Buscar

(TEXTO 1) (6) A relação escola sociedade

Prévia do material em texto

A relação escola-sociedade 
Felipe de Souza 
No pensamento sociológico, as relações entre o processo educacional formal e 
a sociedade de classes é vista por várias perspectivas. 
Na concepção de Dewey por exemplo, a educação é uma necessidade que 
garante a continuidade da vida humana, através da transmissão constante das 
experiências acumuladas pelo grupo às novas gerações, que deve cumprir a 
função social de produzir um ser humano “plenamente desenvolvido”. Por isso 
é considerado por ele uma instancia social positiva. 
Dewey salienta a importância da educação que integre o desenvolvimento 
natural à eficiência social. Tal concepção de homem, aliada a uma concepção 
da educação que produz este homem, ocorreria num contexto mais amplo de 
definição da sociedade ideal, a sociedade democrática. Nesta sociedade a 
socialização seria o processo que expõe o indivíduo ao pensamento cientifico, 
levando-o a uma visão mais racional do mundo. 
No outro extremo alguns teóricos denunciam os resultados condenáveis do 
processo educativo, segundo eles, a escola cumpre um papel ideologizante, 
ou seja, através de uma imposição sutil, leva os educandos a adquirirem uma 
visão de mundo compatível com a manutenção da sociedade de classes; assim, 
ela está a serviço dos interesses dos grupos que nesta formação social 
monopolizam o poder econômico, social , político e cultural. 
Subjacente a essas duas formas extremas de conceber o papel social da 
educação escolar, encontram-se as duas tendências teóricas mais 
representativas do pensamento sociológico. 
O funcionalismo que tem em Durkheim seu representante mais importante e 
como principio constitutivo a integração. E o materialismo histórico, 
formulado por Marx e continuado por outros, que tem como principio 
constitutivo o principio da contradição. 
Para Durkheim, à educação cabe a função de constituir um ser social solidário 
em cada novo indivíduo, “ não há povo em que não exista certo número de 
idéias, de sentimentos e de praticas que a educação deve inculcar a todas as 
crianças”. De outro lado, a diversidade educacional justifica-se inteiramente 
numa sociedade na qual é imperativo formar indivíduos diferentes para o 
exercício de funções diferentes. E, no pensamento durkheimiano, o critério 
para destinar um educando a uma determinado tipo de educação não é a sua 
origem social, mas sim as suas aptidões individuais (coerência com o seu 
modelo orgânico de explicação do social). 
A doutrina econômica dos que defendem o livre desenvolvimento dos 
interesses individuais, sem limitação estatal, como sistema para atingir o bem 
estar social e privado é o liberalismo, que tem como corolário o 
individualismo. Doutrina na qual se encontram as raízes profundas do 
pensamento educacional brasileiro. 
As crenças abrangidas pelo liberalismo são de que é possível criar uma 
sociedade de classes na qual os indivíduos escolham voluntariamente o 
caminho que os leve a uma determinada posição social na vida. No ideário 
liberal, o conceito de liberdade traduz-se a nível político, no conceito de 
democracia. 
Os ideais liberais passaram aos planos educacionais (o papel que a escola 
desempenharia na sociedade de classes) através de projetos de instrução 
publica que tinham como pressuposto básico a crença de que a igualdade de 
oportunidades seria promovida através da instrução publica gratuita, 
obrigatória e igualitária. Ao estado caberia assumir a divida da educação 
nacional controlar o ensino e instruir, garantindo a todos o direito a instrução. 
A educação portanto seria a grande igualadora das condições entre os 
homens, o fator neutralizador das desigualdades sociais, viabilizado pelo 
estado. 
No pensamento dos filósofos do liberalismo a ascensão social depende única e 
exclusivamente das capacidades individuais , e não pode haver igualdade 
social entre os homens porque não existe esta igualdade a nível individual, ou 
seja, as desigualdades sociais num regime social liberal são imputáveis às 
desigualdades individuais naturais. 
O mito da igualdade de oportunidades, garantida pela educação financiada 
pelo Estado, criou raízes profundas no pensamento educacional. Esta versão 
da vida social encontra-se no centro das mais influentes doutrinas 
educacionais dos dias atuais. 
Se, para Durkheim a característica fundamental das “sociedades complexas” é 
a solidariedade orgânica e a integração do todo social daí advinda, para Marx, 
esta sociedades fundam-se numa contradição: a existência do proletariado e 
do capitalista, dos que produzem e dos que se apropriam do resultado da 
produção, cujos interesses são irreconciliáveis. 
Marx parte do mundo material rumo à compreensão do universo mental e 
cultural demonstrando que não são as idéias dos homens sobre o mundo e 
sobre si mesmos que determinam a maneira como agem socialmente, mas que 
é sua ação social que determina essas idéias. A consciência é o produto das 
condições reais de existência e a infra-estrutura econômica determina a 
dimensão cultural. 
No pensamento materialista o mundo da ação não está separado do mundo 
das idéias, nem é por ele determinado. O homem não produz apenas objetos; 
ao mesmo tempo em que produz objetos ele produz relações sociais e produz 
idéias que justificam estas relações. 
Onde regem relações de dominação a cultura não é um patrimônio comum a 
todos, um conjunto indiviso de normas e padrões que expressa o pensamento 
coletivo, mas “uma dimensão da dominação”, que toma a si o cargo de tornar 
inteligível a ordem real e promove-la segundo sua lógica histórica, ao cobri-la 
de sentido para os agentes das relações de dominação. 
A classe que dispõe dos meios de produção material dispõe igualmente dos 
meios de produção intelectual, produzindo idéias que regulamentam a 
produção e a distribuição dos pensamentos de sua época. 
Devido as próprias condições estruturais do sistema capitalista, a democracia, 
em sua acepção burguesa jamais atingiu nem poderá atingir seus ideais de 
igualdade, liberdade e fraternidade. Mas, a disseminação da crença nesta 
possibilidade afinal, aparentemente verdadeira, numa sociedade de classes, é 
fundamental a manutenção do sistema e aos interesses dos grupos e da classe 
que detêm o poder. 
Neste contexto, a “indisciplina”, a “desordem” e os conflitos sociais, longe de 
serem sintomas de desorganização, crise ou anomia, são expressões 
inevitáveis de algo inerente ao sistema: a presença de contradições. 
O processo de ideologização é feito pelas e nas instituições culturais entre as 
quais se encontra a escola. É graças a essa ação ideologizante que se 
reproduzem as relações de produção e é este o papel dominante da educação 
em uma sociedade de classes e não, como quer Durkheim, o de simplesmente 
introduzir os jovens no modus vivendi da sociedade. 
O Aparelho de Estado é constituído pelo Aparelho Repressivo de Estado (o 
Governo, a Administração, o Exercito, a Polícia, os Tribunais, as Prisões) e 
pelos Aparelhos Ideológicos de Estado, correspondentes a uma multiciplidade 
de instituições sociais, não importa se de caráter publico ou privado (a Igreja, 
a Escola, a Família, as Comunicações Sociais e as Instituições Culturais, dentre 
outros) mas que possuem um denominador comum: o fato de funcionarem 
principalmente pela ideologia dominante, cumprindo a função de assegurar a 
reprodução das relações de produção. Esta analise é feita tanto por Althusser 
quanto por Guilhon. 
A escola configura-se como um instrumento de especial importância na 
orquestra dos Aparelhos Ideológicos de Estado que interpretam uma mesma 
partitura: a da ideologia dominante. Sua importância advém do fato dela 
atuar diariamente sobre os indivíduos, em uma idade em que estão mais 
“vulneráveis” às influencias formadoras externas. 
A escola, ao mesmo tempo em que ensina técnicas e conhecimentosa partir 
da ótica da ideologia dominante, ensina também as regras dos bons costumes 
ou, nas palavras de Althusser, transmite a ideologia dominante em estado 
puro (moral, civismo, etc). 
Além de cumprir o papel de qualificador da mão-de-obra, na medida das 
necessidades do sistema, ( neste papel distribuir os cidadãos pelos vários tipos 
de atividades produtivas existentes na sociedade, através de mecanismos 
nada neutros ou liberais ) a escola prepara do ponto de vista de atitudes, 
crenças e valores, os agentes para respeitar a divisão social-tecnica do 
trabalho e as regras da ordem estabelecida pela dominação de classe. 
Os mecanismos que reproduzem este resultado são dissimulados por uma 
representação ideologica universal da escola como uma instituição neutra e 
desprovida de ideologia. 
Segundo Establet e Baudelot, é importante saber que é em aspectos mais sutis 
das praticas escolares que a transmissão da ideologia burguesa se faz de 
forma mais eficiente: através dos rituais escolares, que transmitem da mesma 
forma tanto os conteúdos que têm um valor de conhecimento, quanto os que 
têm uma função ideológica, neutralizando, assim, a sua diferença. Todos os 
conteúdos são ensinados como regras escolares, o que equivale a dizer que 
todas as práticas escolares são práticas de incultação ideológica. Isto porque, 
o uso produtivo de uma regra, que lhe empresta seu real valor de 
conhecimento, está ausente da escola e das práticas escolares. De acordo com 
Althusser, “os conhecimentos só são utilizados aí no quadro de problemas 
fictícios, fabricados no interior da própria prática escolar e tendo em vista 
seus objetivos: dar notas, classificar, sancionar indivíduos”. 
Estamos diante da cisão entre a teoria e a prática, que tem suas origens na 
separação entre o trabalho manual e o intelectual. Em última instância, quer 
se ensine matemática, quer normas e valores morais por meio desta prática 
cindida, estamos transmitindo uma concepção ideológica de conhecimento, 
de saber e de ciência, que tem como efeito último impedir o conhecimento 
em seu sentido mais verdadeiro. A questão mais importante não é saber se um 
determinado conteúdo de ensino é ideológico ou não, pois a própria maneira 
como são ensinados garante sua natureza ideologizante. 
A apresentação da ideologia dominante como a verdade absoluta, tem como 
corolário o recalcamento, a sujeição, o disfarce da ideologia proletária. Os 
próprios termos correntes, como “fracasso – sucesso”, “normal – anormal”, 
“educação”, “instrução”, devem ser considerados máscaras, pois escondem o 
que realmente ocorre na escola. 
Torna-se inevitável concluir, pois, que o aparelho escolar é um lugar de 
contradição, no qual, os “defeitos” ou os “fracassos” de funcionamento são a 
realidade necessária de seu funcionamento, e no qual se torna imprescindível 
o recurso a práticas disciplinares e coercitivas de natureza repressiva. 
PSICOLOGIA E IDEOLOGIA 
A psicologia como ciência surge no mesmo contexto em que se desenvolve a 
relação escola – sociedade, contexto do desenvolvimento do capitalismo e da 
ideologia que o justifica. 
A ideologia, para Horkheimer e Adorno, é justificação, sua existência 
pressupõe a experiência de uma condição social que fracassou. Todas as 
ciências nascem de forma a modificar, contradizer, uma ordem ou um sistema 
vigente, por exemplo quando Galileu impugnou a concepção aristotélico – 
tomista do universo, o que significou, na época, um atentado contra a ordem 
estabelecida. Isto não significa que a ciência seja neutra ou desinteressada, 
ela se constrói com bases em interesses históricos. Para Deleule, a ciência 
conserva sua bagagem teórica independentemente do transcurso ideológico da 
história, porém, suas aplicações podem , em certos casos, pôr em evidência 
uma tomada de partido ideológico. 
Já a Psicologia, não tem esta mesma pretensão, ela surge justamente para 
justificar as mudanças ocorridas no fim do século XIX, quando a classe 
burguesa se torna dominante. Assim como afirma Deleule, longe de romper 
com a ideologia dominante, a Psicologia, traz a esta classe o apoio de seu 
aparato técnico e de seu arcabouço teórico. 
Com o aparecimento de novas condições de trabalho na sociedade industrial 
capitalista, surge também a necessidade de se construir novos tipos de 
recrutamento de mão-de-obra, era preciso detectar nos indivíduos, aptidões e 
traços de personalidade que garantissem sua eficiência e produtividade. 
A Psicologia nasce de forma a atender essa demanda, provendo conceitos 
“científicos” de medidas a fim de garantir a adaptação dos indivíduos à nova 
ordem social. Limitando-se, ao nascer, a calcar-se em métodos já 
estabelecidos cientificamente. 
Esta “ciência”, a Psicologia, se constitui como instrumento e efeito das 
necessidades geradas nessa nova divisão social, que são: selecionar, orientar, 
adaptar e racionalizar, com a finalidade de aumentar a produtividade. Galton, 
Gattell e Binet desenvolveram seus primeiros trabalhos voltados para a 
solução de problemas referentes à melhor forma de organizar racionalmente a 
sociedade. 
Terman juntamente com os três autores citados anteriormente, 
instrumentalizam a psicologia escolar com seus trabalhos. Binet, constrói um 
procedimento que posteriormente se torna a principal atividade dos 
psicólogos durante todo o século: classificar os indivíduos, principalmente 
crianças em idade pré-escolar e escolar primária para justificar sua 
distribuição em classes sociais. Assim se constitui o primeiro método da 
psicologia escolar: a psicometria. A escala de medida da inteligência, 
elaborada por Binet, vem classificar as crianças do sistema escolar francês, 
sendo estendida posteriormente à outros países, quanto sua capacidade 
metal, marcando assim, o início efetivo dos programas de mensuração da 
capacidade intelectual em populações escolares. 
Cattell se torna fundador do “movimento dos testes” nos Estados Unidos, ele 
é o primeiro a utilizar a expressão “mental testes” que se refere à uma 
mensuração que permitia quantificar em que proporção um indivíduo possui a 
uma determinada função, em relação à medida do grupo. Estes testes 
serviram às finalidades de explicar a existência de bons e maus alunos, de 
dividir as crianças em normais e deficientes. 
Terman, em 1912, se interessou pelos primeiros estudos de Binet, aperfeiçoou 
o cálculo da idade mental e construiu o teste do Quociente Intelectual (QI). 
Essa foi a medida das aptidões humanas que mais fez sucesso na história da 
Psicologia. 
Após o pioneirismo destes autores, não tardou a invasão de testes verbais, não 
verbais ou de performance no cenário mundial, respaldados pela Psicologia e 
seus ideais prédeterministas. Estes testes visam a classificação, a seleção, a 
mensuração da adaptabilidade ou do potencial de desajustamento dos 
indivíduos às diversas funções (sua capacidade produtiva), a explicação do 
insucesso escolar, profissional e social e, acima de tudo, a continuidade da 
crença no mito da igualdade de oportunidades; seguindo, portanto, a lógica 
da racionalização, enraigada na sociedade capitalista. 
A explicação que estes testes oferecem para o insucesso escolar é de que a 
inteligência é uma “dimensão geneticamente determinada da capacidade 
funcional humana e, portanto, como um atributo essencialmente fixo”, 
segundo Hunt (citado por Patto, 1984, p.99). Podemos exemplificar esta 
afirmação a partir da explicação de Terman para a dificuldade de adaptação 
social de um indivíduo, ele atribui essa dificuldade a um baixo QI, a uma 
capacidade inferior de avaliação e julgamento e a traços neuróticos mais ou 
menos evidentes. Enquanto que o êxito profissional de outro será atribuído a 
seu QI superior. 
A Psicologia, a partir de então, oferece recursos que manipulam a eficiência 
do sujeito no sistema social, distribuiaqueles que podem ser integrados ao 
sistema funcional de divisão de classes e permite a identificação daqueles que 
ficam à margem do movimento de produção desse sistema, introduzindo 
medidas técnicas que irão ou reintegrar esse sujeito à ordem vigente ou 
segrega-los de forma que não representem impecílio para o bom 
funcionamento do sistema.

Continue navegando

Outros materiais