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Resumão Teoria da História Aula 2

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Teoria da História – Aula 2 – História e Crise dos Paradigmas
Os Campos da História e a Multiplicidade Complexa
de Alternativas na Historiografia Contemporânea
Objetivo desta aula:
Ao final desta aula, o aluno será capaz de:
1. Apreender um pouco da diversidade da historiografia contemporânea; 
2. Aprofundar a compreensão sobre os conceitos de campo histórico e paradigma; 
3. Conhecer, para posterior posicionamento crítico, a discussão das últimas décadas sobre a crise dos paradigmas.
A História, desde o momento em que começou a postular um status de cientificidade, não cessou de se tornar cada vez mais complexa, abrangente, sofisticada, e internamente diversificada. Já em princípios do século XIX, começaram a se contrapor diferentes maneiras de conceber a história, e variadas maneiras de entendê-la como ciência.
A primeira modificação importante no novo universo historiográfico foi o incremento, na passagem do século XVIII ao XIX, da chamada “crítica documental” – uma expressão que remete aos cuidados e procedimentos que devem orientar os historiadores ao abordarem suas fontes históricas.
De igual maneira, desde essa época, os historiadores começaram a perceber que poderiam ser utilizados como fontes históricas quaisquer vestígios, resíduos, discursos, imagens ou objetos materiais deixados pelos homens de uma época anterior. No século XIX ainda predominou, no trabalho historiográfico, a utilização de fontes textuais; mas a partir do século XX assistimos a uma inovação crescente com relação aos tipos de fontes históricas que poderiam ser utilizadas pelos historiadores.
Ao mesmo tempo em que os historiadores, nos dois últimos séculos, assistiram a uma extraordinária expansão do seu universo de possíveis fontes históricas, também houve uma expansão igualmente significativa com relação aos objetos de estudo dos historiadores. 
No século XIX, estes ainda se concentravam no universo político e institucional: os historiadores de então estudavam principalmente as guerras, as revoluções, as relações entre as grandes potências, a história de grandes instituições como a Igreja, a vida dos generais, políticos e outros personagens que se tornaram famosos.
Com o tempo, contudo, os historiadores foram se ocupando também de outros aspectos tão importantes para a compreensão das diversas sociedades humanas quanto a dimensão política.
Assim, começaram a surgir estudos sobre aspectos materiais, econômicos, culturais e mentais. 
Particularmente, as primeiras décadas do século XX podem ser apontadas como o momento no qual essa expansão de objetos históricos começa a se intensificar.
Além da expansão de fontes históricas e objetos de estudos, outro aspecto de crescente complexidade no mundo dos historiadores foi o diálogo que estes passaram a estabelecer com outros campos de saber. 
No início do século XX, disciplinas como a Geografia, Antropologia, Sociologia e Economia já estavam suficientemente desenvolvidas para atrair o interesse dos historiadores com relação às possibilidades de utilização de conceitos, métodos e abordagens desenvolvidas no âmbito destas disciplinas. 
Logo viriam outros diálogos da História com os demais campos de saber, tais como a Linguística e a Psicologia, entre outros. Mesmo a Literatura, como forma de expressão, passou a se abrir aos historiadores como diálogo que permitiria uma constante rediscussão de suas instâncias estética e narrativa. 
Chamamos a este diálogo de um campo de saber com outros de Interdisciplinaridade. À medida que a História vai avançando no século XX, os seus diálogos interdisciplinares foram se tornando mais diversificados e mais intensos.
Um quarto elemento de crescente complexidade que passou a afetar a História, a partir do seu desenvolvimento como disciplina científica, foi a sua multidiversificação teórica e metodológica. Paradigmas diversos passaram a orientar os historiadores com relação aos seus fazeres historiográficos, e muitas correntes teóricas, cada qual com a sua riqueza conceitual, passaram a se oferecer como alternativas para os historiadores. 
A História, como outras ciências sociais e humanas, passou a se mostrar aberta a variados paradigmas, isto é, a distintos modos de conceber a História como campo específico de conhecimento. Apenas para citar três modelos historiográficos importantes do século XIX, podemos lembrar o Positivismo, o Historicismo e o Materialismo Histórico.
É esta complexidade historiográfica – que atinge simultaneamente uma expansão no universo de fontes históricas, uma multidiversificação de alternativas teóricas, uma multiplicação de objetos de estudo, e a ampliação e intensificação de diálogos interdisciplinares – o que irá se unir em fins do século XX a diversos outros fatores para produzir um contexto que muitos autores entenderão como uma crise disciplinar.
Entre radicais mudanças no quadro político, cultural e econômico internacional, o que incluiu o fim da Guerra Fria após a crise do socialismo real, a globalização e desenvolvimentos tecnológicos diversos, a historiografia vive este momento no qual é preciso refletir sobre a sua complexidade crescente, e mesmo sobre as suas inquietações. Resgatar este debate é importante para compreender o que é a própria História nos dias de hoje.
Conforme vimos na última aula, a noção de “paradigma” apresenta alguns sentidos possíveis. Um deles se refere a estes grandes modelos que se oferecem aos historiadores, tais como o Positivismo, o Historicismo e o Materialismo Histórico, além de outras contribuições teóricas que também se encontram incorporadas ao repertório historiográfico.
Por outro lado, vimos que alguns autores têm também empregado em um sentido mais ampliado o conceito de paradigma, como é o caso de Ciro Flamarion Cardoso na “Introdução” livro Domínios da História (ver o texto “Paradigmas Rivais”, material didático).
O paradigma, aqui, corresponderia a um modo mais abrangente de fazer a História que predominaria em toda uma época, apesar da sua incontornável diversidade interna. Para Cardoso, desde o século XVIII até fins do século XX, afirmou-se um grande paradigma hegemônico ou dominante não apenas no que se refere ao pensamento historiográfico, como também relativamente a outros campos de saber.
Esse paradigma é chamado pelo autor de “moderno” ou “iluminista” (em homenagem ao momento, no século XVIII, que o viu se fortalecer), e seu principal traço seria um racionalismo francamente assumido, além de outros traços como a busca de máxima inteligibilidade e do interesse em oferecer explicações sistemáticas com a maior objetividade possível em relação aos diversos objetos de estudo tratados pelos vários campos de saber.
Em contrapartida ao grande campo paradigmático, já vinham sendo contrapostas outras tendências teóricas, com maior abertura para o que Cardoso chama de “irracionalismo”, e com maior espaço para o acaso, para a radicalização da perspectiva relativista, ou para o risco de imobilismo diante do reconhecimento das intersubjetividades que afetam o pensamento.
Esse segundo campo paradigmático, porém, apenas em fins do século XX teria se fortalecido suficientemente para ameaçar o predomínio do paradigma “moderno” ou “iluminista” no âmbito das ciências sociais e humanas. 
Ciro Flamarion Cardoso o denomina “paradigma pós-moderno”, uma designação que tem sido objeto de debates entre inúmeros autores.
Para maior conhecimento sobre o assunto, acesse a Biblioteca Virtual e leia o texto  “Paradigmas Rivais”.
Na verdade, a História, como campo de saber com suas próprias especificidades, tem enfrentado crises diversas desde o momento em que passou a postular um estatuto de cientificidade. Essas crises (ou os questionamentos que as produziram) têm retornado frequentemente na história da historiografia. 
Nas últimas décadas do século XX, um momento de mudanças radicais no cenário histórico mundial, algumas destas antigas motivações de crises retornaram e vieram a se juntar a algumas novas crises, típicas dos novos tempos. Não será o caso derecuperarmos aqui cada uma destas crises, que, de resto, poderão ser estudadas em textos específicos (ver BARROS, 2010-a). Mas convém esclarecer este entremeado de crises que se apresentaram na modernidade historiográfica.
A discussão sobre a cientificidade da História, e sobre o tipo de ciência que a História seria, caso se trabalhe com esta perspectiva, remete aos primórdios do século XIX. Rigorosamente, este debate nunca se encerrou. Já no século XIX, Positivistas e Historicistas discutiam que tipo de ciência seria a História: os primeiros buscavam aproximá-la do modelo das ciências naturais, os segundos buscavam constituir um modelo próprio para as ciências humanas, no qual se levassem em conta as intersubjetividades que afetam os historiadores e demais cientistas sociais, impedindo-os de postular uma neutralidade absoluta diante de seu objeto de estudo.
Ao mesmo tempo em que se discutia que tipo de ciência seria a História, não faltou naquele mesmo século uma voz para questionar a ideia de que valeria realmente a pena para os historiadores esta pretensão de cientificidade. 
Em um texto intitulado sobre “As vantagens e desvantagens da história para a vida”, Friedrich Nietzsche contrapõe, ao modelo do historiador-cientista, o modelo do historiador-artista (NIETZSCHE, 1873).
Discutir a dimensão estética da História não ameaça necessariamente a permanência da História como campo de saber que apresenta pretensões científicas. 
Existe, inclusive, um caminho intermédio neste debate que combina a possibilidade de pensar a História como ciência, naquilo que se refere à dimensão da pesquisa e da análise, e como arte, considerando que, ao fim de seu trabalho, o historiador precisa desenvolver um texto com qualidades literárias para expor os resultados de sua pesquisa e construir uma narrativa.
O problema principal, capaz de abalar os pressupostos em que a História foi se edificando como campo de saber científico, ocorre quando surge a ideia de que a História possa se reduzir apenas à sua dimensão estética ou discursiva, confundindo-se, no limite, com a criação literária.
Esta aproximação entre História e Literatura parece ameaçar a identidade da História como campo de saber específico, e também se sintoniza ocasionalmente com outra crise, que se intensificou a partir de final dos anos 1960: a chamada “crise dos referentes”.
Conheça mais sobre a Crise dos referentes acessando a Biblioteca Virtual.
Outra crise que também conflui para o debate sobre o pós-modernismo historiográfico é a da fragmentação das temáticas históricas. Muitos historiadores de décadas recentes – movidos tanto pela perda de confiança nos grandes modelos explicativos, como atraídos pelas modas editoriais – teriam abandonado o projeto de escrever uma “história total” (uma história que procura examinar os temas históricos integrando na sua análise diversos aspectos da vida social e vinculando a análise a um contexto histórico mais amplo) para passar a escrever o que François Dosse (1973) chamou de “história em migalhas”.
Esta seria uma história fragmentada e gratuita, movida apenas pela curiosidade descritiva; uma história não problematizada que buscaria apenas atender às demandas de consumo de um público ávido por curiosidades e às vezes por temáticas bizarras. 
A ideia de fragmentação historiográfica também pode se referir às demandas de minorias e grupos sociais específicos em escrever cada qual a sua própria história, desligada do todo. Embora motivadas por reivindicações legítimas, as ideias de escrever uma “história feminista” ou histórias destinadas a serem lidas apenas por minorias específicas, entre outras possibilidades, ofereceu mais um abalo possível aos antigos projetos de produção de uma história total.
Além das polêmicas até aqui mencionadas, muitas outras poderiam ser evocadas como indicativas de uma crise de redefinição do saber histórico. O século XX conheceu, por exemplo, exemplos clássicos de manipulação da história por autoridades políticas e pelo capital empresarial. 
O Stalinismo várias vezes obrigou os historiadores soviéticos a reescreverem a história de uma nova maneira, e no período posterior ao Nazismo algumas empresas alemãs que haviam colaborado com o totalitarismo nazista resolveram contratar historiadores para reescrever a história a seu favor.
A ideia de que a história possa ser manipulada além de um limite aceitável pelas forças políticas trouxe certamente o seu abalo para os meios historiográficos, embora fosse já antiga a ideia de que, dentro de determinados limites, existem intersubjetividades que de fato afetam o trabalho do historiador mesmo que de forma involuntária.
Por fim, uma crise que se tornou evidente nos anos 1980 referiu-se ao questionamento da eficácia dos grandes modelos ou paradigmas para dar conta de toda a realidade a ser examinada. 
Em vários campos de saber, começaram a ser questionados modelos como os de setores mais tradicionais do materialismo histórico ou da psicanálise freudiana, que até então vinham tendo sucesso em fornecer explicações convincentes sobre a realidade nos seus vários aspectos...
...assim como também perderam alguma credibilidade algumas das tradicionais meta-narrativas que difundiam a ideia de que a humanidade avança gradualmente para um mundo melhor, seja através de um progresso linear, seja através de círculos dialéticos que, no fim das contas, terminariam por conduzir a humanidade ao melhor dos mundos possíveis. 
Certamente que contribuíram, para o questionamento da noção iluminista de progresso, contextos diversos, tais como os da ameaça ao ecossistema e as diversas crises econômicas e políticas que adquiriram visibilidade mundial, isto sem falar no uso frequente de tecnologia avançada para projetos bélicos.
Foi assim que, contra o pano de fundo do entusiasmo modernista pela ciência como o principal fio condutor para um mundo melhor, foram surgindo também correntes que se confrontaram contra a ideia de que a humanidade avança necessariamente para o melhor, tal como um dia prepuseram diversas das filosofias da história desde Immanuel Kant e até Hegel, e também como agora propunha, de uma maneira diferenciada, a meta-narrativa marxista sobre a inevitável caminhada da humanidade para o socialismo.
Retornemos à discussão sobre uma possível crise dos paradigmas. Para além das crises e polêmicas entrecruzadas que acabamos de mencionar, devemos lembrar também que, concomitante aos dilemas e problemas historiográficos de nosso tempo, a História foi se tornando cada vez mais complexa como decorrência do seu próprio desenvolvimento como campo de saber.
É óbvio que, diante do quadro de complexidades crescentes que apontamos bem no início desta aula – envolvendo a simultânea expansão das fontes históricas, dos objetos de estudo, das relações interdisciplinares, e a multidiversificação teórico-metodológica – é muito difícil separar dicotomicamente (isto é, considerando apenas dois lados da questão) todo o vasto universo de contribuições geradas pela crescente complexidade da História como campo de saber.
Conforme vimos na aula anterior, correntes como o Materialismo Histórico ou o Historicismo (paradigmas no sentido mais restrito) referem-se a alternativas teóricas que se disponibilizam aos historiadores, e movimentos como a Escola dos Annales relacionam-se a outro conceito distinto: o de escola histórica. Historiadores pertencentes à Escola dos Annales ou à Micro-História italiana podem se associar ou dialogar com paradigmas tão distintos como o materialismo histórico, o historicismo, o positivismo, ou outras correntes, como as inspiradas em Max Weber ou Michel Foucault.
De igual maneira, historiadores ligados a paradigmas e escolas historiográficas diversificadas podem produzir trabalhos relacionados a campos históricos variados, como a história cultural, a história política, a história econômica, a micro-história, ou ainda, o que na verdade é o mais comum (ou mesmo uma situação inevitável), inscrever sua pesquisa e reflexão historiográficaem uma determinada conexão de campos históricos. O mundo contemporâneo é constituído por identidades compartilhadas, identidades que se entrecruzam, que se combinam para a produção de perspectivas complexas.
Uma historiadora pode ser feminista, ativista do movimento negro, defensora das causas ecológicas e interessada em pesquisas historiográficas relacionadas à História Cultural, o que não a impediria de se vir identificada com alguma das correntes habitualmente relacionadas ao materialismo histórico, e mesmo combinar esta perspectiva a uma outra, além de se associar a determinada escola histórica por conta de certo programa de ação em comum no que se refere a seus objetos ou práticas de pesquisa.
Dificilmente, nos dias de hoje, algum autor pode ser confortavelmente classificado no interior de uma única identidade teórica. Esse traço característico de nosso tempo, que parece multiplicar as identidades, exige também daqueles que pensam a historiografia, nos dias de hoje, uma perspectiva mais complexa.
Começaremos por abordar a complexidade historiográfica examinando a sua multiplicação de modalidades internas – que aqui denominaremos “campos históricos” – no decorrer do século XX. 
Uma análise mais completa sobre a multiplicação de campos históricos na atualidade pode ser encontrada na obra O Campo da História (BARROS, 2005), e alguns campos históricos também são analisados no livro A Escrita da História, organizado por Peter Burke (1992), ou na célebre obra coletiva dos historiadores franceses que nas últimas décadas se autodenominaram Nouvelle Histoire, (LE GOFF, 2005).
O próprio livro Domínios da História, organizado por Ciro Flamarion Cardoso e Ronaldo Vainfas, o mesmo que está incluído no material didático desta disciplina, é também um indicativo desta preocupação historiográfica de compreender a diversidade de modalidades históricas que hoje precisam ser conhecidas por todos os historiadores profissionais. 
De fato, nos tempos recentes têm surgido com frequência cada vez maior livros e coletâneas de livros que discorrem sobre as inúmeras especialidades da História, tais como a História Política, a História Cultural, a História Econômica, a Micro-História e inúmeras outras (Barros, 2010-g)
Os historiadores franceses ligados à “História Nova”, por exemplo, organizaram algumas coletâneas de ensaios sobre as diversas modalidades da História, sendo dois dos mais conhecidos a coletânea La Nouvelle Histoire (1978), organizada por Jacques Le Goff, e a coletânea Faire de l’Histoire (1974), organizada por Pierre Nora e Le Goff. Estas coletâneas constituem, hoje, fontes importantes para a própria história da historiografia, já que refletem um contexto específico que é o da passagem da era dos grandes paradigmas historiográficos para um novo momento na história da historiografia, trazido pelas últimas décadas do século XX. 
Procurando abarcar um circuito historiográfico para além da França, o historiador inglês Peter Burke fez algo similar com a coletânea A Escrita da História (1992). Há ainda coletâneas de ensaios sobre uma única modalidade, como a História Cultural ou a História Política. Foi o caso, e aqui damos apenas dois dos muitos exemplos, do livro organizado por Lynn Hunt sob o título A Nova História Cultural (1992), ou da coletânea Por uma Nova História Política, organizada por René Remond (1988). No Brasil temos na coletânea Domínios da História (1997), organizada por Ciro Flamarion Cardoso e Ronaldo Vainfas, um bom exemplo do interesse pelo estudo das modalidades da história. De nossa parte, abordamos o tema em O Campo da História (2005).
A partir do momento em que a historiografia foi se tornando mais complexa, sobretudo das primeiras décadas do século XX em diante, e à medida que foram sendo produzidas especialidades nas várias esferas de saber, também foi se verificando a mesma multiplicação de espaços intradisciplinares no interior da História. 
Podemos dizer que, diante das expansões e complexidades crescentes citadas no início desta aula – relacionadas às fontes, objetos, interdisciplinaridades e variedades teórico-metodológicas – os historiadores precisaram pensar cada vez mais o seu próprio campo de estudos em termos de modalidades internas.
Era necessário, por assim dizer, organizar e tornar mais inteligível este enorme espaço de saberes historiográficos que foi sendo gerado pela expansão da noção de ‘fonte histórica’, pela multiplicação dos interesses temáticos dos historiadores, pela proliferação de diálogos interdisciplinares, pelo acúmulo de novas metodologias e aportes teóricos, e pela crescente complexidade do estudo da história, enfim.
Desde o século XX começamos a ouvir falar cada vez mais em História Econômica, em História das Mentalidades, em História Cultural, em Micro-História, em História Serial, em História Quantitativa, apenas para citar uma quantidade muito pequena das expressões a partir das quais os historiadores começaram a pensar o tipo de trabalho que realizam dentro da História.
Conforme propõe José D’Assunção Barros em O Campo da História (2005:19), o que define cada um destes e de outros campos pode corresponder desde a um âmbito específico de fenômenos e processos que são examinados em primeiro plano pelo historiador, até um tipo de fonte a ser trabalhada, uma abordagem que conduzirá o trabalho historiográfico, ou um eixo temático fundamental.
A multiplicação de critérios a partir dos quais podem ser propostas as subdivisões da História – e nem mencionaremos aqui os já tradicionais critérios de temporalidade que criam divisões como a História Antiga, a História Medieval ou a História Moderna – parece mergulhar o ofício do historiador em um complexo oceano de especialidades ou especializações possíveis (Barros, 2005:9).
Alguns domínios surgem e desaparecem um pouco ao sabor das modas historiográficas – motivados por eventos sociais e políticos, ou mesmo por ditames editoriais e tendências de mercado. Outros surgem quando para eles se mostra preparada a sociedade na qual se insere a comunidade de historiadores (por exemplo, uma ‘História da Sexualidade’ dificilmente poderia surgir na Inglaterra puritana, e uma ‘História da Mulher’ não poderia surgir senão quando, no século XX, a mulher começa a conquistar o mercado de trabalho e surgem os movimentos feministas e de valorização social da mulher). Outros domínios, por fim, são quase tão antigos quanto a própria História – como é o caso da História Religiosa e da História Militar – e tendem a ser perenes na sua durabilidade.
Tal como dissemos, os critérios de classificação que estabelecem o que aqui estamos chamando de ‘domínios’ da História referem-se primordialmente às temáticas (ou campos temáticos) escolhidas pelos historiadores. São já áreas de estudo mais específicas, dentro das quais se inscreverá o objeto de investigação e a problemática constituídos pelo historiador.
A maioria dos domínios temáticos presta-se a historiadores que trabalham com diferentes dimensões históricas, e certamente abre-se às várias abordagens. Mas existem domínios que têm mais afinidade com uma determinada dimensão, dada a natureza dos temas por eles abarcados. Assim, a História da Arte ou a História da Literatura podem ser eventualmente consideradas sob o signo da História Cultural.
De modo análogo, um domínio como o da História das Imagens (entendida como história das imagens visuais obtidas a partir de fontes iconográficas, fotográficas, etc) mostra-se não raro como um desdobramento da História do Imaginário.
Mas, bem entendido, uma série de imagens visuais tomadas como fontes históricas sempre poderá dar a perceber qualquer das dimensões que discutimos atrás, como a História Econômica, a História Política, a Geo-História ou a História da Cultura Material.
Pense-se em uma iluminura de Livro de Oras, da qual o historiador lança mão para perceber aspectos da economia rural no ocidente medieval, suas representações políticas, as relações do homem medieval com seu meio natural ou traços da cultura material.Ou pense-se em uma pintura impressionista utilizada para captar aspectos da História Social na Belle Époque; ou ainda nas cerâmicas gregas utilizadas para levantar aspectos da História Política da Atenas da Antiguidade Clássica. Conforme vemos, os domínios temáticos tendem a ser englobados por uma dimensão (são poucos os casos) ou então partilhados preferencialmente por duas ou mais dimensões.
Mas é possível ainda que algum campo que hoje esteja sendo tratado como ‘domínio’, mas que possua uma abrangência em potencial, possa vir a transformar-se futuramente em uma ‘dimensão’. A História da Sexualidade tem sido pouco estudada em relação à importância da sexualidade para a vida humana na concretude diária, e é talvez isto o que lhe dá um status de domínio.
Mas seguramente esta poderia ser vista como uma dimensão historiográfica tão basilar e fundamental como a Economia, a Política ou as Mentalidades. O que ocorre é que estas não apenas são dimensões significativas que definem a vida humana, elas constituem na verdade ‘macro-campos’, ou tornaram-se ‘macro-campos’ devido à atenção que lhes prestaram os historiadores e outros pensadores.
As fronteiras entre as modalidades historiográficas produzidas a partir dos três critérios – dimensões, abordagens e domínios – são por vezes ambíguas e interpenetrantes, mas de todo modo constituem um problema teórico bastante interessante. Por outro lado, apesar da vertiginosa multiplicação contemporânea de modalidades internas ao saber historiográfico, é preciso neste momento tocar em uma questão de máxima importância para a historiografia de nossos dias, considerando que esta presentemente luta contra crises provocadas por fragmentações diversas em relação ao tipo de conhecimento que é produzido pelos historiadores.
Na verdade, os “campos históricos”, ou as modalidades da história, não devem ser vistos como compartimentos nos quais se situariam os historiadores, ou mesmo seus trabalhos mais específicos. Para utilizar uma imagem emprestada à Física, diremos que os “campos históricos” são como campos de força que se interconectam em função de uma pesquisa ou reflexão historiográfica que está sendo produzida por determinado historiador em um momento específico.
Os ‘campos históricos’, ou aquilo que se produz na interconexão entre eles, são espaços de interatividade, dimensões nas quais se operam os diálogos historiográficos. Nada mais danoso para o conhecimento histórico do que a hiper-especialização de um historiador, que passe a trabalhar ou a se definir em termos de um único campo histórico.
Em confronto contra esta prática, o fato é que os diversos trabalhos e pesquisas historiográficas não se realizam no interior de um só campo da história, como a História Econômica ou a História Cultural. Os temas historiográficos examinados pelos historiadores, e também os modos de ver e de tratar metodologicamente com estes temas, chamam para si uma certa conexão de ‘campos históricos’.
Exemplo – Digamos, por exemplo, que um determinado historiador esteja estudando as “canções de protesto no período da Ditadura Militar no Brasil (1965-1985)”. Um tema como este – ao tratar de Música, de Poesia e de Cultura Popular – parece inscrever-se de imediato no âmbito da História Cultural. Contudo, se pretendemos investigar o papel das canções de protesto na crítica do Regime Militar, não podemos deixar de pensar também na História Política. Duas dimensões, a História Cultural e a História Política, são chamadas aqui a uma interconexão, sem contar o domínio da História da Música, que também deve ser evocado. 
Contudo, se a pesquisa pretende ser desenvolvida principalmente a partir de entrevistas com agentes históricos que vivenciaram aquele período (os músicos, os censores, o público, os diversos profissionais da indústria cultural, os críticos musicais), estaremos necessariamente chamando para o nosso estudo um outro campo histórico, que é a ‘abordagem’ da História Oral – uma modalidade da história que pode ser definida pelo trabalho específico com a ‘memória’ dos agentes históricos que vivenciaram determinados processos histórico-sociais, e pela utilização de metodologias específicas, como a das entrevistas.
Qualquer exercício de imaginar que ‘campos históricos’ estariam sendo evocados por determinado trabalho historiográfico que está sendo realizado, ou que está em vias de começar a ser realizado, pode conduzir-nos a raciocínios análogos.
Os ‘campos históricos’ não são prisões para os historiadores, mas meios para que possam ser estabelecidos certos diálogos – diálogos no interior da história, quando são colocados em conexão dois ou mais ‘campos históricos’, ou diálogos “interdisciplinares”, que são aqueles produzidos pelas relações da História com outras modalidades de saber como a Antropologia, a Economia, a Psicologia, a Linguística, a Geografia, e inúmeros outros âmbitos de conhecimento.
Conhecer mais a fundo determinado ‘campo histórico’ deve ser visto, na verdade, como uma oportunidade de evocar toda uma historiografia já realizada em diálogo com aquele campo. Os campos históricos não devem ser tratados como compartimentos, como ‘lotes’ nos quais se divide a história. Devem ser compreendidos como dimensões, abordagens e domínios que se interpenetram. O que possibilita a conexão de certos campos históricos, em um momento específico que é o da realização da pesquisa e da reflexão historiográfica, é o objeto de estudo constituído pelo historiador. É este objeto de estudo que chamará a si certas possibilidades de conexões entre os campos históricos.
Podemos avançar agora na questão das identidades entrecruzadas que podem se referir a um historiador, ou a um trabalho específico realizado por um historiador. Independente do campo histórico, ou da conexão de campos históricos que constitui determinado trabalho ou produção historiográfica, esta pode ter sido produzida sob a perspectiva de um paradigma historiográfico ou outro, e conforme certa perspectiva teórica. 
Edward Thompson, o célebre historiador ligado à Escola Inglesa, integrava-se ao paradigma do materialismo histórico, e, ao mesmo tempo, trabalhava dentro de âmbitos temáticos que facilmente podemos localizar em uma combinação de história cultural com história social, e eventualmente com a história política.
Carlo Ginzburg, historiador cultural ligado à escola micro-historiográfica italiana, relaciona-se a partir de certo momento ao campo histórico que definimos atrás como Micro-História. 
Ernst Labrousse foi um historiador-economista ligado à Escola dos Annales que, trabalhando com a perspectiva teórica do materialismo histórico, pode ter a sua produção historiográfica relacionada à História Econômica, e também à História Serial, que constitui uma abordagem que não só foi utilizada por historiadores econômicos, mas também por historiadores demográficos e historiadores das mentalidades. 
Esta última modalidade, aliás, era assumidamente o campo histórico de atuação de Michel Vovelle, historiador marxista que também pertencia à escola dos Annales.
Estes exemplos, e inúmeros outros que poderiam ser evocados, podem nos mostrar como os historiadores constroem as suas identidades de maneira complexa.
Também nos mostram que identidades como materialismo histórico (um paradigma) correspondem a âmbitos diferentes de identidades como a história cultural (um campo histórico), ou de identidades como a Escola dos Annales (uma escola). Estas identidades não são comparáveis entre si. Elas combinam-se na definição de um historiador. Mas não é possível comparar o materialismo histórico à escola dos Annales.
Apenas o materialismo histórico oferece uma perspectiva teórica. A Escola dos Annales oferece um programa de ação (e os historiadores a ela pertencentes podem se relacionar com perspectivas teóricas diversas, inclusive o materialismo histórico). Essa maneira de ver as coisas, naturalmente, é divergente da que foi proposta por Ciro Flamarion Cardoso em sua análise dos “paradigmas rivais”. Ali, Cardoso situava no interiorde um mesmo paradigma iluminista o materialismo histórico e a Escola dos Annales, como se ambos fossem correntes teóricas comparáveis, e localizava no mesmo paradigma pós-moderno a Escola de Frankfurt (na verdade uma escola que se autodenomina marxista), os foucaultianos (que remetem a uma certa visão teórica), os historiadores da Nouvelle Histoire (novamente uma escola), e a História Cultural (agora um campo histórico).
Conforme dissemos antes, aquele texto expressa as dificuldades de simplificar em esquemas mais redutores as complexidades relativas à historiografia contemporânea. O próprio Ciro Flamarion Cardoso revela, a certa altura de seu texto, que percebe uma tensão entre sua proposta de discorrer sobre os “dois paradigmas rivais” e toda a diversidade que é apresentada nos capítulos internos do livro Domínios da História, para o qual seu texto serve de Introdução.
Isto porque os artigos que constituem este livro correspondem, cada um deles, a campos históricos, e não a identidades produzidas por posições teóricas no interior de uma guerra de paradigmas. Nas próximas aulas, examinaremos alguns dos campos históricos que têm merecido maior destaque na historiografia recente, tais como a História Econômica, a História Política, a História Cultural, a Micro-História, e outros.
Síntese da aula
Nessa aula você:
– Apreendeu um pouco da diversidade da historiografia contemporânea;
– Aprofundou a compreensão sobre os conceitos de campo histórico e paradigma;
– Conheceu, para posterior posicionamento crítico, a discussão das últimas décadas sobre a crise dos paradigmas.
O que vem na próxima aula
– A história econômica: seus problemas e seus dilemas;
– Metodologias aplicáveis à história econômica;
– Serialização e quantificação.

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