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Acerca da Reforma Psiquiátrica

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Universidade Federal de Pernambuco
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Departamento de Psicologia
Curso de Graduação em Psicologia
A Reforma Psiquiátrica, no Brasil, é eficiente?
Trabalho apresentado por Nadriele Araújo à Profª Selma Leitão como parte da 2ª avaliação da disciplina de Controvérsias em Psicologia.
Recife, 2014
A Reforma Psiquiátrica, no Brasil, é eficiente?
No sec. XVII, após o que chamamos da “grande internação”, a loucura vista como castigo divino, tornou-se um problema social. O que ocorreu foi a internação dos loucos em casas de internamento apenas para tirá-los do convívio social. Internados com “libertinos, mágicos, prostitutas e ladrões” (Maciel, 2012) que também eram vistos como problemas sociais, essa internação não tinha nenhum critério médico e nenhum tipo de tratamento era ministrado. Parte das culpa pela “grande internação” se deve ao pensamento capitalista, onde as pessoas que não podiam produzir ou acumular riquezas eram inválidos para a sociedade. Argumentava-se que o isolamento do paciente era importante para ele, pois ele deveria ser tratado como quem sabia tratar. Após a segunda guerra mundial é que o pensamento acerca dos asilos começou a mudar, já havia críticas quanto à eficácia deste modelo –asilar-, mas foi somente depois desse período que a sociedade passou a repensar o modelo e pedir por uma “transformação ou abolição” (Maciel, 2012).
Após a criação da Organização Mundial e Saúde (OMS) é que se mudou a visão sobre a saúde. Anteriormente a ela acreditava-se que um ser saudável era um ser que não possuía patologias, hoje saúde é “um estado de completo bem-estar físico, mental e social” (Organização Panamericana de Saúde citado em Maciel, 2012). A reforma psiquiátrica veio, portanto, para mudar esse modelo asilar e tratar o paciente como um ser social e que merece ser integrado e participar da construção da sociedade. Na década de 1970 houve vários debates em conferências para discussão do modelo vigente e com a repercussão das denúncias na mídia é que houve a motivação para a criação do novo modelo. A Reforma Psiquiátrica surgiu inicialmente para questionar o modelo asilar fazendo com que a questão do doente mental fosse tratada de forma mais humanizada. Em 1989, o projeto de Lei nº 3.657/89, do deputado Paulo Delgado, foi apresentado, entretanto, apenas em 2001 o projeto virou a Lei nº 10.216. A Lei fala sobre a extinção dos manicômios e a criação de “novas modalidades de atendimento” (Maciel, 2012). A partir dessa Lei foi criado o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), com o objetivo de aperfeiçoar o atendimento ao doente mental, além de dependência química e psicopatologias e “oferecer atendimento à população de sua área de abrangência, realizando o acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários.” (Ministério da Saúde, 2004). Contudo, o funcionamento do CAPS é questionado por não funcionar da maneira que se propõe e é bastante criticado pelo mesmo motivo, e mesmo que seja um avanço do modelo asilar, não se tem uma resposta absoluta sobre a sua eficiência no Brasil. Por esta razão serão discutidas questões existentes sobre o CAPS, para que se tenha um entendimento sobre a eficiência destes centros.
Acerca da Reforma Psiquiátrica (RP) pode-se abordar primeiramente o aspecto mais discutido, que é a questão da ressocialização pós desinstitucionalização do paciente. Desinstitucionalizar é basicamente reintegrar o paciente com a sociedade a qual ele faz parte, tratar o paciente como um todo, não focando na doença em si, é enxergar para além da doença e perceber o todo envolvido na vida do paciente. Uma das propostas da RP é essa desisntitucionalização seguida de uma ressocialização, que seria a ênfase na recuperação da cidadania do indivíduo para que ele possa fazer parte, de fato, da sociedade. (Maciel, 2012) Isso ocorreria de forma que o sujeito participasse ativamente do seu tratamento, no investimento da convivência familiar dele, na inserção dele na comunidade em que mora, que houvesse uma investigação dos múltiplos problemas do paciente para traçar planos de resolução, e além de tudo que houvesse um apoio não apenas ao paciente, mas também à família e às pessoas que terão de conviver com o paciente. Não se questiona a importância da desinstitucionalização, pois é “parte do cuidado que o doente mental tem direito” (Gonçalves & Sena, 2001), entretanto esta ressocialização nem sempre ocorre de forma eficaz. Nem sempre a família está preparada para receber de volta o paciente em questões de ser responsável pelo individuo, bem como pelo tratamento e acompanhamento da doença. Além do mais há um pensamento vigente que “entende a loucura como sinônimo de incapacidade e periculosidade” (Maciel, 2012), que ainda enraizado nas ideais das pessoas acaba dificultando ainda mais a inclusão desse paciente na sociedade, de forma que seria necessário desconstruir esse pensamento para que esta dificuldade com a ressocialização fosse superada.
Quanto ao CAPS, há um funcionamento multidisciplinar em que profissionais de várias áreas acompanham o tratamento do paciente e planejam em conjunto as formas de tratar de maneira individual, cada paciente tem um tipo de tratamento específico para ele. Não se pode assumir uma forma universal para o tratamento de uma doença mental, pois não se pode isolar a doença do paciente. No Brasil, foi a partir da década de 1970 que o trabalho multidisciplinar foi priorizado na saúde. O modelo multidisciplinar tem críticas por si só, mas que não são relevantes na discussão da eficiência da Reforma Psiquiátrica no Brasil, o que é relevante é a aplicação desse modelo multidisciplinar. O CAPS deve ser o lugar em que o paciente encontrará todo tipo de atendimento para o que ele precisa e o lugar onde haverá o acolhimento que não existia no modelo manicomial (Gonçalves & Sena, 2001). Há críticas, o caso do CAPS, não questionando a validade da multidisciplinaridade, mas questionando o seu funcionamento na prática, a forma como é aplicada essa multidisciplinaridade. Assim como em outras áreas do serviço público de saúde, há questionamentos quanto à qualificação dos funcionários, se de fato estão preparados para lidar com a questão de saúde mental, quanto ao conhecimento por parte dos mesmos das políticas públicas de saúde mental, (atuantes na área chamada Residência Terapêutica dos CAPS afirmam que não há uma capacitação específica para este tipo de trabalho) e acima de tudo há críticas quanto à falta da atenção, de fato, que deveria ser dado ao paciente por parte dessa equipe multidisciplinar, resultando em um atendimento sustentado basicamente pelo medicamento, o que desqualifica a multidisciplinaridade do tratamento (Vicentini, Lucatelli, Ivantes, Palmieri, Cardoso, Silva, Crusco, Peixoto & Avilez, 2012).
Segundo o Ministério da Saúde (2004), o CAPS tem o objetivo de substituir o modelo hospitalocêntrico, onde havia relatos de agressões e maus tratos aos pacientes internados, de forma que favoreça o “exercício da cidadania e da inclusão social” (Ministério da Saúde, 2004). Deve ser, portanto, um lugar de atendimento para pessoas que sofrem de transtornos mentais, psicoses, neuroses entre outros, onde haverá uma equipe especializada para o acompanhamento e tratamento do individuo. O CAPS deve ser um ambiente acolhedor, onde o paciente sinta-se integrado socialmente e possa conviver com a comunidade. Entretanto nem todos os CAPS funcionam desta forma. No ano de 2006 foi feita uma pesquisa que relatou o despreparo de alguns CAPS para o que se é proposto pelo Ministério da Saúde. Nas cidades de Itaberaba, Lauro de Freitas, Salvador e Vitória da Conquista (BA) e na cidade de Aracaju (SE), foram relatados casos de “desqualificações, repreensões, constrangimentos, humilhações, negligência e agressões físicas, com fins de dominação, exploração e opressão” (Institutode Saúde Coletiva, 2007). Para deixar claro, falamos de violência institucional, que é a violência na instituição CAPS, a pesquisa concluiu que “os aspectos limitantes de movimentos como a contenção mecânica e a impossibilidade de sair; os aspectos interativos baseados no iatrogênico convívio exclusivo entre pessoas adoecidas, além de maus tratos provocados pelos técnicos; o tratamento centrado no uso de remédio, na ausência de oficinas e na falta de autonomia.” (Instituto de Saúde Coletiva, 2007). O observado foi que apesar da contenção dos familiares em relatar os fatos ocorridos, esses foram os principais aspectos abordados. Os resultados alarmantes nos mostram que, apesar do CAPS ter vindo para substituir o modelo asilar e apesar também de ter uma boa proposta, ainda há muito a ser feito para que o CAPS corresponda às expectativas a que se destina.
Nas circunstancias observadas, falhas nos aspectos de ressocialização, falhas na questão da multidisciplinaridade e falhas, sobretudo, quanto ao acolhimento institucional, o CASP, hoje no Brasil, não é um modelo a ser seguido, nem tampouco um modelo que é eficiente em todos os aspectos. Entretanto não se pode deixar de creditar ao CAPS o seu rompimento com o modelo hospitalocêntrico, com a desinstitucionalização, que aos poucos vai se extinguindo. O CAPS na teoria é, de fato, bastante promissor, contudo é um modelo novo e como todo novo modelo precisa ser aperfeiçoado em sua aplicação. Não se pode deixar de negar os avanços que este modelo trouxe aos aspectos de tratamento da doença mental no Brasil e, portando, trabalhar na aplicação e fiscalização do que é proposto.
Referências
Gonçaves, A.M. & Sena, R.R. (2001). A reforma psiquiátrica no Brasil: contextualização e reflexos sobre o cuidado com o doente mental na família. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, Minas Gerais. 
Maciel, C.S. (2012). Reforma psiquiátrica no Brasil: algumas reflexões. Caderno Brasileiro de Saúde Mental, (v.4, n. 8, pp 73-82). Rio de Janeiro.
Ministério da Saúde. (2004). Saúde mental no SUS: os centros de atenção psicossocial. Brasília, Distrito Federal. 
Munari, D.B., Melo, T.S., Pagotto, V., Rocha, B.S., Soares, C.S & Medeiros, M. (2008). Saúde mental no contexto da atenção básica: potencialidades, limitações, desafios do programa saúde da família. 
Universidade Federal de Goiás. 
Nunes, M. & Torrenté, M. (2007). Estigma e violências no trato com a loucura: narrativas de centros de atenção psicossocial Bahia e Sergipe. Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia.
Pinto, A.T.M. & Ferreira, A.A.L. (2010). Problematizando a reforma psiquiátrica brasileira: a genealogia da reabilitação psicossocial. Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Vecentini, A.U., Lucatelli, J.A., Ivantes, J.C., Palmieri, M.L., Cardoso, M.B.R., Silva, M.A.O., Crusco, R.A., Peixoto, T.C. & Avilez, T.M. (2012). Residência terapêutica: o olhar do profissional de saúde mental. Universidade Presbiteriana Mackenzie. Juiz de Fora, Minas Gerais.

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