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Teorias da culpabilidade (1)

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Aula 2 – Culpabilidade – continuação
Até se chegar na(s) atual(is) concepção(es) de culpabilidade, foram percorridas várias etapas epistemológicas, coincidentes com a evolução dos conceitos de ação e de delito. 
Teoria psicológica: produto da teoria causalista naturalista, que inseria o dolo e a culpa (conteúdo da vontade) na culpabilidade. Final do século XIX. 
A teoria causal dividia o delito em dois aspectos bem definidos: objetivo ou externo (composto pela conduta típica e ilícita) e o subjetivo ou interno (culpabilidade como vínculo psicológico entre o fato e o agente). 
Para essa teoria, culpabilidade era a relação subjetiva ou psíquica entre autor e fato (nexo psicológico entre a vontade do agente e o resultado). A imputabilidade é considerada como pressuposto da culpabilidade: analisa-se primeiro se o sujeito era imputável, para depois aferir dolo ou culpa. 
A ação, de sua vez, era considerada como o movimento corporal voluntário (vontade despida de conteúdo) que causa uma modificação no mundo exterior (teoria causal-naturalística). Ação é mera causação do evento, provocada pela voluntariedade ou vontade, entendida como livre de coação (mecânica ou psicofísica). Para a doutrina causal, vontade confunde-se com voluntariedade, pois é entendida simplesmente como movimento humano que não foi produto de uma coação, ou seja, voluntário. Não se considera o querer, o conteúdo da vontade. 
Não havia qualquer elemento de ordem normativa no conceito de culpabilidade, apenas elementos psicológicos ou psíquicos: a imputabilidade e o dolo ou culpa: o ato culpável é a ação dolosa ou culposa do indivíduo imputável. 
Implicava uma separação marcante entre objetivo e subjetivo: objetivo = ilicitude; subjetivo = culpabilidade. 
Críticas principais: não explica a chamada culpa inconsciente, em que não há presença do nexo subjetivo entre vontade e resultado; A consideração exclusivamente psicológica da culpabilidade, isto é, apenas como vínculo subjetivo existente entre o fato e seu autor (existência de dolo ou culpa), não dá uma resposta ao fato de não serem punidas condutas praticadas em situação de coação moral, etc.
Essas dificuldades fizeram com que surgissem as chamadas teorias normativas da culpabilidade (várias), buscando inserir dados normativos na categoria da culpabilidade, ou seja, passaram a entender a culpabilidade como portadora de valorações, algumas admitindo também a existência do elemento psicológico, outras não. 
Teorias normativas: são várias as teorias normativas que identificaram elementos normativos presentes da culpabilidade. Em comum, elas possuem o fato de atribuir à culpabilidade a existência desses elementos. Elementos normativos são requisitos que exigem um juizo de valor (jurídico) e possuem correspondência legal: 
2.1 Teoria psicológico-normativa (Neokantismo – principal nome: Mezger): a culpabilidade permanece com o vínculo psicológico (verificação de dolo ou culpa), mas ganha também um juízo de valoração; é dizer: não é mais a mera verificação de existência de uma relação psíquica (= verificação de dolo ou culpa) entre o autor e o fato; passa a ser, também, a reprovabilidade pela exigibilidade de conduta diversa. 
A imputabilidade entra como pressuposto ou como elemento da culpabilidade (variação entre as concepções teóricas)
Os elementos da culpabilidade, portanto, passam a ser: a) dolo ou culpa; b) imputabilidade (ou como pressuposto); c) exigibilidade de conduta diversa. 
2.2 Teoria normativa pura ou finalista: desenvolvidada pela teoria finalista da ação, aqui a culpabilidade é concebida como juízo de censura pela conduta típica e ilícita (conceito formal), quando o autor podia ter atuado de outro modo (conceito material de acordo com a concepção do homem como pessoa, como ser responsável capaz de autodeterminação, compatível com a Constituição). É a reprovabilidade da decisão da vontade (Welzel). Isso quer dizer que o autor tinha condições de, no caso concreto, adotar uma resolução de vontade lícita, tanto para não dirigir sua conduta à realização dolosa do tipo (delito comissivo), quanto para aplicar a direção final mínima exigida (delito omissivo). 
Os elementos da culpabilidade para a teoria normativa pura (finalista): imputabilidade, potencial consciência da ilicitude, exigibilidade de conduta diversa. 
O dolo que Hans WELZEL extrai da culpabilidade e atribui à tipicidade é o dolo desprovido da consciência de licitude: 
Dolo no esquema causal = consciência dos elementos objetivos do tipo (= saber o que está fazendo) + consciência da ilicitude dessa conduta (= saber que aquilo que está fazendo é contrário ao direito). Ex. Para que a conduta de matar alguém seja DOLOSA no esquema causal, é necessário que o sujeito saiba que está matando alguém (e não um animal, por exemplo) e que, além disso, seja esse homicídio uma conduta contrária ao ordenamento jurídico. 
Dolo no esquema finalista (sem a consciência da ilicitude) = consciência e vontade de realização dos elementos objetivos do tipo (= saber e querer o que está fazendo). Ex. Para que a conduta matar alguém seja DOLOSA no esquema finalista, basta que o agente saiba que ele está matando uma pessoa e não um animal. Não é necessário que ele tenha consciência de que matar alguém é uma conduta contrária ao ordenamento jurídico. 
A consciência da ilicitude fica, para a teoria normativa pura (finalista), na culpabilidade (= potencial consciência da ilicitude). 
2.3 Teorias normativo-preventivas da culpabilidade: as correntes que buscam superar o finalismo apontando impossibilidade de se demonstrar empiricamente, com certeza científica, que um sujeito, na situação concreta em que se encontrava, era ou não capaz de agir de acordo com o comando normativo e não contrariamente a ele, também investigam alternativas para a matéria da culpabilidade. São diversas as vertentes desenvolvidas, que vão desde a modificação de sua denominação e conteúdo, passando por sua irrelevância jurídico-penal e até mesmo substituição por outra categoria jurídica. 
Interessa, contudo, destacar apenas a teoria normativo-preventiva desenvolvida por Claus Roxin: 
Culpabilidade como parte de uma categoria mais ampla – 
Para Roxin, o delito se estrutura por tipicidade, ilicitude e responsabilidade (não apenas culpabilidade). 
Responsabilidade = culpabilidade + necessidade de pena
Na necessidade de pena, são avaliados critérios de prevenção geral e especial que justificam a imposição de uma pena ou a afastam. Ex. Não é necessário aplicar pena ao sujeito já ressocializado; à mãe que mata culposamente o próprio filho (perdão judicial); entre outros. 
A culpabilidade, de sua vez, é composta de: capacidade de autocontrole (capacidade de alcance psíquico do efeito de chamada de atenção da norma) + acessibilidade normativa (ocorre quando o sujeito pratica o injusto apesar de ser capaz de alcancar o efeito de chamada de atenção da norma jurídica, ou seja, quando ele era capaz de ser motivado pela norma e, assim, decidir por não a violar). 
A culpabilidade é receptividade, pelo sujeito, na situação concreta, ao apelo normativo: é atuação ilícita conquanto existente a motivabilidade normativa. Portanto, de acordo com essa corrente, para tornar penalmente responsável o agente, além de sua culpabilidade (entendida como capacidade de motivação pela norma), deve restar comprovada a necessidade de imposição da pena, a partir de critérios de prevenção.

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