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Técnica Lúdica 1919 1927

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1
Primeiras contribuições:
técnica lúdica (1919-1927)
A entrada de Melanie Klein na Psicanálise se fez através da
análise de crianças. E a entrada para a psicanálise de crianças é feita
pela técnica lúdica (uso do brincar como forma de comunicação).
Como vimos, foi Sandor Ferenczi, seu primeiro analista, quem perce-
beu a intuição de Melanie Klein para os processos inconscientes e
estimulou-a a trabalhar com crianças. Melanie estimava muito as
crianças; adorava segurar um bebê, ficando longo tempo a "ouvi-lo ".
Essa sua afeição natural pela criança, o fato de não haver praticamente
ninguém na época (1918-19) ocupado com o atendimento de crian-
ças, o sofrimento psíquico evidente de algumas crianças inclinaram-na
nessa direção. Além do trabalho pioneiro de S. Freud em 1909,
"Análise de uma fobia num menino de cinco anos", só havia o de
Hermine von Hug-Helmuth, 1917, estimulada por Freud. Anna Freud
estava começando o trabalho com crianças aproximadamente à mesma
época. Ambas adotavam uma linha basicamente pedagógica.
Os primeiros problemas a serem superados na psicanálise de crian-
ças eram dificuldades técnicas. Por exemplo:' a criança não tem a noção
de doença como o adulto com sintomas psíquicos. Por isso, não se
consideram doentes, nem precisando de ajuda especializada. A falta de
noção de doença não despertaria motivação pelo trabalho analítico.
ontudo Klein observou que a criança sofre freqüentemente de angús-
tia. A angústia seria um fator de motivação suficientemente forte para
levar uma criança a enfrentar uma análise e se tornar cooperativa.
utra objeção era a de que não se pode colocar uma criança no divã e
pedir-lhe que associe livremente. Para superar essa dificuldade, Klein
7
desdobrou seu primeiro toque de criatividade. Refletiu que o modo
natural de expressão da criança é o brinquedo. E, se o brinquedo não
for apenas um "brinquedo", urna atividade casual e gostosa, mas for
também a manifestação de aspectos da personalidade, então o brinque-
do poderá ter algum sentido. E, se tiver algum significado, poderá
revelar algo da situação infantil; através de adequadas interpretações,
tornar-se-á inteligível para o observador e também para a criança.
1.1. O significado do brincar
Detenho-me um pouco mais neste ponto. Se for passado muito por
alto, é possível que se percam dados fundamentais para aqueles que
não têm experiência clínica com crianças. Se urna criança for deixada à
vontade, dentro de algum tempo começará a brincar. (Refiro-me a urna
criança não severamente perturbada.) Apesar de as crianças brincarem
desde os tempos imemoriais, não ocorrera a ninguém prestar urna
atenção muito séria a essa atividade. As opiniões eram semelhantes às
que se tinham sobre o sonho: descarga de excesso de energia, atividade
sem sentido, modo de aprender a lidar com a realidade etc. Para o
observador não treinado, o brinquedo de urna criança tem pouco
sentido ou um sentido muito genérico. Se ele vê um menino brincando
com urna bola e lhe pergunta o que está fazendo, poderá receber urna
resposta: "Eu sou o Pelé", e concluir que o garotão está brincando de
ser campeão famoso, admirado. Mas não irá muito além disso. Se vê
urna menina brincando com urna boneca, poderá deduzir que ela está
imitando a mãe, quer ser urna mulher adulta com urna filha, e também
não irá além disso. Talvez, por isso, para os primeiros terapeutas de
crianças, H. Hug-Helmuth e Anna Freud, o brincar não parecesse urna
forma de expressão muito útil para a análise. (Posteriormente Anna
Freud mudou de opinião, apoiada nos achados de Klein.)
Todavia, para o gênio perscrutador de M. Klein, o brincar se tornou
um campo de exame a ser investigado com árduo, intuitivo e corajoso
trabalho. A princípio ela atendia no domicílio da família da criança,
usando os próprios brinquedos da criança (Klein, 1955a). Posterior-
mente, passou a atender no próprio consultório, em sala especial com
material privativo para cada criança. Melanie intuiu que o brincar
poderia ser urna expressão final de processos mais profundos, incons-
cientes, cujo dinamismo seria semelhante ao dos sonhos. Essa postula-
cão revelou-se muito fecunda. Freud já tinha desvendado os mecanis-
mos principais da elaboração do sonho. Descobriu que os sintomas
obedecem a processos inconscientes análogos aos da formação dos
sonhos. Se, conforme supunha Melanie Klein, o brincar tivesse
~Hlhill. .ntes os mesmos mecanismos oníricos, então o instrumento de
fi
acesso à compreensão do brinquedo, e, por conseguinte, do incons-
ciente da mente infantil, estava disponível. Assim, processos psíquicos
que Freud já desvendara ao interpretar os sonhos (S. Freud, 1900),
corno deslocamento, condensação, representação verbal pela visual
(linguagem arcaica) e, principalmente, a simbolização, foram utiliza-
dos por Klein para descobrir o sentido oculto do brincar.
Com o intuito de explicitar os princípios da análise pelo brinquedo,
Klein cita na obra Psicanálise da Criança (Klein 1932, capo 11, p. 29)
urna experiência clínica com Peter, menino de três anos e nove meses,
muito apegado à mãe, tímido, que se mostrava às vezes agressivo e
autoritário com outras crianças, principalmente seu irmão menor. Esta
passagem é muito ilustrativa de corno o analista procura captar o
significado do brincar, bem corno fundamentar urna interpretação,
escolhendo a que melhor cabe dentre várias interpretações possíveis:
intercalarei comentários durante a exposição para tornar mais acessí-
vel a compreensão dos dados.
"Desde o começo de sua primeira sessão, Peter pegou carruagens e autos,
colocando uns atrás dos outros, depois lado a lado, alternando várias vezes essas
duas formas de arranjá-Ias. Em seguida, pegou uma carruagem com um cavalo, que
fez entrar em colisão com uma outra, de modo que os cavalos feriram as patas, e ele
disse: 'Eu tenho um outro irmãozinho que se chama Fritz'. Eu lhe perguntei o que
faziam as carruagens. 'Não é bonito', respondeu ele, e cessou essa manobra, mas
retomou-a em seguida. Ele bateu então dois cavalos, um contra o outro, da mesma
forma anterior. Eu lhe disse: 'Os cavalos são duas pessoas batendo uma na outra '."
Farei urna interrupção para esclarecer alguns pontos. De início,
vejam que a compreensão é baseada numa observação cuidadosa e
sensível. Não só do brincar, mas das atitudes da criança, e das
emoções que a situação desperta no próprio analista. Quando a criança
coloca as carruagens e cavalos lado a lado, e depois um atrás do outro,
e volta a repetir o arranjo, ela está corno que a construir um cenário,
corno na cena do sonho. O analista precisa ter habilidade para observar
paciência para esperar, pois presume que o brincar não é urna
atividade sem sentido. É equivalente ao estabelecido para seguir a
r sgra da "associação livre" da análise do adulto. O analista acompa-
nha o brincar com a mesma "atenção flutuante", isto é, não faz
.ríticas, não deixa os desejos nem as teorias influenciarem na observa-
~\ilO dos acontecimentos. Mantém seu inconsciente livre para captar as
11\ msagens do inconsciente da criança, até que estas interações come-
r m a brotar na consciência do analista sob a forma de conjecturas. Se
(I nnalista não interfere prematuramente; e sabe esperar, surgem -
como na ilustração de Klein - os acontecimentos expressivos de
.onftitos inconscientes.
9
No caso, Peter bate um cavalo da carruagem contra outro. Mencio-
na que os cavalos se feriram. O analista capta uma manifestação de
agressividade de um ser contra outro, seguida de ferimento. Poderia
conjecturar uma briga, por algum motivo. Mas então Peter diz: "Eu
tenho um outro irmãozinho que se chama Fritz". Para um observador
desavisado essa frase da criança durante o brinquedo poderia passar
como um comentário casual. As crianças dizem tantas coisas sem
nexo ... Não, porém, para Klein, que estava disposta a seguir uma
rigorosa postura analítica. E nestaestá postulado, desde Freud, que
existe um rigoroso determinismo psíquico. Isto é, nada acontece por
acaso. Cada ação tem conexão com a precedente. O analista poderá
não entender o nexo; mas ele sempre existe. Seguindo essa premissa,
Klein entende que a verbalização da criança, "Eu tenho um outro
irmãozinho que se chama Fritz", está associada à ação de bater os dois
cavalos. A idéia é mais ou menos essa: os cavalos se batem - fala do
irmãozinho. Batem-se os cavalos - aparece o irmão. Talvez então o
bater dos cavalos seja a forma que, na fantasia da criança, representa o
ato que gera o irmãozinho. O bater expressa o ato de geração, o ato
sexual. E, como os cavalos se ferem, esse ato é revestido de sadismo.
Klein já devia ter captado esse significado quando intervém no brincar
e pergunta o que fazem as carruagens. A resposta da criança: "Não é
bonito", e cessa de brincar.
Quando o analista já tem uma hipótese interpretativa, às vezes é útil
fazer uma intervenção preliminar para reforçar a hipótese, chamar a
atenção do analisando para a situação focalizada e obter informações
adicionais pela sua resposta. Assim, o analista de crianças, além de
observar as ações externas e em seu interior, também se utiliza das
palavras do paciente. Todavia, muitas vezes a criança não fala, ou
então só dá meras indicações, como no caso. Peter diz: "Não é
bonito", e cessa o brincar. Aparece obviamente um outro fator em
cena, a censura. E, junto com ela, a inibição. A inibição no brincar -
paralisação do brinquedo - e na fala - emudece ou dá alguma
indicação sumária - é significativa para o observador treinado. Na
afirmação: "Não é bonito", está expressa a voz do superego' que
condena a ação do ego' ao se deixar influenciar pelo id-. Ou seja: "Não
é bonito" pode ser entendido pelo analista como a voz de um pai ou
uma mãe censurando a criança por se entregar aos impulsos eróticos e
, Estrutura mental, ou figura interna que carrega os códigos morais, e culturais
nunsrnitidos pelos pais.
'ENlrlltllra mental ou a própria pessoa incumbidademanejar1os,conflitos e problemas
'hlM mundos exterior e interior.
, 1':NlrllluJ"Upsíquica que completa o esquema' de aparelho mental proposto por Freud
I' 11'111 11 1'lInçi'tode ser o depositário dos instintos.
10
se imiscuir na relação sexual dos pais, que estão gerando um irmãozi-
nho (concepção da fantasia), e sobretudo por acompanhar o ato com
sadismo (ferimento nas patas dos cavalos e implicitamente no irmãozi-
nho que está nascendo).
Essa seria a visão completa do conflito inconsciente manifestado
nesse brincar. A reação da criança à emergência aguda do conflito é
ficar angustiada. Angústia pela culpa de se ver atacando familiares; e
angústia pela ameaça dos pais internos castigarem-na pela destrutivida-
de. Diante desse complexo angustiante a criança se defende parando
de brincar. Mas a presença reasseguradora de Melanie Klein, que
"sabendo de tudo" não a censura, é um superego mais tolerante,
encoraja-o a reenfrentar os conflitos e Peter volta a brincar. A brinca-
deira se repete - Peter bate os dois cavalos um contra o outro. Klein
agora interpreta: "Os cavalos são duas pessoas batendo uma contra a
outra". A interpretação tem no momento a intenção de traduzir um
simbolismo do inconsciente: animais representam pessoas. E também
preparar a mente para novas interpretações desse inconsciente dinâmi-
co e conflitivo, como foi sugerido. Voltando à descrição de Klein:
"Ele (Peter) começa dizendo que não é bonito, depois concorda: 'Sim, são duas
pessoas se chocando' e acrescenta: 'Os cavalos também se chocaram e agora vão
dormir'. Depois de cobri-los com cubos, conclui: 'Agora eles estão bem mortos; eu os
enterrei' ."
Na segunda sessão repete o brinquedo de enfileirar, chocar carrua-
gens, inclusive duas locomotivas.
"Ele coloca dois balanços lado a lado, mostra o assento e diz: 'Veja, isso
balança e isso se choca'. Nesse momento eu intervenho e, mostrando os balanços que
'balançavam', as locomotivas, as carruagens e os cavalos, interpreto-os como duas
pessoas, seu papai e sua mamãe, cujas 'coisinhas' (o nome que essa criança dá aos
genitais) se chocavam. Ele retruca 'Não, isso não é bonito', mas continua a bater
entre si as duas carruagens e diz: 'Olha lá como as suas coisinhas se chocarrr.E passa
H falar do irmão."
No fragmento anterior da ilustração que estamos fazendo de Mela-
uic Klein, lembrem que, depois de bater os dois cavalos, Peter disse
que tinha um irmão. Nesse fragmento, Klein, após ir progredindo na
Interpretação- cavalos representam pessoas, cavalos, locomotivas se
.hocando representam pessoas chocando os genitais -, faz a ligação:
p ssoas são papai e mamãe encontrando as "coisinhas". Aparece a
. nsura, a angústia, mas amparada pelo analista, e, pela necessidade
d· elaborar o conflito, a criança avança e incorpora a interpretação de
• No psiquismo da criança (e também do adulto), o analista é identificado como uma
l'lp,uruque está dentro da mente, enxergando tudo o que acontece.
11
13
Klein na sua fala: "Olha lá como suas 'coisinhas' se chocam".
Notando que nesse momento Peter volta a falar de seu irmão, e
recordando o fato de existir um rigoroso determinismo psíquico,
Klein supõe que a fala sobre o irmão está ligada ao encontro dos
genitais de papai e mamãe, e julga que o paciente está em condições de
enriquecer-se conscientemente com mais um significado de seu brin-
quedo. Portanto, propôs-lhe a seguinte interpretação: "Você pensou
que seu papai e sua mamãe chocaram suas coisinhas um com o outro e
que isso fez nascer seu irmãozinho Fritz". Em seguida Melanie Klein
vai cautelosamente mostrando como Peter queria entrar no coito dos
pais, e como se identifica ora com um, ora com outro, na relação
sexual, mostrando sua bissexualidade etc.
Interessa aqui, apenas, dar uma noção de como, através do brincar,
da verbalização da criança e de interpretações cautelosas, respeitando
as resistências da criança, é possivel ir progressivamente tornando
consciente o que estava inconsciente. Considera-se o brincar equiva-
lente ao conteúdo manifesto do sonho que, após interpretado, revela o
significado oculto, o conteúdo latente do sonho.
Klein mostra particularmente o peso que a educação autoritária tem
sobre o desenvolvimento mental da criança, criando barreiras e inibi-
ções que irão privá-Ia do uso de sua energia mental, fazendo com que
sua inteligência desenvolva-se aquém do que poderia. Volta-se contra a
transmissão da idéia de Deus. Considera-a uma forma de educação que
combina autoridade e poder incontestável, gerando temor e submissão
incondicional. A idéia de Deus teria um efeito desastroso sobre o
desenvolvimento intelectual da criança.
"Introduzir a idéia de Deus na educação e então deixar ao desenvolvimento
individual manejá-Ia não é de nenhum modo dar à criança sua liberdade a esse
respeito. Porque, pela introdução autoritária da idéia, num tempo em que a criança
está despreparada e impotente contra a autoridade, sua atitude nesse assunto será tão
grande mente influenciada que ela nunca poderá, ou somente à custa de muita luta e
dispêndio de energia, libertar-se dela" (op, cito p. 38).
"Devemos deixar a criança adquirir tanta informação sexual quanto o cresci-
mento de seu desejo de conhecimento requeira (... ) Isso garante que desejos,
pensamentos e sentimentos não serão - corno ocorre conosco - em parte reprimi-
dos e, em parte, à medida que a repressão falha, suportados sob o desconforto de
falso pudor e sofrimento neurótico. Prevenindo essa repressão, esse peso de sofri-
mento supérfluo, sobretudo, estaremos lançando os alicerces da saúde, equilíbrio
mental e desenvolvimento favorável do caráter" (Klein, 1950, p. 13 e 14).
Melanie Klein antecipa, em alguns anos, os aspectos do que Freud,
ao publicar em 1923 "O ego e o id", chamará de "superego ". Isto é,
uma estrutura psíquica que ao se tornar severa demais forçao ego a
fazer amplas repressões com prejuízo para seu bem-estar, eficiência e
adaptação à realidade.
No trabalho lido em 1921 na Sociedade Psicanalítica de Berlim,
"Análise precoce" (Early analysis), Klein ainda não aborda propria-
mente a Psicanálise, mas uma aplicação desta à criança. O desenvolvi-
mento de sua técnica foi relativamente curto - de 1919 a 1923-, mas
cuidadoso. Neste trabalho de 1921, Klein cita o trabalho de Hug-
Helmuth, de 1919, que não recomenda análise para crianças menores
de seis anos.
Klein atende a uma criança de cinco anos (que mora nas imediações)
no próprio domicílio da criança. Reserva-se a fazer interpretações
parciais, sem aprofundá-las, Não surge ainda a idéia de trabalhar na
transferência, Ela se limita a abordar a curiosidade e fantasias da
criança relativas à sexualidade, às relações dos pais, animais, aos
genitais, à gestação etc. Aborda delicadamente as primeiras associa-
ções homossexuais, sempre com uma atitude receptiva, para não
assustar a criança. Seu intuito não é ainda propriamente terapêutico,
mas profilático. Empregando suas palavras: "Ademais eu não usaria a
expressão 'tratamento completo' para este caso. Estas observações
com suas interpretações apenas ocasionais não poderiam ser descritas
como um tratamento; denorniná-lo-ia preferivelmente como um caso
de 'atendimento com feições analíticas' (upbringing with analytic
features)" (op. cito p. 58).
Klein dá normas para avaliação da saúde mental de uma criança com
menos de seis anos (anterior ao "período de latência", isto é, segundo
1.2. Primeiras contribuições
Todavia, Melanie Klein não começou por aqui. Suas idéias surgiram
aos poucos, cautelosamente. Seu primeiro trabalho publicado data de
1919. Foi apresentado à Sociedade Húngara de Psicanálise, em Buda-
peste, marcando seu ingresso na Sociedade de Psicanálise. Teve o
título: "A influência do esclarecimento sexual e o relaxamento da
autoridade sobre o desenvolvimento intelectual da criança". Tem o
mérito de servir como base de reflexão sobre alguns pontos para
orientação de pais e educadores. Mostra como a: repressão desnecessá-
ria que se exerce sobre a criança através de atitudes de mistério e
falsas informações sobre a sexualidade perturba o desenvolvimento
intelectual.
Portanto, se a curiosidade natural da criança, seu impulso para
investigar o desconhecido são proibidos pelos adultos, sobrevirão
inibiçôcs que impedirão o aprofundamento do conhecimento em geral.
1>11"1111. P .ríodo que vai de seis aos doze ou treze anos, aproximada-
1I1I"1I1l'. c que consiste no aumento da inibição da atividade e curiosida-
.I,' xr xual , motivado pela superação do complexo de Édipo e instaura-
••110 do superego): a criança saudável mostra interesse sobre si mesma e
,) ambiente; revela curiosidade sexual e procura satisfazê-Ia gradual-
mcutc ; não demonstra inibições nessa área e assimila os esclarecimen-
II)S; consegue na imaginação e nos brinquedos expressar parte de seus
rustintos, particularmente o complexo de Édipo; não se apavora depois
dc ouvir contos de fadas (hoje poderíamos acrescentar: depois de
.issistir a filmes de super-heróis na TV); apresenta bom equilíbrio
mental geral. Como a maioria das crianças não se enquadra nesses
padrões de normalidade, Klein faz uma interessante recomendação
preventiva: a instauração de jardins da infância dirigidos por mulheres
analistas. Estas treinariam pajens para cuidar e observar crianças,
capazes de reconhecer quando precisariam de intervenção analítica e
aplicá-Ia imediatamente.
Se a repressão é muito intensa, a criança não consegue passar da
identificação à simbolização e seu desenvolvimento fica inibido. Klein
propõe, mas não explora, o conceito de repressão precoce. Por exem-
plo, se o impulso de penetrar no corpo da mãe sofre intensa repressão,
a passagem da identificação para símbolos ligados ao corpo da mãe não
se realiza. Assim sendo, inibe-se o desejo de penetrar no corpo da mãe
e o sentido de direção. Daí a inibição decorrente irradia-se por identifi-
cação e inibe o estudo da geografia, desenho, ciências naturais etc. Ou,
então, identificações precoces do pênis com o pé, mão, língua, cabeça
e corpo, ou suas atividades, identificam-se com o coito. Isso levaria à
repressão dessas atividades, com resultantes inibições da fala e do
movimento (inabilidade para esportes). A análise infantil permitiria
superar as repressões, liberar o processo das identificações, instalando
a simbolização. E daí fornecer as sublimações, com desenvolvimento
da habilidade e capacidades mentais. (Sete anos mais tarde, em seu
artigo de 1930, "A importância da formação de símbolos no desenvol-
vimento do ego", Klein retomará, ampliará e enriquecerá as noções
aqui propostas.)
1.3. Simbolização e inibição
Em seu terceiro trabalho publicado em 1923, "Análise infantil",
Klein, embora seguindo de perto as teorias de Freud e Abraham, já
arrisca suas primeiras contribuições à teoria psicanalítica. Explica o
mecanismo da sublimação. Quando a repressão começa a operar,
ocorre a passagem da identificação à simbolizaçâo'. Isto é, coisas ou
ações diferentes passam a ter alguns significados semelhantes. Isso
permitiria o processo de deslocamento. Por exemplo, fezes podem ser
simbolizadas por argila. Este processo de simbolização permite o
deslocamento da libido (energia sexual) para outros objetos e ativida-
des ligados ao instinto de conservação e lhes empresta um componente
prazeroso: brincar com argila ou trabalhar em cerâmica, no caso.
Desse modo, tarefas ou atividades que em si mesmas não tinham
lonalidade prazerosa passam a tê-Ia, permitindo de modo socialmente
1Il' »to a descarga disfarçada de uma energia cujos fins estavam origi-
unlmente proibidos. Esta seria a primeira contribuição de Klein à
fl'llI'ia da sublimação. A partir desta, explica as inibições infantis e
-uuornas.
1.4. A psicogênese dos tiques
À medida que sua experiência se amplia, Klein se dá conta da
importância das identificações precoces no desenvolvimento da psico-
patologia. Isso lhe permite explicar e trabalhar com distúrbios que têm
origem em fixações pré-genitais-, Isso lhe abre campo não só para
alcançar distúrbios que não eram habitualmente da alçada da terapêuti-
ca psicanalítica, mas também para aprofundar o conhecimento de
processos de funcionamento mental do tipo das identificações (poste-
riormente descreverá os mecanismos de identificação projetiva e intro-
jetiva, que terão grande importância na explicação do desenvolvimen-
to e das perturbações mentais).
Em seu trabalho de 1925, "Uma contribuição à psicogênese dos ti- .
ques", concordará com Abraham, considerando o tique um sintoma de
conversão pré-genital. Desenvolve uma técnica para analisar os
I' 1'I"lllh> " mente primitiva opera apenas por identificação, as coisas são sempre
'1,,"01', "11111' xi, Por exemplo, peito igual a dedo, igual a pênis etc. Tais operações servem
'I" 1111' 1'1111' 'IIIisfllção imediata, conforme o princípio do prazer, não trazendo cresci-
"" 111•• 11(('111111 ()lIlIlIdn se passa da identificação à simbolização, surgem a noção de
"", I' 'I~I' f .111 ',"'"dhança parciais (abstração) e a atribuição de significados.
'S. Freud e, depois, Karl Abraham propõem a teoria da evolução da libido por
etapas, nessa ordem: oral sem objeto e oral-sádica, anal-expulsiva e anal-retentiva, e
fálica (ou genital infantil) e genital. Se ocorre excesso de gratificação ou frustração, a
passagem de uma fase a outra fica dificultada, acarretando fixações, isto é, preferência
por modos de satisfação da fase considerada. Mais tarde, se a realidade frustra a
gratificação de desejos, o sujeito regride buscando gratificação nos pontos de fixação. A
fase fálica seria o ponto da fixação das "neuroses de transferência", do tipo histeria de
conversão e angústia. Para maior esclarecimento, vide S. Freud, 1905 e 1912; K.
Abraham, 1924; e R. Simõn, 1977.I I 15
IHllIl'S: pedir associações livres às sensações ligadas aos tiques, bem
'01110 às circunstâncias que os originaram. Tendo analisado um adoles-
cente de treze anos, observou que o tique apareceu após ter presencia-
do clandestinamente o coito dos pais. Concluiu que o tique é equiva-
lente à masturbação e se liga a fantasias masturbatórias, que são a
chave para sua análise. Há um complicado sistema de identificações
com o pai e a mãe, gerando angústia de castração intensa, que promove
como defesa uma regressão narcísica (Ferenczi, 1926. Vide p. 132 de
Klein, Contributions to Psycho-Analysis, 1950).

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