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2017 LECRIM LEGISLAÇÃO CRIMINAL Para concursos FÁBIO ROQUE ARAÚJO NESTOR TÁVORA ROSMAR RODRIGUES ALENCAR Doutrina, Jurisprudência e Questões de Concursos 2ª edição revista, atualizada e ampliada BRUNO SILVA SANTANA Colaborador na pesquisa de jurisprudência e questões Cod e Const p Conc-Fabio-Nestor-Romar-LegisCrim-p-Conc_2_ed.indb 3 28/06/2017 18:40:17 11 CRIMES HEDIONDOS | 01 | CRIMES HEDIONDOS CRIMES HEDIONDOS QUESTÕES DE CONCURSOS Classificação pelo artigo Classificação pelo grau de incidência em provas Dispositivo legal Nº de questões % Dispositivo legal Nº de questões % Introdução 1 2,50% Art. 2º 22 62,50% Art. 1º 10 30,00% Art. 1º 10 30,00% Art. 2º 22 62,50% Art. 8º 2 5,00% Art. 8º 2 5,00% Introdução 1 2,50% TOTAL 35 100,00% TOTAL 35 100,00% `LEI Nº 8.072, DE 25 DE JULHO DE 1990 Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei: 1. COMENTÁRIOS 1.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Como cediço, cabe à legislação infraconstitucional a definição da conduta criminosa e a cominação da respectiva sanção penal. Se é verdade, porém, que a Constituição Federal não criminalizou condutas expressamente, criou, por outro lado, alguns mandados de criminali- zação. Mandados constitucionais de criminalização (ou de penalização) são mandamentos dirigidos ao legislador ordinário, para que criminalize algumas condutas ou estabeleça um tratamento penal mais recrudescido. Por outras palavras, a Constituição não criminaliza a conduta, mas “manda” o legislador ordinário fazê-lo. É o que acontece, por exemplo, nos casos do art. 5º, do texto constitucional, em seus incisos XLI (“a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades funda- mentais”), XLII (“a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”) e XLIV (“constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”). Cod e Const p Conc-Fabio-Nestor-Romar-LegisCrim-p-Conc_2_ed.indb 11 28/06/2017 18:40:18 12 CRIMES HEDIONDOS – LEI Nº 8.072, DE 25 DE JULHO DE 1990. Com os crimes hediondos, não foi diferente. Com efeito, a Lei nº 8.072/90 resulta do cumprimento legislativo ao mandado de criminalização contemplado no art. 5º, inciso XLIII, da Constituição, que possui a seguinte redação: “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”. Como se percebe, a própria Constituição erigiu três condutas a um patamar similar aos demais crimes hediondos: o tráfico de drogas, o terrorismo e a tortura. São, portanto, crimes assemelhados aos hediondos. Por força da equiparação promovida pela própria Constituição, estes crimes estão submetidos ao mesmo tratamento mais recrudescido dado pela Lei nº 8.072/90. A Constituição Federal, não trouxe um rol taxativo de crimes a serem considerados he- diondos. A par de enumerar os três crimes referidos, a CF/88 delegou ao legislador ordinário o estabelecimento dos crimes considerados hediondos. Ao propugnar uma reprimenda penal mais severa, a legislação de crimes hediondos, cumprindo o mandamento constitucional, procura observar o princípio da vedação à proteção deficiente (ou vedação à infraproteção), de modo a não deixar os bens jurídicos sem a tutela penal ou com uma tutela penal insuficiente. Não se pode deixar de anotar, porém, que, em determinados casos, a lei de crimes he- diondos acabou por tornar tão severa a intervenção punitiva, que consagrou inconcebíveis violações a direitos fundamentais, forçando o Supremo Tribunal Federal a reconhecer a inconstitucionalidade de dispositivos, como o que impedia a progressão de regime de cum- primento de pena. Em sede doutrinária, existem fortes resistências à Lei de Crimes Hediondos, e sua pre- visão no texto constitucional. Dissertando sobre o tema, em obra específica, Alberto Silva Franco observa que “as valorações político-criminais do Movimento da Lei e da Ordem (Law and Order) se fizeram presentes à retaguarda do posicionamento assumido pelo legislador constituinte”1. Neste contexto, importante recordar que o Movimento da Lei e da Ordem foi um movimento de política criminal, surgido na década de setenta do século XX, e que se assentava sobre a ideia de exasperação das sanções penais. Sob outro prisma, há quem se refira à Lei de Crimes Hediondos como manifestação do Direito Penal do Inimigo, teoria criada por Günther Jakobs, em meados da década de oitenta do século XX, e que objetiva tratar alguns criminosos como inimigos do Estado. E há mesmo quem empregue a expressão “hedionda lei de crimes hediondos”. Em sede jurisprudencial, contudo, a Lei de Crimes Hediondos tem encontrado ampla recepção, ressalvadas, naturalmente, algumas inconstitucionalidades já reconhecidas pelo STF (sobretudo em matéria de progressão de regime de cumprimento de pena), conforme se verá adiante. 1. FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 4. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 78. Cod e Const p Conc-Fabio-Nestor-Romar-LegisCrim-p-Conc_2_ed.indb 12 28/06/2017 18:40:18 13 CRIMES HEDIONDOS – LEI Nº 8.072, DE 25 DE JULHO DE 1990 1.2. SISTEMAS DE CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES HEDIONDOS É possível identificar três sistemas de identificação dos crimes hediondos: a) Sistema legal: é o sistema de acordo com o qual cabe ao legislador enumerar, em rol taxativo, os crimes considerados hediondos. Este foi o sistema acolhido no Brasil. A Lei nº 8.072/90 traz um rol taxativo de crimes considerados hediondos. Como ponto positivo deste sistema, pode-se mencionar o fato de que ele observa o princípio da legalidade, evitando que o julgador considere hediondo determinado crime sem uma prévia enunciação legislativa a respeito. Como ponto negativo, é possível verificar que o juiz não pode retirar a natureza hedionda de determinado crime, caso ele esteja previsto no rol da Lei nº 8.072/90, ainda que não se tenha verificado o caráter “repugnante”, “abjeto”, “sórdido” ou “asqueroso” do crime. Podemos citar o exemplo do beijo lascivo2 forçado, conduta considerada crime de estupro (art. 213, CP) por muitos autores, na medida em que constituiria ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Trata-se de conduta reprovável que merece a intervenção punitiva, sem dúvida. Mas, a toda vista, não se trata de conduta que se equipare à conjunção carnal ou à prática de coito anal forçados, por exemplo. Mas nos três casos (beijo lascivo, conjunção carnal ou coito anal), estaríamos diante de um crime hediondo, porquanto o estupro se enquadra no rol da Lei nº 8.072/90. Procurando contornar problemas como este, Alberto Zacharias Toron defende a existência de uma “cláusula salvatória”, que permitisse ao julgador, apreciando as particularidades do caso concreto, retirar a natureza hedionda de um crime previsto na Lei nº 8.072/903. Esta doutrina não tem encontrado guarida na jurisprudência dos nossos Tribunais. b) Sistema judicial: neste sistema, cabe ao julgador, no caso concreto, definir se o crime é hediondo ou não. O magistrado, portanto, não parte de um rol de crimes estabelecido em lei. Ao revés, é no caso concreto que, ao analisar a gravidade da conduta, a maior ou menor reprovabilidade do autor do fato, e demais particularidades, que entenderá estar ou não presente a natureza hedionda do crime. Para logo se vê que se trata de sistema queproduz insegurança jurídica, na medida em que não se pode saber, a priori se o crime será ou não hediondo. Dependerá da posterior valoração do julgador. Entendemos que se trata, ainda, de flagrante violação ao princípio da legalidade, pilar de sustentação do Direito Penal moderno. Ora, como consabido, as sanções penais devem estar contempladas previamente em lei, e esta lei não pode conter incriminações vagas e imprecisas (princípio da taxatividade). Permitir-se ao juiz o enquadramento de uma conduta delitiva no rol dos crimes hediondos sem que a lei estipule alguns critérios objetivos para tanto, violaria, portanto, a legalidade penal, em seu aspecto taxatividade. 2. O exemplo é de Alberto Silva Franco (ob. cit., p. 95). 3. LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação especial criminal comentada. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2014, p. 30. Cod e Const p Conc-Fabio-Nestor-Romar-LegisCrim-p-Conc_2_ed.indb 13 28/06/2017 18:40:18 75 GENOCÍDIO – LEI Nº 2.889, DE 1º DE OUTUBRO DE 1956 Art. 1º | 02 | GENOCÍDIO GENOCÍDIO QUESTÕES DE CONCURSOS Classificação pelo grau de incidência em provas Dispositivo legal Nº de questões % Art. 1º 7 100,00% `LEI Nº 2.889, DE 1º DE OUTUBRO DE 1956 Define e pune o crime de genocídio. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA: Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal: a) matar membros do grupo; b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo; Será punido: Com as penas do art. 121, § 2º, do Código Penal, no caso da letra a; Com as penas do art. 129, § 2º, no caso da letra b; Com as penas do art. 270, no caso da letra c; Com as penas do art. 125, no caso da letra d; Com as penas do art. 148, no caso da letra e; 1. COMENTÁRIOS 1.1 Considerações iniciais Muito embora a história da humanidade esteja repleta de casos que, atualmente, podem ser identificados como caracterizadores de práticas genocidas, apenas com o fim da II Guerra Mundial a expressão “genocídio” passa a ser empregada com frequência. A expressão havia sido criada pouco antes, em 1944, por Raphael Lemkin, O termo deriva da junção da expressão grega “genos” (raça) e da expressão latina “cidio”, “coedere” (matar). Cod e Const p Conc-Fabio-Nestor-Romar-LegisCrim-p-Conc_2_ed.indb 75 28/06/2017 18:40:23 76 Art. 1º GENOCÍDIO – LEI Nº 2.889, DE 1º DE OUTUBRO DE 1956. A aprovação da Lei em apreço constitui o cumprimento de um compromisso do Estado brasileiro, no plano internacional. Com efeito, o Brasil aderiu à Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, aprovada em Paris, na III Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas. Referida Convenção entrou em vigor em 1951, incorporada pelo Brasil com o Decreto-Legislativo nº 02/51 e promulgada pelo Decreto nº 30.822/521. O art. 5º da Convenção mencionada impunha aos países signatários a aprovação de medidas legislativas que estabelecessem sanções penais aplicáveis aos responsáveis pelas prá- ticas genocidas. A Lei nº 2.889/56 consagra, portanto, o atendimento ao mandado de criminalização2 imposto pela Convenção internacional. O genocídio é crime de gravidade tão considerável que se inclui no rol de competências do Tribunal Penal Internacional (TPI), criado pelo Estatuto de Roma. Vale recordar que o Brasil aderiu ao TPI (art. 5º, § 4º, CF), sendo sua jurisdição complementar à brasileira3. Por fim, convém salientar que o genocídio é crime hediondo (art. 1º, parágrafo único, Lei nº 8.072/90), aplicando-se-lhe, destarte, todo o tratamento recrudescido pertinente a este crime (não cabimento de fiança, anistia, graça, indulto, prazo maior para progressão de regime, etc.). O Estatuto de Roma, que cria o TPI, considera o genocídio modalidade de crime contra a humanidade. Nossa jurisprudência reconhece, de forma pacífica, que, no crime de geno- cídio, não se busca tutelar bem jurídico de natureza individual. Em outras palavras, não se pretende tutelar os bens jurídicos de cada membro do grupo, individualmente considerados, mas sim a própria existência do grupo (nacional, étnico, racial ou religioso). Naturalmente, a prática do genocídio, grosso modo, perfectibiliza-se mediante a violação de bens jurídicos individuais, também. É o que acontece, por exemplo, quando o agente mata os membros de uma tribo indígena, com a intenção de destruir, ainda que parcialmente, este grupo. Neste caso, lesiona-se o bem jurídico supraindividual, consistente na existência do grupo, bem como os bens jurídicos individuais (vida humana) dos membros dos grupos. Estaremos diante de caso de concurso de crimes (genocídio e homicídios), portanto. Não é outro o entendimento do Supremo Tribunal Federal: “O tipo penal do delito de genocídio protege, em todas as suas modalidades, bem jurídico coletivo ou transindividu- al, figurado na existência do grupo racial, étnico ou religioso, a qual é posta em risco por ações que podem também ser ofensivas a bens jurídicos individuais, como o direito à vida, a integridade física ou mental, a liberdade de locomoção” (RE 351487/RR, Rel. Min. Cézar Peluso, j. 03/08/2006). 1. BALTAZAR, Jr., José Paulo. Crimes federais. 8º. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012 p. 296. 2. Sobre os mandados de criminalização, FELDENS, Luciano. A constituição penal: a dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. 3. TÁVORA, Nestor; ARAÚJO, Fábio Roque. Código de processo penal para concursos. 2º. ed. Salvador: JusPodivm, 2011, p. 09. Cod e Const p Conc-Fabio-Nestor-Romar-LegisCrim-p-Conc_2_ed.indb 76 28/06/2017 18:40:24 77 GENOCÍDIO – LEI Nº 2.889, DE 1º DE OUTUBRO DE 1956 Art. 1º Pela descrição do art. 1º em comento, percebemos que o crime de genocídio pode se consumar mediante a prática de crimes contra a vida (art. 1º, a) ou não. Caso ocorram os mencionados crimes contra a vida, que, como consabido, atraem a competência do Tribunal do Júri, o crime de genocídio também será julgado aí (STF, RE 351487/RR, Rel. Min. Cézar Peluso, j. 03/08/2006), pois será atraído, por conexão. Se, todavia, o genocídio se consumar mediante as demais modalidades enumeradas no dispositivo, haverá a competência do juízo monocrático. Ainda no que tange à competência para julgamento do crime, importante esclarecer que ela será da Justiça Federal, quando envolver direitos indígenas, a teor do art. 109, XI, CF. Por esta razão, o genocídio praticado contra indígenas é crime federal (STF, RE 179485/AM, Rel. Min. Marco Aurélio. j. 06/12/94). Na hipótese mencionada anterior- mente, em que o genocídio será julgado pelo Tribunal do Júri, se estivermos diante de crime praticado em detrimento de indígenas, teremos o Júri Federal. Ainda no que se refere ao genocídio, não se pode deixar de ressaltar que ele fica sujeito à lei brasileira, embora cometido no estrangeiro (extraterritorialidade da lei penal), quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil (art. 7º, I, d, CP). 1.2. Conduta Para que exista o genocídio, é necessário que a ação seja voltada à destruição de grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Não há, portanto, genocídio quando a ação é voltada a pessoas identificadas por outras características (classe social, ideologia política, orientação sexual, etc.). Ademais, a Lei brasileira não criminalizou o genocídio cultural, consistente na “prática que visa à destruição do idioma, religião ou cultura de um deter-minado grupo” 4. Imperioso, portanto, que se estabeleçam, com a possível dose de precisão, os conceitos que caracterizam um grupo de pessoas como nacional, étnico, racial ou religioso. Grupos Grupo nacional: a rigor, não há um conceito unívoco de Nação5. Podemos afirmar que nação e Estado são conceitos que não se confundem6. A despeito da dificuldade de se conceituar a Nação, na ciência política, no Direito Penal, “existe certo consenso de que o grupo nacional é aquele que ‘consegue criar uma consciência, uma alma coletiva, que se traduz pela vontade de viver em comum’” 7. Grupo étnico: a ideia de grupo étnico abrange um conjunto de indivíduos unidos por laços culturais e linguísticos. 4. BALTAZAR, Jr., José Paulo. Crimes federais. 8º. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 298. 5. BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Volume II. 13. ed. Brasília: Editora UNB, 2008, p. 796. 6. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 25. ed. São Paulo, Saraiva, 2008, p. 137. 7. SAVAZZONI, Simone de Alcantara. Crime de Genocídio. Disponível em http://www.lfg.com.br. Consulta: 22.08.2012. Cod e Const p Conc-Fabio-Nestor-Romar-LegisCrim-p-Conc_2_ed.indb 77 28/06/2017 18:40:24 78 Art. 1º GENOCÍDIO – LEI Nº 2.889, DE 1º DE OUTUBRO DE 1956. Grupo racial: historicamente, a noção de raça está atrelada a características físicas, bio- lógicas. Atualmente, porém, os estudos nas áreas das mais variadas ciências têm contestado a noção de raça. Com efeito, as distinções biológicas entre indivíduos que costumam ser identificados como membros da mesma raça não são maiores ou menores do que aquelas existentes entre indivíduos de raças distintas. Este, inclusive, é o entendimento do STF (HC 82424/RS, Rel. Min. Maurício Correa, j. 17/09/2003), apresentado nos seguintes termos: “Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais”. Importante salientar que, a despeito destas considerações, a expressão raça ainda encontra guarida nas regras de Direito Internacional. Grupo nacional: coletividade de indivíduos que professam a mesma religião. Os tipos penais previstos neste artigo 1º fazem menção à destruição total ou parcial do grupo. Por isto, é possível vislumbrarmos a consumação do crime, ainda quando se atinja ape- nas um membro do grupo. O que importa para a caracterização do crime é a intenção de destruir o grupo. Classificação doutrinária do genocídio No que se refere às condutas criminosas previstas neste artigo 1º, é importante destacar que a doutrina costuma classificar o crime de genocídio em físico e biológico8. Genocídio físico: estaria caracterizado nas hipóteses quer podem ensejar a morte dos membros do grupo (alíneas a, b e c). Genocídio biológico: ocorreria nas demais hipóteses (alíneas d e e), em que não há a morte de membros do grupo, mas existem condutas que impedem sua renovação ou o seu desenvolvimento. Condutas Alínea a: naturalmente, trata-se de conduta assemelhada ao crime de homicídio. O que diferenciará o genocídio do homicídio, nestes casos, será o dolo do agente. Como consabido, no homicídio, o dolo do agente reside na intenção de matar a vítima (animus necandi), ao passo que, no genocídio, o dolo consiste na destruição, total ou parcial, de, pelo menos, um dos grupos acima referenciados. Diferentemente do que ocorre com o homicídio, o genocídio não admite a modalidade culposa. É necessário, portanto, que o agente tenha a consciência de que a(s) vítima(s) integra(m) o grupo (nacional, étnico, racial ou religioso) e tenha a intenção de destruí-lo, total ou parcialmente. 8. BALTAZAR, Jr., José Paulo, ob. cit. p. 300. Cod e Const p Conc-Fabio-Nestor-Romar-LegisCrim-p-Conc_2_ed.indb 78 28/06/2017 18:40:24 1077 LEI DE EXECUÇÃO PENAL | 25 | LEI DE EXECUÇÃO PENAL `LEI Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984 Institui a Lei de Execução Penal. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: `TÍTULO I – DO OBJETO E DA APLICAÇÃO DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão cri- minal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. 1. COMENTÁRIOS A dicção do dispositivo enfatiza dois grandes propósitos da Lei de Execução Penal. (1) O primeiro, estritamente jurídico, efetivar disposições de sentença ou decisão penal condenatória (de aplicação de pena) ou de absolvição imprópria (impositiva de medida de segurança), tendo lugar nos casos transitados em julgado (execução penal definitiva) e nos pendentes de recurso (execução penal provisória). O intuito é o de não só fazer cumprir estritamente a parte dispositiva do julgado defini- tivo ou o comando de decisão imposta ao denominado preso provisório. Além disso, sempre que houver restrição de liberdade, “surge a necessidade de analisar a existência de direitos em face do sujeito que cumpre a pena”1 ou a medida de segurança. (2) O segundo, de cunho social, que preconiza um “dever-ser” de proporcionar condi- ções para a integração social do condenado (apenado), bem como do internado (submetido à medida de segurança). Como é cediço, há um abismo entre a dicção legislativa (com prescrição de deveres ao Estado), da realidade de desatendimento a preceitos constitucionais, ensejando sérias críticas de estudos na área da Criminologia2. 1 MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos. 3. ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2015. p.515 2 Nesse sentido, observa Karla Padilha que “hoje já é possível chamar de utópico o mundo ‘planejado’ da ressocialização, reintegração, recuperação e reeducação, em relação à massa encarcerada de nosso País. Em verdade, o que se tem é uma política de armazenamento, neutralização e emparedamento, em total descompasso com qualquer ideário de respeito à dignidade humana e aos direitos fundamentais constitucionais assegurados”. (PADILHA, Karla. A face perversa das políticas de encarceramento: estamos no caminho errado? In: Pobreza, educação e criminalidade. Luiz Sávio de Almeida; Sérgio Coutinho; França Júnior; José Marques [orgs]. Maceió: Agência Fonte de Notícia, 2016. p.96). Cod e Const p Conc-Fabio-Nestor-Romar-LegisCrim-p-Conc_2_ed.indb 1077 28/06/2017 18:42:23 1078 Art. 2º LEI DE EXECUÇÃO PENAL – LEI Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984. 2. QUESTÕES DE CONCURSOS 1. (VUNESP/SEJUS-ES/Agente de Escolta e Vigilância Penitenciário/2013) A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal com o fim de a) obter a cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da medida de segurança. b) classificar os condenados segundo os seus antecedentes e personalidade para orientar a individuali- zação da execução penal. c) aplicar-se unicamente ao preso provisório e ao condenado pela Justiça Eleitoral ou Militar. d) proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. e) assegurar ao condenado e ao internado todos os direitos atingidos pela sentença ou pela lei. GAB 1 D Art. 2º A jurisdição penal dos Juízes ou Tribunais da Justiça ordinária, em todo o Território Nacional, será exercida, no processo de execução, na conformidade desta Lei e do Código de Processo Penal. Parágrafo único. Esta Lei aplicar-se-á igualmente ao preso provisório e ao condenado pela Justiça Eleitoral ou Militar, quando recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdiçãoordinária. 1. COMENTÁRIOS 1.1. Natureza jurídica da execução penal Execução penal é procedimento destinado à aplicação de pena ou de medida de segurança fixada por sentença. Em regra, a execução penal não prossegue como fase subsequente ao processo penal condenatório, mas como processo autônomo. Isso equivale a dizer que os autos são reproduzidos por cópia e, desse modo, formado novo volume com as peças imprescindíveis ao acompanhamento do cumprimento da pena e da concessão de benefícios, notadamente com a guia de execução penal inclusa. Diferentemente do processo de conhecimento (condenatório), onde pode ser encontra- da situação de litisconsórcio passivo (com vários acusados com narrativa de imputação em coautoria ou participação em uma mesma denúncia ou queixa), é constituído um proces- so de execução por acusado, para que assim seja atendido adequadamente o princípio da individualização da pena. Em outras palavras, será formado um caderno processual para o desenvolvimento do procedimento executório da pena para cada apenado, com tantos processos de execução para quantos apenados existirem no polo passivo do único processo de conhecimento. No processo penal, a execução penal é um novo processo com caráter jurisdicional (porque se desenvolve perante autoridade judiciária e nele são proferidas decisões fundamentadas) e administrativo (eis que também implica uma série de providências tendentes a dar condições ao cumprimento da pena ou de medida de segurança em estabelecimento adequado), com o objetivo de efetivar as disposições de sentença ou de decisão criminal e oferecer condições para a integração social do condenado e do internado. Cod e Const p Conc-Fabio-Nestor-Romar-LegisCrim-p-Conc_2_ed.indb 1078 28/06/2017 18:42:23 1079 LEI DE EXECUÇÃO PENAL – LEI Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984 Art. 3º 1.2. Competência para o processo de execução penal A execução penal é de competência do juiz da execução penal, vale dizer, do juiz singular, com competência definida em lei, para processar os autos de cumprimento de pena definitiva, de medida de segurança ou de prisão provisória. Além desse critério, definidor da competência do órgão jurisdicional de primeiro grau de jurisdição, a competência deve ser do juízo responsável pela garantia dos direitos no estabelecimento onde estiver o apenado, o submetido a medida de segurança ou o preso provisório. Há, portanto, a consideração de que há o feixe de competências nas mãos do juiz que envolve um misto de função jurisdicional (de primeira instância) e administrativa (de garantir o adequado funcionamento dos estabelecimentos destinados ao cumprimento de sentenças e decisões penais). 1.3. Âmbito de aplicação e destinatários da Lei de Execução Penal A Lei de Execução Penal se aplica no âmbito da justiça criminal comum e especializada, isto é, tanto nas Justiças Federal e Estadual, quanto nas Justiças Militar e Eleitoral. Quanto aos seus destinatários, ela tem incidência relativamente: (1) ao preso definitivo, assim entendido aquele que foi condenado por sentença transitada em julgado, seja impondo pena restritiva de liberdade, seja infligindo pena restritiva de direito; (2) ao submetido à medida de segurança, isto é, ao acusado em processo penal que é encerrado por sentença absolutória imprópria (ocasionando internação ou tratamento am- bulatorial); e (3) no que couber, ao preso provisório, que é o acusado com a liberdade cerceada de forma cautelar e cuja eventual sentença ainda não transitou em julgado. Isso significa dizer que ao preso provisório são assegurados os mesmos direitos do preso definitivo, só não tendo aplicação os dispositivos que se dirigem exclusivamente ao preso definitivo ou ao submetido à medida de segurança. Art. 3º Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei. Parágrafo único. Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política. 1. COMENTÁRIOS O dispositivo seria desnecessário. Afinal, o estado de liberdade, com o pleno exercício dos direitos individuais fundamentais, é a regra. Somente por exceção, e com fundamento em normas jurídicas descritas suficientemente, é que os direitos podem ser objeto de limitação. A sentença penal condenatória, por si só, não é apta a suprimir direitos, sejam eles relativos à liberdade do imputado, sejam eles de natureza civil ou política. Cod e Const p Conc-Fabio-Nestor-Romar-LegisCrim-p-Conc_2_ed.indb 1079 28/06/2017 18:42:23
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