Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Capítulo 5 – O consumo de água 36 5. CONSUMO DE ÁGUA 5.1. Introdução A elaboração de um projeto de abastecimento de água exige o conhecimento das vazões de dimensionamento das diversas partes constitutivas do sistema. Por sua vez, a determinação dessas vazões implica no conhecimento da demanda de água na cidade, que é função: • do número de habitantes a ser abastecido; • da quantidade de água necessária a cada indivíduo. Os problemas de dimensionamento das canalizações, estruturas e equipamentos, implicam em estudos diversos que incluem a verificação do consumo médio por pessoa, a estimativa do número de habitantes a ser beneficiado e as variações de demanda, que ocorrem por motivos vários. 5.2. Usos da água A água conduzida para uma cidade enquadra-se numa das seguintes classes de consumo ou de destino: • doméstico; • comercial ou industrial; • público; • perdas e fugas. Água para uso doméstico É a água consumida nas habitações e compreende as parcelas destinadas a fins higiênicos, potáveis e alimentares, e à lavagem em geral. Diversos autores efetuaram estudos sobre a quantidade necessária para esse fim. No Brasil, destaca-se o que foi elaborado por Francisco Bicalho, conforme citação de F. Saturnino R. de Brito, na obra “Abastecimento de águas”, publicada em 1905. Segundo o mesmo, cada indivíduo consome em média, de 50 a 90 litros por dia, assim divididos: Tabela 5.1: Previsão de consumo de água segundo Franscisco Bicalho. Distribuição Consumo (L/hab dia) Bebida Preparo de alimentos Lavagem de utensílios Abluções Banho Lavagem de roupas Limpeza de bacias sanitárias Eventuais perdas TOTAL 2 6 2-9 5 10-30 10-15 9-10 6-13 50-90 Estudos mais recentes apontam como representativos para as condições atuais os seguintes valores: Capítulo 5 – O consumo de água 37 Tabela 5.2: Previsão de consumo de água (mais recente) Distribuição Consumo (L/hab dia) Bebida e cozinha Lavagem de roupa Banhos e lavagens de mãos Instalações sanitárias Outros usos Perdas e desperdícios TOTAL 10-20 10-20 25-55 15-25 15-30 25-50 100-200 As vazões destinadas ao uso doméstico variam com o nível de vida da população, sendo tanto maiores, quanto mais elevado esse padrão. Nos Estados Unidos, costuma-se incluir nessa classificação a água utilizada para irrigação de jardins e gramados particulares, muito comuns naquele país. Essa parcela pode atingir uma quantidade apreciável, a ponto de ser admitida uma classificação especial. A lavagem de automóveis em casa, com o emprego de esguicho, é uma prática que está se ampliando e merece um estudo, devido à influência que exerce no consumo doméstico. Água para uso comercial ou industrial Com relação à água para uso comercial, destaca-se a parcela utilizada pelos restaurantes, bares, hotéis, pensões, postos de gasolina e garagens, onde se manifesta um consumo muito superior ao das residências. Quanto às indústrias, aquelas que utilizam a água como matéria-prima ou para lavagens e refrigeração apresentam consumos mais elevados. Conhecem-se valores médios de consumo relacionados a cada tipo de atividade, em função de unidades de produção ou de outros dados tomados como referência. A Tabela 5.3 indica alguns valores que poderão ser utilizados na previsão de consumo de estabelecimentos comerciais e industriais. Tabela 5.3: Consumo de água em alguns tipos de estabelecimentos comerciais e industriais. Estabelecimentos Consumo Escritórios comerciais Restaurantes 50 L/pessoa/dia 25 L/refeição Hotéis, pensões (sem cozinha e sem lavanderia) Lavanderia Hospitais Garagens Postos de serviço para veículos Indústrias (uso sanitário) Matadouro – animais de grande porte Matadouro – animais de pequeno porte Laticínios Curtumes 120 L/hóspede/dia 30 L/kg/roupa 250 L/leito/dia 50 L/automóvel/dia 150 L/veículo/dia 70 L/operário/dia 300 L/cabeça abatida 150 L/cabeça abatida 1–5 L/kg de produto 50–60 L/kg de couro 100– 400 L/kg de papel Capítulo 5 – O consumo de água 38 Fábrica de papel Tecelagem (sem alvejamento) 10–20 L/kg de tecido Água para uso público Inclui-se nesta classificação a parcela de água utilizada na irrigação de jardins, lavagem de ruas e passeios, edifícios e sanitários de uso público, alimentação de fontes, esguichos e tanques fluxíveis de redes de esgoto. 5.3. Consumo médio per-capita Numa cidade com sistema de água em funcionamento regular, obtém-se o valor médio per-capita, dividindo-se o volume total de água distribuída durante um ano, por 365, e pelo número de habitantes beneficiados. É expresso geralmente em litros por habitantes por dia (L/hab.dia). Assim, qm = Volume distribuído anual___ 365 x População beneficiada Cálculos já efetuados para um grande número de cidades, permitem conhecer com razoável aproximação o seu valor e, assim, aplica-lo quando se pretende elaborar novos projetos. No Brasil são poucos os dados divulgados, que resultaram de medições sistemáticas e seguras, associadas a levantamentos cuidadosos de população. As condições indispensáveis para um estudo criterioso, são a continuidade de medição da água aduzida para a cidade (feita por meio de aparelhos apropriados) e a existência de um sistema que seja capaz de fornecer água ininterruptamente aos consumidores, sem necessidade de forçar a restrição do consumo. Se isto ocorrer por deficiência de água nos mananciais, insuficiência de equipamentos e instalações, freqüentes interrupções de energia elétrica, ou ainda, de má operação do sistema, os resultados poderão ser falhos. Na elaboração de projetos para cidades ainda não providas de qualquer sistema distribuidor, utilizam-se dados mais ou menos consagrados de consumo médio per-capita, para se calcular a quantidade de água necessária no decorrer de determinado período de tempo. As normas para projeto organizadas ou adotadas por entidades locais, estaduais ou regionais, geralmente apresentam os valores a serem adotados, Tabela 5.4. Tabela 5.4: Dados de consumo médio per-capita Entidades Consumo per-capita Norma da Superintendência de Água e Esgotos da Capital (1960) Norma do extinto Departamento de Obras do Estado de São Paulo (1951) Normas das Entidades Federais no Nordeste: SUVALE; DNERu; 300 L/hab/dia 200 L/hab/dia a) Para cidade com população inferior a 50 000 hab. Recomendado: 150 a 200 L/hab/dia Capítulo 5 – O consumo de água 39 DNOCS; DNOS; FSESP E SUDENE Mínimo: 100 L/hab/dia b) Zonas servidas por torneiras públicas: 30 L/hab/dia A razão de ser desses valores, quando não decorrentes de pesquisas cuidadosas, poderá ser justificada através da suposição razoável dos diferentes destinos da água. No caso da norma do Extinto Departamento de Obras Sanitárias do Estado de São Paulo, aplicável aos projetos de cidades do interior, o valor indicado de 200 L/hab/dia, resultou da soma das seguintes parcelas de consumo específico, então admitidas. Para fins domésticos 85 L/hab/dia 42,5% Para fins industriais e comerciais 50 L/hab/dia 25,0% Para fins públicos 25 L/hab/dia 12,5% Perdas 40 L/hab/dia 20,0% TOTAL 200 L/hab/dia 100,0% 5.4. Fatores que afetam o consumo Influência do clima Quanto mais quente a região maior o consumo. A umidade também exerce influência, sendo maior o consumo em zonas mais secas que nas úmidas. Influência dos hábitos e nível de vida da população Os hábitos da população na utilização direta ou indireta da água, tais como em banhos, lavagem de logradouros,irrigação de jardins e de gramados públicos e particulares. Sobre a influência do nível de vida, tem-se como certo que, quanto mais elevado o estágio econômico e social da população, maior o consumo, em decorrência de um maior campo de utilização da água, resultante do emprego de máquinas de lavar roupa, de lavagem de automóveis e de numerosas outras aplicações que visam trazer conforto e facilidades. O aumento do consumo de água com a elevação do nível de vida identifica-se com o fenômeno que se verifica com relação ao consumo de energia elétrica. Tem sido observado que uma família de bairro residencial fino consome muito mais água que outra com mesmo número de habitantes de bairro de residencial médio ou pobre. Influência da natureza da cidade As cidades industriais destacam-se como as que apresentam maior consumo per-capita, em conseqüência dos gastos elevados de água, que geralmente se verificam na maior parte das indústrias. Há, entretanto, certas espécies de indústrias em que o consumo não é tão significativo. Exemplos: indústria de calçados, de móveis, de confecções. Os agrupamentos tipicamente residenciais como as vilas operárias, cidades satélites de centros industriais e conjuntos habitacionais, são os que apresentam Capítulo 5 – O consumo de água 40 consumo mais baixo, pelo fato de não existir atividade profissional da população que acarrete uma demanda complementar à verificada nas residências. Influência do crescimento da cidade A experiência tem mostrado que o consumo per-capita tende a aumentar à medida que aumenta a população da cidade. Entre os fatores determinantes destacam-se a maior demanda industrial e comercial, logicamente ocorrente, as maiores possibilidades de perdas nas extensas e, muitas vezes, obsoletas redes distribuidoras, e o uso para fins públicos, que pode assumir proporções mais amplas com a prosperidade da administração local e a preocupação em manter e ampliar o serviço de limpeza de pavimentos, edifícios, monumentos e parques. A Figura 5.1 mostra a curva média de consumo per-capita de oito cidades da Argentina. A partir dessa curva torna-se possível, mediante projeção, prever aproximadamente o consumo per-capita que se verificará no futuro, para fins de planejamento de obras. Influência da medição A presença de medidores de consumo nas instalações prediais é um fator que muito influencia o consumo de água. A ausência de controle impede que a taxação seja feita como base no consumo efetivo; conseqüentemente, desaparece o temor de que um gasto exagerado causado por desperdícios e fugas possa ocasionar contas elevadas. Em todas as cidades em que o serviço medido não foi implantado, observa-se que o consumo per-capita é bem mais alto comparativamente a cidades semelhantes onde há medição, parcial ou total. Figura 5.1: Curva média do consumo per-capita de 8 cidades da Argentina possuindo redes de esgoto, mas com regime de torneira livre. Influência da pressão da rede Quando os aparelhos e torneiras de uma instalação predial são alimentados diretamente pela rede pública na qual reina uma pressão muito elevada, o consumo médio aumenta devido à saída maior da água, mesmo com pequena abertura das Capítulo 5 – O consumo de água 41 válvulas e torneiras e, também, devido às maiores fugas ocorrentes na própria rede. Se a alimentação for indireta, isto é, através de reservatórios domiciliares, os defeitos de registros de bóia serão mais freqüentes e ocasionarão, igualmente, perdas de água e, portanto, maior consumo. Por isso, as redes distribuidoras devem trabalhar a pressões tanto quanto possível reduzidas, desde que assegurem o abastecimento adequado a todos os prédios servidos. 5.5. Variações de consumo A água distribuída para uma cidade não tem uma vazão constante, mesmo considerada invariável a população consumidora. Devido à maior ou menor demanda em certas horas do período diário ou em certos dias ou épocas do ano, a vazão distribuída sofre variações mais ou menos apreciáveis. Também nisto, os hábitos da população e as condições climáticas têm influência. Variações diárias O volume distribuído num ano dividido por 365 permite conhecer a vazão média anual. A relação entre o maior consumo diário verificado, e a vazão média diária anual fornece o coeficiente do dia de maior consumo. Assim, K1 = Maior consumo diário no ano_ Vazão média diária no ano Seu valor varia entre os limites mais ou menos amplos, geralmente entre 1,2 e 2,0 dependendo das condições locais. As normas para projetos adotadas em cada localidade, estado ou região estabelecem o valor do coeficiente do dia de maior consumo a ser adotado nos estudos. Utiliza-se esse coeficiente na determinação da vazão de dimensionamento de várias partes constitutivas de um sistema de fornecimento público de água, entre as quais: obras de captação, casas de bombas, adutoras e estação de tratamento. Variações horárias Também no período de um dia há sensíveis variações na vazão de água distribuída a uma cidade, em função da maior ou menor demanda no tempo. As horas de maior demanda situam-se em torno daquelas em que a população está habituada a tomar refeições, em conseqüência do uso mais acentuado de água na cozinha, antes e depois das mesmas. O consumo mínimo verifica-se no período noturno, geralmente nas primeiras horas da madrugada. A Figura 5.2 mostra uma curva de variação horária de consumo referente ao bairro de Vila Maria na cidade de São Paulo. Para o traçado desta curva é necessário que haja um medidor instalado na saída do reservatório de Capítulo 5 – O consumo de água 42 água para a cidade, capaz de registrar ou permitir o cálculo das vazões distribuídas em cada hora. A relação entre a maior vazão horária observada num dia e a vazão média horária do mesmo dia define o coeficiente da hora de maior consumo, ou seja: K2= maior vazão horária no dia_ Vazão média horária no dia Observações realizadas em diversas cidades mostram que seu valor também oscila bastante, podendo variara entre 1,5 e 3,0. Entre nós, é usual adotar-se para fins de projeto o valor 1,5. Figura 5.2: Curva de variação horária de consumo referente ao bairro de Vila Maria em São Paulo, no dia 25-9-60 Este coeficiente é utilizado quando se pretende dimensionar os condutos de distribuição propriamente ditos que partem dos reservatórios, pois permite conhecer as condições de maior solicitação nessas tubulações. Conforme será estudo em outro capítulo, uma das funções do reservatório é atender às demandas que se verificam nos períodos de maior consumo. Assim sendo, a tubulação que alimenta o reservatório não necessita ser dimensionado para a vazão da hora de maior consumo, bastando considerar a vazão do dia de maior consumo. Variações acidentais Decorrem de circunstâncias especiais imprevisíveis e não podem ser transformadas em coeficientes. A não ser que se conheçam quantitativamente essas variações ou que hajam normas especiais estabelecendo critérios para levá-las em conta, não são geralmente consideradas nos cálculos. 5.6. Período de projeto O projeto de um sistema de abastecimento de água, para uma cidade comum deve levar em consideração a demanda que se verificará numa determinada época em razão de sua população futura. Admitindo ser esta última variável crescente, é Capítulo 5 – O consumo de água 43 fundamental fixar a época até a qual o sistema poderá funcionar satisfatoriamente, sem sobrecarga nas instalações ou deficiências na distribuição. O tempo que decorre até atingir essa época defineo período de projeto. O período de projeto pode estar relacionado à durabilidade ou vida útil das obras e equipamentos, ao período de amortização do capital investido na construção ou, ainda, a outras razões. Os problemas relativos às dificuldades de ampliação de determinadas estruturas ou partes do sistema, como também o custo do capital a ser investido e o ritmo de crescimento das populações são aspectos importantes a serem igualmente considerados. Se, por exemplo, o crescimento populacional for muito rápido, os períodos longos de projeto acarretarão obras grandiosas que oneram demais a comunidade nos anos iniciais. Nos grandes sistemas, o período de projeto poderá ser mais amplo, no caso específico de estruturas ou partes constitutivas em que a ampliação for difícil. É o caso das barragens e condutos de grande diâmetro, em que se consideram períodos de 25 a 50 anos. No Brasil, raramente se admitem períodos superiores a 25 anos ou 30 anos. É comum adotar-se o período de 20 anos para as instalações pequenas e médias, comuns no interior do país, e indistintamente para todas as partes constitutivas do sistema. 5.7. Consumo de água para combate a incêndios O combate ao fogo requer grande quantidade de água. Todavia esta só se faz necessária quando ocorrem incêndios, razão pela qual o consumo que estamos considerando assume um aspecto diferente dos demais. Em outras palavras, enquanto é elevada a demanda horária de água para o combate ao fogo, o consumo diário de água para tal fim só não é nulo nos dias de incêndio, sendo pequeno o consumo anual respectivamente. O combate ao fogo é feito através de jatos d´água, cuja vazão normal unitária é de 16 L/seg, devendo, todavia ter um valor mínimo de 12 L/seg. O número de jatos simultâneos é estabelecido por meio de fórmulas empíricas, como a fórmula de Kuichling: F = 2,8 √P Sendo P a população expressa em milhares de habitantes. Freeman estimou em seis horas a duração máxima do combate ao fogo através da água. Com os dados aqui fornecidos torna-se possível determinara a demanda horária e o consumo diário de água nos dias de incêndio. Segundo a Junta Americana de Companhias de Seguro contra Fogo (National Board of Fire Underwrites – NBFU), a quantidade de água necessária para combater incêndios é função da população, conforme Tabela5.5. Para um cidade com população superior a 200 000 habitantes, deve-se considerar, segundo a NBFU, dois incêndios ocorrendo simultaneamente, sendo de 756 L/seg a água necessária para o primeiro, e de 126 a 504 L/seg, a destinada ao segundo, para a duração também de 10 horas. Capítulo 5 – O consumo de água 44 O consumo de água para combate ao fogo Cf é calculada, pois, através da Tabela 5.5, multiplicando-se a demanda pelo tempo de duração do incêndio. Tabela 5.5: Água necessária para incêndio, com base na fórmula do “National Borad of Fire Underwriters” População Demanda para incêndio L/seg. (cidade comum) Duração (hora) População Demanda para incêndio (L/seg.) cidade comum Duração (hora) 1 000 63 4 22 000 283 10 1 500 78 5 28 000 315 10 2 000 94 6 40 000 378 10 3 000 110 7 60 000 441 10 4 000 126 8 80 000 504 10 5 000 141 9 100 000 367 10 6 000 158 10 125 000 630 10 10 000 189 10 150 000 693 10 13 000 220 10 200 000 756 10 17 000 252 10 -------- ------- -------- Exemplo 5. 1: Uma cidade terá um sistema de abastecimento conforme esquematizado na Figura abaixo. Sua população futura, para fins de projeto, foi estimada em 45000 habitantes. Uma indústria localizada entre o reservatório e a cidade terá um consumo diário regularizado de 2200 m3. Determine: 1) As vazões para o dimensionamento, expressas em litros por segundo, dos diferentes trechos de canalização, admitindo os seguintes dados: - consumo médio per capita anual.................................. 200L/dia . hab. - coeficiente de variação diária....................................... k1 = 1,25 - coeficiente de variação horária..................................... k2 = 1,50 - água necessária para a lavagem dos filtros da estação de tratamento...................................................4% do volume tratado. 2) Se a estação de tratamento tiver que funcionar somente 16 horas por dia, quais as alterações nas vazões de dimensionamento? Capítulo 5 – O consumo de água 45
Compartilhar