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Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro Campus Maracanã Professor Rodrigo Química Inorgânica II Compostos de Coordenação 1. Um breve histórico sobre Compostos de Coordenação 1 2. Classificação dos ligantes e nomenclatura de complexos 4 3. Isomeria em compostos de coordenação 7 4. Teoria da Ligação de Valência Aplicada a Compostos de Coordenação 8 5. Teoria do Campo Cristalino (TCC) 11 6. Origem das Cores dos Compostos de Coordenação Segundo a TCC 16 7. Cinética e Termodinâmica de Compostos de Coordenação 18 Exercícios 23 Bibliografia 24 Compostos de Coordenação 25 2009/1 IFRJ Química Inorgânica II 1 1. Um breve histórico sobre Compostos de Coordenação Atribui-se a Alfred Werner o início do estudo com compostos de coordenação. Werner estudava sais que possuíam seis moléculas de amônia em sua fórmula química como o CoCl2.6NH3. Outros como C.W. Blomstrand e P.T. Cleve além de S.M. Jørgensen também tentaram desvendar a possível estrutura desses compostos. A sugestão inicial, feita por Blomstrand, era de que as moléculas de amônia estariam ligadas como numa corrente (Figura 1a). Um grande número de compostos contendo diferentes números de amônia foi sintetizado, como a série de compostos CoCl3.xNH3 (onde x = 3, 4, 5 ou 6), tornando a questão estrutural um desafio para os pesquisadores. Alguns experimentos feitos pelo grupo de Werner com estes compostos mostrou alguns fatos interessantes. Através da precipitação com sais de prata sabia-se que o comportamento dos ânions destes compostos era diferente dependendo do número de moléculas de amônia presentes no composto. As reações abaixo mostram este comportamento: CoCl3.6NH3 + Ag+ (em excesso) → 3 AgCl (s) CoCl3.5NH3 + Ag+ (em excesso) → 2 AgCl (s) CoCl3.4NH3 + Ag+ (em excesso) → 1 AgCl (s) Para explicar esses resultados, foi proposto que o íon cloreto poderia estar ligado diretamente ao cátion colbato III e nesta condição ele não precipitaria. Portanto, se o ânion está ligado ao metal, sua ligação é mais forte; enquanto que se o ânion está no final da “corrente” de amônia, sua ligação é mais fraca. Jørgensen propôs então um outro modelo para as ligações em compostos deste tipo, onde o cloreto poderia trocar de posição com a amônia, se ligando diretamente ao metal (Figura 1b). Assim, ao perder uma molécula de amônia, o cloreto iria se ligar ao cobalto III, não precipitando com adição de íons prata. a) Co NH3 NH3 NH3 Cl NH3 NH3 NH3 Cl b) Co NH3 NH3 NH3 XNH3 H3NX H3NX Figura 1. a) Proposta de representação da molécula de CoCl2.6NH3. A amônia e cloreto numa disposição em corrente. b) Modelo proposto por Jørgensen para um composto com cobalto III. Em negrito estão as moléculas que podem trocar de posição. O modelo proposto por Jørgensen permitia entender a característica dos ânions presentes nestes compostos. Pois às vezes só havia um deles ligado diretamente ao metal, às vezes dois e às vezes nenhum. No entanto, este modelo ainda seria abalado pela constatação de Werner, que mais de dois ânions poderiam estar ligados diretamente ao metal. Desta forma, ele concluiu que as moléculas de amônia não poderiam estar ligadas numa corrente. Além disso, Werner se deparou IFRJ Química Inorgânica II 2 com outro resultado intrigante. Os compostos de cobalto III com amônia tinham cores diferentes, como mostra a Tabela 1. Tabela 1. Compostos CoCl3.xNH3 (onde x = 4, 5 ou 6) e suas cores. Composto Cor CoCl3.6NH3 Amarelo CoCl3.5NH3 Roxo CoCl3.4NH3 Verde CoCl3.4NH3 Violeta O fato do composto CoCl3.4NH3 ter duas cores indicava a presença de isômeros. Portanto, a estrutura destes compostos deveria explicar também este fato. A estrutura proposta por Jørgensen (Figura 1b) não era capaz de atender as últimas observações feitas por Werner. O arranjo em corrente deveria ser abandonado em favor de um outro. Werner propôs uma estrutura diferente, um arranjo onde as seis moléculas de amônia estariam ligadas diretamente ao metal (Figura 2). Este arranjo possibilitaria a ligação de um, dois ou três íons cloretos, trocando de posição com as moléculas de amônia. NH3 NH3 NH3 H3N H3N H3N M X X X Figura 2. Proposta de Werner para a estrutura de hexamino sais. M representa um metal de carga +3 e X um ânion de carga –1. O grande problema desta proposta era o número de ligações feitas pelo metal, que ia contra as idéias de ligação daquele período. Nesta época Lewis ainda não havia proposto seu modelo de ligações químicas e a valência era tratada como uma capacidade dos átomos de se combinarem. Segundo esta definição de valência, um metal com carga positiva de três, deveria se combinar três vezes com um outro composto que fosse monovalente. É aqui que se percebe como a idéia de Werner foi revolucionária. Ele percebeu que para explicar o comportamento destes compostos era preciso romper com o conceito de valência (ao observar os outros dois modelos propostos, nas Figuras 1a e 1b, vê-se claramente o acordo com o conceito de valência da época). Esta capacidade adicional do metal em fazer mais ligações foi chamada por Werner de “valência secundária”, enquanto conceito original foi chamado de “valência primária”. Hoje em dia, os termos cunhados por Werner são chamados de número de coordenação (valência secundária) e estado de oxidação (valência primária). IFRJ Química Inorgânica II 3 Além de sais de cobalto, Wener também utilizou sais de cromo III para formar compostos com amônia, que foram chamados de complexos. Werner observou a troca de moléculas de amônia por moléculas de água e concluiu que os sais hidratados também eram complexos. O composto CrCl3.4H2O, assim como o CoCl3.4NH3, apresenta duas cores: verde-escuro e azul violáceo. Werner conseguiu demonstrar que o cloreto de cromo (III) azul era um composto com formula [Cr(H2O)6]Cl3 (seis moléculas de água estavam ligadas diretamente ao cromo). Já no verde, a fórmula poderia ser escrita como [CrCl2(H2O)4]Cl.2H2O (dois cloretos estão ligados diretamente ao metal). Novamente, um complexo com fórmula química do tipo [MA4B2] apresentava isomeria. A síntese de outros complexos com esta estequiometria levava sempre à mesma conclusão: dois isômeros. Era preciso descobrir que geometria possibilitaria a formação de isômeros. Werner postulou que os seis ligantes iriam se distribuir de maneira simétrica ao redor do metal. Desta forma, ele chegou a três estruturas básicas: um hexágono planar, uma forma prismática e de um octaedro (Figura 3). Em um complexo com todos os seis ligantes iguais, não haveria como diferenciar as estruturas, visto que todas as posições seriam equivalentes. No entanto, com ligantes diferentes, em proporções diferentes, isto poderia ser feito. O número de isômeros de um complexo formado por um metal (M) e dois ligantes diferentes (A e B), de fórmula [MA4B2] era conhecido de isômeros e apenas uma das estruturas levava ao número correto de isômeros: um hexágono planar apresentaria três os isômeros. O mesmo número de isômeros seria encontrado para a forma prismática. Já na estrutura octaédrica, um complexo de fórmula MA4B2 teria apenas dois isômeros. Em um complexo de fórmula MA3B3 se observaria exatamente o mesmo número de isômeros para cada uma das diferentes estruturas. Bastaria Werner investigar quantos isômeros eram formados em complexos do tipo MA3B3. O resultado observado foi que o número de isômeros era sempre dois, independente de metais e ligantes. Desta forma, Werner teve argumentos sólidos para propor que os complexos formados por seis ligantes tinhamgeometria octaédrica. Em 1917, Werner ganhou o prêmio Nobel de química “pelo seu trabalho na ligação de átomos em moléculas, o qual trouxe uma nova luz nas recentes investigações e abriu um novo campo de pesquisa especialmente em química inorgânica”. Embora brilhante, o trabalho de Werner não esgotava as perguntas deixadas pelos complexos. Por que as cores diferentes? Como estes compostos realmente são formados? Por que alguns são mais estáveis que outros? Estas perguntas encontrariam suas respostas em diferentes modelos propostos para explicar a formação dessa nova classe de compostos: os complexos ou compostos de coordenação. IFRJ Química Inorgânica II 4 A A AA A A A A A A A A A A A A A A (i) (ii) (iii) Figura 3. As estruturas propostas por Werner para um complexo MA6. (i) Um hexágono plano, (ii) em forma de prisma e (iii) o octaedro. O metal (omitido nas figuras) se posiciona no centro das estruturas. 2. Classificação dos ligantes e nomenclatura de complexos Os ligantes são classificados, principalmente, de acordo com o número de ligações que podem fazer com o metal. Existem ligantes monodentados, que são aqueles que fazem somente uma ligação e ligantes ditos quelantes, onde há mais de um ponto de coordenação com o metal. Os ligantes quelantes também são chamados de ligantes polidentados. Existem diversos tipos, como os bidentados (dois pontos de coordenação), tridentados (três pontos de coordenação) ou tetradentados (quatro pontos de coordenação) e assim por diante. Existem também ligantes do tipo ambidentados. São ligantes que possuem dois pontos de coordenação, mas não é possível usá-los juntos com o mesmo metal. Isto é, ou se ligam por um dos pontos ou pelo outro. São, portanto, ligantes monodentados, mas com mais de uma opção de coordenação. São clássicos ligantes ambidentados o SCN–, que pode se ligar pelo enxofre ou pelo nitrogênio e, também, o NO2– que pode se ligar tanto pelo nitrogênio como pelo oxigênio. A Figura 4 mostra a estrutura de alguns ligantes comuns em compostos de coordenação. A nomenclatura de complexos segue uma sistemática própria definida pela IUPAC. As regras básicas são: a) O nome do ânion antecede ao do cátion. b) Quando há vários ligantes iguais são usados os prefixos di, tri, tetra, penta, etc para indicar a quantidade de cada ligante. A exceção desta regra se dá quando o nome do ligante já contém a indicação de um número, como por exemplo, etilenodiamina ou bipiridina. Nestes casos usam-se outros prefixos para indicar o número de ligantes: bis, tris e tetraquis, como nome do ligante sendo colocado entre parênteses. O uso destes prefixos está resumido na Tabela 2. c) Ao escrever o nome do complexo, os ligantes são citados em ordem alfabética, qualquer que seja a sua carga e não levando o prefixo em consideração. O nome do metal deve seguir os dos ligantes, com a indicação de seu estado de oxidação entre parênteses, utilizando algarismos romanos. Não há espaço entre nenhum dos nomes, prefixos ou parênteses. Os ligantes e seus nomes para o uso em nomenclatura de compostos de coordenação, bem como abreviações, estão listados na Tabela 3. IFRJ Química Inorgânica II 5 Tabela 2. Prefixos para indicar o número de ligantes. Prefixos Número de ligantes Prefixos Número de ligantes Mono (opicional) 1 Hepta 7 Di, bis 2 Octa 8 Tri, tris 3 Nona 9 Tetra, tetraquis 4 Deca 10 Penta, pentaquis 5 Undeca 11 Hexa 6 Dodeca 12 OO Acetilacetonato (acac) N N Bipiridina (bipy) H2N O O Glicinato (gly) H2N NH2 Etilenodiamina (en) O O O O (CH3COCHCOCH3) (NC5H4)2 Oxalato (ox) NH2CH2CO2 NH2CH2CH2NH2 C2O4 2 N Piridina (py) NC5H5 N O O N O O ou Nitrito ou Nitro NO2 N N O O O OO O O O Etilenodiaminotetraacetato (edta ou Y) S C N S C N ou Tiocianato SCN ou Isotiocianato NCS Figura 4. Alguns ligantes importantes para os compostos de coordenação. Em vermelho os átomos que se coordenam ao metal e entre parênteses as abreviações para alguns dos ligantes. d) Ao escrever a fórmula química de um composto de coordenação, deve-se agrupar o metal e ligantes com colchetes. O metal é escrito primeiro, seguido dos ligantes em ordem de carga. IFRJ Química Inorgânica II 6 Primeiro os negativos, seguido dos neutros e, então, os positivos. No caso de dois ou mais ligantes de cada tipo, considera-se a ordem alfabética de acordo com o símbolo do elemento coordenado ao metal. e) O nome de íons complexos positivos ou de complexos neutros não sofre qualquer alteração. f) Ao nome de íons complexos negativos deve ser adicionado o sufixo “ato”. Existem outras regras, para complexos com mais de um centro metálico ou para ligantes em ponte, mas estas regras ou complexos deste tipo não serão abordados. Tabela 3. Nome de alguns ligantes para nomenclatura dos complexos.1 Espécie Nome no complexo Espécie Nome no complexo Fluoreto (F–) Fluoro Piridina (py) Piridino Cloreto (Cl–) Cloro Bipiridina (bipy) Bipiridino Brometo (Br–) Bromo Etilenodiamina (en) Etilenodiamino Iodeto (I–) Iodo Cianeto (CN–) Ciano Trifenilfosfina (P(C6H5)3)2 Trifenilfosfino Amideto (NH2–) Amido Água (H2O) Aquo Hidroxido (OH–) Hidroxo Amônia (NH3) Amin3 Óxido (O2–) Oxo Peróxido (O22–) Peroxo Monóxido de carbono (CO) Carbonil Acetato (CH3COO–) Acetato Óxido Nítrico (NO) Nitrosil Acetilacetonato (acac) Acetilacetonato Gás oxigênio (O2) Dioxigênio Carbonato (CO32–) Carbonato Gás nitrogênio (N2) Dinitrogênio Glicinato (gly) Glicinato Hidreto (H-) Hidrido Nitrato (NO3–) Nitrato Tiocianato (SCN–) Tiocianato4 Sulfato (SO42–) Sulfato Tiocianato (NCS–) Isotiocianato5 Oxalato (ox) Oxalato Nitrito (ONO–) Nitrito6 Fenil (C6H5*, Ph ou φ) Fenil Nitrito (NO2–) Nitro7 1 O ligante etilenodiaminotetraacetato, edta, permanece com o mesmo nome. 2 P(C6H5)3, PPh3 ou Pφ3. 3 Também se encontra o uso de “amino”. 4 Quando ligado pelo enxofre. 5 Quando ligado pelo nitrogênio. 6 Quando ligado pelo oxigênio. 7 Quando ligado pelo nitrogênio. Por exemplo, os complexos [Co(NO2)3(NH3)3] e K4[Fe(CN)6] são nomeados, segundo as regras citadas, como triamintrinitrocobalto(III) e hexacianoferrato(II) de potássio, respectivamente. Analisando cada caso separadamente, começando pela fórmula química do [Co(NO2)3(NH3)3], como o NO2– é um ânion e a amônia é uma molécula neutra, o primeiro aparece antes na fórmula química. O NO2– é um ligante ambidentado e, portanto, tem duas opções de coordenação. Da maneira que a fórmula está escrita, nota-se que é o nitrogênio que está ligado ao metal – o que leva ao nome nitro. A amônia, NH3, quando coordenada recebe o nome de amin e, portanto, vem antes no nome do complexo. Como são três espécies NO2– e NH3, usa-se o prefixo “tri”. Por fim, o IFRJ Química Inorgânica II 7 estado de oxidação do cobalto é descoberto pelo somatório das cargas. O complexo como um todo é neutro e cada íon nitrito possui carga –1, dando um total de três cargas negativas. Portanto, o cobalto no complexo citado acima deverá ser +3. O outro composto, normalmente chamado de ferrocianeto de potássio, possui um cátion (K+) que não faz parte do íon complexo, que é a parte abrigada entre os colchetes: [Fe(CN)6]4–. Como cada íon cianeto tem carga –1 o estado de oxidação para o ferro é +2. Sendo seis o número de ligantes, usa-se o prefixo “hexa” antes de “ciano”, que é a nomenclatura para o íon cianeto quando coordenado. Por se tratar de um ânion, é preciso adicionar o sufixo “ato” ao final do nome. 3. Isomeria em compostos de coordenação Existemdiversas formas de isomeria em compostos de coordenação, mas o foco aqui será apenas em dois tipos de isomeria: a geométrica e a de ligação. A isomeria geométrica vem de diferentes arranjos com os mesmos ligantes em um complexo octaédrico ou quadrado planar. O primeiro caso de isomeria em geometria octaédrica vem de complexos com fórmula química MA4B2. Como se pode ver na Figura 5, há dois arranjos para esta fórmula. Este arranjo faz lembrar o caso de isomeria cis- e trans- de compostos orgânicos cíclicos. E este é da mesma forma que chamamos estes isômeros. O isômero trans- apresenta os mesmos ligantes (B) em lados opostos em relação a um plano contendo os outros ligantes. No isômero cis-, os ligantes iguais estão em posições adjacentes no octaedro. Complexos com geometria quadrado planar também apresentarão este tipo de isomeria, mas para complexos do tipo MA2B2. A denominação cis- ou trans- para o complexo deve vir antes do nome do mesmo. B A A A M B A A A A A M B B Isômero cis Isômero trans Figura 5. Isomeria geométrica em complexos do tipo MA4B2. Nos complexos octaédricos ainda existe outro tipo de isomeria, para compostos com dois tipos de ligantes, de fórmula MA3B3. A Figura 6 mostra os dois isômeros, nomeados de mer- e fac-. No isômero mer-, que deriva de meridional, os três ligantes iguais estão contidos em um mesmo plano que passa pelo centro do octaedro, ou seja, um plano que contém o metal. No isômero fac-, que significa facial, os três ligantes iguais estão contidos em uma das faces do octaedro. Assim IFRJ Química Inorgânica II 8 como no caso para os isômeros cis- e trans-, o caso de isomeria mer- e fac- deve ser escrita no nome do complexo. B A B A B A M B B B A A A M Isômero mer Isômero fac Figura 6. Isomeria geométrica em complexos do tipo MA3B3. Em vermelho a face do octaedro com três ligantes do mesmo tipo. A isomeria de ligação ocorre quando o complexo tem um ligante que é ambidentado. Por conta disto, existirão complexos com a mesma fórmula, mas estrutura diferente, como mostra a Figura 7. Neste caso de isomeria não é preciso acrescentar nada ao nome dos compostos de coordenação, já que o nome do ligante muda dependendo do ponto de coordenação. O NH3 H3N H3N Co NH3 NH3 N O 2+ N NH3 H3N H3N Co NH3 NH3 O 2+ O (I) (II) Figura 7. Isomeria com o ligante NO2– em um complexo [Co(ONO)(NH3)5]2+ (I) (pentaaminonitritocobalto(III)) e [Co(NO2)(NH3)5]2+ (II) (pentaaminonitrocobalto(III)). 4. Teoria da Ligação de Valência Aplicada a Compostos de Coordenação Sobre o ponto de vista da Teoria da Ligação de Valência (TLV) a formação de um íon complexo é uma reação entre uma base de Lewis (ligante) e um ácido de Lewis (metal ou íon metálico). A base de Lewis doa elétrons ao ácido, formando uma ligação covalente entre as duas espécies. Como esta ligação pode ser classificada como uma ligação coordenada (ou dativa) os compostos deste tipo ficaram conhecidos como compostos de coordenação. IFRJ Química Inorgânica II 9 A abordagem da TLV para os compostos de coordenação se dá através da hibridação de orbitais atômicos do átomo central, o ácido de Lewis, em conjunto com as propriedades magnéticas destes compostos. Por exemplo, os complexos do cátion Pt2+ são normalmente tetracoordenados (número de coordenação = 4), diamagnéticos e têm geometria quadrado planar. Como base nestas informações, é possível deduzir a hibridação do complexo. O cátion Pt2+ possui oito elétrons em orbitais d da quinta camada. A Figura 8 mostra o diagrama de orbitais atômicos para a espécie Pt2+. 5d 6s 6p Figura 8. Diagrama de orbitais atômicos para o cátion Pt2+. Como os complexos de platina(II) possuem na maioria das vezes quatro ligantes, é preciso que o cátion possua quatro orbitais atômicos vazios para receber os quatro pares de elétrons dos ligantes. Na Figura 8, vemos que o cátion Pt2+ pode utilizar os quatro orbitais vazios da sexta camada. No entanto, sabe-se que os complexos de platina(II) deste tipo são diamagnéticos. Se os quatro pares de elétrons dos ligantes utilizarem os orbitais dos subníveis 6s e 6p o complexo será paramagnético, pois existem dois elétrons desemparelhados no subnível 5d. Para levar em conta a propriedade magnética, precisa-se considerar o emparelhamento de elétrons no subnível 5d, como mostra a Figura 9. 5d 6s 6p 5d 6s 6p Figura 9. Emparelhamento de elétrons no subnível 5d para o cátion Pt2+ em complexos do tipo [ML4] (M = íon metálico e L = Ligante). A se considerar o emparelhamento, um dos orbitais do subnível 5d fica vazio e, portanto, será usado na hibridação. Dessa forma, ao invés de se obter uma hibridação do tipo sp3 se terá uma hibridação do tipo dsp2 (um orbital 5d, o orbital 6s e dois orbitais 6p, Figura 10). Isto também é consistente com a geometria observada dos complexos. No caso de uma hibridação sp3 a IFRJ Química Inorgânica II 10 geometria do complexo seria tetraédrica. Já com a hibridação do tipo dsp2 a geometria é quadrado planar, como a observada experimentalmente. 5d 6s 6p 5d p 4 orbitais híbridos do tipo dsp2 Figura 10. Esquema de hibridação dos orbitais atômicos para o cátion platina(II). O níquel(II) também possui oito elétrons em orbitais d e existem diversos complexos com o cátion Ni2+ que possuem as mesmas características dos complexos de platina(II). No entanto, existem também alguns complexos onde o ligante é o mesmo, o número de coordenação é o mesmo, mas com propriedades são diferentes. Um exemplo deste tipo são os complexos [PtCl4]2– e [NiCl4]2–. O complexo tetracloroplatinato(II) é diamagnético. Já o complexo tetracloroniquelato(II) é paramagnético. Além disso, as geometrias dos dois são diferentes. Isto pode ser explicado pela TLV utilizando o mesmo raciocínio anterior. O complexo tetracloroplatinato(II) por ser diamagnético terá uma hibridação dsp2 e geometria quadrado planar. Já o complexo tetracloroniquelato(II), por ser paramagnético, mantém os seus elétrons desemparelhados no subnível 3d. Portanto, os quatro orbitais atômicos usados para a hibridação serão o 4s e os três do subnível 4p. Como a hibridação será sp3 (Figura 11) a geometria do ânion [NiCl4]2– é tetraédrica. 4s 4p 3d 4 orbitais hibrídos do tipo sp3 3d Figura 11. Hibridação do níquel(II) no complexo [NiCl4]2–. IFRJ Química Inorgânica II 11 Embora a TLV explique alguns pontos da química dos compostos de coordenação, ela falha em alguns pontos. Como na explicação das cores dos complexos ou por usar um dado experimental para prever outras propriedades do composto. Por conta disto, outras teorias surgiram para descrever a ligação, estrutura e propriedades dos complexos. 5. Teoria do Campo Cristalino (TCC) Quando Bohr teve sucesso na descrição do espectro atômico do hidrogênio através de sua teoria das órbitas quantizadas, ficou claro que espectroscopia e a configuração eletrônica das espécies estavam intimamente ligadas. Para entender, por exemplo, as cores dos compostos de coordenação, era preciso uma teoria que envolvesse a configuração eletrônica destes. A Teoria do Campo Cristalino (TCC) foi uma das teorias que surgiram para explicar o comportamento eletrônico dos compostos de coordenação. Com argumentos bastante simples, a TCC explicava diversas propriedades dos compostos de coordenação e, por isso, passou a ser utilizada para prever e explicar o comportamento desses compostos. Segundo a TCC cada ligante é tratado como um ponto esféricode densidade negativa que, ao se aproximar do metal, entra em repulsão com os elétrons que ocupam orbitais do tipo d dos metais. A repulsão causada pelos ligantes irá depender do arranjo destes em relação ao metal (e seus orbitais d). Quando são seis os ligantes, a geometria é octaédrica (o que se chama na TCC de campo octaédrico). Para quatro ligantes, o campo é tetraédrico (se a geometria for tetraédrica). No campo octaédrico, os ligantes se aproximam na direção dos eixos espaciais x, y e z. Os orbitais do tipo d, posicionados nos eixos, experimentarão uma maior repulsão do que os posicionados na região entre os eixos (Figura 12). Quando analisamos os cinco orbitais d, os dois que estão posicionados nos eixos ( 2y2xd − e 2zd ) aumentarão de energia, enquanto os três entre os eixos (dXY, dXZ e dYZ) terão uma energia menor (Figura 13). Há, portanto, uma quebra na degenerescência dos cinco orbitais d, dando origem ao desdobramento dos orbitais d, onde os orbitais 2y2xd − e 2zd são chamados de orbitais eg e os orbitais dXY, dXZ e dYZ são chamados de t2g. A diferença de energia entre os orbitais eg e t2g é chamada de parâmetro de desdobramento do campo cristalino, simbolizado por Δo (Dq ou 10Dq também são usados para expressar esta diferença de energia). IFRJ Química Inorgânica II 12 Figura 12. Orbitais d do metal em um campo octaédrico. A estabilidade dos complexos (e algumas outras propriedades) dependerá de como os elétrons estarão distribuídos. Define-se a energia de estabilização do campo cristalino, EECC, como sendo Oge2gt )Δ0,6n0,4n(EECC +−= (1) onde n é o número de elétrons que ocupa os orbitais. Quanto mais negativa for EECC, maior é o ganho em estabilidade causado pelo desdobramento. Por exemplo, o íon Cr3+ tem configuração d3. Portanto seus três elétrons irão ocupar os orbitais t2g. Então a energia de estabilização para um complexo deste íon seria: OOCr 1,2Δ0)Δ0,630,4(EECC −=⋅+⋅−= (2) A partir de íons com configuração d4 existem duas possibilidades: ou ocupar os orbitais de maior energia (eg) ou ter elétrons emparelhados nos orbitais de menor energia. Sempre que a energia de desdobramento (ΔO) for maior que a energia gasta para o emparelhamento de elétrons (P) o sistema terá elétrons emparelhados. Estes complexos são chamados de complexos de campo alto ou de spin baixo. Entretanto, se o desdobramento for menor que a energia de emparelhamento, o elétron ocupa um orbital de maior energia. Os complexos com configuração eletrônica deste tipo são chamados de complexos de campo fraco ou de spin alto. Por tais motivos torna-se de fundamental importância saber que fatores influenciam na magnitude de ΔO. E são dois os mais importantes: o metal (quanto ao número de oxidação e a série de transição a que pertence) e o ligante. IFRJ Química Inorgânica II 13 Δo -2/5 Δoorbitais d eg t2g +3/5 Δo Figura 13. Desdobramento dos orbitais d em um campo octaédrico. O metal exerce forte influência no desdobramento. Ao aumentarmos a carga do metal o desdobramento aumenta, pois quanto maior é a carga, maior é a atração entre o metal e o ligante. Ademais, séries de transição mais elevadas geram maiores desdobramentos. Tal comportamento é explicado, pois orbitais mais volumosos necessitam de menor energia para o emparelhamento de elétrons e, por serem mais difusos (maior polarizabilidade), geram maiores interações com os ligantes. Como exemplo deste efeito podemos citar o [Fe(H2O)6]3+ que possui ΔO = 14000 cm-1 (1,74 eV) enquanto o [Ru(H2O)6]3+ tem ΔO = 28600 cm-1 (3,55 eV). A natureza do ligante também é responsável pela magnitude do desdobramento. Os ligantes que forçam o emparelhamento ou, em outras palavras, causam um grande desdobramento, são chamados de ligantes de campo forte. Já os ligantes que irão formar um complexo de spin alto são chamados de ligantes de campo fraco. A determinação dos valores de ΔO se dá por espectroscopia. Analisando-se as transições e energias envolvidas podem-se calcular os valores de ΔO. Com base nesses dados, construiu-se a série espectroquímicaa: I–<Br–<S2–<SCN–<Cl–<NO2–<<F–<OH–<C2O42– (ox)<O2–<H2O <NCS–<CH3CN<NC5H5 (py)<NH3<NH2CH2CH2NH2 (en) <2,2´-NC5H5C5H5N (bipy)<NO2–<P(C6H5)3<CH3–<CN–<CO Os ligantes do início da série são considerados de campo fraco e os do final os de campo forte. A TCC não consegue explicar a ordem dos ligantes na série espectroquímica. Levando-se em conta a força da interação eletrostática era de se esperar que um ligante carregado causasse uma ligação mais intensa do que ligantes neutros (e, portanto, um maior desdobramento). Outro exemplo da imprecisão da TCC na série espectroquímica é que a água é um ligante mais fraco que a Em negrito está o átomo que fará a ligação em ligantes ambidentados. As abreviações são: oxalato (ox); piridina (py), etilenodiamina (en) e bipiridina (bipy). Esta série é resultado de uma média de parâmetros, podendo haver inversões em alguns casos. IFRJ Química Inorgânica II 14 a amônia, mesmo tendo um momento de dipolo maior. A série espectroquímica foi explicada mais tarde por uma outra teoria, baseada nos orbitais moleculares. A abordagem feita para o campo octaédrico também foi feita para o tetraédrico. A diferença é a posição dos ligantes em relação aos orbitais d. Em um complexo octaédrico, os ligantes estão posicionados nos eixos (Figura 12), enquanto no campo tetraédrico, os ligantes estão posicionados fora dos eixos. Portanto, os ligantes de um complexo com geometria tetraédrica irão afetar os orbitais d do metal de forma diferente da observada em um campo octaédrico. Os orbitais d fora do eixo (dXY, dXZ e dYZ) serão mais afetados pela presença dos ligantes e, por isso, serão os de maior energia no diagrama dos orbitais – onde são identificados como orbitais t2. Já os dois orbitais que ficam nos eixos serão os de menor energia, chamados de orbitais e. A Figura 14 mostra o desdobramento dos orbitais d para um campo tetraédrico. A magnitude do parâmetro de desdobramento do campo cristalino para complexos tetraédricos (Δtd) é menor que para os complexos do mesmo metal em um campo octaédrico. Normalmente, os complexos tetraédricos são de campo fraco: Δtd é menor que a energia de emparelhamento dos elétrons. Δtd +2/5 Δtd orbitais d e t2 -3/5 Δtd Figura 14. Desdobramento dos orbitais d em um campo octaédrico. A geometria tetraédrica não é a única possível para o número de coordenação 4. Há também a geometria quadrado planar. A geometria quadrado planar pode ser vista como um caso extremo do efeito de Jahn-teller. O efeito de Jahn-Teller causa uma distorção geométrica em complexos octaédricos, principalmente em complexos onde os metais possuem configuração eletrônica d8 e d9. A distorção causada pelo efeito de Jahn-Teller pode ou alongar ou encurtar as ligações de alguns dos ligantes e isto leva a uma mudança no diagrama de orbitais. A Figura 15 mostra as distorções que levará até um complexo com geometria quadrado planar. IFRJ Química Inorgânica II 15 L L L L L M L L L L L L M L L L L L M a) b) c) Figura 15. Uma distorção causada pelo efeito de Jahn-Teller. a) Um complexo octaédrico regular; b) os ligantes no eixo z se afastam; e c) um complexo com geometria quadrado planar. Ao considerar que os ligantes do eixo z irão se distanciar, até que não haja mais ligação entre eles e o metal, admite-se que a repulsão nos orbitais localizados no eixo z irá diminuir. Assim, um novo desdobramento irá ser observado, onde os orbitais com componentesno eixo z terão energia menor do que no campo octaédrico, enquanto os outros orbitais sofrem um acréscimo energético em relação à situação anterior (Figura 16). Os complexos quadrado planar são, tipicamente, de campo forte. Desta forma, os elétrons são emparelhados antes de se ocupar um orbital de maior energia. orbitais d eg t2g dxz dyz dxy dz2 dx2-y2 Quadrado Planar Octaédrico dxz dyz dxy dz2 dx2-y2 Figura 16. Desdobramento em um complexo com geometria quadrado planar. IFRJ Química Inorgânica II 16 6. Origem das Cores dos Compostos de Coordenação Segundo a TCC Segundo a TCC, muitas vezes as cores observadas nos complexos têm origem em transições eletrônicas entre os orbitais d do metal sendo, portanto, um reflexo do desdobramento destes orbitais. Quanto maior for desdobramento, mais energia será necessária para as transições eletrônicas acontecerem. Dessa forma, o comprimento de onda absorvido será menor.b Quando a luz branca (luz visível) atravessa o composto, este absorve um dado comprimento de onda com energia idêntica ao da magnitude do desdobramento dos orbitais d, e os outros comprimentos de onda presentes passam sem serem absorvidos. Portanto, enxergamos uma mistura de cores de todos os comprimentos de onda – menos o que foi absorvido. É o que chamamos de cores complementares. A Tabela 4 mostra as cores e suas cores complementares. Voltando ao caso descrito por Werner para os isômeros CrCl3.6H2O. Quando se tinha o complexo [Cr(H2O)6]3+, era observada uma cor azul para violácea. Isto significa que a absorção se dá numa faixa entre 560 e 595 nm. Já o complexo [CrCl2(H2O)4]+ exibe uma cor verde escura, sinal de que absorve o comprimento de onda característico da cor vermelha, na faixa de 650 à 750 nm. Isto está de acordo com a série espectroquímica. O cloreto é um ligante mais fraco que a água e, portanto, a troca de moléculas de água por íons cloreto causa uma diminuição na magnitude do desdobramento dos orbitais. Portanto, observa-se que o íon-complexo [CrCl2(H2O)4]+ tem seu máximo de absorvância num comprimento de onda maior (de menor energia) que o do íon- complexo [Cr(H2O)6]3+. Medindo-se o comprimento de onda absorvido por um complexo em uma transição eletrônica do tipo d-d (entre os orbitais t2g e eg) determina-se o valor experimental do parâmetro de desdobramento do campo cristalino (ΔO). Tabela 4. Cores e suas cores complementares. Comprimento de onda (nm) Cor Absorvida Cor Complementar 400 – 435 Violeta Amarelo esverdeado 435 – 480 Azul Amarelo 480 – 490 Azul esverdeado Laranja 490 – 500 Verde azulado Vermelho 500 – 560 Verde Roxo 560 – 580 Amarelo esverdeado Violeta 580 – 595 Amarelo Azul 595 – 650 Laranja Azul esverdeado 650 – 750 Vermelho Verde azulado b Lembre-se: pela relação de Planck, E = h.c/λ. Então, quanto menor o comprimento de onda (λ) maior é a energia (E). IFRJ Química Inorgânica II 17 O princípio é muito simples, semelhante a qualquer fenômeno de absorção/emissão de energia por um átomo. Porém, nem todas as transições eletrônicas são possíveis entre os orbitais d do metal. Existem transições que são prováveis, que são chamadas de transições permitidas, e outras pouco prováveis, as ditas transições proibidas. Para classificar as transições eletrônicas como permitida ou proibida, usam-se duas regras de seleção: a) Regra de seleção por spin Esta regra define que em uma transição eletrônica provável não há mudança de spin de um elétron. Observe a Figura 17. Como os orbitais eg estão vazios qualquer um dos elétrons nos orbitais t2g pode ser excitado aos orbitais eg sem a necessidade de inversão do spin. Têm-se então cinco transições permitidas no caso ilustrado na Figura 17. O número de transições permitidas influencia na intensidade de absorção e, portanto, na intensidade da cor observada. orbitais d eg t2g Figura 17. Exemplo de desdobramento dos orbitais d em um campo octaédrico forte. Neste caso, qualquer um dos cinco elétrons pode ser excitado aos orbitais eg sem que haja inversão do spin. A Figura 18 mostra um sistema diferente. Existe a possibilidade de transição eletrônica, porém os elétrons em orbitais t2g, ao serem excitados, precisam mudar de spin para ocupar os orbitais eg sem violar o Princípio da Exclusão de Pauli. Portanto, qualquer transição neste sistema seria uma transição proibida. Compostos nesta situação possuem coloração muito pálida ou incolor. orbitais d eg t2g A transição só é possível através da inversão do spin. Figura 18. Exemplo de desdobramento dos orbitais d em um campo octaédrico fraco. Para que um dos três elétrons possa ser excitado aos orbitais eg é preciso que haja inversão do spin. IFRJ Química Inorgânica II 18 b) Regra de Laporte A regra de Laporte afeta mais os complexos de geometria octaédrica. Segundo esta regra, as transições eletrônicas entre orbitais de mesma paridade (isto é, orbitais classificados como “g”) são proibidas. Teoricamente esta regra anularia qualquer transição eletrônica de complexos octaédricos, pois as transições são entre os orbitais t2g e eg. Na prática, como as ligações não são estáticas e estão sempre vibrando o complexo nem sempre será um octaedro perfeito levando a uma perda de simetria dos orbitais. Como as transições eletrônicas são muito mais rápidas que as vibrações das ligações, há a possibilidade de transição de elétrons entre os orbitais d durante estas distorções geométricas. Tal problema não ocorre entre os complexos tetraédricos, já que nesta geometria não há centro de inversão e, portanto, os orbitais não recebem a classificação “g”. Alguns complexos possuem cores oriundas de outras transições eletrônicas que não as do tipo d-d. Como não se pode explicá-las de maneira satisfatória através da TCC, não iremos abordá-las. 7. Cinética e Termodinâmica de Compostos de Coordenação Complexos podem ser empregados em áreas diversas: como catalisadores industriais ou como fármacos. Também são encontrados vários exemplos de complexos em sistemas biológicos. Geralmente as reações onde os compostos de coordenação estão envolvidos são reações de troca de ligantes. Desta forma, conhecer os fatores que influenciam na troca de ligantes é de fundamental importância. A troca de ligantes está diretamente ligada à estabilidade dos complexos. Se um metal forma um complexo mais estável com o ligante “A” do que com um ligante “B”, provavelmente o ligante “A” conseguirá substituir o ligante “B”. No entanto, a estabilidade dos compostos tem dois lados: a rapidez com que a troca acontece e a condição em que ocorre. A velocidade com que a troca de ligantes ocorre depende fundamentalmente da força da ligação entre o metal e os ligantes de saída e entrada. Complexos cuja troca é relativamente lenta são chamados de inertes, enquanto os de troca rápida são chamados de lábeis. A labilidade de um complexo pode ser visto pelo seu valor de EECC. Quanto menos estável é o complexo, maior é a velocidade de troca de ligantes. Metais com configuração eletrônica d0 e d10 não são estabilizados pela formação do complexo (EECC=0, independente do ligante ou geometria do complexo) e, portanto, são complexos extremamente lábeis. Já complexos de campo forte onde o metal possui seis elétrons em orbitais d estão entre os mais inertes devido ao ganho energético, demonstrado pelo valor da EECC (– 2,4ΔO). Os complexos de metais da segunda e terceira série de transição são mais inertes que os da primeira série de transição, devido ao maior valor de ΔO. De maneira geral, a labilidadeaumenta conforme o ganho de estabilidade (EECC) e o valor de ΔO diminuem. A IFRJ Química Inorgânica II 19 labilidade ou inércia de um complexo não deve ser vista como um fator “bom” ou “ruim”, pois diferentes aplicações requerem diferentes propriedades destes compostos. A termodinâmica da formação de complexos segue a mesma lógica de qualquer reação. É a Energia Livre de Gibbs (ΔG) que mostrará se a formação de um complexo ou a troca de ligantes será espontânea ou não. Portanto, é preciso observar as variações da entalpia e da entropia nas reações de complexação. A entalpia está relacionada diretamente com a ligação entre o metal e o ligante. Quanto mais forte for esta interação, mais negativa será a entalpia e maior será a probabilidade de ΔG ser negativo. De maneira geral, é mais fácil trocar ligantes de campo fraco que ligantes de campo forte, pois a interação com os primeiros é mais fraca que com os últimos. Fatores como a dureza e a moleza de metais e ligantes também são importantes nesta avaliação, pois aumentam ou diminuem a força da interação entre metal e ligante. A entropia passa a ser fundamental quando ligantes quelantes são utilizados. Uma reação de substituição de um ligante monodentado por um ligante bidentado está representada abaixo: [ML6] + 3B [MB3] + 6L (3) onde L é o ligante monodentado e B e o ligante bidentado. A variação da entropia no sentido direto desta reação é positiva, pois há mais espécies nos produtos que nos reagentes. Se o aumento da entropia é considerável, tem-se a troca dos ligantes mesmo com a formação de ligações individualmente mais fracas (uma variação positiva da entalpia). Este efeito causado pela entropia é chamado de “efeito quelato”. Uma maneira simples de expressar a variação da entalpia e da entropia é através da constante de equilíbrio para a reação abaixo: M(aq) + nL(aq) [MLn](aq) (4) A constante de equilíbrio para uma reação de complexação é normalmente chamada de constante de formação (Kf) ou constante de estabilidade (também é encontrado, embora com menos freqüência, o termo constante de ligação). A equação (4) é uma aproximação para um processo de troca de ligantes entre um ligante qualquer de entrada e a água. Como o interesse está na formação do complexo com o novo ligante, normalmente a água é omitida na equação e na constante de equilíbrio. Além da omissão da água como ligante, a equação (4) mostra o processo global da troca de ligantes. Na prática, os ligantes não são trocados todos de uma vez. O processo ocorre em etapas, como a ionização de ácidos polipróticos. Dividindo a equação (4) em suas etapas, tem-se: M(aq) + L(aq) [ML](aq) (5) [ML](aq) + L(aq) [ML2](aq) (6) IFRJ Química Inorgânica II 20 até a entrada do enésimo ligante [ML(n–1) ](aq) + L(aq) [MLn](aq) (7) Estas etapas possuem suas próprias constantes de equilíbrio, que seriam expressas por [M].[L] [ML]K1 = (8) [ML].[L] ][ML K 22 = (9) ].[L][ML ][ML K 1)(n n n − = (10) onde K1, K2 e Kn são as expressões de equilíbrio para as equações (5), (6) e (7). Estas constantes são chamadas de constantes de estabilidade seqüenciais e representam as várias etapas da formação de um complexo. Não é difícil perceber que a constante de equilíbrio referente à equação (4) é a constante de estabilidade global, normalmente representada por βn ou simplesmente Kf. A constante de formação global será o produto de cada constante seqüencial envolvido na formação do complexo: n21n n n .(...).K.KK[M].[L] ][ML β == (11) Por exemplo, o complexo diaminprata(I) terá a seguinte expressão para a constante de estabilidade global: 2 3 23 2 ]].[NH[Ag ]|)Ag(NH[| β + + = (12) Já para o complexo hexacianoferrato(III) esta constante será expressa por 63 3 6 6 ]].[CN[Fe ]|Fe(CN)[| β −+ − = (13) Uma outra notação muito encontrada para os valores de βn é a logarítmica. Os valores são expressos em termos de log(βn). Quanto maior for o valor do logaritmo, maior é o valor da constante de formação global do complexo. A Tabela 5 mostra os valores de βn para alguns compostos de coordenação. IFRJ Química Inorgânica II 21 Tabela 5. Valores da constante de formação global para alguns complexos. Complexo βn Complexo βn Complexo βn [Ag(NH3)2]+ 1,7.107 [Co(NH3)6]2+ 1,3.105 [Cu(NH3)4]2+ 1,1.1013 [AgCl2]– 1,8.105 [Co(ox)3]4– 5,0.109 [Fe(CN)6]4– 1037 [Ag(CN)2]– 3,0.1020 [Co(SCN)4]2– 1,0.103 [Fe(CN)6]3– 1042 [Al(OH)4]– 2,5.1033 [Co(NH3)6]3+ 4,5.1039 [Fe(ox)3]3– 2,0.1020 [Al(ox)3]3– 9,3.1015 [Co(ox)3]3– 1020 [Fe(NCS)]2+ 8,9.102 Os valores de βn mostram que quanto mais forte é a interação metal ligante, maior é a sua estabilidade. Os complexos com o ligante cianeto (campo forte) possuem valores de βn muito maiores que os demais encontrados na Tabela 5. Com os valores de βn é possível calcular a constante de equilíbrio, Kc, para uma reação de troca de ligantes. Seja uma reação representada por [ML] + B [MB] + L (14) a constante de equilíbrio para a equação (14) é Kc = β[MB]/β[ML] (15) Se Kc>1, a formação de [MB] é favorecida. Isto irá acontecer se β[MB] > β[ML]. Portanto, quanto maior é a constante de estabilidade de um complexo, maior é a facilidade de formação deste complexo. Isto não quer dizer que é impossível formar [ML] a partir de [MB], quanto maior for a concentração do ligante L, maior será a formação de [ML]. No entanto, para que [ML] esteja em concentrações apreciáveis, será necessário um grande excesso do ligante L. A constante de formação de um complexo também é importante em processos de solubilização de precipitados. Um exemplo que ilustra muito bem este fato é a formação do complexo diaminprata(I) frente aos precipitados de cloreto de prata e iodeto de prata. Com a adição de amônia ao precipitado entre o haleto e a prata, há a formação do íon complexo, que pode levar a dissolução do precipitado. A equação deste processo para o cloreto de prata é mostrada abaixo: AgCl(s) + 2 NH3 (aq) [Ag(NH3)2]+(aq) + Cl–(aq) (16) IFRJ Química Inorgânica II 22 A constante de equilíbrio para este processo é 2 3 - 23 c ][NH ]].[Cl|)Ag(NH[| k + = (17) O produto entre o kps do cloreto de prata e a constante de formação do íon complexo diaminprata(I) leva à mesma expressão mostrada em (17): c2 3 23 2 3 23 2ps k][NH ]].[Cl|)Ag(NH[| ]].[NH[Ag ]|)Ag(NH[| ].].[Cl[Ag.βk === −+ + + −+ O kps do cloreto de prata é 1,82.10–10 e a constante de formação do complexo pode ser encontrada na Tabela 4. O Kc para esta reação é 3,1.10–3. A solubilização será favorecida apenas em concentrações elevadas de amônia. Aplicando o mesmo raciocínio ao iodeto de prata (kps = 8,3.10–17), se obterá uma constante de equilíbrio de 1,4.10–9. Portanto, a solubilização do iodeto de prata pela formação do íon complexo diaminprata(I) é altamente desfavorável. IFRJ Química Inorgânica II 23 Exercícios 1 – Nomeie os compostos abaixo: a) Ni(CO)4 e) Fe(CO)5 i) [Co(H2O)6]Cl2 b) Fe[CoF6] f) K3[Fe(CN)6] j) Na2[Zn(OH)4] c) [RuCl2(NH3)4]Cl g) [Cr(NH3)3(H2O)3]Cl3 l) [Fe(acac)(NH3)4]Br d) [Co(NH3)6][NiCl4] h) [AgCl2]– m) Na[Fe(EDTA)] 2 – Considere um complexo formado pelo íon cobalto (III), dois ânions tiocianato e quatro amônias. a) Quantos são os isômeros para este complexo? b) Escreva a fórmula estrutural de todos os isômeros. c) Nomeie todos os isômeros. 3 – Com base nas informações experimentaisfornecidas, deduza a hibridação do metal e geometria dos complexos listados abaixo: a) [Ni(CO)4]2+ é diamagnético. b) [Co(NH3)6]3+ é diamagnético. c) [CoF6]3– é paramagnético. 4 – Explique porque o complexo [Ru(ox)3]3– é um complexo de campo forte enquanto o [Fe(ox)3]3– é de campo baixo. Mostre também o diagrama dos orbitais d para cada complexo. 5 – Por que a TCC não pode ser usada para explicar a ordem de força dos ligantes? Por exemplo, F– e OH– são ligantes mais fracos que P(C6H5)3 e CO. 6 – Por que os orbitais 2zd e 22 yxd − são os de maior energia quando a geometria é octaédrica e de menor energia quando a geometria é tetraédrica? 7 – Preveja qual dos compostos apresentará o maior Δo e justifique sua escolha: a) [CoF6]3– ou [Co(CN)6]3– b) [Ru(CN)6]3– ou [Fe(CN)6]3– c) [Fe(CN)6]3– ou [Fe(CN)6]4– 8 – Preveja, com base nas informações dadas, se os complexos são de campo forte ou fraco. Justifique suas escolhas. a) O complexo [Mn(H2O)6]2+ é incolor. b) O complexo [Ru(NH3)6]2+ é diamagnético. 9 – Ordene os complexos abaixo conforme o aumento do comprimento de onda absorvido. Justifique a ordem escolhida. [Co(H2O)6]2+; [Co(SCN)4]2–; [Co(CN)6]3–; [CoCl4(H2O)2]2– 10 – Calcule a solubilidade do cloreto de prata em uma solução 0,10 mol/L de amônia. (Obs: Considere a formação apenas de [Ag(NH3)2]+). IFRJ Química Inorgânica II 24 Bibliografia ATKINS, P. W. e SHRIVER, D. F. Inorganic Chemistry. 3a edição. Oxford: Oxford University Press, 1999. ATKINS, P. W. e JONES, L. Princípios de Química: Questionando a Vida Moderna e o Meio Ambiente. 3a edição. Porto Alegre: Bookman, 2006. HUHEEY, J. E. Inorganic Chemistry: Principles of structure and reactivity. 3a edição. New York: Harper Collins Publishers, 1983. HUHEEY, J. E.; KEITER, E.A. e KEITER R. L. Inorganic Chemistry: Principles of structure and reactivity. 4a edição. New York: Harper Collins Publishers, 1993. JONES, C.J. A Química dos Elementos do Bloco d e f. Porto Alegre: Bookman, 2002. LEE, J. D. Química Inorgânica Não Tão Concisa. 4a edição. São Paulo: Editora Edgard Blücher Ltda, 1996. SKOOG, D.A.; WEST, D.M. e HOLLER, F.J. Analitical Chemistry, An Introduction. 6a edição. Saunders College Publishing, 1994. WERNER, A. “On the Constitution and Configuration of higher-order Compounds.” Nobel Lectures, Chemistry 1901–1921, 256-269, 1913. Referências para as figuras: Figura 12: Extraída e adaptada de: mooni.fccj.org/~ethall/cobalt/cobalt.htm IFRJ Química Inorgânica II 25 Compostos de Coordenação 1) Complexos de Cobre II a) Na capela, adicione lentamente solução aquosa concentrada de amônia a 2,0 mL de solução de sulfato de cobre II 0,1 mol/L e observe. Adicione água deionizada lentamente e observe. b) A 2,0 mL de solução de sulfato de cobre II 0,1 mol/L adicione cloreto de sódio sólido em pequenas quantidades até a saturação da solução. Observe o efeito da adição de cloreto de sódio. Adicione água deionizada lentamente e observe. 2) Complexos de Cobalto II Faça uma diluição (1:2) de 4,0 mL de uma solução de cloreto de cobalto II 3%. a) Transfira para um tubo de ensaio 0,5 mL da solução aquosa de cloreto de cobalto II diluída. Na capela, adicione cuidadosamente ácido clorídrico concentrado ao sistema e observe. Após isto, adicione água deionizada e observe. b) Transfira 2,0 mL da solução aquosa de cloreto de cobalto II diluída para um tubo de ensaio. Adicione 5,0 mL de uma solução aquosa de oxalato de sódio 0,125 mol/L e observe. Reserve o sistema para comparação na experiência “2d.” c) A 2,0 mL da solução de cloreto de cobalto II diluída e adicione 5,0 mL de solução aquosa saturada de tiocianato de potássio e observe. Reserve o sistema para comparação na experiência “2d.” d) Adicione 2,5 mL de solução aquosa de oxalato de sódio 0,125 mol/L a 1,0 mL de solução aquosa de cloreto de cobalto II diluída. Em seguida, adicione 2,5 mL de solução concentrada de tiocianato de potássio e observe. Refaça a experiência trocando a ordem de adição dos ligantes tiocianato e oxalato (Se preciso, compare a coloração com os resultados obtidos nas experiências “2b” e “2c”). 3) Complexos de Ferro III a) Transfira 1,0 mL de uma solução aquosa de cloreto férrico 0,10 mol/L para três tubos de ensaio. Adicione ao primeiro tubo 4,0 mL de solução aquosa de oxalato de sódio 0,125 mol/L. Ao segundo tubo, adicione 4,0 mL de solução aquosa de fluoreto de sódio 0,25 mol/L. Acrescente 4,0 mL de água deionizada ao terceiro tubo. Observe atentamente as cores das soluções. IFRJ Química Inorgânica II 26 Aos três tubos adicione gota a gota solução de tiocianato de potássio (ou amônio) de concentração 0,10 mol/L até mudança de coloração. Conte o número de gotas gasto para provocar a mudança em cada tubo. b) Transfira para dois tubos de ensaio 0,5 mL de solução aquosa de cloreto férrico 0,10 mol/L e 2 mL de uma solução de oxalato de sódio 0,125 mol/L. Observe a cor da solução nos tubos de ensaio. Adicione em seguida 2 mL de uma solução de fluoreto de sódio 0,25 mol/L em um deles e no outro 2 mL de água deonizada. Observe. c) Transfira para dois tubos de ensaio 0,5 mL de solução aquosa de cloreto férrico 0,10 mol/L e 2 mL de uma solução de flureto de sódio 0,25 mol/L. Observe a cor da solução nos tubos de ensaio. Adicione em seguida 2 mL de uma solução de oxalato de sódio 0,125 mol/L em um deles e no outro 2 mL de água deonizada. Observe. Compare os resultados dos tubos de ensaio das experiências “3b” e “3c”. 4) Complexos de Prata a) Coloque cinco gotas de uma solução de nitrato de prata 0,10 mol/L em dois tubos de ensaio diluindo em seguida com cerca de 1,0 mL de água deionizada. Prepare, em recipiente adequado, cerca de 20 mL de solução saturada de cloreto de sódio. Adicione de três a cinco gotas da solução saturada de cloreto de sódio nos tubos de ensaio. Observe a formação de precipitado. b) Em um dos tubos contendo precipitado, continue adicionando a solução de cloreto de sódio, lentamente, agitando vigorosamente o tubo de ensaio. Só pare a experiência uma vez que tenha adicionado grande excesso da solução saturada de cloreto de sódio. Observe o efeito da adição de cloreto de sódio em excesso. Após isto, adicione uma gota de uma solução 0,10 mol/L de nitrato de prata e observe. c) Adicione, na capela, algumas gotas de solução aquosa concentrada de amônia ao outro tubo da experiência “4a" contendo o precipitado e observe (ATENÇÃO! Conte o número de gotas ou leia o volume adicionado de solução de amônia concentrada). d) Em um tubo de ensaio coloque cinco gotas de nitrato de prata e acrescente em seguida cerca de 1,0 mL de água deionizada. Adicione de três a cinco gotas de iodeto de potássio para formação de precipitado. Na capela, adicione ao tubo o mesmo número de gotas (ou o mesmo volume) de solução aquosa concentrada de amônia utilizado no procedimento “4c” e observe. Compare os resultados dos ensaios “4c” e “4d”. Capa Inorgânica II _2009.pdf Inorg II_Compostos de Coordenação_Química_2009.pdf Compostos de Coordenação_prática.pdf
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