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1 Método e Empirismo em Bancon Francis Bacon é uma figura controvertida na história da filosofia moderna e ciência. Aos olhos dos fundadores da Royal Society, ele era o profeta de uma nova metodologia, os philosophes também consideravam Bacon como inovador, um campeão de um novo método indutivo – experimental. Mas Alexandre Koyré, eminente historiador do século vinte, minimiza o valor das contribuições de Bacon. Ele salienta que Bacon não conseguiu resultados novos na ciência, e que sua critica do método aristotélico não era nem original nem incisiva. Os argumentadores concordam quanto a vários aspectos da contribuição de Bacon: 1) que o próprio Bacon não enriqueceu a ciência por meio de exemplos concretos do seu professo método; 2) que o grande talento literário de Bacon capacitou- o a exprimir as suas ideias tão eficazmente que muitos estudiosos atribuíram-lhe um grande papel na renovação cientifica do século dezessete; 3) a originalidade de Bacon, se alguma, está na sua teoria do método cientifico. O próprio Bacon reivindicava originalidade para o seu método. Como título de sua obra principal sobre o método ele escolheu, Novum Organum, indicando dest’arte que o seu método deveria substituir aquele do Organon, a compilação medieval dos escritos de Aristóteles. Alguns críticos afirmaram que Bacon teve êxito. Assim, por exemplo, John Herschel declarou o seguinte no seu influente Discurso Preliminar sobre Filosofia Natural (1830) – pelas descobertas de Copérnico, Kepler e Galileu, os erros da filosofia aristotélica foram eficazmente sobrepujados pelos simples apelos aos fatos da natureza; mas restava mostrar, a partir de princípios amplos e gerais, como e porque Aristóteles estava errado; a fim de por em evidência a franqueza peculiar do seu método de filosofar, e para substitui-lo por outro mais poderoso e melhor. Esta importante tarefa foi executada por Francis Bacon.² CRÍTICA DO MÉTODO ARISTOTÉLICO Era, porém um “novo” Organon o método de Bacon? Bacon insistia em que a primeira exigência do método cientifico era que o filósofo natural (N.T. o físico, na 2 terminologia hodierna) deveria purgar-se dos preconceitos e predisposições para novamente tornar-se uma criança diante da natureza. Ele notou que o estudo da natureza havia sido obscurecido por quatro tipos de “Ídolos”, que habitam as mentes humanas. Os Ídolos da Tribo têm o seu fundamento na própria natureza humana. O julgamento tende a postular maior regularidade na natureza do que a realmente observada; a generalizar apressadamente; a superestimar o valor dos casos confirmativos. Os Ídolos da Caverna por contraste, são atitudes diante da experiência que surgem da criação e educação dos homens como indivíduos. Os Ídolos da Praça do Mercado são distorções que surgem quando os significados das palavras são reduzidos ao mínimo denominador comum do uso vulgar, impedindo assim a formação cientifica dos conceitos. E os Ídolos do Teatro são os dogmas e métodos recebidos dos vários filósofos. A filosofia de Aristóteles era um Ídolo de Teatro que Bacon estava ansioso por desacreditar. É preciso salientar, porém que Bacon aceitava as linhas principais da teoria do processo científico, indutivo-dedutivo de Aristóteles. Bacon, tal como Aristóteles, encarava a ciência como uma progressão das observações aos princípios gerais e de volta às observações. É verdade que Bacon enfatizava o estágio indutivo do proceder cientifico, mas atribuía aos argumentos dedutivos um importante papel na confirmação das generalizações indutivas.³ Ademais, Bacon insistiu em que os frutos da indagação cientifica são novos trabalhos e invenções, notando que isto é uma questão de deduzir de princípios gerais, consequências com aplicação prática. Mas, embora Bacon aceitasse a teoria do processo científico de Aristóteles, tinha uma atitude altamente critica quanto ao modo de efetuar este processo. Quanto ao estágio indutivo, Bacon emitiu uma condenação em três partes. Primeiramente, Aristóteles e seus seguidores praticam uma coleção de dados ao acaso e sem critica. Francis Bacon conclamou por uma implementação exaustiva da Segunda Prerrogativa da Ciência Experimental de Roger Bacon, a saber, o uso da experimentação sistemática a fim de ganhar novos conhecimentos da natureza. A propósito disto, Francis Bacon salientou o valor dos instrumentos científicos na coleção dos dados. 3 Em segundo lugar, os aristotélicos generalizam precipitadamente. Obtidas umas poucas observações, eles saltam de vez aos princípios os mais gerais, e em seguida utilizam estes princípios para deduzir generalizações de escopo menor. Em terceiro lugar, Aristóteles e seus seguidores confiam na indução por simples enumeração, na qual correlações de propriedades que se aplicam a alguns indivíduos de uma determinado tipo são consideradas aplicáveis a todos os indivíduos deste tipo. Entretanto, a aplicação desta técnica indutiva frequentemente leva a conclusões falsas, porque exemplos negativos não são levados em conta (Bacon não mencionou a ênfase posta sobre o método da diferença por autores medievais tais como Grosseteste e Ockham). Quanto ao estágio dedutivo da investigação cientifica, Bacon tinha duas queixas principais. A primeira era de que os aristotélicos não definiam adequadamente predicados importantes tais como “atração”, “geração”, “elemento”, “pesado” e “húmido”, assim tornando inúteis os argumentos silogísticos em que ocorrem estes predicados. Bacon fez ver, corretamente, que a demonstração silogística a partir dos primeiros princípios era efetiva apenas se os termos dos silogismos fossem bem definidos. A segunda reclamação de Bacon era que Aristóteles e ses seguidores reduziram a ciência à lógica dedutiva superestimando a dedução das consequências desde os primeiros princípios. Bacon salientou que argumentos dedutivos têm valor cientifico se as suas premissas têm um suporte indutivo próprio. Neste ponto Bacon deveria ter distinguido entre a teoria do método de Aristóteles e a maneira pela qual este método foi mal usado por pensadores que se denominaram a si mesmos de “aristotélicos”. Os praticantes de um falso aristotelianismo estabeleceram um curto-circuito no método do Aristóteles ao começarem não pela indução a partir da evidencia observacional e sim pelos primeiros princípios do próprio Aristóteles. Este falso aristotelianismo encorajou uma teorização dogmática, cortando a ciência da sua base empírica. Mas o próprio Aristóteles havia insistido em que os primeiros princípios fossem induzidos a partir da evidencia observacional. Bacon foi injusto ao condenar Aristóteles por ter reduzido a ciência à lógica dedutiva. 4 “CORREÇÃO” DO MÉTODO ARISTOTELIANO Bacon propôs o seu “novo” método para a ciência a fim de superar as supostas deficiências da teoria aristotélica do proceder cientifico. As duas principais características do novo método de Bacon eram: a ênfase sobre induções graduais e progressivas, e um método de exclusão. Bacon achava que uma investigação cientifica devidamente conduzida constitui uma ascensão passo-a-passo da base ao ápice da pirâmide das preposições, como no esquema: Bacon sugeriu que uma série de “histórias naturais e experimentais” deveria ser compilada a fim de estabelecer uma base segura para a pirâmide. O próprio Bacon contribuiu trabalhos sobre os ventos, o fluxo e refluxo das marés, a longevidade e os modos de vida de vários povos e dos animais. Infelizmente, muito do seu material provém de histórias naturais de fontes inconfiáveis. Bacon mantinha que depois de estabelecer os fatos de uma ciência particular, o filósofodeveria procurar as correlações dentro destes fatos, insistindo sobre uma ascensão gradual indutiva, desde correlações de baixo grau de generalidade até os mais abrangentes. Ele estava ciente de que algumas correlações entre fatos são apenas “acidentais”. A fim de eliminar estas, formulou um método de exclusão. Bacon sugeriu que correlações acidentais muitas vezes podem ser identificadas inspecionando as tabelas de 5 presença, ausência e graus. Qualquer correlação em que, num caso qualquer, um dos atributos está ausente e outro presente, o quando um atributo decresce enquanto o outro cresce, deve ser excluída da pirâmide. Bacon acreditava que depois de eliminados, desta maneira, as correlações acidentais, permaneceriam unicamente as correlações essenciais. E as correlações essenciais são assunto próprio para novas generalizações indutivas. Bacon citava o método da exclusão como um importante ponto a favor do seu método em relação ao de Aristóteles. Ele sustentava, corretamente, que a simples enumeração, que era um dos métodos indutivos utilizados por Aristóteles, é inadequada para distinguir as correlações essenciais das acidentais. Bacon mantinha que a aplicação do método da exclusão pode efetuar esta distinção, porquanto ele da o devido peso à ausência e à intensidade relativa. Bacon era suficientemente realista para reconhecer que em muitos casos é difícil achar correlações essenciais simplesmente inspecionando as tabelas de presença. Ausência e graus. Por este motivo ele destacou vários tipos de “casos prerrogativos”, de especial valor na pesquisa das correlações essenciais; Ele parecia ter acreditado que a natureza essencial destes casos consistia em revelar correlações essenciais. O mais importante dos 27 Casos Prerrogativos de Bacon talvez seja o “Caso do Marco de Bifurcação”, exemplo que decide a opção entre explicações competitivas. O próprio Bacon sugeriu um exemplo crucial deste tipo para decidir entre das hipóteses sobre o fluxo e refluxo das marés. A primeira era de que as marés são um avanço e retirada das águas, analogamente à água sendo balançada para frente e para trás numa bacia. A segunda era de que as marés são um levantamento e queda periódicas das águas. Bacon notou que a hipótese da bacia seria falsificada se se pudesse mostrar que as marés altas temporalmente coincidentes nas costas da Espanha e da Flórida não eram acompanhadas de marés baixas em outra parte. Sugeriu que um estudo das marés nas costas no Peru e da China resolveriam a controvérsia. Bacon reconheceu que um caso é “crucial” apenas se inconsistente com todo o conjunto de premissas explicativas, menos uma. Mas não é possível provar que uma declaração sobre um tipo de fenômeno pode ser deduzida de apenas estes conjuntos de premissas e nenhuma outras. Bacon era culpado de superestimar a força lógica dos casos do Marco de Bifurcação. Não obstante, a eliminação de hipóteses cujas 6 consequências dedutivas (dadas condições antecedentes específicas) não se acham em acordo com as observações pode ter valor na busca de uma explicação mais adequada. Naturalmente, Francis Bacon não inventou este método de falsificação. Aristóteles o havia utilizado, e Grosseteste e Roger Bacon recomendaram este método como a maneira padrão de estabelecer uma hipótese eliminando as suas competidoras. A BUSCA DAS FORMAS Bacon referiu-se aos princípios mais gerais da pirâmide como “Formas”. Formas são expressões verbais das relações entre “naturezas simples”, aquelas qualidades irredutíveis, presentes nos objetos, que nós percebemos. Bacon acreditava que várias combinações das naturezas simples constituem os objetos da nossa experiência e que se pudéssemos alcançar o conhecimento das Formas, ser-nos-ia possível controlar e modificar as forças da natureza. Em alguns de seus comentários sobre as Formas, Bacon parece ter concebido a união naturezas simples em termos de uma analogia alquímica. Assim, por exemplo, ele declarou que – aquele que conhece as formas do amarelo, do peso, da ductilidade, fixidez, fluidez, solução, etc., e os métodos de sobreinduzilos, assim como as gradações modos, tomará o cuidado de juntá-los entre si em algum corpo, e dai poderá dar-se a transformação deste corpo em ouro. Bacon, ele mesmo, contribuiu com investigações sobre as Formas do calor, do banco, a atração dos corpos, o peso, o gosto, a memória e o “espírito incluso nos corpos tangíveis”. As Formas de Bacon não são platônicas nem constituem causas formais aristotélicas. Exprimem antes, supostamente, as relações entre propriedades físicas que têm o poder de produzir efeitos. Em termos aristotélicos, as formas de Bacon referem-se aos aspectos materiais e eficientes da causação, assim como ao aspecto meramente formal. Em muitos casos (sendo exceções o magnetismo e o “espírito incluso nos corpos tangíveis”) Bacon especificou Formas em termos das configurações e movimentos das 7 partes invisíveis dos corpos. Ele aceitava o principio atomístico de qe efeitos macroscópicos devem ser explicados por interações submacroscópicas, mas não aceitava a posição do atomista de que impacto e impenetrabilidade são propriedades fundamentais dos átomos. Bacon atribuía “forças” e “simpatias” a partis dos corpos. Além disso, não aceitava a ideia de um vácuo contínuo através do qual ficam dispersos os átomos. Bacon impunha duas exigências às formas: estas proposições devem ser verdadeiras em todos os casos e os recíprocos dessas proposições também devem ser verdadeiros. A forma do calor de Bacon, por exemplo, estabelece uma identidade entre “calor” e “ um rápido movimento expansivo das pequenas partículas dos corpos, partículas estas impedidas de escapar pela superfície do corpo”. De acordo com Bacon, se calor está presente, também o estará o movimento rápido de expansão, e reciprocamente. Uma convertibilidade semelhante supostamente se aplica a todas as Formas. Bacon às vezes referia-se às Formas como “leis”. Assim, p.ex., no livro 2 do Novum Organum, ele escreveu que – quando falo de Formas, refiro-me a nada mais que as leis e determinações de absoluta atualidade, que governam e constituem toda e qualquer natureza simples tal como calor, luz, peso, em qualquer espécie de matéria e de sujeito que lhes seja suscetível. Assim, a Forma do Calor ou a Forma da Luz é a mesma coisa que a lei do Calor ou a lei da Luz. Retiradas do contexto, certas observações de Bacon sobre “leis” soam como modernas. Mas várias de suas ênfases não são modernas. Mas várias de suas ênfases não são modernas. Em primeiro lugar, Bacon constituiu leis físicas baseando no modelo de decretos impostos por um poder civil Em segundo lugar, ele não estava interessado em exprimir leis em forma matemática. E em terceiro lugar, Bacon encarava o universo como uma coleção de substâncias que têm propriedades e poderes, e que apresentam relações entre si. Ele não considerava o Universo com um fluxo de acontecimentos que acontecem em padrões regulares. Neste ponto, a metafisica de Bacon ainda é aristotélica. Deve-se concluir que a busca das Formas de Bacon ainda se acha muito dentro da tradição aristotélica. John Herschel superestimou de muito a originalidade da teoria do método de Bacon 8 BACON COMO PROPAGRANDISTA DA PESQUISA CIENTIFICA Se o que dissemos fosse tudo que se poderia dizer de Bacon, seria difícil entender por que é que ele é uma figura controvertida na história da ciência; É verdade que Bacon procurou reformar o método cientifico. Há entretanto, algo mais na visão da ciência de Bacon do que apenas as “correções” sugeridas á teoria do método de Aristóteles.Bacon aceitava como imperativo moral que o Homem deve recuperar o domínio sobre a natureza que teria perdido na Queda. Ele salientou repetidamente que os homens devem controlar e redirigir as forças naturais de modo a melhorarem e qualidade de vida dos seus semelhantes. Assim, a descoberta das Formas é apenas uma meta imediata da investigação cientifica. Deve-se alcançar o conhecimento das Formas antes que se possa coagir a natureza a servir a propósitos humanos. Mas o fim último da investigação cientifica é o poder sobre a natureza. A ênfase de Bacon sobre a aplicação prática do conhecimento cientifico aparece em marcado contraste com a posição de Aristóteles de que o conhecimento da natureza constitui um fim em si. É esta ênfase sobre o controle das forças naturais que separa mais claramente a filosofia de Bacon da filosofia aristotélica que ele esperava derrubar. Este ênfase sobre a aplicação prática do conhecimento cientifico explica muita coisa sobre a polêmica excessivamente hostil de Bacon contra Aristóteles. Farrington está certo em apontar que a hostilidade de Bacon reflete ultraje moral – a filosofia de Aristóteles não apenas levou a novas obras para beneficiar a humanidade, mas ainda fez fracassar as poucas tentativas feitas. Por contraste, Bacon elogiou o progresso feito nos diversos ofícios tradicionais, citando as invenções da imprensa, da pólvora e da bússola marítima como exemplos do que se pode conseguir por gente não encantada pelos Ídolos do Teatro. Um aspecto importante da nova visão da ciência de Bacon é que a recuperação do domínio do Homem sobre a natureza é possível unicamente através da investigação cooperativa. A serviço desta convicção, Bacon fez numerosas tentativas de introduzir reformas administrativamente. Ele dirigia os seus apelos pelo apoio a projetos cooperativos quase que exclusivamente à coroa e seus ministros, e não às universidades, estratégia esta que refletia a sua baixa opinião da vida acadêmica contemporânea. Mas não teve êxito. A sua visão da investigação cooperativa frutificou apenas na geração 9 seguinte, quando a Royal Society empreendeu a implementação não apenas da atitude geral de Bacon em relação à ciência, mas também alguns dos seus projetos específicos. Outro aspecto da visão baconiana da ciência é o divórcio efetuado entre a vivência, de um lado, e a teleologia e a teologia natural, de outro. Bacon restringiu a investigação das causas finais aos aspectos volicionais do comportamento humano, observando que a busca das causas finais dos fenômenos físicos e biológicos leva a disputas puramente verbais que impedem o progresso cientifico. A exclusão, por Bacon das causas finais da ciência natural reflete a sua insistência em que o cientista deve tornar-se novamente uma criança diante da natureza. Ver a natureza através do prisma da adaptação proposital, quer ordenada divinamente que não, é evitar de enfrentar a natureza nos seus próprios termos. A preocupação com a questão “com que propósito” torna impossível a descoberta de Formas e a melhoria subsequente da condição humana.
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