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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS CIVIL VI – DIREITO DE FAMÍLIA Prof. Maria Aparecida de Bastos INTRODUÇÃO AO DIREITO DE FAMÍLIA1 Nos diversos direitos positivos dos povos e mesmo em diferentes ramos de direito de um mesmo ordenamento, podem coexistir diversos significados de família. Como regra geral, porém, o Direito Civil moderno apresenta uma definição mais restrita, considerando membros da família as pessoas unidas por relação conjugal ou de parentesco. O direito de família estuda, em síntese, as relações das pessoas unidas pelo matrimônio, bem como daqueles que convivem em uniões sem casamento; dos filhos e das relações destes com os pais, da sua proteção por meio da tutela e da proteção dos incapazes por meio da curatela. O direito de família possui forte conteúdo moral e ético. O casamento ainda é o centro gravitador do direito de família, embora as uniões sem casamento tenham recebido parcela importante dos julgados nos tribunais, nas últimas décadas, o que se refletiu decididamente na legislação. Desse modo, importa considerar a família em um conceito amplo, como parentesco, ou seja, o conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar. Nesse sentido, compreende os ascendentes, descendentes e colaterais de uma linguagem, incluindo-se os ascendentes, descendentes e colaterais do cônjuge, que se denominam parentes por afinidade ou afins. Nessa compreensão, inclui-se o cônjuge, que não é considerado parente. Em conceito restrito, família compreende somente o núcleo formado por pais e filhos que vivem sob o pátrio poder. Nesse particular, a Constituição Federal estendeu sua tutela inclusive para a entidade familiar formada por apenas um dos pais e seus descendentes, a denominada família monoparental, conforme disposto no § 4º do art. 226: "Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes." Pode ainda ser considerada a família sob o conceito sociológico, integrado pelas pessoas que vivem sob um mesmo teto, sob a autoridade de um titular. Lineamentos Históricos No curso das primeiras civilizações de importância, tais como a assíria, hindu, egípcia, grega e romana, o conceito de família foi de uma entidade ampla e hierárquica, retraindo-se hoje, fundamentalmente, para o âmbito quase exclusivo de pais e filhos menores, que vivem no mesmo lar. No estado primitivo das civilizações o grupo familiar não se assentava em relações individuais. As relações sexuais ocorriam entre todos os membros que integravam a tribo (endogamia). Posteriormente, na vida primitiva, as guerras, a carência de mulheres e talvez uma inclinação natural levaram os homens a buscar relações com mulheres de outras tribos, antes do que em seu próprio grupo. Os historiadores fixam nesse fenômeno a primeira manifestação contra o incesto no meio 1 texto extraído do livro “Direito de Família” – Sílvio de Salvo Venosa, 4ª edição, 2004) social (exogamia). Nesse diapasão, no curso da história, o homem marcha par.a relações individuais, com caráter de exclusividade, embora algumas civilizações mantivessem concomitantemente situações de poligamia, como ocorre até o presente. Desse modo, atinge-se a organização atual de inspiração monogâmica. A monogamia desempenhou um papel de impulso social em benefício da prole, ensejando o exercício do poder paterno. A família monogâmica converte -se, portanto, em um fator econômico de produção, pois esta se restringe quase exclusivamente aos interiores dos lares, nos quais existem pequenas oficinas. Essa situação vai-se reverter somente com a Revolução Industrial, que faz surgir um novo modelo de família. Com a industriali zação, a família perde sua característica de unidade de produção. Perdendo seu papel econômico, sua função relevante transfere-se ao âmbito espiritual, fazendo- se da família a instituição na qual mais se desenvolvem os valores morais, afetivos, espirituais e de assistência recíproca entre seus membros (Bossert-Zannoni, 1996:5). Em Roma, o poder do pater exercido sobre a mulher, os filhos e os escravos é quase absoluto. A família como grupo é essencial para a perpetuação do culto familiar. No Direito Romano, assim como no grego, o afeto natural, embora pudesse existir, não era o elo de ligação entre os membros da família. Nem o nascimento nem a afeição foram fundamento da família romana. O pater podia nutrir o mais profundo sentimento por sua filha, mas bem algum de seu patrimônio lhe poderia legar (Coulanges, 1958, v. 1:54). A instituição funda-se no poder paterno ou poder marital. Essa situação deriva do culto familiar. Os membros da família antiga eram unidos por vínculo mais poderoso que o nascimento: a religião doméstica e o culto dos antepassados. Esse culto era dirigido pelo pater. A mulher, ao se casar, abandonava o culto do lar de seu pai e passava a cultuar os deuses e antepassados do marido, a quem passava a fazer oferendas. Por esse largo período da Antigüidade, família era um grupo de pessoas sob o mesmo lar, que invocava os mesmos antepassados. Por essa razão, havia necessidade de que nunca desaparecesse, sob pena de não mais serem cultuados os antepassados, que cairiam em desgraça. Por isso, era sempre necessário que um descendente homem continuasse o culto familiar. Daí a importância da adoção no velho direito, como forma de perpetuar o culto, na impossibilidade de assim fazer o filho de sangue. Não bastava porém gerar um filho: este deveria ser fruto de um casamento religioso. O filho bastardo ou natural não poderia ser o continuador da religião doméstica. As uniões livres não possuíam o status de casamento, embora se lhes atribuísse certo reconhecimento jurídico. O Cristianismo condenou as uniões livres e instituiu o casamento como sacramento, pondo em relevo a comunhão espiritual entre os nubentes, cercando-a de solenidades perante a autoridade religiosa. Por muito tempo na história, inclusive durante a Idade Média, nas classes nobres, o casamento esteve longe de qualquer conotação afetiva. O nascimento de filha não preenchia a necessidade, pois ela não poderia ser continuadora do culto de seu pai, quando contraísse núpcias. Reside nesse aspecto a origem histórica dos direitos mais amplos, inclusive em legislações mais modernas, atribuídos ao filho e em especial ao primogênito, a quem incumbiria manter unido o patrimônio em prol da unidade religioso-familiar. A ciência do direito demonstrou nos últimos séculos o caráter temporal do casamento, que passou a ser regulamentado pelo Estado, que o inseriu nas codificações a partir do século XIX como baluarte da família. Família Moderna. Novos Fenômenos Sociais A célula básica da família, formada por pais e filhos, não se alterou muito com a sociedade urbana. A família atual, contudo, difere das formas antigas no que concerne a suas finalidades, composição e papel de pais e mães. A passagem da economia agrária à economia industrial atingiu irremediavelmente a família. A industrialização transforma drasticamente a composição da família, restringindo o número de nascimentos nos países mais desenvolvidos. A família deixa de ser uma unidade de produção na qual todos trabalhavam sob a autoridade de um chefe. O homem vai para a fábrica e a mulher lança-se para o mercado de trabalho. No século XX, o papel da mulher transforma-se profundamente, com sensíveis efeitos no meio familiar. Na maioria das legislações, a mulher alcança os mesmos direitos do marido. Transfigura-se a convivência entre pais e filhos. Estes passam mais tempo na escola e em atividades fora do lar. Os conflitos sociais gerados pela nova posição social dos cônjuges, as pressões econômicas, a desatenção e o desgaste dasreligiões tradicionais fazem aumentar o número de divórcios. As uniões sem casamento passam a ser regularmente aceitas pela sociedade e pela legislação. A nova família estrutura-se independentemente das núpcias. Novos casamentos dos cônjuges separados formam uma simbiose de proles. O controle e o descontrole de natalidade são facetas do mesmo fenômeno. Por isso, as emigrações étnicas para os países desenvolvidos criam novas células familiares, com novos valores, com dificuldade de assimilação para as primeiras gerações nas novas terras. Casais homoafetivos vão paulatinamente obtendo reconhecimento judicial e legislativo. Em poucas décadas, portanto, os paradigmas do direito de família são diametralmente modificados. O princípio da indissolubilidade do vínculo do casamento e a ausência de proteção jurídica aos filhos naturais, por exemplo, direito positivo em nosso ordenamento até muito recentemente, pertencem definitivamente ao passado e à História do Direito do nosso país. Atualmente, o jurista defronta com um novo direito de família, que contém surpresas e desafios trazidos pela ciência. De outra face, o desenvolvimento tecnológico demonstra hoje ser possível a certeza da paternidade biológica, a fecundação artificial, a clonagem de seres humanos etc. em questões que superam as mais imaginosas ficções científicas de passado bem próximo. Natureza Jurídica da Família A doutrina majoritária, longe de ser homogênea, conceitua família como instituição. Como instituição, a família é uma coletividade humana subordinada à autoridade e condutas sociais. Uma instituição deve ser compreendida como uma forma regular, formal e definida de realizar uma atividade. Nesse sentido, família é uma união associativa de pessoas, sendo uma instituição da qual se vale a sociedade para regular a procriação e educação dos filhos. Sob a perspectiva sociológica, família é uma instituição permanente integrada por pessoas cujos vínculos derivam da união de pessoas de sexos diversos. Desse modo, como sociologicamente a família é sem dúvida uma instituição, o Direito, como ciência social, assim a reconhece e a regulamenta. Direito de Família Beviláqua (1937:6) definiu de forma perene: “Direito de família é o complexo de normas, que regulam a celebração do casamento, sua validade e os efeitos, que dele resultam, as relações pessoais e econômicas da sociedade conjugal, a dissolução desta, as relações entre pais e filhos, o vínculo do parentesco e os institutos complementares da tutela e da curatela.” Na definição do grande Beviláqua há que se acrescentar, hoje, as normas reguladoras das uniões sem casamento. É interessante observar que no passado qualquer referência jurídica à família tomava por base o casamento. Só mais recentemente a família foi observada pelos juristas sob prisma de instituição, abrangendo as uniões sem casamento e até mesmo as chamadas famílias monoparentais. A Constituição de 1988 ampliou, entre nós, o conceito de família, para reconhecer "como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes", bem como a união estável entre o homem e a mulher (art. 226). Destarte, a família é um gênero que comporta várias espécies (Pereira, 2003:8). O casamento, tal como o conhecemos, somente se estrutura na História quando o homem atinge determinado grau de cultura. A família preexiste à estruturação jurídica. O direito canônico, ou sob inspiração canônica, que regulou a família até o século XVIII e inspirou as leis civis que se seguiram, não era um direito civil na acepção técnica do termo. O direito de família canônico era constituído por normas imperativas, inspiradas na vontade de Deus ou na vontade do monarca. O casamento, segundo os cânones, era a pedra fundamental, ordenado e comandado pelo marido: “O pai transforma-se, assim, numa verdadeira fonte de criação de Direito, de normas de organização interna da família que se impõem aos dependentes. A vontade do pai é lei” (Diogo Leite de Campos. In: Teixeira, 1993:20). Nesses preceitos, o casamento tinha caráter de perpetuidade com o dogma da indissolubilidade do vínculo, tendo como finalidade a procriação e criação dos filhos. A desvinculação do matrimônio da Igreja abriu caminho para a revisão dessa dogmática. O direito de família, ramo do direito civil com características peculiares, é integrado pelo conjunto de normas que regulam as relações jurídicas familiares, orientado por elevados interesses morais e bem-estar social. Originalmente, em nosso país, o direito de família vinha regulado exclusivamente pelo Código Civil. O Código Civil de 2002 procura fornecer uma nova compreensão da família, adaptada ao novo século. Seguindo o que já determinara a Constituição de 1988, o atual estatuto procura estabelecer a mais completa igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros, do homem e da mulher. Da mesma forma, o vigente diploma civil contempla o princípio da igualdade jurídica de todos os filhos, independentemente de sua origem. Não mais se refere o Código ao pátrio poder, mas ao poder familiar, aquele que é exercido como um poder-dever em igualdade de condições por ambos os progenitores. Desse modo, o direito de família, por sua própria natureza, é ordenado por grande número de normas de ordem pública. Essa situação, contudo, não converte esse ramo em direito público. As normas de ordem pública no direito privado têm por finalidade limitar a autonomia de vontade e a possibilidade de as partes disporem sobre suas próprias normas nas relações jurídicas. No direito de família, a ordem pública prepondera dispondo sobre as relações pessoais dos cônjuges, relações entre pais e filhos, regimes matrimoniais, celebração e dissolução do casamento etc. Tal se deve ao interesse permanente do Estado no direcionamento da família como sua célula básica, dedicando-lhe proteção especial (art. 226, caput, da CF). Desse modo, embora o direito de família se utilize majoritariamente de normas imperativas para ordenar as relações entre seus membros, como afirma Guilhermo A. Borda (1993, v. 1:9), a pretensão de deslocar a família do direito privado representa um contra-senso. Não se pode conceber nada mais privado, mais profundamente humano do que a família, em cujo seio o homem nasce, vive, ama, sofre e morre. Desse modo, não há como se admitir o direito de família como direito público em um Estado democrático, porque cabe a ele tutelar e proteger a família, intervindo de forma indireta apenas quando essencial para sua própria estrutura. Características Preliminares O direito de família, por sua natureza, apresenta características que o afasta dos demais ramos do direito privado. A sociedade procura regular e tutelar a família da forma mais aceitável possível no tempo e no espaço. O Estado intervém na estrutura da família em prol da preservação da célula que o sustenta, em última análise. Ainda, cabe a ele estruturar os meios assistenciais e judiciais, legais e materiais para o acesso à Justiça, a fim de que o ideal da família seja obtido nas situações de conflito. Há, de plano, necessidade de especialização. O juiz e os tribunais de família devem possuir um perfil absolutamente diverso das cortes destinadas a dirimir conflitos patrimoniais. Avulta a importância nesse campo do mediador e da mediação, do juiz conciliador e dos corpos profissionais auxiliares das cortes, pedagogos, psicólogos, sociólogos e assistentes sociais. Não apenas os órgãos do Estado devem ser vocacionados para os conflitos de família, mas também do advogado é exigido perfil nesse árduo campo. O tradicional papel do advogado litigante cede lugar ao do advogado negociador, que juntamente com o juiz conciliador aponta ao interessado o modo mais convenientepara obter a solução do conflito que o aflige. “O advogado, nesse caso, deve esforçar-se para fazer entender a quem se enfrenta por ocasião de um conflito familiar, que muito mais eficaz será o que as partes concordam do que o que o juiz imponha” (Bossert e Zannoni, 1996:19). Deve sempre ser lembrado pelo juiz e pelo advogado, bem como pelo membro do Ministério Público, que toda sentença decorrente de um conflito de família é parte de um trágico drama. Deve ser criado um amplo espaço de atuação para os mediadores. Por outro lado, nenhum outro campo do Direito exige mais do jurista, legislador, juiz, Ministério Público e advogado uma mente aberta, suscetível para absorver prontamente as modificações e pulsações sociais que os rodeiam. Quem não acompanha a evolução social certamente se conduzirá em desarmonia com as necessidades de seu tempo. A jurisprudência deve dar pronta e apropriada resposta aos anseios da sociedade. Exige-se do operador do Direito que seja pleno conhecedor da sociedade e do meio em que vive. Neste Brasil, não há como dirimir o conflito familiar da mesma natureza com idênticas soluções no meio rural e no meio urbano, na região norte e na região sul, nas pequenas e nas grandes comunidades etc. As questões de família abrem palco para o advogado e juiz conciliador e mediador. Como relatamos, trata-se do campo do direito mais bafejado e influenciado por idéias morais e religiosas. Os chamados direitos de família constituem na verdade um complexo de direitos e deveres, como o pátrio poder ou poder familiar. O direito de família está centrado nos deveres, enquanto nos demais campos do direito de índole patrimonial o centro orientador reside nos direitos, ainda que também orientados pelo cunho social, como a propriedade. Por conseguinte, o papel da vontade é mais restrito, pois quase todas as normas de família são imperativas. Como outro corolário, os direitos de família puros, regulados por norma cogente, são irrenunciáveis, como o direito a alimentos. Nos alimentos, a transação se limitará a seu valor. No mesmo diapasão, como veremos, os direitos derivados do estado de família são imprescritíveis. Assim, não prescrevem os direitos de pleitear alimentos e de pedir o reconhecimento de filiação, por exemplo. O direito de família disciplina a relação básica entre os cônjuges, se casados, ou entre companheiros, na ausência de núpcias. A sociedade conjugal tem proteção do Estado com ou sem casamento, nos termos de nossa Constituição de 1988. Delas decorrem também os direitos relativos à filiação e ao parentesco direto (membros de um mesmo tronco), ou por afinidade (relação do cônjuge com os parentes do outro cônjuge). Como modalidade de filiação, a adoção sofreu no curso de nossa história legislativa lenta, mas gradual, evolução. Além dessa regulamentação direta, a lei também se preocupa com normas de caráter protetivo da família, bem como previdenciárias, estas de direito público. Outra característica presente dos direitos de família, quando examinados sob o prisma individual e subjetivo, é sua natureza personalíssima. Esses direitos são, em sua maioria, intransferíveis, intransmissíveis por herança e irrenunciáveis. O pátrio poder ou poder familiar e o estado de filiação são irrenunciáveis: ninguém pode ceder o direito de pedir alimentos, ninguém pode renunciar ao direito de pleitear o estado de filiação. Direito da Família no Brasil. Constituição de 1988 Os Códigos elaborados a partir do século XIX. Naquela época, a sociedade era eminentemente rural e patriarcal. A mulher dedicava-se aos afazeres domésticos e a lei não lhe conferia os mesmos direitos do homem. O marido era considerado o chefe, o administrador e o representante da sociedade conjugal. Nosso Código Civil de 1916 foi fruto direto dessa época. Os filhos submetiam-se à autoridade paterna, como futuros continuadores da família, em uma situação muito próxima da família romana. O Estado, não sem muita resistência, absorve da Igreja a regulamentação da família e do casamento, no momento em que esta não mais interfere na direção daquele. No entanto, pela forte influência religiosa e como conseqüência da moral da época, o Estado não se afasta muito dos cânones, assimilando-os nas legislações com maior ou menor âmbito. Manteve-se a indissolubilidade do vínculo do casamento e a capitis deminutio, incapacidade relativa, da mulher, bem como a distinção legal de filiação legítima e ilegítima. A partir da metade do século XX, o legislador foi vencendo barreiras e resistências, atribuindo direitos aos filhos ilegítimos e tornando a mulher plenamente capaz, até o ponto culminante que representou a Constituição de 1988, que não mais distingue a origem da filiação, equiparando os direitos dos filhos, nem mais considera a preponderância do varão na sociedade conjugal. A Lei nº 4.121, de 27-8-62, Estatuto da Mulher Casada, que eliminou a incapacidade relativa da mulher casada, inaugura entre nós a era da igualdade entre os cônjuges, sem que, naquele momento, a organização familiar deixasse de ser preponderantemente patriarcal. A batalha legislativa foi árdua, principalmente no tocante à emenda constitucional que aprovou o divórcio. Novos temas estão hoje a desafiar o legislador, como as inseminações e fertilizações artificiais, os úteros de aluguel, as cirurgias de mudança de sexo, os relacionamentos afetivos entre pessoas do mesmo sexo, a clonagem de células e de pessoas etc. A ciência evolui com rapidez e por saltos e hoje se esperam respostas mais rápidas do Direito, o que não ocorria no passado, quando as alterações eram quase exclusivamente de ordem sociológica, e, portanto, gradativas. A Constituição de 1988 consagra a proteção à família no art. 226, compreendendo tanto a família natural e a família adotiva. De há muito, o país sentia necessidade de reconhecimento da célula familiar independentemente da existência de matrimônio. Por outro lado, além da igualdade dos filhos, a igualdade de tratamento constitucional do marido e da mulher é elevada à condição de princípio normativo fundamental no direito de família. ''proteção de todas as espécies de família (art. 226, caput); reconhecimento expresso de outras formas de constituição familiar ao lado do casamento, como as uniões estáveis e as famílias monoparentais (art. 226, §§ 3º e 4º); igualdade entre os cônjuges (art. 5º, caput, I, e art. 226, 5º); dissolubilidade do vínculo conjugal e do matrimônio (art. 226, § 6º); dignidade da pessoa humana e paternidade responsável (art. 226, § 5º); assistência do estado a todas as espécies de família (art. 226, § 8º); dever de a família, a sociedade e o Estado garantirem à criança e ao adolescente direitos inerentes à sua personalidade (art. 227, §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 7º); igualdade entre os filhos havidos ou não do casamento, ou por adoção (art. 227, § 6º); respeito recíproco entre pais e filhos; enquanto menores é dever daqueles assisti-los, criá-los e educá-los, e destes o de ampararem os pais na velhice, carência ou enfermidade (art. 229); dever da família, sociedade e Estado, em conjunto, ampararem as pessoas idosas, velando para que tenham uma velhice digna e integrada à comunidade (art. 230, CF)". O Estatuto da Criança e do Adolescente veio regulamentar com minúcias, esse dispositivo constitucional, no âmbito de proteção e assistência, substituindo a lei anterior (Código de Menores, Lei nº 6.697/79). Estado de Família No Direito Romano, o status familiae (o estado familiar), era importante para estabelecer direitos e obrigações. Estado de família é a posição e a qualidade que a pessoa ocupa na entidade familiar. No direito civil, portanto, o Estado considera a pessoa em si mesma e com relação àfamília. Disso decorre a definição do maior capaz, menor incapaz, casado, solteiro etc. Sob aspecto genérico, a profissão também pode ser considerada um atributo do Estado. O estado de família é um dos atributos da personalidade das pessoas naturais. É atributo personalíssimo. É conferido pelo vínculo que une uma pessoa às outras: casado, solteiro. Também pode ser considerado sob o aspecto negativo: ausência de vínculo conjugal, familiar, filho de pais desconhecidos. Esses vínculos jurídicos familiares são de duas ordens: vínculo conjugal, que une a pessoa com quem se casou, e vínculo de parentesco, que a une com as pessoas de quem descende (parentesco em linha reta), com as que descendem de um ancestral comum (parentesco colateral), com os parentes do outro cônjuge (parentesco por afinidade), além de com o parentesco adotivo. Desse estado de família decorem deveres e direitos disciplinados pelo direito de família com reflexos em todos os campos jurídicos (processual, penal, tributário, previdenciário etc.). O estado de família apresenta características distintas que se traduzem em: 1. intransmissibilidade: esse status não se transfere por ato jurídico, nem entre vivos nem por causa da morte. É personalíssimo, porque depende da situação subjetiva da pessoa com relação à outra. Como conseqüência da intransmissibilidade, o estado de família também é intransigível; 2. irrenunciabilidade: ninguém pode despojar-se por vontade própria de seu estado. O estado de filho ou de pai depende exclusivamente da posição familiar. Ninguém pode renunciar ao pátrio poder, agora denominado poder familiar, por exemplo; 3. imprescritibilidade: o estado de família, por sua natureza, é imprescritível, como decorrência de seu caráter personalíssimo. Não se pode adquirir por usucapião, nem se perde pela prescrição extintiva; 4. universalidade: é universal porque compreende todas as relações jurídico- familiares; 5. indivisibilidade: o estado de família é indivisível, de modo que será sempre o mesmo perante a família e a sociedade. Não se admite, portanto, que uma pessoa seja considerada casada para determinadas relações e solteira para outras; 6. correlatividade: o estado de família é recíproco, porque se integra por vínculos entre pessoas que se relacionam. Desse modo, ao estado de marido antepõe-se o de esposa; ao de filho, o de pai, e assim por diante; 7. oponibilidade: é oponível pela pessoa perante todas as outras. O casado assim é considerado perante toda a sociedade. Ações de Estado As denominadas ações de Estado são aquelas nas quais a pretensão é de obtenção de um pronunciamento judicial sobre o estado de família de uma pessoa. Por exemplo, as ações de investigação de paternidade e negatória de filiação. Desse modo, as ações de estado são todas as que buscam proteger o estado de família de forma positiva ou negativa. Podem controverter a relação filial, conjugal ou de parentesco em geral. As ações de Estado puras não se confundem com as que visam ao exercício do estado de família. A ação de alimentos, por exemplo, exercita o direito do estado de filiação ou conjugal, mas não é uma ação de estado. Assim também as ações de guarda e regulamentação de visitas de filhos. Também não são ações de estado as de mera retificação do registro civil. Como decorrentes do estado de família, essas ações de estado guardam as mesmas características de intransmissibilidade, imprescritibilidade, irrenunciabilidade, sendo também personalíssimas.
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