objetivo central du gramatica descritiva 
de tal lingua. Por isso nos diz Sapir, 
17 
referindo-se nfio so a Ilnguagem, mas ainda a toda a gama de pro- 
cedlmentos humanos: ccE tal a nossa preocupagiio com nbs proprios 
como individuos e com os outros na medida em que diferem de ribs, 
por menos que seja, que estamos sempre prontos a anotar as variagees 
de um padrio nuclear de comportamento. Para quem esta acostumado 
ao padrfio, variafles dessas se apresentam como tio ligeiras que 
praticamente passam despercebidas. Para nos, como individuos, elas 
sio, nio obstante, da mixima importhcia; e a tal ponto que chegarnos 
a esquecer de que ha um amplo padrto social de que elas s io variagiies. 
Estamos constantemente sob a impressb de que somos originais e ate 
aberrantes, quando na realidade estamos apenas repetindo um padrgo 
social com o mais ligeiro toque de originalidaden (Sapir 1969,65). 
Mesmo a decantada excentricidade de certos escritores, em face 
da lingua materna do seu tempo, ngo passa de um exagero retorico. 
Como j i observou o linguista italo-romano Eug&nio Coseriu, o escritor 
inova em regra no uso linguistico do seu tempo, na norma mais ou 
menos conscientemente estabelecida, mas fica fie1 ao sistema, ou seja, 
ao padrto que rege a lingua em profundidade (Coseriu 1948,3). 
Ora, a gramitica descritiva, ou sincrbnica, tem, em ultima anilise, 
por fim depreender e expor esse sistema, ou estrutura, como 
estabeleceu de inicio Saussure. 
6. Isso n b quer dizer que a gramatica descritiva seja um bloco 
monopolitico. Ha sempre exceq8es e elas t&m de ser levadas em conta. 
Em toda a gramatica, ao lado da ccregularidade)), hh as 
ccirregularidades)). 
Mas, antes de tudo, como ja aqui ressaltamos, elas sFio fatos de 
superficie. Em profundidade elas obedecem a padraes particulares, que 
se coordenam com o padrio, ou regra geral, dito crregularidade)). 
Depois 6 precis0 n io esquecer que, como j a vimos, a lingua em 
sentido lato se subdivide em dialetos regionais, dialetos sociais e 
registros. Em cada urn deles ha uma gramatica descritiva especifica. 
Por ISSO, aqui focalizamos de inicio o nosso objetivo. Descrever a 
lingua portuguesa, no Brasil, tal como e usada pelas classes ditas 
c(cultas)) num registro formal, isto e, adequado is situq6es sociais 
mais importantes. 
Como tal, ela visa a servir de ponto de partida para a gramatica 
normativa no ensino escolar. 
Com outros objetivos, pode se fazer a descrigio de um dialeto 
regional, de urn dialeto social, a lingua popular, digamos, como 
para o £tan& fez o linguista franco-suiqo Henri Frei, discipulo indireto de 
Saussure, na sua Gramritica dos Ewos (Frei 1929). Ou podemos fazer urna 
gramitica descritiva, total ou parcial, de um registro de linguagem familiar, 
como foi o prop6sito da linguista brasileira Eunice Pontes ao descrever o 
verbo na lingua coloquial carioca (Pontes 1969). 
A gramhtica normativa tradicional, misturando alhos com bugalhos, 
trata muitas vezes como ccirregularidades)) da lingua monoliticamente 
considerada o que s k na realidade ctregras)) para a gramhtica descritiva de 
urna dessas linguas particulares. 
Uma atitude oposta, e igualmente criticivel, C a de linguistas que 
procuram fugir a dificuldade focalizando restritamente o que chamam o 
ttidioleto)). Este termo, criado pelos norte-americanos, se refere a lingua de 
urn h i c o individuo. Estudando-o, unicamente, deixam de lado as 
discrephcias, dentro de urn dialeto regional ou de um dialeto social, de 
cada individuo (determinadas quase sempre pelas mudanqas de registro ou 
por intenfles estilisticas). Tal foi o ponto de vista ainda recentemente 
defendido pelo linguista norte-americano Robert Hall: ((a unidade supra- 
individual absolutamente nfio existe ... e por conseguinte n50 existe nenhum 
fen6meno coletivo)) (Hall 1968, 521). 0 contriirio 6 que tudo indica ser a 
verdade, como logo viu argutamente Saussure. E com toda a razb que 
Roman Jakobson afirma: ((Em materia de lingua nil0 ha propriedade 
privada; tudo esta socializado. 0 intercsmbio verbal, como toda sorte de 
intercurso, requer pelo menos dois comunican-tes, e o idioleto vem a ser de 
certo mod0 uma ficqgo pervertida)) (Jakobson 1953, 15). 
7. Uma diversidade, muito sutil e falaz, 6 a que existe entre a fala e a 
escrita E a escrita que as gramaticas normativas escolares focalizam 
explicita ou implicitamente. 0 estudante ja vem para a escola falando 
satisfatoriamente, embora seja em regra deficiente no registro formal do 
uso culto; o que ele domina plenamente B a linguagem familiar, na maioria 
dos casos. Como quer que seja, a tecnica da lingua escrita ele tem de 
aprender na escola 0 s professores partem da ilusfio de que, ensinando-a, 
e s ~ o ao mesmo tempo ensinando uma fala satisfatoria Dai a definiqlto da 
gramatica normativa que lembramos aqui de inicio: cta arte de escrever e 
falar corretamente)). 
Ha com isso urna tremenda ilustio. A lingua escrita se manifests em 
condig8es muito diversas da lingua oral. Por isso, tantos estudantes 
psiquicamente normais, que falam bem, e at6 com exuberhcia e 
eloqiiincia, no intercfimbio de todos os dias, s5o desoladores quando se 
lhes pBe um lapis ou urna caneta na m50. A fala se desdobra numa 
situaqxo concreta, sob o estimulo de um falante ou vhrios falantes 
outros, bem individualizados. Uma e outra coisa desaparecem da 
lingua escrita. Ja ai se tem urna primeira e profunda diferenqa entre os 
dois tipos de comunicaqlto linguistica. 
Depois, a escrita nfio reproduz fielmente a fala, como sugere a 
metafora tantas vezes repetida de que tcela 6 a roupagem da lingua 
oral)). Ela tem as suas leis prbprias e tern um caminho proprio. Por isso, 
muitos linguistas relegam a lingua escrita para forade suas cogita@es, 
como observa, em tom de critica, o linguista norte-americano H. A. 
Gleason, argumentando que ccuma lingua escrita 6 evidentemente urn 
objeto vhlido e importante de investigaqfio linguistica)) (Gleason 1961, 
10). Nil0 fica menos verdade por isso (antes pelo contriirio) que h a urna 
diferenqa fundamental entre esses dois tipos de linguagem. 
E just0 que a gramatica normativa de grande atengzo a lingua 
escrita. E ela que a escola tem de ensinar em primeira m%o. Acresce o 
primado da lingua escrita nas sociedades do tipo do nosso, dito 
cccivilizado)). Ai, do ponto de vista sociol6gic0, a lingua escrita se 
sobrep6e inelutavelmente a lingua oral, pois rege toda a vida geral e 
superior do pais. Mesmo o r a i o e a televisfio, que a primeira vista se 
podem afigurar espkcies novas da lingua falada, sfio em ultima anhlise 
modalidades da lingua escrita 0 locutor 16 para os ouvintes 
indiscriminados, ou os telespectadores, o que escreveu, ou foi escrito 
para ele, previamente. Quando nfio empunha urn papel, 6 que decorou o 
que fora preparado na escrita. E, em qualquer dos casos, faltam as duas 
condiq8es que jB vimos ser inerentes do interciimbio oral: urna situqilo 
concreta, una e um ou mais ouvintes, bem determinados e 
individualizados. Ate a poesia, que assenta nos sons vocais e no ritmo, 
essenciais na lingua falada, e entre nos urna atividade principalmente 
escrita. So a leitura recria o valor oral de uns e de outro. DB-se assim 
- 
urna inversgo, em termos sociais, da verdade puramente linguistica de 
que a escrita decorre da fala e e secundhia em refergncia a esta. 
N5o obstante essa continghcia de ordem social, subsiste o fato 
linguistic0 de que a lingua escrita e urna transposiqlto para outra 
substhcia de urna lingua primordialmente criada corn a substhcia dos 
sons vocais. S6 se pode compreendk-la e ensina-la na base dessa 
transposig50. ctS6 depois de dominar a fala e que se pode aprender a ler 
e escrever)), adverte incisivamente Jakobson (Jakobson 1969 113). 
Essa verdade teve urna prova indireta na aculturaq50 de populaq6es 
indigenas agrafas, isto 6 , sem lingua escrita. Urn grupo de linguistas no 
Mexico, no chamado ((plan0 Tarrasco)), verificou que a melhor maneira 
20 
de alfabetizar os indios dessas tribos era reduzir o Tarrasco a lingua escrita 
e ensinar os indios a ler e escrever em sua lingua materna. A alfabetiza~b 
direta pelo espanhol (que era ma1 conhecido por eles) fracassava 
lamentavelmente. 0 s linguistas do Instituto Linguistiw de Verb, com sede 
nos Estados Unidos da Arnbica, mediante entendimento com o nosso 
Servip de Proteqb aos indios, estgo organizando por sua vez cartilhas de 
v&as linguas indigenas brasileiras e obtendo uma alfabetiza~go de otimo 
resultado. 
Isso nos i q 6 e a tarefa de fazer a desc r i~b (mesmo tendo em vista 
um fim escolar) em funqb da lingua oral. Ora, paradoxalmente, nem em 
relqgo a (ctfon6tican, ou estudos dos sons vocais, isto se dC de maneira 
coerente em nossas gramaticas

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