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Estudo do Movimento

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PPGAC
Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas
ISSN 1516-0173
Cadernos do
GIPE-CIT
Grupo Interdisciplinar de Pesquisa e Extensão em
Contemporaneidade, Imaginário e Teatralidade
Nº 18
Estudos em Movimento I: Corpo, Crítica e História
Organização:
Ciane Fernandes
Andréia Maria Ferreira Reis
PPGAC
Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas
Escola de Teatro/Escola de Dança
Universidade Federal da Bahia
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
Escola de Teatro/Escola de Dança
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas
Cadernos do GIPE–CIT N. 18
ESTUDOS EM MOVIMENTO I: CORPO, CRÍTICA E HISTÓRIA
Abril - 2008
Coordenação Geral do GIPE-CIT
Armindo Bião
Conselho Editorial
André Carreira (UDESC), Antonia Pereira (UFBA), Betti Rabetti (UNI-Rio), Cássia Lopes (UFBA),
Christine Douxami (CNPq-UFBA), Eliana Rodrigues Silva (UFBA), Makarios Maia Barbosa (UFRN),
Sérgio Farias (UFBA)
Diagramação e Formatação
Nádia Pinho - Fast Design
Capa
Estevam Neto - Fast Design
Revisão:
Daiseane da Silva Andrade
Impresso no Brasil em abril de 2008 pela: Fast Design - Prog. Visual Editora e Gráfica Rápida LTDA.
CNPJ: 00.431.294/0001-06 - I.M.: 165.292/001-60 - e-mail: fast.design@terra.com.br - Tiragem: 300 exemplares
3
SUMÁRIO
Monroe C. Beardsley
Tradução: Leda Muhana Iannitelli
O QUE ACONTECE NA DANÇA? (Trechos Selecionados) ........................................ 05
Sally Banes e Nöel Carroll
Tradução: Ciane Fernandes
TRABALHANDO E DANÇANDO: UMA RESPOSTA AO ARTIGO DE MONROE
BEARDSLEY “O QUE ACONTECE NA DANÇA?” (Trechos Selecionados) .............. 10
Everaldo Vasconcelos
NA PONTA DOS DEDOS: ESCREVENDO CRÍTICA DE DANÇA ................................ 14
Fábio Gatti
O MÉTODO AUTOBIOGRÁFICO COMO FERRAMENTA PARA O DESENVOLVIMENTO DA
PESQUISA EM ARTES VISUAIS CONTEMPORÂNEAS ............................................. 18
Everaldo Vasconcelos
TUDO SE MOVE ........................................................................................................... 25
Bonnie Bainbridg Cohen
Tradução: Patrícia de Lima Caetano
UMA INTRODUÇÃO AO BODY-MIND CENTERING .................................................... 36
Gabriela Pérez
A REPADRONIZACÃO: VOLTANDO ÀS RAÍZES PARA PODER ATUAR ..................... 50
4
Peggy Hackney
Tradução: Djane de Almeida Bessa e Djanice de Almeida Bessa
FAZENDO CONEXÕES: INTERAÇÃO ....................................................................... 72
Isa Partsch-Bergsohn
Tradução: Andréia Maria Ferreira Reis
LABAN ....................................................................................................................... 101
Maria Albertina Silva Grebler
A DANÇA-TEATRO E AS FORMAS COREOGRÁFICAS DA MODERNIDADE ......... 114
Júlio Mota
UM PEIXE NEM TÃO ESTRANHO ASSIM: UM BREVE ESTUDO DO MOVIMENTO COR-
PORAL DE UMA PEÇA DO DV8 PHYSICAL THEATRE ........................................... 127
José Francisco Serafim
FILMAR A DANÇA: ALGUNS ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS ............. 165
Marcela dos Santos Lima
UM OUTRO CORPO: UMA REFLEXÃO SOBRE A LONGEVIDADE NA CARREIRA DO
BAILARINO E SUA DURAÇÃO - HOJE VOCÊ DANÇA... E DEPOIS? ..................... 178
5
O QUE ACONTECE NA DANÇA?
(Trechos selecionados)
Monroe C. Beardsley
Beardsley foi professor de estética e filosofia da arte na Swarthmore College e
Temple University, também publicou três livros na área de estética.
Tradução: Leda Muhana Iannitelli
Professora da Escola de Dança da UFBA. Pós doutora pela Smith College e
doutora em Dança Educação pela Temple University.
Artigo Original
What is going on in a dance? In: Dance Research Journal 15/1, Fall 1982.
A capacidade muscular é o meio físico pelo qual danças são criadas.
Mas o meio (ou forma) se torna disponível à imaginação coreográfica
somente pela utilização da metáfora, uma metáfora através da qual o
mover no sentido muscular assume a característica do fazer ou
acontecer. ....Falando mais especificamente, então, danças não são
feitas do movimento e sim sobre o movimento, movimento que defini-se
como um suporte poético, uma metáfora persistente, pela qual o mate-
rial muscular se torna suscetível ou a serviço das propostas de ênfase,
significância ou expectativas do fazer acontecer que constituem a dança
(George Beiswanger, 1979, 88).
Movimentos corporais são ações; eles são, em um sentido, ações básicas,
a fundação de todas as outras ações, ao menos como as concebemos até agora;
pois mesmo que hajam ações puramente mentais nas quais nenhum músculo é
envolvido, estas não podem ser consideradas como o veículo ou o material bruto
da dança. Mas como Beiswanger afirma, movimentos corporais não constituem
por si só o fazer acontecer do Afternoon of a Faun (Entardecer do Fauno) ou Jewels
(Jóias). São ações de outro tipo as quais presenciamos e refletimos ou
questionamos; como então estas se relacionam como as outras primeiramente
mencionadas?
6
Uma descoberta extremamente esclarecedora da teoria da ação filosófica
é que ações são decorrentes ou construídas a partir de outras ações de formas
relativamente definidas. O bater do martelo, por exemplo, pode se tornar, em
mãos certas, na ação de bater um prego, e esta por sua vez um passo rumo a
construção de uma casa. Uma ação, no sentido técnico, “gera” outra ação que é
sua conseqüência ou mesmo seu objetivo. Assim, podemos analisar ou
compreender certas se examinarmos suas condições geradoras, ou seja, as
condições que tem que ser preenchidas para que a ação “A” cause ou produza a
ação “B”. Isto pode ser fácil em alguns casos. ....Existem, certamente, uma
variedade infinita de conjuntos de condições geradoras ou matrizes.
(...) Quando George Beiswanger diz que “danças não são feitas de
movimento mais sobre o movimento”, podemos deduzir, acredito, que danças não
são elaboradas, ou seja, não tem como elementos, movimentos corporais, ao
contrário, são de alguma forma geradas acidentalmente por este movimento: dentro
de certas circunstancias, o movimento “assume a forma” (como ele afirma) de um
movimento de dança. E se me permite diria: “Numa dança, o movimento poético é
gerado acidentalmente (o que não significa por acaso, mas numa relação de
conseqüências inusitadas porém decorrentes) pelos movimentos corporais. ....Além
de movimentos, devemos também incluir pausas corporais ou interrupções de
movimento, e podemos acrescentar que assim como o mover gera o movimento
poético, pausas geram poses.
Assim como Beiswanger, eu acredito que a dança consiste não de movimentos,
mais de ações geradas por elas. Além disso, considero um erro separar movimentos
corporais de ações: eles são ações de um determinado tipo, apesar de que sozinhos,
geralmente não são tão interessantes quanto as ações geradas por eles.
É preciso esclarecer porque digo que o movimento poético é maior que o
movimento corporal: de que na verdade existe uma ação geradora, transformadoras
de movimentos corporais em movimentos poéticos. Tenho duas razões: minha
primeira razão baseia-se em duas proposições que provavelmente não vão ser
questionadas. (1) Parece que não dançamos o tempo todo - nem toda ação
corporal é dança - então deve haver alguma diferença corporal entre movimentos
que geram danças e movimentos que não o fazem, mesmo que seja difícil
7
estabelece-la. (2) Parece que não há nenhum indicativo na natureza dos
movimentos que defina aqueles que podem se tornar dança daqueles que não
podem; praticamente qualquer tipo de movimento é disponível (ou potencial).
Alguma luz nesse quebra-cabeça pode ser derivada na discussão de Marcia
Siegel sobre Rooms de Anna Sokolow. Ela descreve vários movimentos corporais
das dançarinas, por exemplo:
Então, curvados sobre os assentos das cadeiras, elas baixam suas
cabeças para o chão, levantam seus braços para o lado e os deixam
cair, espalmando-os contra ao chão com um saco... Devagar elesse
inclinam para frente e para trás em suas cadeiras, encarando a platéia.
Nenhum destes pode ser chamado de movimentos de dança, mas também
não são meras atividades prosaicas como pareciam inicialmente. Sokolow
imprime nestes movimentos ordinários características dançantes ao
exagerar suas dinâmicas e timing, algumas vezes transpassando limites
“naturais”. Ao invés de simplesmente abaixar ou levantar a mão, alguém
pode levar um longo tempo para fazê-lo, dando grande importância
aquele gesto, para então deixá-lo cair abruptamente e pesadamente,
como se tivesse feito todo aquele esforço para preparar, como se, no
final das contas, não houvesse nada mais significativo para fazer com a
mão. Afora a forma intensificada com que tudo é tratado, cada movimento
ou série de movimentos é um gesto separado que termina de alguma
forma antes do inicio da série seguinte (Marcia Siegel, 1979, 280).
(...) Quando Siegel afirma que “nenhum deles pode ser chamado de
movimento de dança” ela não nega, aparentemente, que o que ela esta vendo é
uma dança. Quando acrescenta que “Sokolow imprime uma característica
dançante a estes movimentos”, eu deduzo que Sokolow dá um tratamento aqueles
movimentos de forma que eles são a rigor danças, e não parecidos ou semelhantes
a movimentos de dança (dançantes). Obviamente este tipo de performance é difícil
de comentar ou descrever, mas se eu a compreendi, Siegel assinala uma importante
distinção. De duas maneiras de realizar o movimento de levantar os braços, uma
pode ser dança e a outra não depende de algum mecanismo de distinção proposto
pelo coreógrafo - assim, mais corretamente descrito, eles podem ser de alguma
forma movimentos diferentes, apesar de pertencerem à mesma classe ou tipo.
(Alguém poderia afirmar que a mera transposição de um movimento “ordinário” para
8
o palco, sob refletores, poderia configurar ou imprimir nelas uma qualidade que os
classificaria como dança).
A questão que se apresenta é evidentemente a seguinte: como é que - ou
quais são as condições geradoras que fazem - movimentos corporais ou pausas
se transformarem em movimentos poéticos e pose de dança?
(...) Dizer que o movimento é expressivo é simplesmente dizer que ele tem
alguma qualidade num grau relativamente intenso. E isto é tudo que é necessário
para que eu o considere expressivo.
(...) Na dança, as formas e características de movimento voluntário (a base
geradora) são encorajadas para permitir a emergência de novas qualidades regionais,
que por sua vez, são elevadas a um plano de percepção definido: eles são exibidos e
executados. É especificamente a execução das qualidades de volição, de desejo de
realizá-las, que as transformam em movimentos poéticos. Assim, nossa primeira
resposta à questão acima pode ser reformulada da seguinte forma:
Quando um movimento ou seqüência de movimento é expressiva
em virtude de suas intensas qualidade intencionais, eles configuram-se
como dança.
 (...) Outra reflexão rumo às respostas para nossa pergunta refere-se à tentativa
de capturar a essência da dança através do conceito de representação. Certamente
representações de movimentos ocorrem em muitos níveis de abstração, dos quais
podemos destacar três deles. Na atuação teatral encontramos o nível mais realístico;
na mímica, dispensamos elementos de cena e recursos verbais abrindo espaço
para exageros. Em sugestões, meramente fazemos alusões à ação original, retirando
um ou dois movimentos, simplificando ou exagerando e misturando estes
movimentos com outros, como girar ou pular. É nesta abordagem que encontramos
outra resposta para nossa questão:
Quando um movimento, ou seqüência de movimentos, representam
ações de outros tipos na forma de sugestões, eles definem-se como dança.
(...) Movimentos que têm uma função prática, como os que caracterizam
ações de trabalho ou aqueles com finalidades intencionais quotidiana, que estão
voltados para um determinado objetivo, pertencendo ao mundo de interações sociais
9
com funções específicas, não se constituem como dança. À luz desta constatação
podemos afirmar que:
Quando um movimento, ou seqüência de movimentos, não geram
ações práticas, e têm por objetivo promover prazer através da percepção
de uma rítmica, eles definem-se como dança.
(...) Se observarmos a Dança do Milho do “Pueblo”, por exemplo,
notaremos que ela não é realizada somente com a finalidade de estimular o
crescimento agrícola. A dança envolve de algum modo, aspectos de ritual. Se
esta dança acontecesse em algum Festival ou concurso, suponho que ela se
inscreveria no universo da dança.
Talvez possamos nos aproximar melhor de uma conclusão numa linha
final de pensamento. Se todo movimento da Dança do Milho for realizado a partir
de fórmulas mágicas ou regras religiosas para evocar germinação,
desenvolvimento e boa produção, podemos no máximo classificá-la como um
ritual, independente do grau expressivo que ela apresente. Se, em algum
momento do ritual, a dança ignorasse (de forma intencional) qualquer função
prática, ainda assim ela não se configuraria como dança. Contudo, se existisse
um sabor especial, vigor, fluência e expansão, além da necessária, veremos um
fluxo amplificado, ou superfluidez expressiva, que a situará no domínio que
classificamos Dança.
REFERÊNCIAS
BEISWANGER, George. Chance and Design in Choreography. In: Journal of
Aesthetic and Art Criticism 21, Fall 1962.
10
TRABALHANDO E DANÇANDO
Uma resposta ao artigo de Monroe Beardsley
“O que Acontece na dança?”
(Trechos Selecionados)
 Sally Banes e Nöel Carroll
Sally Banes é professora de História da Dança e do Teatro da Universidade de
Wisconsin, EUA. Nöel Carroll é professor no Centro para Humanidades da
Temple University, EUA.
 Tradução: Ciane Fernandes
Performer, Ph.D. em Artes e Humanidades pela New York University.
 Professora da Escola de Teatro e do Programa de Pós-Graduação em Artes
Cênicas, UFBA. Pesquisadora Associada do Laban/Bartenieff Institute of
Moviment Studies, New York.
Artigo Original
Working and Dancing: A Response to Monroe Beardsley´s “What is Going on in
a Dance?”. In: Dance Research Journal 15/1, Fall 1982.
Nós interpretamos o ponto básico do discurso de Beardsley como uma
reivindicação de que superfluidez expressiva (acima de exigências práticas) é
uma característica que define a “dança de movimentos”. Contudo, em nossa
opinião, esse atributo não significa uma condição necessária nem suficiente, na
definição do que venha a ser dança.
Em primeiro lugar, “superfluidez expressiva” não é um conceito suficiente
para definir o movimento da dança. Freqüentemente ouvimos sobre o fervor de
voluntários socialistas, urbanos, que viajam para áreas rurais para ajudar na
colheita e impulsionar na produtividade agrícola. Imagine um caminhão cheio
desses trabalhadores patrióticos chegando em uma plantação de cana em algum
11
lugar de Cuba. Alguns deles podem até ser dançarinos profissionais. Eles elevam
seus machados bem mais altos do que o necessário, usam mais força do que o
requerido para sua tarefa, e talvez seu balançar se torne rítmico. Sua atividade pode
ser expressiva de um “tempero” patriótico e fervor revolucionário, mas não é dança.
Aqui temos uma acentuada fluidez expressiva, não relacionada ao objetivo prático
do evento, o qual visa o aumento da produtividade e não a demonstração da
solidariedade de classe. Certamente um jornalista poderia descrever a colheita
como uma dança, mas nós teríamos que entender isso como um corte poético,
significando “semelhança à dança”. Considerar o termo “dança” literalmente,
quando se referindo a tal evento, nos comprometeria em relação a outros balés
incomuns tais com algumas impetuosas manobras de infantaria e dramáticas
explosões de um adolescente. Se um crítico de dança analisasse esses eventos,
ficaríamos muito surpresos.
Sem dúvida,um coreógrafo poderia pegar nosso caminhão cheio de
trabalhadores, colocá-los num palco e transformar seu entusiasmo em dança.
Mas neste caso nos parece ser o ato do coreógrafo de emoldurar, ou
recontextualizar, ao invés de apresentar uma intrínseca qualidade do movimento,
que é decisivo. Em geral, quer se fale sobre dança artística ou dança social, o
contexto do evento no qual o movimento é situado, é mais significativo do que a
natureza do movimento em si, para definir se a ação é ou não dança.
A definição do professor Beardsley não apenas falha por ser suficientemente
exclusiva, mais também carece de uma inclusividade. Nós acreditamos que existem
incontestáveis exemplos de dança que não apresentam superfluidez expressiva
em seus movimentos. Um exemplo é Room Service (Serviço de quarto) de Yvone
Rainer, que foi apresentada pela primeira vez na Judson Church em 1963, bem
como no Instituto de Arte Contemporânea na Philadelphia (EUA), no ano seguinte.
Rainer descreve a dança como “um grande espreguiçar-se, com três times de
pessoas brincando de seguir o líder, ao redor de vários objetos que são arrumados
e desarrumados por um rapaz e seus dois assistentes” (RAINER, 1965, 168). Parte
da dança inclui subir em uma escada até uma plataforma e pular de lá. Um
seguimento central da apresentação na Philadelphia (e de interesse particular
nesse artigo) consistia na atividade de carregar um colchão por dois dançarinos
pelo corredor do teatro, entre a platéia saindo do teatro e retornando por outra
entrada.
12
Apesar de Room Service parecer semelhante à dança discutida por
Beardsley, Rooms, de Anna Sokolow, ela difere desta última em pontos importantes.
O movimento predominante de Room Service não é marcado pela forma
intensificada no qual ela se desenvolve. O ponto-chave desta dança e o de se
tornar o movimento cotidiano em movimento cotidiano perceptível. A platéia
observa os dançarinos pilotando um desajeitado objeto percebendo como os
corpos trabalhadores movimentam seus músculos, pesos e ângulos. Se a dança
é corretamente executada, não existe dúvida quanto à superfluidez expressiva
imposta sobre os objetos de ações práticas, visto que a razão de ser da coreografia
é a de mostrar a inteligência prática do corpo na performance de uma ação
corriqueira e mundana, voltada para um objetivo, o de transportar o colchão. Isto
é, a abordagem dessa dança ressalta a economia funcional do movimento na
apresentação de corpos envolvidos numa ação classificada por Beardsley como
ação de trabalho. Room Service não objetiva a apresentação de um trabalho: a
coreografia é trabalho. Mas também é uma dança em parte porque, através do
seu contexto estético, ela transforma um trabalho ordinário (em seus aspectos
cujos detalhes cinestésicos passam normalmente desapercebidos ou ignorados),
em um objeto a ser observado por meio de exame mais sutil e cuidadoso.
(...) Room Service não se configura como uma dança atípica. É um exemplo
de gênero de vanguarda que pode, de forma elusiva, ser referida como dança de
tarefas, presentes de forma continua desde a década de sessenta.
(...) Com relação à Room Service, e a outras danças do mesmo gênero,
que servem de exemplo contra outras caracterizações de dança feita por
Beardsley, é importante observar que essas danças se mostram capazes de
articular o anti-ilusionismo da modernidade precisamente porque utilizam
movimentos completamente práticos - uma apresentação literal de uma tarefa -
sem nenhuma superfluidez expressiva.
Outro motivo, apesar de movimentos convincentes, que nos leva a acreditar
que Room Service é dança (especificamente dança artística), refere-se ao fato
da mesma apresentar, umas das grandes (porém não essencial) funções da arte
geral e particularmente da arte da dança. A saber, a coreografia reflete valores de
relevância e preocupações referente à cultura da qual ela emergiu. Em outras
13
palavras, ela se comporta da forma como esperamos que danças se comportem.
Sua veia anti-ilusionista e sua rejeição quanto à representação, decoração formal
e expressividade encontradas na grande maioria dos espetáculos de dança
moderna (à exemplo de Graham, Humphrey e Limón) evidenciam uma linha
redutiva, descendo rumo à suas bases, e fugindo assim de convenções
institucionalizadas, do simbolismo codificado e das estruturas elaboradas que
“obstruem” a percepção e fruição do movimento.
REFERÊNCIAS
BEARDSLEY, Monroe. What is going on in a dance? In: Dance Research Jour-
nal 15/1, Fall 1982.
RAINER, Yvone. Some retrospective notes on a dance for 10 people and 12 mat-
tresses called “Parts of Some Sextets”. In: Tulane Drama Review 10, Winter
1965.
14
NA PONTA DOS DEDOS: ESCREVENDO CRÍTICA DE DANÇA
Everaldo Vasconcelos
Diretor teatral. Mestre em Artes Cênicas pela UFBA. Professor da Universidade
Federal da Paraíba.
Resenha do Artigo
BANES, Sally. On Your Fingertips: Writing Dance Criticism. In: Writing Dancing
in the Age of Postmodernism. Wesleyam University Press, 1994. p. 24-43.
A autora Sally Banes inicia citando Edwin Denby, que fez uma paráfrase de
um texto de Goethe sobre a crítica teatral. Denby escreveu que “um crítico é
interessante se ele pode contar o que os dançarinos fizeram, o que eles
comunicaram e quão extraordinário aquilo foi”. Bannes diz que esta declaração
parece banal e até mesmo óbvia, mas ela reúne algumas complexas operações
que um crítico precisa realizar. Estas são: Descrição (o que os dançarinos fizeram
- como ele vê e sente o trabalho?); Interpretação (o que eles comunicaram - o
que a dança significa?); e Avaliação (o quão extraordinário foi? - o trabalho é
bom?). Bannes acrescenta à lista de Denby uma outra operação da crítica:
Contextualização (de onde, estética e/ou historicamente, o trabalho vem?). O
papel deste ensaio é trazer para a crítica estas atividades. O trabalho do crítico
seria completar a compreensão do espectador. Desdobrar a dança num espaço
e tempo expandido depois da realização da mesma.
Para Bannes, a avaliação é a atividade mais executada no dia-a-dia da
crítica. Esta seria a crítica incipiente - o crítico como um guia de consumo. Ela
cita como exemplo um artigo de Theóphile Gauthier sobre “Le Lutin de la Vallée”.
Gauthier explana que a chave para este balé é a dança. Ele não dá um resumo
do argumento do balé, pois considera estas informações superficiais. Ele parte
para tratar da dança de forma muito primária usando termos absolutos como
“extraordinário”, “leve”, “vaporoso”: “Mme Guy-Stephan exibe um talento natural,
15
uma extraordinária leveza, ela salta como uma bola de borracha e cai como uma
pluma ou um floco de neve. Seu pé golpeia o solo sem nenhum ruído, como os
pés de uma sombra ou uma sílfide... Ninguém poderia imaginar algo mais
iluminado, viçoso, nem mais noturnamente vaporoso, nem mais cativantemente
puro”. Gauthier usa a comparação e o contraste para tornar clara a sua avaliação
sobre a performance. Sobre a coreografia ele nos informa muito pouco. A avaliação
é feita através de metáforas que até permitem deduzir alguma informação sobre
as qualidades expressivas, no entanto sobre a coreografia pode-se aprender
pouca coisa.
Segundo Bannes, de fato, o balé clássico hoje não precisa mais ser
descrito, interpretado ou avaliado, pois o mesmo já é conhecido por todos,
sobrando apenas a qualidade da performance do intérprete para ser avaliada.
Esta tem sido uma tendência da crítica que tem o balé como referência principal.
A avaliação também pode ser aplicada à coreografia, tanto quanto à performance
do bailarino. O surgimento da dança moderna e do balé moderno fizeram surgir
também uma crítica preocupada com a coreografia. A autora chama a atenção
para a avaliação pura aquela que não revela a obra, que não auxilia na
compreensão da mesma. A avaliação seria uma responsabilidade crucial de
qualquer crítico.
A autora aborda uma outra função da crítica tomada emsi mesma, em
estado puro: Interpretação. Neste processo o crítico conta o que ele pensa que a
dança significa, realiza um procedimento hermenêutico, que sonda a conotação
e a denotação dos movimentos e seus desenhos. Segundo Bannes, a
interpretação é frequentemente difícil em dança, pois diferente da linguagem
verbal, a dança sugere significados de forma aberta. Quando ela se torna muito
específica, caminha para a pantomima ou para os signos linguísticos, ou introduz
a linguagem verbal. A tarefa hermenêutica do crítico é importante, mas sozinha
resulta tão frustrante quanto a avaliação pura em si mesma.
Uma abordagem oposta à pura avaliação ou à pura interpretação é a
descrição pura. Na crítica de arte dos anos 60 a descrição foi usada como
antídoto para a ênfase exagerada na avaliação e interpretação literária. Na dança,
esta abordagem se encaixa com certa dominância nas coreografias. A crítica
16
descritiva, que tinha a filósofa Susan Sontag como importante defensora, pretendia
não interferir na realidade e respeitar a diversidade. No entanto, segundo Bannes,
esta crítica não pode dar uma estrutura para pensar um trabalho de dança ou
para compreendê-lo. A descrição precisa ser feita através de categorias
conceituais para ter significado. A descrição, tal como a avaliação, é usada de
forma diferente de acordo com o gênero focalizado.
A quarta categoria é a Contextualização. Segundo Bannes, é raro encontrar
críticas que enfoquem exclusivamente sobre a biografia, história, política ou
estética.
Bannes diz que é possível enfocar estas quatro categorias em quinze
possibilidades. Assim, uma crítica pode ser:
1. Contextual, descritiva, interpretativa, avaliativa;
2. Contextual, não-descritiva, interpretativa, avaliativa;
3. Contextual, descritiva, não-interpretativa, avaliativa;
4. Contextual, descritiva, interpretativa, não-avaliativa;
5. Contextual, não-descritiva, não-interpretativa, avaliativa;
6. Contextual, descritiva, não-interpretativa, não-avaliativa;
7. Contextual, não-descritiva, interpretativa, não-avaliativa;
8. Contextual, não-descritiva, não-interpretativa, não-avaliativa;
9. Não-contextual, descritiva, interpretativa, avaliativa;
10. Não-contextual, descritiva, não-interpretativa, avaliativa;
11. Não-contextual, descritiva, interpretativa, não-avaliativa;
12. Não-contextual, descritiva, não-interpretativa, não-avaliativa;
13. Não-contextual, não-descritiva, interpretativa, avaliativa;
14. Não-contextual, não-descritiva, interpretativa, não-avaliativa;
15. Não-contextual, não-descritiva, não-interpretativa, avaliativa;
Interessa à autora o rico equilíbrio entre as quatro categorias como no
número 1. Quanto à avaliação, a autora afirma que ela é feita de acordo com
algumas dimensões: tais como a moral, a política, a de raça, inevitavelmente
17
determinando o ponto de vista do crítico, que muitas vezes é externo ao universo
do criador. Além disso, podemos concordar com o aspecto moral ou cognitivo de
um trabalho, mas discordar ou achar de má qualidade sua composição formal
(aspecto estético), ou vice-versa.
18
O MÉTODO AUTOBIOGRÁFICO COMO FERRAMENTA
PARA O DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA EM ARTES
VISUAIS CONTEMPORÂNEAS
Fábio Luiz Oliveira Gatti
Artista Visual e Mestrando em Artes Visuais pela UFBA. Especialista em Arte
Moderna e Pós-Moderna (2006) e em Fotografia (2004), ambas pela
Universidade Estadual de Londrina.
Introdução
A importância da definição dos mais coerentes métodos e caminhos a
serem utilizados na pesquisa em Artes Visuais é de extrema relevância para
atingir o objetivo desejado de forma eficaz. A escolha do método estará sempre
fadada ao tipo de pesquisa desejada. Cada pesquisa, a depender de sua
abordagem, poderá utilizar diferentes metodologias para chegar ao seu objetivo
e, desse modo, ao efetuar a escolha por um ou outro método, delimita a
abrangência de seu estudo e, assim, foca-se no objeto desejado sem que o seu
leque de interesses seja demasiado grande.
O presente texto pretende abordar e demonstrar como o método
autobiográfico é uma ferramenta bastante necessária para a pesquisa em Artes
Visuais contemporâneas. O que me levou a essa inquietação foi o Programa de
Pós-Graduação em Artes Visuais (PPGAV) da Universidade Federal da Bahia
(UFBA), do qual faço parte como mestrando e desenvolvo uma pesquisa em
Artes Visuais voltada para minha produção enquanto artista.
Nesse contexto, tornou-se necessário estabelecer uma metodologia que
respondesse às minhas expectativas e que englobasse o meu objeto pesquisado
levando em consideração as questões inerentes ao meu trabalho como artista
visual. É fato que a obra de arte e sua produção estão entregues ao tempo e meio
onde foram formadas/geradas e, por isso, vale utilizar-se da autobiografia como
fator de compreensão para tais campos das Ciências Sociais Aplicadas,
19
considerando-se o tempo pelo viés da filosofia e o meio pelo viés sociológico,
descartando-se a luta de classes proposta por vários autores quando de uma
abordagem sociológica.
O que importa para compreender o objeto de pesquisa estudado, isto é, o
meu próprio trabalho; são as minhas subjetividades e, para que se possua um
esclarecimento acerca delas necessito do ferramental autobiográfico com o
intuito de checar a intensidade das forças cotidianas e dos acontecimentos
pessoais na própria produção artística.
Vale esclarecer que, pesquisa em Artes é diferente de pesquisa sobre
Artes. Em seu ensaio sobre o lugar da pesquisa na contemporaneidade, Cattani
(2002) nos revela que a pesquisa em arte é “aquela relacionada à criação das
obras, que compreende todos os elementos do fazer, a técnica, a elaboração de
formas, a reflexão, ou seja, todos os componentes de um pensamento visual
estruturado”. Baseado nessa argumentação; penso a abordagem metodológica
autobiográfica como um instrumento que pode englobar tais fatores descritos e
responder às questões da criação com uma intimidade que outro método não
seria capaz. Acredito que usar desse método para o desenvolvimento e reflexão
de meu próprio trabalho pode ser a forma mais coerente para levar-me ao âmago
de minhas reflexões enquanto artista-pesquisador.
O método autobiográfico, a memória e a pesquisa em artes visuais
contemporâneas
Muitos autores abordam a questão da autobiografia e chegam até mesmo
ao que chamam de monografia do artista, ou monografia biográfica. Arenas (1982),
Duby (1992) e Hadjnicolau (1973) abordam a questão do método autobiográfico
em seus textos, cada qual defendendo pontos de vista diferentes entre si, mas,
possuindo uma reflexão em comum: a importância desse método para a
confrontação do entrono social do indivíduo produtor (artista) e a compreensão
de sua produção.
Interessa-me mais os apontamentos feitos por Arenas, exceto pelo fato do
autor aproximar a experiência da criação ao conceito de sublimação que foi
20
empregado por Freud e está a luz da psicologia e não corresponde, a meu ver,
verdadeiramente àquilo que a arte produz: uma transfiguração do real. O próprio
autor se contradiz sobre esta questão quando se refere ao que diz Gombrich: “a
arte é uma resposta estética ante um problema estético, e não ante um problema
de índole psicológica” e ainda vai mais além, diz que “a obra de arte não pode ser
unicamente o resultado de uma personalidade isolada que exterioriza seus sonhos
e frustrações” (ARENAS, 1982, 67). Esclarecido tal fato, valho-me de suas
colocações quando nos diz que tal método é capaz de “transmitir a personalidade
do homem criador de imagens ordenando e classificando-as ao longo de sua
existência” (ibidem, p.56). Entendo que essa ordenação e classificação a qual o
autor se refere, nada mais são do que a memória de uma sociedade ou indivíduo
e que sem essa memória seria impossível estabelecer uma compreensão e/ou
conhecimento a respeito de um objeto.
Quando Heidegger (1999) nos fala daorigem da obra de arte como sendo
ela mesma, isto é, um retorno infindável; acredito que a biografia esteja presente
nesse contexto, pois a obra só pode ser entendida, como ele mesmo diz em
alguns trechos de seu ensaio, pela compreensão da sua dimensão social. A
dimensão social contemporânea abrange não somente os grupos, mas,
principalmente a realidade do indivíduo e sua história pessoal e particular como
formas de contexto social. Desse modo pontua um conceito que denomina de
alethéia que é o fenômeno pelo qual o ser, seja este homem ou coisa, ganha
significado. Além disso, logo no início de seu ensaio esclarece que “o artista é a
origem da obra. A obra é a origem do artista” (Ibidem, p.11).
Por essa afirmação é possível entender o modo como Heidegger abarca
a contextualização social entre obra e artista. Sendo que um não existe sem o
outro e, desse modo, verifico que seria impossível, numa pesquisa em artes
visuais contemporâneas, dissociar a obra do artista e sequer levar em
consideração, ao se estudar o seu percurso e trabalhos a biografia. Por esse
fator, notifico que ao se executar uma pesquisa em artes sobre si próprio, a
ferramenta básica é o método autobiográfico como elemento de diálogo entre a
obra e seu autor.
Ao contexto social, as experiências do cotidiano, a experimentação
necessária à criação, a memória social são elementos importantes para o método
21
autobiográfico enquanto significações válidas para a compreensão da pesquisa
em artes cuja produção é realizada por um indivíduo, ou em certos casos, como
na arte contemporânea, um grupo de indivíduos com ideais em comum.
Para mim, utilizar-se desse método é a premissa básica para adentrar nas
questões referentes à memória. Desde as vanguardas artísticas que a memória
passou a integrar a produção dos artistas e, atualmente existem muitos artistas
que trabalham com esse conceito ligando sua memória ao tempo, as
experiências, ao presente e ao futuro, desmanchando a idéia de que a memória
é somente um retrocesso, trazendo-a para participar do presente e tornar-se
perene. A exemplo podemos citar nomes de artistas como Louise Bourgeois,
Nancy Nisbet, Leonilson, Fernanda Magalhães, Sandra De Berduccy, Jöel-Peter
Witkin e Ana Mendieta.
De acordo com Bueno (2002, 17) o método autobiográfico “corresponde
a exigência de uma nova antropologia, devido aos apelos vindos de vários setores
para se conhecer a vida cotidiana”. Esse cotidiano é que integra a memória, é
dele que a memória se alimenta e se faz existir.
Diferentemente de Wanner (2006) que aborda o método autobiográfico
calcando-se nas questões de identidade e alteridade, eu prefiro aprofundar-me
no que se refere à memória. Contudo, não se pode deixar de esclarecer que a
memória reaviva a identidade e, desse modo também declara a alteridade em
função da relação com os outros e com o contexto social. Comungo com a
autora quando nos revela que “na contemporaneidade a autobiografia pessoal
tem servido para colaborar como registro de memória” (p.57) e, por essa
afirmação enfatiza-se que o artista fruidor não mais pertence somente a si e que
a sua memória, mesmo sendo interna, perpassa pelas experiências que o corpo
sente, que olhos vêem, aquilo que se ouve, cheira e toca e assim se estabelece
a ligação do indivíduo com o mundo, com o seu entorno, baseado sempre nas
relações de troca e existência.
Todos esses elementos, a meu entender, compõem aquilo que chamo de
memória. E o uso que faço do método autobiográfico é em relacioná-lo com tais
rememorações e lembranças que podem ser do passado distante ou próximo,
22
mas que se perpetuarão no futuro pela sua aplicação no presente. Penso que a
memória e seus desdobramentos conceituais são relevantes na produção
artística da atualidade devido à perda de identidade que os seres obtiveram com
os grandes avanços das ciências médicas e sociais aplicadas. Assim, memorizar
significaria estabelecer-se como existente.
“A memória expõe, [...], a amabilidade e a brandura ante os sabores, os
aromas, as cores, as sonoridades, as formas essenciais de uma cultura:
significantes de uma maneira de ser que a subjetividade e a intersubjetividade
compuseram de modo mais ou menos inconsciente” e também “revê o curso da
existência como heterogêneo e fértil de possibilidades imprevistas” (GONÇALVES
FILHO, 1988, 96). Possibilidades que para o artista são muito férteis no terreno
construtivo das significações da obra. Essas formas de significantes de pensar e
sentir a memória do corpo, das lembranças, das pessoas e até de nossas células
são representações muito particulares de um mundo sensorial extravagante e
vigoroso. Representações que nos fazem vivo, que nos remetem a nosso contexto
social, que nos projetam àquilo que está por vir por aquilo que já passou e nos
alimentam enquanto ser.
O importante de tudo isso é que, como Wanner (2006, 57) nos apresenta,
as “escolhas, atuações, ações, desejos, decisões, etc., fazem parte de um universo
próprio rompendo, portanto, com um mundo regido por determinações ditatoriais”
as quais o ser está submetido. Esse rompimento é um dos fatores mais importantes
para o artista visual. Por ele é possível transfigurar a realidade da vida pela ação
de criar, extrapolando as barreiras de uma sociedade cega. Para entender tudo
isso, o método autobiográfico associado às questões da memória do indivíduo é
uma maneira inteligente de se estabelecer à pesquisa em artes.
A meu ver a memória, seria hoje, o único meio que cada um possui para
ser alguém, para ser notado enquanto ser existente e dotado de experiências
únicas. A memória na arte contemporânea instaura a identidade pelo corpo e
pelas ações do corpo calcado nas experiências do indivíduo.
É importante lembrar que existem muitos estudos voltados para o método
autobiográfico, porém, eles se restringem as áreas de educação e psicologia, o
que me leva a reafirmar a necessidade de usar desse instrumental para
23
compreender e responder aos objetos de pesquisa em artes visuais, pois esse
método prevê “a mediação entre as ações e a estrutura, ou seja, entre a história
individual e a história social” (BUENO, 2002, 17).
A necessidade em aproximar o estudo autobiográfico e a memória pode
ser vista na clareza da colação de Gonçalves Filho (1988, 98) quando nos fala da
rede de lembranças que a memória é capaz de tecer e que
o movimento de uma lembrança vibra fora dos compassos rígidos e
desvitalizados de um conceito permanente, de uma idéia eterna, de um
princípio abstrato: o ânimo que fomenta é gerado na espessura de
uma experiência. Uma experiência possui plasticidade: não fixa
sabores, remetendo sempre nossa atenção para aos sentidos
inesgotáveis de uma práxis. Possui perceptibilidade: oferece traços
inconfundíveis que a singularizam. Possui realizabilidade: impõem-se
como realidade incontestáveis através das diversas interpretações
que pode sustentar.
Portanto, para se compreender a dimensão da memória é preciso saber
que esta é dotada de experiência e assim se estabelece como meio de
significação para a pesquisa. Entendo que sem a experiência, a memória não
existiria, pois pela experiência da vida, do corpo e das ações cotidianas é que a
memória se constrói através da experimentação. Assim é na pesquisa em arte,
ela não poderia existir sem a experimentação do artista em suas ações e re-
ações constantes para conseguir estipular um lugar possível de existência dentro
da sociedade através da transfiguração da realidade pela produção estética: a
obra de arte.
Conclusão
A memória constitui, nas artes visuais contemporâneas, um campo de
pesquisa e significação bastante relevante e, o método autobiográfico é uma
maneira de conseguir edificar uma relação de estreitamento entre as partes e
assim levantar a necessidade da aplicação de tal método como instrumento
eficaz e eficiente para a construção da pesquisa e seus desdobramentos
qualitativosno decorrer do estudo sobre o objeto. Mais especificamente, no caso
da linha de pesquisa da qual participo no PPGAV da UFBA, Processos Criativos
24
em Artes Visuais, faz-se essencial instaurar o espaço da memória e de suas
significações para a pesquisa, entendendo o próprio fazer artístico como uma
experiência de vida que ali se encontra.
REFERÊNCIAS
ARENAS, José Fernandes. La historia Del Arte como ciencia de las fuentes y de
los documentos. In: Teoria y metodología de la historia del arte. Barcelona:
Antrophos, 1982, p. 47-68.
BUENO, Belmira Oliveira. O método autobiográfico e os estudos com histórias
de vida de professores: a questão da subjetividade. In: Revista Educação e
Pesquisa. v.28, n.1. São Paulo: USP, jan/jun 2002, p.11-30.
CATTANI, Icleia Borsa. Arte contemporânea: o lugar da pesquisa. In: O meio
como ponto zero metodologia da pesquisa em artes plásticas. Porto Alegre:
ed. Universidade/UFRGS, 2002, p. 35-50.
GONÇALVES FILHO, José Moura. Olhar e memória. In: O Olhar. Cia das Letras,
1988, p.95-124.
HEIDEGGER, Martin. A Origem da Obra de Arte. Lisboa: Edições 70, 1999.
WANNER, Maria Celeste de Almeida. Artes visuais método autobiográfico:
possíveis contaminações. In: Arte: limites e contaminações: 15º Encontro
Nacional da ANPAP Anais. v.02. Salvador: ANPAP, 2006, p.52-59.
25
TUDO SE MOVE
Everaldo Vasconcelos
Diretor teatral. Mestre em Artes Cênicas pela UFBA. Professor da Universidade
Federal da Paraíba.
Resenha do Livro
MOORE, Carol-Lynne e YAMAMOTO, Kaoru. Beyond Words: Movement
Observation and Analysis. London: Gordon and Breach Publishers. 1988. 305 pp.
“Beyond Words” (Além das Palavras) não é um livro sobre comunicação
não-verbal ou linguagem corporal, e sim sobre como o movimento pode ser
observado e analisado. As palavras representam somente uma pequena
proporção do espectro total da comunicação humana. A educação escolar foca
apenas o modo verbal, enquanto os domínios da experiência, que ficam além
das palavras não recebem o tratamento adequado; domínio este, onde os
relacionamentos são construídos ou destruídos.
O livro participa do sonho de construir um futuro melhor para a
humanidade. As autoras acreditam que se nós pudermos compreender os
movimentos expressivos humanos tão bem como compreendemos as
palavras, poderemos compreender melhor as pessoas. Na introdução, as
autoras citam o famoso detetive da ficção, Sherlock Holmes, que costumava
dizer a Watson, seu colega e assistente, que seu fenomenal poder de dedução
era devido à observação. A observação é algo que vem com o ser humano
desde o nascimento. Todos nós temos sido espectadores, observadores
desde o dia em que nascemos. As mais importantes lições de nossas vidas
têm sido aprendidas desta maneira. H.L.Mencken afirma que o que realmente
ensina o homem não é a experiência, mas a observação; entretanto, poucos
têm parado para refletir sobre este processo vital de observação. Como nós
percebemos e interpretamos o mundo? Nós somos agudos observadores,
que penetramos o coração da matéria, ou meramente espectadores casuais,
26
que varremos a superfície dos eventos? O propósito do livro é ensinar esta
experiência vital a observação.
Nós estamos em constante movimento. Nenhuma palavra é criada ou
pensamento formado sem uma ação correspondente, ainda que sutil, em alguma
parte do corpo. Pesquisas recentes na área da comunicação não-verbal têm
verificado que as palavras ocupam apenas 10% da comunicação humana,
enquanto que a comunicação não-verbal ocupa o espaço restante. Mabel
Elsworth Todd, no livro “The Thinking Body”, afirma que o corpo é cheio de
sentido e que conta a sua própria estória, que nós julgamos os nossos amigos
muito mais pelo arranjo e movimento de suas partes do esqueleto do que por
qualquer outra evidência. As autoras convidam o leitor a entrarem em um universo
que fica “além das palavras”.
As autoras desejam levar o leitor: primeiro, a pensar sobre como ele
percebe o mundo, isto é feito no módulo A, do capítulo 1 ao capítulo 6; e segundo,
melhorar a habilidade e o poder de observação, que é a matéria do módulo B, do
capítulo 7 ao capítulo 12. Mais especificamente, este livro é sobre aprender a
observar a vida humana através do movimento. O Capítulo 1 é sobre a percepção
humana. Inicia com uma discussão sobre o que é o real. Existe um real fora da
percepção? Como nós podemos conhecer o mundo real? Como saber se o que
nós percebemos sobre o mundo real é verdadeiro? É comum, às vezes, as
pessoas se perguntarem sobre a qualidade de sua percepção “Isto está realmente
acontecendo comigo?”, ou Eu vi ou escutei isto ou aquilo, ou foi somente a
imaginação?”. Há alguns provérbios no mesmo sentido: “ver para crer”; “nem
tudo o que reluz é ouro”. A filosofia não resolveu a questão sobre o que é o real. A
ciência, contudo, tem pesquisado o fenômeno da percepção. A crença na
existência de uma realidade externa acessível tem guiado a pesquisa científica
para o estudo do mecanismo da percepção, mas ainda assim muitos aspectos
permanecem um mistério. É melhor pensar a percepção como um grupo de
funções dialéticas. Tal como na física moderna, que trata a luz como matéria e
energia. Na percepção, haveria algo parecido com o yin-yang. Não o esquema
dicotômico aristotélico, A ou não-A, e sim o esquema dialético, A e não-A. A
percepção é um processo interno e externo; inato e aprendido; percebido como
27
real e ilusório; simples e complexo; altamente individual e socialmente definido;
estável e mutável.
O capítulo 2 é dedicado à percepção do movimento. O universo está em
movimento. As autoras afirmam que a percepção do movimento envolve: 1-
perceber os movimentos do próprio corpo; 2- perceber as ações das outras
pessoas; 3- perceber o movimento de outros objetos no ambiente. A percepção
do movimento envolve a coordenação dos sentidos, mas a visão joga um papel
chave. O sentido do tato e da cinestesia são usados para apreender o movimento
e a posição do próprio corpo. As autoras chamam a cinestesia de sexto sentido,
e o definem como sendo a discriminação corporal das posições e movimentos
de partes do corpo, baseado em informações outras que visuais, sonoras ou
verbais. A percepção cinestésica envolve avaliação de mudanças na tensão
muscular, posições e colocação relativa das partes do corpo. O senso do tato
joga um papel auxiliar informando sobre o contato e a pressão. O papel da visão
na percepção do movimento é discriminar, dentro de um ambiente, o movimento
de outros corpos e de nossos próprios corpos. Tem-se feito muitos estudos sobre
o efeito do feedback visual e cinestésico na coordenação motora. A visão tem um
importante papel no desenvolvimento da coordenação neuromuscular dos
movimentos corporais. O som também pode ser usado para estabelecer a relação
de aproximação e distanciamento de uma fonte sonora, e também informa sobre
o ambiente. Padrões sonoros, como a linguagem falada, podem ser utilizados
para sincronizar movimentos corporais na conversação.
A consciência do movimento depende da percepção do tempo. A
experiência do tempo não surge dos sentidos, mas é um sentido interno,
provavelmente localizado no sistema nervoso central, como um relógio
biológico. Outras pesquisas apontam no sentido de que a percepção do
tempo está baseada na quantidade de informações que o cérebro processa.
Não há, no entanto, uma definição precisa. O tempo pode ser quantitativo e
qualitativo; ter um ciclo linear; ter um ciclo repetitivo. A experiência do tempo
não pode ser separada da percepção do movimento, que possui também
qualidades quantitativas e qualitativas, aspectos lineares e cíclicos. Os
movimentos podem ser vistos como uma seqüência linear, ou cíclica.
28
No capítulo 3, as autoras discutem como pode ser aumentada a
consciência do movimento, evitando-se a simplificação. Propõem isto
através de um vídeo1 com exercícios de aquecimento, para a tarefade
observar de forma mais complexa os movimentos.
O capítulo 4 fala de conhecimento corporal e preconceitos. Neste capítulo
as autoras exploram as relações entre a mente e o corpo. Abordam a evolução
bio-social do corpo/mente. As partes do sistema nervoso que controlam os
movimentos voluntários, estão entre aqueles que se desenvolvem depois do
nascimento. Isto significa que o ser humano não nasce “programado” para realizar
movimentos voluntários. Nós temos que aprender a nos mover. Uns poucos
padrões reflexos básicos existem para iniciar o futuro desenvolvimento das ações
coordenadas voluntárias. Em virtude disto, os movimentos humanos são altamente
adaptáveis. O mundo das crianças se torna estruturado através do movimento. A
mente e o corpo se desenvolvem simultaneamente. Elas citam Ortega Y Gasset,
que sugere que o homem não é natureza, mas história, e que sendo assim a
história de uma pessoa está escrita nos padrões neuromusculares de ações que
ela aprende com os outros, de acordo com o tempo, lugar e condições sociais
de seu nascimento. Esta socialização inicia-se na infância quando, através da
aprendizagem de movimentos, “os sonhos do grupo” são implantados no
desenvolvimento do corpo/ mente das crianças. A evolução cultural é uma
extensão do corpo/mente. Através de várias invenções, os seres humanos têm
ampliado as suas capacidades físicas. Estas invenções são sistemas de extensão
ou ampliação do corpo/mente. Assim, as roupas e o abrigo de uma casa ampliam
a proteção do corpo. As ferramentas e as armas ampliam a capacidade de ação
física. A fala e a escrita permitem acumular conhecimentos e transmití-los aos
outros. A arte, a religião e a tradição criam símbolos que cristalizam a experiência
de um indivíduo, ou de todo um grupo, e a transmitem através do tempo.
O movimento corporal é o primeiro sistema de extensão original.
Movimentos que se repetem no mesmo lugar e no mesmo contexto adquirem
 1 Este vídeo se encontra disponível para empréstimo nas videotecas da Escola de Dança e da Escola de
Teatro da UFBA.
29
um significado comunitário. Foi desta forma que o movimento tornou-se a primeira
forma de comunicação simbólica conhecida pela humanidade. Nós muitas vezes
esquecemos o fato de que foi através do movimento que se deu a nossa primeira
socialização no nosso grupo cultural. A fonte dos nossos movimentos voluntários
não está dentro do organismo, nem é influência da experiência passada, mas
está na história social do homem. Nós devemos ver o movimento como um
sistema de extensão cultural do corpo/mente análogo a todos os outros. Todos
esses sistemas têm em comum a abstração, cujo grau é o que diferencia um do
outro. Qualquer experiência humana deve ser abstraída e categorizada para
tornar-se conhecimento.
Os sistemas de extensão do corpo/mente criam dois ambientes na vida dos
seres humanos: Um é extremamente pequeno, concreto, natural e pessoal; o outro
é amplo mais abstrato e inclui experiências coletivas de toda raça humana. Assim
também é com o movimento, por um lado é o concreto domínio da experiência
corporificada, por outro lado é o ambiente abstrato da experiência simbólica. Estes
dois lados são complementares. O movimento corporal é altamente estruturado,
uma forma culturalmente codificada de comunicação simbólica, equivalente em
sofisticação à linguagem, matemática, música, etc. Paradoxalmente, o movimento
é natural e planejado, visceral e simbólico, pessoal e social, sempre presente e
constantemente desaparecendo. Nosso conhecimento corporal torna-se o guia
que usamos para organizar o mundo além das palavras, para julgar ações e medir
as nossas reações ao movimento dos outros. O conhecimento corporal mistura a
percepção do movimento com a sua interpretação, por isso é fácil cair no
preconceito corporal, que é um processo de abstração, onde significados são
associados a certos movimentos. Não há uma simples correspondência biunívica
entre movimento e um significado. Trata-se de uma relação complexa onde um
único movimento pode ter muitos significados. As autoras citam uma anedota
contada por Merce Cunningham, na qual uma de suas coreografias, chamada
“Winterbranch”, foi interpretada de formas diferentes, em vários países, nos quais se
apresentaram. As interpretações variavam, mas segundo Cunningham, a sua dança
simplesmente envolvia “quedas”, corpos humanos caindo. Para entender o
movimento é preciso transcender os preconceitos corporais.
30
No capítulo 5, “Decifrando os Movimentos Humanos”, com o apoio de um
vídeo, as autoras reforçam a idéia de que o movimento é uma forma de
pensamento.
No capítulo 6, “Movimento como Metáfora”, as autoras afirmam que
compreender o que o movimento significa é crucial. Os significados não são
dados a nós pelo mundo. Ao contrário, somos nós que damos significados ao
mundo através de nossa mente. Uma das principais maneiras de fazer isso é
através do desenvolvimento e aplicação de metáforas. O nosso sistema conceitual,
em termos dos quais nós pensamos e agimos, é fundamentalmente metafórico
por natureza. A metáfora é o emprego de uma palavra em sentido diferente do
próprio por analogia ou semelhança, ou a similaridade de um objeto ou idéia
com outra. As autoras citam a cena do Cyrano de Bergerac, na qual ele compara
o seu nariz a várias coisas. A metáfora, em essência, reordena a maneira como
nós pensamos o mundo. Nós pegamos o comum e encaixamos em um novo
contexto. A frase “movimento é uma linguagem” é uma metáfora que tem iluminado
as abordagens sobre o movimento. Movimento é uma linguagem universal, é
outra metáfora que significa que todas as pessoas, independente de raça, credo
ou cor, podem compreender as ações físicas, que a habilidade para decifrar um
movimento é inato, que um dado movimento tem um significado absoluto,
independente do lugar. Outra metáfora: Movimento é uma língua estrangeira diz
que o movimento é diferente em cada cultura. Movimento é um código privado é
outra metáfora. No entanto, o movimento é universal, específico de uma cultura e
é pessoal, dependendo do contexto. O movimento consiste de ações básicas,
que não têm significado em si mesmas, mas que podem ser arrumadas de várias
maneiras para construir seqüências complexas de ação que façam sentido.
Metáforas alternativas seriam “movimento é uma arte visual” ou “movimento
humano é música física”. A distância entre o movimento e uma metáfora deve ser
tomada na mente, pois em si, movimento é somente movimento.
O capítulo 7, “Funções do movimento na vida humana”, inicia o módulo B.
Nele, as autoras mostram que sendo o movimento o denominador comum de
todas as experiências da vida, este é um estudo que abraça muitas disciplinas. O
encontro desta unidade na diversidade e da diversidade na unidade mostra-nos
31
o potencial da criatividade humana. A motivação é a misteriosa fagulha que propele
a nossa ação. As autoras citam Maslow e sua hierarquia de necessidades, que
podem ser divididas em dois grupos. O primeiro, incluí os motivadores de nível
básico, que seriam as necessidades vitais, coisas que nós devemos ter para
manter as nossas vidas decentemente, por exemplo, comida, abrigo, proteção,
amor, um senso de pertencer a um grupo, a estima e o respeito dos outros. Estes
são chamados de necessidades de falta, porque provocam a ação somente
quando estão insatisfeitas. O segundo grupo, inclui os motivadores de alto nível e
são chamados necessidades de ser, a busca de coisas intangíveis que afetam a
qualidade de nossas vidas, por exemplo, a necessidade de auto-expressão, o
desejo de compreender, o desejo de beleza, a busca espiritual. Diferente das
necessidades por falta, as necessidades de ser continuam atuando
constantemente através de nossas vidas.
O modelo de Maslow pode ser empregado para as funções do movimento
na vida humana. Estas funções podem dividir-se em quatro amplas categorias:
trabalho, guerra e competição; vida sociale culto. O trabalho tem uma função
produtiva. A guerra e a competição uma função protetora; o comportamento social
tem uma função afetiva; e o culto, o ritual, e a meditação têm uma função de auto-
transcendência. No trabalho, o ser humano altera o ambiente para suprir as suas
necessidades. O movimento das mãos foi ampliado através do uso de ferramentas.
Pode haver uma conexão entre os estilos de movimento e desenvolvimento
tecnológico de um dado grupo social. Alguns acreditam que a evolução humana se
deve ao crescente desenvolvimento tecnológico. Marx afirma, no entanto, que é o
modo de produção da vida material que determina o caráter social, político e
espiritual da vida. De fato, o desenvolvimento tecnológico não é um fenômeno
isolado. Há a hipótese alternativa de Lomax, Bartenieff e Paulay com os estudos
coreométricos. A coreométrica analisa o estilo de movimento do trabalho com
relação aos movimentos de dança de culturas pré-industrializadas no mundo. Há
uma conexão entre nível de tecnologia e estilos de movimento de uma cultura, mas
também há a evidência de que a introdução de novas tecnologias não
necessariamente alteram estes estilos.
Entre as modernas abordagens de estudos sobre o trabalho e movimento
estão: 1- A administração científica de Taylor; 2- Os estudos de tempo e movimento
32
de Gilbreth, que tinha o objetivo de eliminar os movimentos desnecessários na
fabricação de uma peça; 3- Análise de expressividade de Laban, que foi contratado
por um consultor inglês para analisar os movimentos dos trabalhadores (Laban
enfatizava o ritmo e a dinâmica da tarefa, e tentava encontrar nos estilos de
movimento dos próprios trabalhadores quais os que mais se adaptavam àquela
tarefa); 4- A ergonomia, que é o estudo integrado da fisiologia, psicologia e física
do melhor funcionamento da máquina humana.
A arte e a ciência da guerra têm se desenvolvido paralela com o
desenvolvimento das ferramentas desde o machado de pedra até a bomba
atômica. Essa evolução teve três estágios: 1 - A caça; 2 - Pequenas batalhas e
grupos de ataque e 3 - Guerra. As origens da batalha estão na caça e combates
antigos. A caça era relativamente simples e obedecia ao seguinte processo: a
presa era perseguida, encurralada e atacada por grupos de caçadores, que
agiam de forma cooperativa. Os fundamentos, organização social e conhecimento
corporal envolvidos na caça, são similares aos usados na guerra. A presa torna-
se o inimigo. Não se sabe quando as perícias da caça começaram a ser aplicadas
para matar os próprios membros da espécie. No entanto, a guerra primitiva não
tinha a dimensão letal que tem hoje em dia e era como uma competição ritualizada
entre os guerreiros. O uso do movimento no treinamento militar joga um papel
crucial de três maneiras: Na aprendizagem de movimentos de ataque e defesa;
aprendizagem de movimentos de ação coordenada de grupo e preparação para
o combate através de doutrinação psicológica. Uma batalha é um evento tão
estilizado e limitado em movimentos como o balé clássico. O movimento é usado
para exercitar o recruta nos rituais da “cultura militar”, na qual ele deixa de ser um
indivíduo e passa ser parte de uma grande máquina. As autoras chamam de
batalha virtual aos esportes e os jogos e afirmam que, o atributo chave que os
separa da guerra é a presença do elemento lúdico. Os jogos e os esportes
servem como pesquisa de movimentos necessários para executar bem uma
atividade. Tal seria a natureza dos jogos e danças mágicas nas quais os caçadores
se preparavam mental e fisicamente para caçarem a presa. Também seria o
caso das danças de guerra de alguns povos.
33
O movimento do corpo joga um papel crucial na definição do grupo so-
cial, cultural ou racial ao qual estamos afiliados e simultaneamente providencia
um meio de discriminar quem não pertence a este grupo. O movimento tem uma
função de reforço e uma função de restrição. Através de como agimos
corporalmente nós exibimos e reforçamos nossa identidade social e cultural, ao
mesmo tempo que estabelecemos quem não pertence ao nosso grupo. Se nós
desejamos afirmar ou alterar nossa identidade social e cultural, nós devemos
adquirir não somente o significado, mas também as maneiras; não somente a
substância, mas também o estilo do grupo ao qual nós desejamos nos afiliar.
Vida como teatro é a metáfora, sugerida por Shakespeare, de que o mundo é um
palco e todas as pessoas são atores. Assim, todas as pessoas têm mais ou
menos consciência de que representam um papel social. A metáfora teatral suporta
diferentes visões da função do movimento na sociedade. Para o performer, o ator,
a peça já está definida, com suas falas e movimentos. Se a vida é como o teatro,
então os nossos papéis sociais são estáveis, e cada pessoa possui um repertório
de performances que usa na vida diária. Por outro lado, o performer, o ator,
interpreta vários papéis. Assim também na vida cotidiana, uma pessoa é capaz
de assumir diferentes papéis de uma maneira convincente. Isto é útil para entender
a mobilidade social, quando uma pessoa quer mudar de grupo social e adotar os
padrões de outro grupo.
Este processo de mudança de papel social se dá de duas maneiras
segundo Szwed: Como poetização ou como passagem. A poetização se dá quando
dois grupos se encontram próximos e em contato de relativa estabilidade social,
onde um tem o poder e detém o alto status e o outro não, então o grupo de alto
status protege a sua identidade estigmatizando o comportamento do grupo de
baixo status. Poetização é o processo pelo qual o grupo de baixo status é
caracterizado ou emulado, incentivado dentro de um contexto cuidadosamente
regulado e socialmente aprovado. Do ponto vista da “poetização”, a adoção de
comportamentos de grupos de baixo-status por membros de grupos de alto status
é sempre temporária, e qualquer transformação pessoal é rápida. Passagem é o
processo de mudança de alguém de um grupo mais baixo, para um grupo mais
alto. Este processo deve ser mais completo e duradouro, dependendo de cada
34
sociedade. Na América do Norte, por exemplo, a mobilidade social tem sido
freqüentemente associada à posse de dinheiro e riqueza. A televisão tem servido
como meio de aprendizagem de estilos de comportamento. Um dos temas
preferidos do drama televisivo americano é ascensão social, e serve como um
tratado de etiqueta, numa sociedade que lida constantemente com a mobilidade
social.
A primeira conexão do movimento com o sagrado surgiu através da
observação de que tudo que se apresentava vivo fazia movimentos. Daí a crença
que o movimento denota a vida. Os antropólogos e historiadores asseguram que
o movimento expressivo, rituais e a dança são ou foram parte integral da vida
cotidiana de todas as culturas. O ocidente perdeu o hábito de orar com movimento,
fazendo um divórcio entre valores espirituais e atividade física. Ainda assim há
movimento para recuperar o uso do corpo e da dança com objetivos sagrados,
em contextos secularizados e especializados. É o caso da dança-educação e do
uso psicoterapêutico da dança.
No capítulo 8, “Movimento no contexto”, o objetivo é ampliar
progressivamente a consciência do movimento e simultaneamente estimular a
reflexão sobre a natureza do conhecimento corporal e preconceitos corporais
através de exercícios gravados em vídeo.
O capítulo 9 é dedicado aos parâmetros básicos do movimento. As autoras
adotam A Análise de Movimento Laban como sistema objetivo de observação do
movimento. Os princípios gerais do sistema de Laban são: 1- o movimento é um
processo de mudança; 2- a mudança é padronizada e ordenada; 3- o movimento
humano é intencional; 4- os elementos básicos do movimento humano podem
ser articulados e estudados; 5- o movimento deve ser compreendido em muitos
níveis. Os elementos básicos de todos os movimentos podem ser categorizados
em três principais grupos segundo a Análise de Movimento Laban: 1- uso do
corpo; 2-uso do espaço; 3- uso da energia ou dinâmica.
No Capitulo 10, “Observação na prática: processo e estrutura”, as autoras
propõem que a observação é um processo em quatro fases: 1- preparação do
observador; 2- demarcação do objeto a ser estudado; 3- ponto de concentração;
4- recuperação. Deve-se estruturar a observação para obter resultados. No
35
coração deste processo de observação está a questão: Por que? Por que estamos
observando? O que nós desejamos aprender? Qual é o nosso propósito no estudo
de um dado movimento? Devemos levar em conta quatro elementos: O papel do
observado; a duração da observação; seleção de parâmetros de movimento;
modo de anotar as observações. As informações colhidas através da observação
seguem o seguinte modelo de interpretação: Por comparação, das observações
leva-se em conta o conhecimento corporal e preconceitos corporais implícitos
através de um julgamento informal e registro das reações. Por correlação, das
observações, leva-se em conta o trabalho explícito de interpretação através do
julgamento formal, avaliação e pesquisa. Por contraste, das observações leva-se
em conta a visão do comportamento desejado através do ensino, direção e critica.
O capitulo 11 é dedicado a analisar quatro casos: uma sessão de aikido;
trabalhadores numa oficina; uma entrevista; uma aula de teatro. O capitulo 12 é
sobre os desafios e horizontes da observação e análise de movimentos.
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UMA INTRODUÇÃO AO BODY-MIND CENTERING
Bonnie Bainbridge Cohen
Professora e fundadora do School for Body Mind-Centering. Analista de
Movimento pelo Instituto Laban/Bartenieff de Estudos do Movimento em New York.
Tradução: Patrícia de Lima Caetano
Dançarina, coreógrafa e psicóloga, graduada pela Faculdade Angel Vianna e
pela Universidade Federal Fluminense. Mestranda em Artes Cênicas pela
UFBA.
 Artigo Original
COHEN, Bonnie Bainbridge. An introduction to Body-Mind Centering. In:
KOVAROVA, Miroslava; MIRANDA, Regina. (Org.) Proceedings of
Conference Laban & Performing Arts. Bratislava: Bratislava in Movement
Association/Academy of Music and Dramatic Arts, 2006, p. 11-20.
Body-Mind Centering (BMC) é uma jornada experimental pelo vivo e
mutante território do corpo. O explorador é a mente nossos pensamentos,
sensações, energia, alma e espírito. Por meio dessa jornada nós somos
conduzidos a um entendimento de como a mente se expressa através do corpo
em movimento.
Existe algo na natureza que forma padrões. Nós, como parte da natureza,
também formamos padrões. A mente é como o vento e o corpo é como a areia, se
você quer saber como o vento está soprando, você pode olhar para a areia.
Nosso corpo se move como nossa mente se move. As qualidades de qualquer
movimento são uma manifestação de como a mente está se expressando através
do corpo naquele momento. Mudanças nas qualidades do movimento indicam
que a mente mudou o foco no corpo. Inversamente, quando direcionamos a mente
ou a atenção para diferentes áreas do corpo e iniciamos movimentos por aquelas
37
áreas, nós mudamos a qualidade de nosso movimento. Então, nós achamos que
o movimento pode ser um caminho para observar as expressões da mente através
do corpo, e pode ser também um caminho para influenciar mudanças na relação
corpo-mente.
Em BMC, “centramento” é um processo de equilíbrio, não um lugar de
chegada. Esse equilíbrio é baseado no diálogo, e o diálogo é baseado na
experiência.
Um importante aspecto da jornada no Body-Mind Centering é a
descoberta da relação entre o menor nível de atividade dentro do corpo e o mais
expansivo movimento corporal alinhando o movimento interior celular com a
expressão do movimento externo através do espaço. Isto envolve identificação,
articulação, diferenciação e integração dos vários tecidos que constituem o corpo,
descobrindo as qualidades que contribuem para um movimento específico, como
estes tecidos têm evoluído neste processo de desenvolvimento e o papel que
eles representam na expressão da mente.
O mais sutil alinhamento, ou seja, o mais eficientemente que nós
podemos funcionar para realizar nossas intenções. Contudo, o alinhamento em
si mesmo não é o alvo, mas sim um contínuo diálogo entre consciência e ação
tornar-se ciente das relações que existem por todo nosso corpo/mente e agir a
partir desta consciência. Este alinhamento cria um estado de conhecimento.
Existem muitos modos de trabalhar na direção desse alinhamento como através
do toque, movimento, visualização, somatização1, voz, arte, música, meditação,
diálogo verbal, abertura da consciência, ou por outros meios.
1 Uso esta palavra “somatização” para engajar diretamente a experiência cinestésica, em oposição a
“visualização” a qual utiliza imagens visuais para evocar a experiência cinestésica. Através da somatização
as células corporais informam o cérebro tão bem como o cérebro informa as células. Eu extraí esta palavra
“somatização” do uso que Thomas Hanna faz da palavra “soma” para designar a experiência do corpo em
contraste ao corpo objetivado. Quando o corpo é experimentado de dentro, o corpo e a mente não estão
separados, mas são experimentados como um todo. Embora Tom falasse sobre isto durante os anos 60,
seu primeiro livro que utilizava o termo “soma” era Bodies in Revolt, o qual revelou-se em 1970. Tom
cunhou o termo “somático” em 1976 quando ele fundou e nomeou a Revista Somática Jornal das Ciências
e Artes do Corpo. Somático também nomeia um campo de estudo o estudo do corpo através da perspectiva
da experiência pessoal. Body-Mind Centering é uma pequena parte deste campo.
38
Após muitos anos seguindo este caminho de investigação com estudantes,
clientes e colegas, eu fundei a Escola de Body-Mind Centering em 1973 como um
meio de formalizar e articular a pesquisa em curso, e como um veículo para o
contínuo intercâmbio de informação e descoberta. Na escola, técnicas, aplicações,
e princípios são descobertos e usados de muitos modos. Muitas pessoas praticam
as técnicas, e então em suas próprias experiências os princípios emergem. Elas
desenvolvem as técnicas a partir de focos diferenciados nos princípios e através do
modo como elas aplicam os princípios em suas vidas. Mas as técnicas e os
princípios, eles mesmos, não são o material é mais a consciência e o entendimento
de como e quando usá-los ou como inventar o seu próprio. A coisa mais importante
para cada pessoa é aprender como é que elas aprendem, confiar em suas próprias
intuições e estar aberto ao estilo único dos outros.
Em BMC nós somos o material, nossos corpos e mentes são o meio de
nossa exploração. A pesquisa é experimental como é o material. Nós somos
cada um o estudo, o estudante, o professor. Além dessa investigação, nós estamos
desenvolvendo uma ciência empírica observando, contrastando, corroborando,
e recordando nossas experiências de incorporação de todos os sistemas do
corpo e os estágios de desenvolvimento humano.
Para que esta ciência tenha emergido, tem sido essencial ter muitas
pessoas envolvidas na exploração. Ao longo de passados vinte e cinco anos,
mais de mil pessoas têm participado do estudo e desenvolvimento do BMC. O
grande número de pessoas que tem estudado na escola tem dado amplitude ao
trabalho. As aproximadamente quarenta pessoas que tem consistentemente
colaborado comigo ao longo de passados dez a vinte anos tem sido essenciais
para o aprofundamento do trabalho. Suas contribuições para este corpo de
trabalho não podem ser superenfatizadas. Juntos nós filtramos nossas diferenças
por uma experiência comum, experiência esta que, no entanto, inclui todas as
nossas diferenças. Os princípios do BMC são extraídos desta experiência coletiva.
O universal tem emergido do específico, assim como o específico tem emergido
do universal. Isso é parte da natureza do trabalho. Como nós vamos da experiência
celular para aquela dos sistemas do corpo, para as relações pessoais, a família,
a sociedadee eventualmente para a cultura e a comunidade mundial, nós estamos
sempre buscando como esses princípios viajam ao longo de um contínuo.
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Em BMC nós usamos o mapa da medicina ocidental e a ciência - anatomia,
fisiologia, cinesiologia, etc.-, mas o Body-Mind Centering tem sido influenciado
também pelas filosofias do Oriente. Trata-se de um estudo revelando-se em
fusão com o Ocidente e Oriente. Então nós trabalhamos com os conceitos de
dualidades fundidas, em preferência às estabelecidas oposições conflitantes.
Constantemente olhamos as relações e sempre as reconhecemos como
qualidades opostas que modulam umas às outras.
Contudo nós usamos as terminologias e mapeamentos anatômicos
ocidentais, adicionamos sentidos a estes termos através de nossa experiência.
Quando nós estamos falando sobre sangue, linfa, ou outras substâncias físicas,
nós não estamos apenas falando de substâncias, mas sobre estados de
consciência e processos inerentes a eles. Nós estamos relacionando nossas
experiências a estes mapas, mas os mapas não são a experiência.
O estudo de BMC inclui ambos os aprendizados dos sistemas corporais,
o cognitivo e o experimental esqueleto, ligamentos, músculos, fáscia, gordura,
pele, órgãos, glândulas endócrinas, nervos, fluidos, respiração e vocalização, os
sentidos e as dinâmicas da percepção, desenvolvimento do movimento (ambos,
o desenvolvimento infantil humano e a progressão evolucionária através das
espécies animais) e integração psicofísica.
Como um conjunto de princípios e uma aproximação do movimento, toque
e aprendizado, BMC é correntemente aplicado por pessoas envolvidas em muitas
áreas de interesse tais como, dança e artes do movimento, trabalho corporal,
fisioterapia, terapia ocupacional, terapias do movimento, dança-terapia,
psicoterapia, medicina, desenvolvimento infantil, educação, voz, música e artes
visuais, meditação, yoga, atletismo, artes marciais e outras disciplinas do corpo-
mente.
Embora o material básico do Body-Mind Centering tenha sido bem
estabelecido em 1982, os princípios continuam a ser elaborados e refinados, e
mudanças fazem novos pontos de vista surgir.
Como em qualquer jornada, o que percebemos é influenciado pelo o que
nós já experimentamos e por isso antecipamos. Consequentemente, os conceitos
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do BMC se desenvolvem das histórias pessoais, educação e experiências de um
grande número de indivíduos que têm se engajado nessa exploração. Como nós
analisamos nossas experiências, a mudança não é confinada pelo que nós já tenhamos
aprendido, mas continuamente permitem que nossas descobertas passem por nosso
inconsciente e aproximem cada momento com confiança e inocência.
Em seguida, breves descrições dos tecidos-territórios que nós estamos deste
modo, mapeando em vinte e cinco anos de estudo na Escola do Body-Mind
Centering.
Os sistemas corporais
Nossa fundação celular, cada célula em nosso corpo tem inteligência. É
capaz de saber de si mesma, iniciando ação e comunicando com todas as
outras células. A célula individual e a comunidade das células (tecidos, órgãos,
corpo) existem como entidade separada e como uma totalidade ao mesmo
tempo. Celular personificação é um estado no qual, todas as células têm igual
oportunidade de expressão, receptividade e cooperação.
Harmonizar a nós mesmos em direção à nossa consciência celular nos
oferece um estado através do qual nós podemos encontrar o terreno onde circula
a intrincada manifestação do nosso ser físico, psicológico e espiritual.
Quando nós incorporamos ou percebemos alguma célula como única,
individual, a sensação ou qualidade mental é a mesma para todas as células.
Existe uma única inclinação. Contudo, quando nós percebemos alguma célula
dentro do contexto desta comunidade de células ou tecido específico, a sensação
ou estado da mente é único para cada tecido. Por baixo dessa unicidade estão
sensações gerais num contínuo entre ansiedade celular e facilitação, repouso e
atividade, foco interior e exterior, e receptividade e expressividade.
Sistema Esquelético: Este sistema nos provê com nossa estrutura básica de
suporte. É composto de ossos e articulações. Os ossos nos alavancam através do
espaço, sustentam nosso peso em relação à gravidade e a forma do nosso
movimento no espaço. Os espaços dentro das articulações nos dão a possibilidade
do movimento e providenciam o eixo em torno do qual o movimento ocorre.
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O sistema esquelético dá ao nosso corpo a forma básica através da
qual nós podemos nos locomover, esculpir e criar a forma da energia no espaço
a qual chamamos movimento e agir no ambiente nos relacionando com as
outras formas ao nosso redor.
Através da incorporação do sistema esquelético, a mente se torna
estruturalmente organizada, providenciando terreno de suporte para nossos
pensamentos, o alavancar de nossas idéias, ou espaços entre nossas idéias
para a articulação e o entendimento das relações entre elas.
Sistema dos Ligamentos: Os ligamentos determinam as fronteiras do
movimento entre os ossos. Por manter os ossos juntos, eles guiam as respostas
musculares orientando o percurso do movimento entre os ossos e sustentando
os órgãos dentro da cavidade torácica e abdominal. Este sistema provê
especificidade, clareza e eficiência para o alinhamento e movimento dos ossos
e órgãos. É através da consciência sobre os nossos ligamentos que nós
percebemos e articulamos a clareza do foco e a concentração do detalhe.
Sistema Muscular: Os músculos estabelecem uma forte trama tridimen-
sional para proporcionar o suporte equilibrado e o movimento da estrutura óssea,
providenciando as forças elásticas que movem os ossos através do espaço. Eles
provêm o conteúdo dinâmico que envolve a superfície exterior da estrutura óssea.
Através deste sistema nós incorporamos nossa vitalidade, expressamos nosso
poder e estabelecemos um diálogo entre resistência e resolução.
Sistema dos Órgãos: Os órgãos carregam as funções de nossa
sobrevivência interna respiração, nutrição e eliminação. Eles são os conteúdos que
preenchem internamente o recipiente ósseo-muscular. Os órgãos nos provêm com
nosso sentido de volume, de preenchimento corporal e de autenticidade orgânica.
Eles são o primeiro habitat e ambiente natural de nossas emoções, aspirações e
memórias de nossas reações internas relacionadas à nossa história pessoal.
Sistema Endócrino: As glândulas endócrinas são o mais importante
sistema que governa a química do corpo e estão estreitamente ligados ao sistema
nervoso. Suas secreções passam diretamente na corrente sanguínea e seu
equilíbrio ou desequilíbrio influenciam todas as células do corpo. Este é o sistema
responsável pelo equilíbrio interno, pela alternância e ou coexistência dos estados
de caos e ordem e a cristalização da energia em experiências arquetípicas. As
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glândulas endócrinas motivam a intuição, percepção e compreensão da sabedoria
universal.
Sistema Nervoso: O sistema nervoso é o sistema de documentação do
corpo. Ele registra nossas percepções e experiências e as armazena. Pode lembrar
o padrão de uma experiência e modificá-la integrando-a com padrões de outras
experiências prévias. O sistema nervoso é o último a conhecer, no entanto, uma
vez conhecendo se torna o principal centro de controle dos processos psicofísicos.
Pode iniciar a aprendizagem de novas experiências através da intuição,
criatividade e do jogo. O sistema nervoso sublinha a atenção, a reflexão, a precisão
da coordenação e estabelece a base perceptiva através da qual nós interagimos
com nosso mundo interno e externo.
Sistema Fluido: Os fluidos são o sistema de transporte do corpo. Os
principais fluidos são: celular, intersticial, sangue, linfa, sinovial e cérebro-espinhal.
O sistema fluido dá a característica de liquidez ao movimento e a mente. Os
fluidos sublinham o senso de presença e transformação e fazem a mediação das
dinâmicas do fluxo entre repouso e atividade.

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