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f: A L\RA OAIDJ Q,h VIo 'Tht:. VERSO E PROSA o ritmonãoé apenaso elemento1,11aisantigoe perma- nentedalinguagem,comotambémnãoé difícilqueseja anteriorà própriafala.Em certosentido,pode-sedizer quealinguagemnascedoritmoou,pelomenos,quetodo ritmoimplicaouprefiguraumálinguagem.Assim,todas asexpressõesverbaissãoritmo,semexclusãodasfor- masmaisabstratasou didáclcasdaprosa.Comoentão distinguirprosae poema?Destemodo:o ritmosedá espontaneamenteemtodaformaverbal,massónopoe- masemanifestaplenamente.Semritmonãohá.poem~~ sócomritmonãoháprosa.O ritmo.é".condIçãodopoe- ma,aopassoqueé inessencialparaa prosa.Pelaviolên- ciadarazãoaspalavrassedesprendemdoritmo;essa violênciaracionalsustentaa prosa,impedindo-adecair nacorrentedafalaondenãovigoramasleisdodiscurso e simasdeatraçãoe repulsa.Masessedesenraizamen- tonuncaé totalporque,docontrário,a linguagemseex- tinguiria.E comelao própriopensamento.A linguagem, porinclinaçãonatural.tendea serritmo.Comoseobe- decessema umamisteriosalei degravidade,aspalavras retomamespontaneamenteà poesia.No fundodetoda prosacircula,maisou menosrarefeitapelasexigências dodiscurso,a invisívelcorrenterítmica.E o pensamen- to,namedidaemqueélinguagem,sofreo mesmofascí- nio.Deixaro pensamentoemliberdade,divagar,é re- gressaraoritmo;asrazõessetransformamemcorrespon- dências,ossilogismosemanalogias,e a marchaintelec- tualemfluir deimagens.O prosador,porém,buscaa coerênciae a claridadeconceptual.Por isso,resisteà correnterítmicaquefatalmentetendea semanifestar emimagense nãoemconceitos. A prosaé umgênerotardio,filhodadesconfiançado pensamentoanteas tendênciasnaturaisdo idioma.A poesiapertencea todasasépocas:é a formanaturalde expressãodoshomens.Nãohápovossempoesia,mas existemos quenãotêmprosa.Portanto,pode-sedizer queaprosanãoéumaformadeexpressãoinerenteàso- ciedade, ao passo que é incou.~~Q.(veL~~2CJ~.!~J)~i.a_~.~._~~~_. sociedade._s~m.canções,mitosououtrasexpre~.sõ~sP9é- t~.Ç.~.~..A poesiaignorao progressooua evolução,e suas origense seufim seconfundemcomos da linguagem. A prosa,queé primordialmenteuminstrumentodecrí- ticaeanálise,exigeumalentamaturaçãoe s6seproduz apósumalongasériedeesforçostendentesa dominar afala.Seuavançosemedepelograudedomíniodopen- samentosobreaspalavras.A prosacresceemlutaper- manentecontraasinclinaçõesnaturaisdoidioma,e seus gênerosmaisperfeitossãoo discursoe a demonstração; nosquaiso ritmoe seuincessanteir evir cedemlugarà marchadopensamento. Enquantoo poemaseapresentacomoumaordemfe- chada,a prosatendea semanifestarcomoumaconstru- çãoabertaelinear.Valérycomparouaprosacomamar- chaea poesiacoma dança.Narrativaqudiscurso,his- tóriaou demonstração,a prosaé umdesfile,umaver. dadeirateoriade idéiasou fa~os.A figurageométrica quesimbolizaa prosaé a linha:reta,sinuosa,espiraIa- da,ziguezagueante,massempreparadiantee comumà. metaprecisa.Daí queos arquétiposda prosasejamo discursoeanarrativa,a especulaçãoe a história.O poe. ma,pelocontrário,apresenta-secomoum círculopu umaesfera- algoquesefechasobresi mesmo,uni- versoauto-suficientenoqualo fimé tambémumprincí- 82 83 piQquevolta,serepetee serecria.E essaconstantere- petiçãoe recriaçãonãoé senãoo ritmo,maréquevai e quevem,quecaie selevanta.O caráterartificialda prosasecomprovacadavezqueo prosadorseabando- naaofluirdoidioma.Tãologosevoltasobreseuspas- sos,à maneirado poetaou do músico,e sedeixase- duzirpelasforçasdeatraçãoe repulsadoidioma,viola asleisdopensamentoracionale penetrano âmbitode ecose,correspondênciasdopoema.Foi is'soqueocorreu comboapartedoromancecontemporâneo.O mesmose podeafirmardecertosromancesorientais,comoOscon- tosdeGenji,daSenhoraMurasaki,ouo célebreroman- ce chinêsO sonhodo aposentovermelho.A primeira lembraProust,o autorquemaislongelevoua ambigüi- dadedo romance,sempreoscilanteentrea prosae o ritmo;,o conceitoe a imagem;o segundoé umavasta alegoriaquedificilmentesepodechamarderomancesem quea palavrapercaseusentidohabitual.Na realidade, asúnicasobrasorientaisqueseaproximamdoquecha- mamosderomancesãolivrosquevacilamentreo apó- logo,a pornografiae a descriçãodecostumes,comoo ChinPingMei. Sustentarqueo ritmoé o núcleodopoemanãoquer dizerqueestesejaumconjuntodemetros.A existência deumaprosacarregadadepoesiae a demuitasobras corretamente"versificadase absolutamenteprosaicasre- velama falsidadedessaidentificação.Metroe ritmonão sãoamesmacoisa.Osret6ricosantigosdiziamqueo rit- moé o paidamétrica.Quandoummetroseesvaziade conteúdoe seconverteemformainerte,meracascaso- nora,o ritmocontinuaengendrandonovosmetros...O ritmoé inseparáveldafrase,nãoé composto56depa- lavrassoltasnemé s6 medidae quantidadesilábica, acentose pausas:é imagemesentido.Ritmo,imageme significadoapr~sentam-sesimultaneamentenumaunida- de indivisívele compacta:a frasepoética,o verso.O metro,pelocontrário,é medidaabstratae independen- tedaimagem.A únicaexigênciadometroé quecada versotenhaassílabas~osacentosrequeridos.Tudopode serditoemhendecassílabos:umafórmuladematemá- tica,umareceitaculinária,o cercodeTróiae umasu- cessãodepalavrasdesconexas.Pode-seinclusiveprescin- dirdapalavra;bastaumafileiradesílabasouletras.Em si mesmo,o metroé medidavaziadesentido.O ritmo, pelocontrário,jamaisseapresentasozinho;nãoémedi- damasconteúdoqualitativoe concreto.Todoritmover- baljá contémemsi a imageme constitui,realoupoten- cialmente,umafrasepoéticacompleta. O metronascedoritmoe a eleretorna.Noprincípio, asfronteirasentreume outrosãoconfusas.Posterior- mente,o metrosecristalizaemformasfixas.Instantede esplendor,mastambémdeparalisia.Isoladodofluxoe dorefluxodalinguagem,o versosetransformaemme- didasonora.Ao momentodeacordosegue-seoutrode imobilidade;depois,sobrevéma disc6rdiae noseiodo poemaseestabeleceumaluta:a medidaoprimea ima- gemou.estarompeo cárceree regressaà falaa fim de serecriaremnovosritmos.O metroé medidaqueten- dea seseparardalinguagem;o ritmojamaissesepara dafalaporqueéapr6priafala.O metroéprocedimento, maneira;o ritmoé temporalidadeconcreta.Umhende- cassílabodeGarcilasonãoé idênticoa umdeQuevedo ou G6ngora.A medidaé a mesma,maso ritmoé di- ferente.A razãodessasingularidade.'encontra-se,em castelhano,naexistênciadeperíodosrítmicosnointerior decadametro,entrea primeirasílabaacentuadae an- tesdaúltima.O períodorítmicoformao núcleodover- soenãoobedeceà regularidadesilábica,masà pancada 84 8S dosacentose à combinaçãodestescomascesurase as sílabasfracas.Çadaperíodo,por suavez,é composto pelomenosdeduascláusulasrítmicas,formadastam- bémporacentostônicosecesuras.tiA representaçãofor- maldoverso",diz TomásNavarroemseutratadode MétricaespanoIa,"resultadeseuscomponentesmétri- cose gramaticais;a funçãodoperíodoé essencialmente rítmica;desuacomposiçãoe dimensõesdependequeo movimentodoversosejalentoourápido,graveouleve, serenoouconturbado."O ritmoinfundevidaaometro e outorga-lheindividualidade.1 A distinçãoentremetroe ritmoproíbechamarde poemasumgrandenúmerodeobrascorretamentever- sificadasque,porpurainércia,constamcomotaisnos manuaisdeliteratura.Obras,comoOscantosdeMaldo- ror,Aliceno País dasMaravilhasouEl jardínde10ssen- derosquesebifurcansãopoemas.Nelasa prosasenega asimesma;asfrasesnãosesucedemobedecendoauma ordemconceitualounarrativa,massãopresididaspelas leisda imageme doritmo.Há umfluxoe refluxo'de imagens,acentose pausas,sinalinequívocodapoesia. O mesmosedevedizerdoversolivrecontemporâneo: oselementosquantitativosdometrocederamlugaràuni- daderítmica.Em algumasocasiões- por exemplo,na poesiafrancesacontemporânea- a ênfasetransferiu-se doselementossónorosparaosvisuais.Maso ritmoper- manece;subsistemaspausas,asaliterações,asparono- másias,o choquederuídos,o fluxoverbal.O versolivre é umaunidaderítmica.D.H. Lawrencediz quea uni- dadedoversolivreé dadapelaimageme nãopelame- didaexterna.E citaos versículosde Walt Whitman, quesãocomoa sístolee a diástoledeumpeitopode- roso.E assimé: o versolivreé umaunidadee quase sempresepronunciade umas6 vez.Por isso,a ima-gemmodernaserompenosmetrosantigos:nãocabeha medidatradiCionaldasquatorzeouonzesílabas,o que nãoocorriaquandoosmetroserama expressãonatural dafala.Quasesempre'osversosdeGarcilaso,Herrera, FrayLuisou qualquerpoetadosséculosXVI e XVII constituemunidadesporsi mesmos:cadaversoé tam- bémumaimagemou umafrasecompleta.Entreessas formaspoéticase a linguagemdeseutempo,haviauma relaçãoquedesapareceu.O mesmoocorrecomo verso livrecontemporâneo:cadaversoé umaimageme nãoé necessáriosuspendera respiraçãoparadizê-los.Porisso, nãoraroa pontuaçãoé desnecessária.As vírgulase os pontossobram;o poemaé umfluxoe refluxorítmico depalavras.Contudo,o crescentepredomíniodo inte- lectuale dovisualsobrea respiraçãorevelaquenosso versolivreameaçaseconverter,comoo alexandrinoe o hendecassílabo,emmedidamecânica.Issoéparticular- 1 EmLinguisticsandpoetics,Jakobsondizque"far frombeinganabstract, theoretlcalscheme,"meter- ar in moreexpticittermes,versedesign- underUesthestructureof anysingleUne- or, in logicalterminology,any 8ingleverse'instance... The versedesigndeterminestheinvariantfeatures of the verseinstancesand setsup the limit of variations".Em seguida, citao exemplodoscamponesessérviosqueimprovisampoemascommetros fixos e os recitamsemjamaisse equivocaremcom a medida.:e possível que,de fato,os versossejammedidasinconscientes.ao menosem certos casos(o octossflaboespanhotseriaum deles).Comtudoisso,a observação de Jakobsonniio invalidaa diferençaentremetroe versoconcreto.A rea. lidadedo primeiroé ideal.é umapautae, portanto,é umamedida,uma abstração.O versoconcretoé único:Resueltaen polvoya, massiempre hermosa(Lopede Vega)é um hendecassílaboacentuadona sextasílaba, comoY en unode misojoste l1agaste(SanJuan de Ia Cruz) e comoDe ponderosavanapesadumbre(Góngora).Impossívelconfundi.tos:cadaum temum ritmo diverso.Em suma,teríamosde considerartrêsrealidades: o ritmo do idiomanesteou naquelelugar e em determinadomomento hist6rico:osmetrosderivadosdo ritmodo idiomaou adaptadosde outros sistemasdeversificação:e o ritmodecadapoeta.Esteúltimoé o elemento distintivoe aqueleque separaa literaturaversificadada poesiapropria- mentedita. 86 87 mentecertonoqueserefereà poesiafrancesacontem- porânea.i Osmetrossãohist6ricos,aopassoqueo ritmosecon- fundecoma pr6prialinguagem.Nãoé difícildistinguir emcadametroos elementosintelectuaise abstratose os maispuramenterítmicos.Naslínguasmodernasos metrossãocompostosporumdeterminadonúmerode sílabas,duraçãocortadaporacentostônicose pausas. Osacentose aspausasconstituema partemaisantigae maispuramenterítmicadometro;aindaestãopróximos dapancadadotambor,dacerimôniarituale doscalca- nharesdançantesquebatemnochão.O acentoé dança e rito.Graçasaoacento,o metrosepõedepée é uni- dadedançante.A medidasilábicaimplicaumprincípio deabstração,umaretóricae umareflexãosobrea lin- guagem.Duraçãopuramentelinear,tendea seconver- teremmecânicapura.Os acentos,aspausas,asalitera- ções,oschoquesouuniõesinesperadasdeumsomcom outroconstituema parteconcretae permanentedome- tro.As linguagensoscilamentrea prosae o poema,o ritmoe o discurso.Emalgumasé visívelo predomíI1;io rítmico;emoutrasobserva-seumcrescimentoexcessivo doselementosanalíticose discursivos,àsexpensasdos rítmicose imaginativos.A lutaentreastendênciasna- turaisdoidiomae asexigênciasdopensamentoabstrato exprime-senosidiomasmodernosdo Ocidenteatravés dadualidadedosmetros:numextremo,versificaçãosi- lábica,medidafixa; rio pólooposto,o jogolivredos acentose daspausas.Línguaslatinase línguasgermâni- casoAs nossastendema fazerdo ritmomedidafixa. Nãoéestranhaessainclinação,poissãofilhasdeRoma. A importânciada versificaçãosilábica'revelao impe- rialismododiscursoe dagramática.E essepredomínio damedidaexplicatambémqueascriaçõespoéticasmo- dernasemnossaslínguassejamrebeliõescontrao siste- madeversificaçãosilábica.Em suasformasatenuadas a rebeliãoconservao metro,massublinhao valorvi- sualdaimagemou introduzelementosquerompemou alternama medida:a expressãocoloquial,o humor,a frasemontadasobredoisversos,asmudançasdeacen- tose depausasetc.Emoutroscasosa revoltaseapre- sentacomoumregressoàsformaspopularese espontâ- neasdapoesia.E emsuastentativasmaisextremaspres- cindedometroe escolhecomomeiodeexpressãoa pro- saouoversolivre.Esgotadosospoderesdeconvocação e evocaçãodarimae dometrotradicionais,o poetare- montaa corrente,embuscada linguagemoriginal,an- teriorà gramática.E encontrao núcleoprimitivo:o ritmo. O entusiasmocomqueospoetasfrancesesacolheram o Romantismoalemãodeveservistocomoumarebelião instintivacontraa versificaçãosilábicae o queelasig- nifica.Noalemão,comonoinglês,o idiomanãoé uma vítimadaanáliseracional.O predomíniodosvaloresrít- micosfacilitoua aventurado pensamentoromântico. Anteo racionalismodoSéculodasLuzes,o Romantismo esgrimeumafilosofiadanaturezae do homemfunda. danoprincípiodeanalogia:','Tudo"- dizBaudelaire emL'art romantique-, "no espiritualcomononatu- ral, é significativo,recíproco,correspondente...tudo é hieroglífico... e o poetaé apenaso tradutor,aquele quedecifra..." Versificaçãorítmicae pensamentoana- lógicosãoasduasfacesdeumamesmamoeda.Graças aoritmopercebemosessacorrespondênciauniversal,me- lhordizendo:essacorrespondêncianãoé outracoisase- nãoa'manifestaçãodoritmo.Voltaraoritmosubenten.i Sobreritmosverbaise fisiológicos.vero ApêndicelI. 88 '89" deumamudançadeatitudediantedarealidade.E, ao inverso,adotaroprincípiodeanalogiasignificaregressar aoritmo.Ao afirmarospoderesdaversificaçãoacentual anteosartifíciosdometrofixo,o poetaromânticopro- clamao triunfodaimagemsobreo conceitoe o triunfo daanalogiasobreo pensamento16gico. Essesnomesevocamumsistemadeversificaçãooposto aoquesepoderiachamardetradiçãonativainglesa:o versobrancodeMilton,maislatinoqueinglês,e o he- roieeOllplet,recursofavoritodePope.Sobreesteúlti. mo,Drydendiziaqueit boundsandcireunseribesthe Faney.A rimaregulaa fantasia,é umdiquecontraa enchenteverbal,umacanalizaçãodo ritmo.A primeira metadedenossoséculofoi tambémumareaçãoHlatina" emdireçãocontráriaaoséculoanterior,deBlakee do primeiroYeats.(Digouprimeiro"porqueessepoeta, comoJuanRam6nJiménez,é váriospoetas.)A reno. vaçãodapoesiainglesamodernadeve-seprincipalmente a doispoetase a umficcionista:EzraPound,T.8.Eliot e TamesJoyce.Apesarde suasobrasseremmuitodi- ferentes.umacaracterísticacomumasune:todassão umareconquistadaherançaeuropéia.Parecedesneces- sárioacrescentarquesetratasobretudodaherançalati. na:poesiaprovençale italianaemPoundjDanteeBau. delaireemEliot.Em Joyceé maisdecisivaa herança greco-Iatinae medieval:nãoemvãoelefoi umfilhore- beldedaCompanhiadeJesus.Paraostrêsa voltada tradiçãoeuropéiaseinicia- e culmina- comuma revoluçãoverbal.A maisradicalfoi a deJoyce,cria- dordeumalinguagemque,semdeixardesero inglês, étambémtodososidiomaseuropeus.Eliote Poundusa- raminicialmenteo versolivrerimado,à maneiradeLa- forgue;emseusegundomomentoregressarama metros e estrofesfixos,e então,conformenoscontao pr6prio A evoluçãodapoesiamodernaemfrancêse eminglês é umexemplodasrelaçõesentreritmoverbale criação poética.O francêsé umalínguasemacentostônicose osrecursosdapausae dacesuraossubstituem.No in- glêso querealmentecontaé o acento.A poesiainglesa tendea serpuroritmo:dança,canção.A francesa:dis- curso,"meditaçãopoética".Na Françao exercícioda poesiaexigeir contraastendênciasdalíngua.No inglês, abandonar-seà corrente.O primeiroé o menospoético dosidiomasmodernos,o menosinesperado;o segundo abundaemexpressõesestranhase cheiasde surpresa verbal.Daíquea revoluçãopoéticamodernatenhasen- tidosdiversosemambososidiomas. e ariquezarítmicadoinglêsquedáo caráterpróprio aoteatroelisabetano,àpoesiadosHmetafísicos"e à dos românticos.Não obstante,comcertaregularidadede pêndulo,surgemreaçõesdesignocontrário,períodosem quea poesiainglesabuscaseinserirdenovona tradi- çãolatina.1PareceociosocitarMilton,Drydene Pope. 1 Não é de estranhar:ahistóriadaInglaterrae dosEstadosUnidospode servistacomoumacontínuaoscilação-nostalgiae repulsa- quealterna- damenteosaproximae distanciadaEuropa.ou,maisexatamente,domundo latino.Enquantoosgenn8nicos,inclusiveemsuasépocasdemaiorextravio, nuncadeixaramde sesentireuropeus,nos inglesesé manifestaa vontade de ruptura,desdea GuerradosCemAnos.A Alemanhaprossegueenfei. tiçada,parao beme parao mal,peloespectrodo SacroImpérioRomano- Gennânicoque, maisou menosabertamente,inspirousuasambiçõesde hegemoniaeuropéia.A Grã-Bretanhajamaispretendeufazerda Europaum impérioe seop~sa todasas tentativas- venhamda direitaou da esquer- da,invoquemonomedeCésaroudeMarx- decriarumaordempolítica quenão sejaa do instável"equilíbriode poderes".A históriada cultura germânic8,com maiorênfaseaindado que sua históriapoUtica,é uma apaixonadatentativade consumara fusãoentreo germânicoe o latino. Nãoé necessáriocitarGoetheja mesmapaixãoanimaespíritostãoviolenta. mentegermânicoscomoNovalise Nietzscheou pensadoresaparentemente tão distanciadosdessaespéciede preocupaçãocomoMarx. 90 91 Pound.o exemplode Gautierfoi determinante.Todas essasmudançassefundamentaramemoutra:a substi- tuiçãodalinguagem"poética"- ouseja,o dialetoli- teráriodospoetasdo fim doséculo- peloidiomade todososdias.Nãoa estilizadalinguagem"popular",à maneirade Juan Ram6nJiménez,AntonioMachado, GarcíaLorcaou'Alberti,afinaldecontasnãomenosar- tificialqueo idiomadapoesia"culta",mM a falada cidade.Nãoa cançãotradicional:a conversação,a lin- guagemdasgrandesurbesdonossoséculo.Nissoa in- fluênciafrancesafoi deterrninante.Contudo,as razões quemoveramospoetasinglesesforamexatamentecon- tráriasàs.queinspiraramseusmodelos.A irrupçãode expressõesprosaicasnoverso- queseiniciacomViç- torHugoeBaudelaire- e a adoçãodoversolivree do poemaempro~aforamrecursoscontraa versificaçãosi- lábicae contraa poesiaconcebidacomodiscursorima- do.Contrao metro,contraa linguagemanalítica:ten- tativadevoltarao ritmo,chaveda analogiaou cor- respondênciauniversal:Nalínguainglesaa reformateve umasignificaçãooposta:nãocederà seduçãorítmica, mantervivaa consciênciacrítica,mesmoi1õsmomentos demaiorabandono.1Nume noutroidiomaos poetas procuramsubstituira falsidadedadicção"poética"pela imagemconcreta.Mas,enquantoosfrancesesserebela- ramcontraa abstraçãodoversosilábico,\ ospoetasde' línguainglesaserebelaramcontraa vaguidãoda poe- siarítmica. . Thewastelandfoi julgadoumpoemarevolucioná- do.porboa'partedacríticainglesae estrangeira.Não obstante,s6à luzdatradiçãodoversoinglêsé possível entendercabalmentea significaçãodessepoema.Seu temanãoé simplesmentea descriçãodogeladomundo moderno,masa nostalgiadeumaordemuniversalcujo modeloé a ordemcristãdeRoma.Daí queseuarqué- tipopoéticosejaumaobraqueé a culminânciae a ex- pressãomaisplenadessemundo:A divinacomédia.À ordemcristã- querecolhe,transmutae dáumsenti- dodesalvaçãopessoalaosvelhosritosdefertilidadedos pagãos- Eliotopõea realidadedasociedademoderna, tantoemsuasbrilhantesorigensrenascentistas,quanto emseusórdidoe fantasmagóricodesenlacecontemporâ- neo.Assim,ascitaçõesdopoema- suasfontesespiri- tuais- podemserdivididasemduaspartes.Ao mun- dodesalvaçãopessoale cósmicaaludemascitaçõesde Dante,Buda,SantoAgostinho,osupanixadeseosmitos devegetação.A segundametadesesubdivide,porsua vez,emduas:a primeiracorrespondeaonascimentode nossaidade;a segunda,à suasituaçãopresente.Porum lado, fragmentosde Shakespeare,Spencer,Webster, MarveIl,nosquaisserefleteo luminosonascimentodo mundomoderno;poroutro,Baudelaire,Nerval,o fol- cloreurbano,a línguacoloquialdossubúrbios.A vi- talidadedosprimeirosserevelanosúltimoscomovida desalmada.A visãodeElizabethdaInglaterrae deLord Robertnumbarcoengalanadocomvelasdesedae ban- deirasairosas,comoumailustraçãode umquadrode Ticianoou deVeronese,resolve-sena imagemdafun- cionáriapossuídapor umgalãvulgarnumfim dese- mana. A essadualidadeespiritualcorrespondeoutranalin- guagem.Eliotsereconhecedevedordeduascorrentes: os elisabetanose os simbolista(sobretudoLaforgue). Ambasservem-lheparaexpressara situaçãodomundo 1 Issoexplicaa escassainfluênciado Surrealismona Inglaterrae nos Estados,Unidosduranteesseperíodo.Emcompensação,essainfluênciaé decisivana poesiadelínguainglesacontemporAneae se iniciamaisou menosporvoltade1955. ' . 92 93 contemporâneo.Comefeito,o homemmodernocomeça a falarpelabocadeHam1et,Pr6speroe algunsher6is deMarloweeWebster.Mascomeçaafalarcomoumser sobre.humano,es6comBaudelaireseexprimecomoum homemcaídoe umaalmadividida.O quetomaBau- deIaireumpoetamodernonãoé tantoa rupturacoma ordemcristãquantoaconsciênciadessaruptura.Moder- nidadee consciênciaambígua:negaçãoe nostalgia, prosa e lirismo. A linguagemde Eliot recolhe estaduplaherança:despojosde palavras,fragmen- tosdeverdades,o esplendordoRenascimentoinglêsalia. doà misériae à aridezdaurbemoderna.Ritmosque- brados,mundodeasfaltoe deratosatravessadoporre- lâmpagosdebelezacaída.Nessereinodehomensocos, ao ritmosucedea repetição.As guerraspúnicassão tambéma primeiraguerramundial;confundidos,pre- sentee passadodeslizamparaumacavidadequeé uma bocaque.tritura:ahist6ria.Maistarde,essesmesmosfa- toseessasmesmaspessoasreaparecem,desgastadas,sem perfis,flutuandoà derivasobreumaáguacinzenta.To- dossãoaquelee aqueleé nenhum.Essecaosrecupera significaçãotãologoo situamosfrenteaouniversodesal- vaçãorepresentadoporDante.A consciênciadeculpa é tambémnostalgia,consciênciado exílio.Dante,po- rém,nãonecessitaprovarsuasafirmações,e suapala- vrasustentasemesforço,comoo taloaofruto,o signi- ficadoespiritual:nãohárupturaentrepalavraesentido. Eliot,aocontrário,deverecorrerà citaçãoe aocal/age. O florentinoseap6iaemcrençasvivase compartilha- das;o inglês,conformeindicao críticoC. Brooks,tem portemaUa reabilitaçãodeumsistemadecrençasco- nhecidomasdesacreditado/lIPodemosagoracompre- J t Vero livroT.S.Eliot:a study01hiswritingbyseveralhands,Lon- dres.1948. 94 enderemquesentidoo poemadeElioté tambémuma reformapoética,nãosemanalogiascomasdeMilton e Pope.B umarestauração,masrestauraçãode algo contraquea Inglaterra,desdeo Renascimento,serebe- lou:Roma. Nostalgiadeumaordemespiritual,as imagense os ritmosdeThewastelandnegamo princípiodaanalo- gia.O lugardestaé ocupadopelaassociaçãodeidéias, destruidoradaunidadedaconsciência.A utilizaçãosis- temáticadesseprocessoé um dosmaioresacertosde Eliot.Desaparecidoo mundodevalorescristãos- cujo centroé justamentea analogiauniversal,ou correspon- dênciaentrecéu,terrae inferno-, nadarestaaoho- mem,excetoa associaçãofortuitaecasualdepensamen- tose imagens.O mundomodernoperdeuo sentidoe o testemunhomaiscrudessaausênciadedireçãoé o au- tomatismodaassociaçãodeidéias,quenãoestáregido pornenhumritmoc6smicoouespiritual,maspeloacaso. Todoessecaosdefragmentoseruínasseapresentacomo a antítesedeumuniversoteol6gico,ordenadoconforme os valoresda Igrejaromana.O homemmodernoé o personagemdeEliot.Tudolheéestranhoe emnadaele fe reconhece.B a exceçãoquedesmentetodasasana- logiase correspondências.O homemnãoé árvore,nem planta,nemave.Estás6emmeioà criação.E quando tocaumcorpohumano,nãoroçaumcéu,comoqueria Novalis,maspenetranumagaleriadeecos.Nadamenos românticoqueessepoema.Nadamenosinglês.A con- trapartidadeThe wastelandé a Commediae seuan- tecedenteimediato,As floresdo mal.Seránecessário acrescentarqueo títulooriginaldolivrodeBaudelaire eraLimbosequeThewastelandrepresenta,dentrodo universodeEliot,segundodeclaraçãodopr6prioautor, nãoo Inferno,maso Purgat6rio? 95 Pound,il migliorfabbro,é o mestredeEliote a elesedeveo "simultaneísmo"deThewasteland,pro- cessodequeusaeabusaemseusCantos.Diantedacrise moderna,ambosospoetasvolvemosolhosparao pas- sadoe atualizama história:todasasépocassãoesta época.MasEliotdesejaefetivamenteregressare reiris- talarCristo;Poundserve-sedo passadocomooutra fonnadefuturo.Perdidoo centrodoseumundo,lança- seatodasasaventuras.DiversamentedeEliot,éumrea- cionário.nãoumconservador.Na verdade,Poundnun- cadeixoudesernorte-americanoe é o legítimodescen- dentedeWhitman,ouseja,éumfilhodaUtopia.Por isso,valore futurosetomamsinônimosparaele:é va- liosotudoaquiloquecontémumagarantiade,futuro. Valetudoaquiloqueacabadenascereaindabrilhacom aluzúmidadoqueestámaisalémdopresente.O Che- Kinge ospoemasdeAmault,justamenteporseremtão antigos,sãotambémnovos:acabamde ser desenter- rados,sãoo desconhecido.ParaPounda históriaé mar- cha,nãocírculo.SeembarcacomOdisseunãoé para regressara 1taca,masporsededeespaçohistórico:para ir além,sempreparaalém,parao futuro.A erudição dePoundé umbanqueteapósumaexpediçãodecon- qUista;a deEliot,a buscadeumapautaquedêsentido à história,fixaçãoaomovimento.Poundacumulaas citaçõescomumar heróicodesaqueadordetúmulos; Eliot ordena-ascomoalguémquerecolherelíquiasde umnaufrágio.A obrado primeiroé urnaviagemque talveznãonos'leveapartealguma;a deEliot,urnabus- cadacasaancestral. Poundestáenamoradodasgrandescivilizaçõesclás- sicasou,maispropriamente,decertosmomentosque, nãosemarbitrariedade,consideraarquetípicos.Os Can- tos sãouma atualizaçãoem termosmodernos- urna presentificação- deépocas,nomeseobrasexemplares. Nossomundoflutuasemdireção;vivemossobo impé- rio daviolência,mentira,agiotageme grosseriaporque fomosamputadosdo passado.Poundnospropõeuma tradição:Confúcio,Malatesta,Adams,Odisseu... A verdadeé quenosoferecetantase tãodiversasporque elemesmonãotemnenhuma.Por isso,vai da poesia provençalà chinesa,deSófoclesa Frobenius.Suaobra todaéumadramáticabuscadessatradiçãoqueelee seu paísperderam.Masessatradiçãonãoestavano pas- sado;averdadeiratradiçãodosEstadosUnidos,talcorno semanifestaemWhitman,erao futuro:a livresocie- dadedoscamaradas,a novaJr.rusalémdemocrática.O grandeprojetohistóricodosfundadoresdessanaçãofoi malogradopelosmonopóliosfinanceiros,o imperialis- mo,o cultodaaçãopelaação,o ódioàsidéias.Pound sevoltaparaa históriae interrogaos livrose as pe- drasdasgrandescivilizações.Seeleseextravianesses grandescemitériosé porquelhefazfaltaumguia:uma tradiçãocentral.A herançapuritana,conformeEliotviu muitobem,nãopodiaserumaponte:elamesmaé ruptu- ra,dissidênciadoOcidente. Diantedodesmedidodesuapátria,Poundbuscauma medida- semsedarcontadequetambémeleé des- medido.O heróidosCantosnãoé o astuciosoUlisses, sempredonodesi mesmo,nemo mestreKung,queco- nheceo segredodamoderação,masum serexaltado, tempestuosoe sarcástico,aomesmotempoesteta,pro- fetae clown:Pound,o poetamascarado,encarnaçãodo antigoheróida tradiçãoromântica.~ o contráriode urnacasualidadequea obraanterioraosCantosseam- paresobo títulodePersonae:a máscaralatina.Nesse livro,quecontémalgunsdosmaisbelospoemasdosé- culo,Poundé Bertrandde Bom,Propércio,Li-Po - 96 97 semnuncadeixardeserEzraPound.O mesmoperso- nagem,o rostocobertopor umasucessãonãomenos prodigiosadeantifaces,atravessaaspáginasconfusase brilhantes,lirismotransparenteegalimatias,dosCantos. Essaobra,comovisãodomundoe dahist6ria,carece deumcentrodegravidade;masseupersonagemé uma figuragravee central.:Breal,aindaquesemovimente numcenárioirreal.O temadosCantosnãoé a cidade nemo bem-estarcoletivo,e sima antigahist6riadapai- xão,condenaçãoe transfiguraçãodo poetasolitário.:B o últimograndepoemaromânticoda línguainglesae talvezdoOcidente.A poesiadePoundnãoestána li- nhadeHomero,VirgJ.1io,Dantee Goethe:talveztam- pouconadePropércio,Quevedoe Baudelaire.:npoesia estranha,discordantee íntimaaomesmotempo,como a dosgrandesnomesdatradiçãoinglesae ianque.Para n6s,latinos,lerPoundé tãosurpreendentee estimulan- tecomoparaeleterásidolerLopedeVegaouRonsard. OssaxõessãoosdissidentesdoOcidentee suascria- çõesmaissignificativassãoexcêntricasemrelaçãoà tra- diçãocentraldenossacivilização,queé latino-germâni- ca.DiversamentedePoundeEliot- dissidentesdadis- sidência,'heterodoxosembuscadeumaimpossívelor- todoxia~.editerrânea-, Yeatsnuncaserebeloucontra suatradição.A influênciade pensamentose poéticas inusitadose estranhosnãocontradiz,antessublinha,seu essencialromantismo.Mitologiairlandesa,ocultismohin- due simbolismofrancêssãoinfluênciasdetonalidades e intençõessemelhantes.Todasessascorrentesafirmam a identidadeúltimaentreo homeme a natureza;todas seproclamamherdeirasdeumatradiçãoe deumsa- ber'perdidos,anterioresa Cristoe a Roma;emtodas, enfim,reflete-seummesmocéupovoadodesignosque s6o poetapodeler.A analogiaéa linguagemdopoeta. 98 Analogiaéritmo.Yeatscontinuaa linhadeBlake.Eliot marcao outrotempodo compasso.No primeirotriun- famosvaloresrítmicos;nosegundo,osconceituais.Um inventaouressuscitamitos,é poetanosentidooriginal dapalavra.O outroserve-sedosantigosmitosparare- velara condiçãodohomemmoderno. Concluo:a reformapoéticadePound,Eliot,Wallace Stevens,Cummingse MarianneMoorepodeservista comoumare-latinizaçãoda poesiade línguainglesa.g reveladorqueessespoetasfossemoriundosdosEstados Unidos.O mesmofenômenoseproduziuumpoucoan- tesnaAméricaLatina:àsemelhançadospoetasianques, querecordaramàpoesiainglesasuaorigemeuropéia,os "modernistas"hispano-americanosrenovarama tradição européiadapoesiade línguaespanhola,queforaque- bradaouesquecidanaEspanha.A maioriadospoetas anglo-americanostentou.transcendera oposiçãoentre versificaçãoacentualeregularidademétrica,ritmoe dis- curso,analogiae análise,sejapelacriaçãodeumalin- guagempoéticacosmopolita(Pound,Eliot,Stevens),seja pela americanizaçãoda vanguarda'.-européia(Cum- mingse WilliamCarlosWilliams).Os primeirosbusca- ramnatradiçãoeuropéiaumclassicismo;os segundos, umaantitradição.WilliamCarIosWilliamspropôs-sea reconquistaro HAmericanidiom",mitoquedesdea épo- cadeWhitmanreapareceumaououtraveznaliteratu- raanglo-americana.Sea poesiadeWilliamsé,decerto modo,umretornoa Whitman,é necessárioacrescentar quesetratadeumWhitmanvistocomosolhosdavan- guardaeuropéia.O mesmosedevedizerdospoetasque nosúltimosquinzeouvinteanosseguiramo caminhode Williams.Esseepisódioparadoxalé exemplar:os poe- taseuropeus,particularmenteos franceses,.viramem Whitman- tantoem seuversolivre quantoem sÜa 99 exaltaçãodocorpo- umprofetae ummodelodesua rebeliãocontrao versosilábicoregular;hojeosjovens poetasinglesese anglo-americanosbuscamnavanguar- dafrancesa(Surrealismoe Dadá)e,emgraumenor,em outrastendênctas- Expressionismo,alemão,Futuris- morussoe algunspoetasdaAméricaLatinae daEspa- nha- o mesmoqueos europeusbuscaramemWhit- manoNooutroextremodapoesiacontemporâneaanglo- americana,W.H. Auden,JohnBerrymane RobertLo- welltambémolhamparaa Europa,maso quenelapro. curam- já quenãoumaimpossívelreconciliação- é umaorigem.A origemdeumanormaque,segundoeles, a própriaEuropaperdeu. Depoisdo quefoi dito,quasenãoé precisosees- tendersobrea evoluçãoda poesiafrancesamoderna. Bastarámencionaralgunsepisódioscaracterísticos.Em primeirolugar,a presençadoRomantismoalemão,mais comofermentoquecomoinfluênciatextual.Embora muitasidéiasdeBaudelairee dossimbolistasjá seen- contrassememNovalise emoutrospoetase filósofos alemães,nãosetratadeumempréstimoe simdeumes- tímulo.A Alemanhafoi umaatmosferaespiritual.Em algunscasos,porém,houveo transplante.Nervalnão s6traduziue imitouGoethee váriosromânticosmeno- res:umadasQuimeras("Délfica")é diretamenteiJ).spi- radaem"Mignon":KennstdudasLand,wodieZitronen blühn... A cançãolíricadeGoethetransforma-senum sonetohermétic~queé umverdadeirotemplo(nosen- tidodeNerval:lugardeiniciaçãoe deconsagração).A contribuiçãoinglesatambémfoi essencial.Os alemães deramà Françaumavisãodo mundoe umafilosofia simbólica;osingleses,ummito:aimagemdopoetacomo umdesterrado,emlutacontraos homense os astros. Maist~rdeBaudelairedescobririaPoe.Umadescoberta quefoi umarecriação.O infortúniofundaumaestética naquala l;xccção,a belezairregular,é a verdadeirare- gra.O estranhopoetaBaudelaire-Poemina,assim,as baseséticase metafísicasdoCtassicismo.Emcompensa- ção,excctocomoruínasilustresoupaisagenspitorescas, a Itáliae a Espanhadesaparecem.A influênciadaEs- panha.decisivanosséculosXVI e XVII, é inexistente no séculoXIX. LautréamontcitadepassagemZorilla (leu-o?)e HugoproclamaseuamorpornossoRoman-cero.Nãod~ixadesersingularessaindiferença,quan- dosepensaquea literaturaespanhola- particularmen- teCalderón- impressionouprofundamenteosromânti- cosalemãeseingleses.Suspeitoquearazãodessasatitu- desdivergentesé a seguinte:enquantoos alemãese os inglesesvêem110Sbarrocosespanhóisumajustificaçãode suaprópriasingularidade,ospoetasfrancesesprocuram algoquea Espanhanãopoderialhesdar,massima Ale- manha:umprincípiopoéticocontrárioà suatradição. O contágioalemão,comsuaênfasenacorrespondên- ciaentresonhoerealidadeesuainsistênciaemvera na- turezacomoumlivrodesímbolos,nãopodiasecircuns- creverà esfera'dasidéias.Seo verboé o duplodocos- mo,o campoda experiênciaespiritualé a linguagem. Hugoéo primeiroque'atacaa prosódia.Ao tornarmais flexívelo alexandrino,preparao adventodoversolivre. Entretanto,devidoà naturezadalíngua,a reformapoé- ticanãopodiasereduziraumamudançadosistemade versificação.Essamudança,alémdisso,erae é'impos- sível.:f:possívelmultiplicarascesurasno interiordo versoe praticaro en;ambement:faltarãosempreos apoiosrítmicosdaversificaçãoacentu~1.O versolivre francêsdistingue-sedo deoutrosidiomaspor seruma combinaçãodediversasmedidassilábicase nãodeuni- 100 , (J) IJJ O -... ." f1 r- () :I: -... c (J) lJ 101 dadesrítmicasdiferentes.Porisso,Claudelrecorreà as- sonânciae Saint-JohnPerse,à rimainteriore à alitera- ção.Daíquea reformatenhaconsistidona intercomu- nicaçãoentreprosae verso.A poesiafrancesamodern~ nascecoma prosaromânticae seusprecursoressão Rousseaue Chateaubriand.A prosadeixadesera serva da razãoe torna-sea confidenteda sensibilidade.Seu ritmoobedeceàsefusõesdocoraçãoe aossaltosdafan- tasia.Logoseconverteempoema.A analogiaregeo uni- versodeAurélia;e osesboçosdeAloysiusBertrande Baudelairedesembocamna vertiginosasucessãode vi- sõesdeAs iluminações.A imagemarrebentaa prosa comodescriçãoou narrativa.Lautréamontconsumaa ruínadodiscursoedademonstração.Nuncafoi tãocom- pletaa vingançadapoesia.Abria-seo caminhoparali- vroscomoNadja,LepaysandeParis,UncertainPlu- me... O versosebeneficiadeoutramaneira.O primei- ro a aceitarelementosprosaicosé Hugo;depois,com maiorlucideze sentido,Baudelaire.Nãosetratavade umareforma'rítmica,masdainserçãodeumcorpoes- tranho- humor,ironia,pausareflexiva- destinadoa interrómpero trotedassífabas.O aparecimentodopro- saísmoé um"alto",umacesuramental;suspensãodo ânimo,suafunçãoéprovocarumairregularidade.Esté- ,ticada paixão,filosofiada exceção.O passoseguinte foi a poesiapopulare sobretudoo versolivre.S6que, peloquesedisseacima,aspossibilidadesdoversolivre eramlimitadas.EliotobservaquenasmãosdeLaforgue esteeraapenasumacontraçãoou distorçãodoalexan- drinotradicional.Porummomentopareceuquenãose podiair maisalémdopoemaemprosae doversolivre. O processohaviachegadoa seutermofinal.Mas em 1897,umanoantesdesuamorte,Mallarmépublicaem umarevistaUncoupdedês;amaisn'abolirale hasard. A primeiracoisaquesurpreendeé a disposiçãotipo- gráficadopoema.Impressasemcaracteresdediversos tamanh0se espessuras- versais,negritos,bastardi- nhos-, aspalavrassereúnemousedispersamdeuma maneiraqueestálongedeserarbitrária,masquenãoé habitualnemnaprosanemnapoesia.Sensaçãodese depararanteumcartazouanúnciodepropaganda.Mal- larmécomparaessadistribuiçãoaumapartitura:La dif- férencedecaracteresd'imprimerie... dictesonimpor- tanceà l'emissionorale."Aomesmotempoadverteque não,setratapropriamentedeversos- traits sonores réguliers-, masdesubdivisionsprismatiquesde I'Idée. Músicaparao entendimentoe nãoparao ouvido;mas umentendimentoqueouveevêcomossentidosinterio- res.A idéianãoé umobjetoqa razão,masumareali- dadequeo poemarevelanuma'sériedeformasfugazes, istoé,umaordemtemporal.A idéia,sempreiguala si mesma,nãopodesercontempladàemsuatotalidadepor- queo homemé tempo,movimentoperpétuo:o queve- moseouvimossãoasusubdivisões"daIdéiaatravésdo prismadopoema.Nossaapreensãoéparciale sucessiva. E é, alémdisso,simultânea:visual(imagenssuscitadas pelotexto),sonora(tipografia:recitaçãomental)e es- piritual(significadosintuitivos,conceituaise emotivos). Maisadiante,namesmanotaqueprecedeo poema,o poetanosconfiaquenãofoi estranhaà suainspiração amúsicaescutadaemconcertos.E paratornarmaiscom- pletasuaafirmação,acrescentaqueseutextoinaugura umgêneroqueseráparao antigoversoo queé a sin- foniaemrelaçãoà músicavocal.A novaforma,insinua ele,poderáservirparaos temasdaimaginaçãopurae paraosdointelecto,enquantoo versotradicionalconti- nuarásendoo domíniodapaixãoe dafantasia.Porúlti- mo,nosofereceumaobservaçãocapital:seupoemaé 102 103 umatentativadereuniãode porsuitesparticulii'eset cheresà notretemps,leverslibreetlepoemeen1'ose." Emboraa influênciadeMallarmétenhasido.:entral nahistóriadapoesiamoderna,dentroe foradaFran- ça,nãocreioquetenhamsidoexploradastodasasvias queessetextoabreà poesia.Talveznessasegundame- tadedoséculo,graçasà invençãodeinstrumentoscada vezmaisperfeitosdereproduçãosonoradapalavra,a formapoéticainiciadaporMallarmévenhaa sedesdo- braremtodaa suariqueza.A poesiaocidentalnasceu aliadaà música;depoisasduasartessesepararame, cadavezquesetentoureuni-Ias,o resultadofoi a que- relaouaabsorçãodapalavrapelosom.Assim,nãopen- sonumaaliançaentreasduas.A poesiatemsuaprópria música:a palavra.E essamúsica,conformeMallarmé mostra,é maisvastaquea doversoe daprosatradi- cionais.Demaneiraalgosumária,masqueé testemunho desualucidez,Apollinaireafirmaqueosdiasdo'livro estãocontados:"La typographieterminebrillammentsa camere,à l'auroredesmoyensnouveauxdereproduc- tionquesontIecinémaetlephonographe."Nãocreiono fimdaescritura;creioquecadavezmaiso poematen- deráa serumapartitura.A poesiavoltaráa serpala- vrapronunciada. Uncoupdedêsencerraumperíodo,o dapoesiapro- priamentesimbolista,e abreoutro:o dapoesiacontem- porânea.DuasviaspartemdeUncoupdedês:umavai de Appolinaireaossurrealistas;outra,de Claudela Saint-JohnPerse.O cicloaindanãoseencerroue, de umaououtramaneira,a poesiadeRenêChar,Francis Pongee YvesBonnefoysealimentadatensão,uniãoe separação,entreprosaeverso,reflexãoe canto.Apesar desuapobrezarítmica,graçasa Mallarméalínguafran- cesadesdobrounessemeioséculoaspossibilidadesvir- tualmentecontidasno Romantismoalemão.Ao mesmo tempo,porcaminhodiversododapoesiainglesa,mas comintensidadesemelhante,é palayraquerefletesobre simesma,consciênciadeseucanto.Enfim,apoesiafran- cesadestruiua ilusóriaarquiteturadaprosae mostrou quea sintaxeseapóianumabismo.Devastaçãodoque tradicionalmentesechamade "espíritofrancês":aná- lise,discurso,meditaçãomoral,ironia,psicologia,etudo o mais.A rebeliãopoéticamaisprofundadoséculoope- rou-senolugaremqueo espíritodiscursivoseapodera- raquasetotalmentedalíngua,a talpontoqueestapare- ciadesprovidadepoderesrítmicos.Nocentrodeumpovo raciocinadorbrotouumbosquede imagens,umanov'a ordemdecavalaria,armadadospésà cabeçacomarmas envenenadas.A cemanosdedistânciado Romantismo alemão,a poesiavoltoua combaternasmesmasfrontei- ras.E essarebeliãofoi primordialmenterebeliãocontra o versofrancês:contraa versificaçãosilábicae o dis- cursopoético. O versoespanholcombinademodomaiscompletoque o francêse o inglêsa versificaçãoacentualea silábica. Mostra-seassimeqüidistantedosextremosdessesidio- mas.redro HenríquezDrenadivideo versoespanhol emduasgrandescorrentes:a versificaçãoregular- fun- dadaemesquemasmétricose estróficosfixos,nosquais cadaversosecompõedeumdeterminadonúmerodesí- labas- e a versificaçãoirregular,naqualnãoimporta tantoa medida,maso golperítmicodosacentos.Assim sendo,osacentostônicossãodecisivosmesmonocasoda maispura.versificaçãosilábicae semelesnãoháverso emespanhol.A liberdaderítmicaseampliaemvirtude dofatodeosmetrosespanhóisnãoexigirem,narealida- de,a acentuaçãofixa; inclusiveo maisestrito,o h~n- 104 105 decassílabo,admitegrandevariedadedegolpesrítmicos: nassílabasquartae oitava;nasexta;naquartae nasé- tima;naquarta;naquinta.Acrescente-seo valorsilá- bicovariáveldasesdrúxulase dosagudos,a dissolução dosditongos,assinalefasedemaisrecursosquepermi- temmodificaracontagemdassílabas.Naverdade,nãose tratapropriamentededoissistemasindependentes,mas deumasócorrentenaqualsecombatemese.separam,se alternamesefundemas~ersificaçõessilábicaseacentuaI. A lutaquea versificaçãoregulare a rítmicatravam nasentranhasdalínguaespanholanãoseexpressacomo oposiçãoentrea imageme o conceito.Entren6sa dua- !idaderevela-secomotendênciaparaa históriae incli- naçãopelocanto.O versoespanhol,qualquerqueseja a sualongitude,consistenumacombinaçãodeacentos ..:.-passosdedan~- emedidasilábica.eumaunidade riaqual~éãbraça~doiscontrários:umqueé dançae outroqueé narrativalinear,marcha,nosentidomilitar dapalavra.Nossoverse.tradicional,o,octossílabo,éum versoa cavalo,feitoparatrotare pelejar,mastambém paradançar.A mesmadualidadese'observanosmetros maiores,hendecassílabose alexandrino~,queservirama Berceoe Ercillaparanarrare a SanJuandeIa Cruze Danoparacantar.Nossosmetrososcilamentrea dança e o galope,e nossapoesiasemovimenta~ntredoisp6:- 10s:o Romanceroe o Cânticoespiritual.'Oversoespa- nholpossuiumanaturalfacilidadeparacontarsucessos her6icosoucotidianos,comobjetividade,precisãoe so- briedade.Quandosedizqueo traçodistintivodenossa poesiaépicaé o realismo,compreende-sequeesserea- lismoingênuo,eportantodenaturezamuitodiversado moderno,sempreintelectuale ideol6gico,coincidecom o caráterdo ritmoespanhol?Versosviris,octossílabos e alexandrinos,mostramumairresistívelvocaçãoparaa crônicae paraa narrativa.O romancenosconduzsem- prea narrar.Em'plenoapogeuda"poesiapura",ar- rastadopeloritmodooctossílabo,GarcíaLorcaretorna ao aned6ticoe não temeincorrerno pormenordes- critivo.Essesepis6diose essasimagensperderamo seu valoremcombinaçõesmétricasmaisirregulares.Alfon- so Reyes,ao traduzira llíada,nãotemoutroremédio senãovoltarao alexandrino.Em compensação,nossos poetasfracassamquandotentama narrativaemversos livres,comosenotaemlongase desconjuntadaspas- sagensdoCantogeraldePabloNeruda.(Emoutrosca- sosacertaplenamente,comoem"AlturasdeMacchu Picchu";essepoemanãoé, porém,descriçãonemnar. rativa,e simcanto.)Daríofracassoutambémquando quiscri~rumaespéciedehexâmetroparasuastentati- vasépicas.Nãodeixadeserestranhaessacaracterística modalquandosepensaquenossapoesiaépicamedieval é irregulare quea versificaçãosilábicainicia-secoma lírica,noséculoXV. Sejacomofor,os acentostônicos exprimemnossoamorpelagalhardiae pelaelegânciae, maisprofundamente,pelafúriadançante.Os acentos espanh6isnoslevama concebero homemcomoumser extremosoe aomesmotempocomolugarde encontro dosmundosinferiorese superiores.Agudos,graves,es- drúxulos,bisesdrúxulos- pancadassobreo courodo tambor,palmas,gritos,clarins:a poesiade língua~s- panholaé dançafestivae fúnebre,dançaeróticae vôo místico.Quasetodososnossospoemas,inclusiveosmís- ticos,podemsercantadose dançados,comodizemque dançavamosseusosfil6sofospré-socráticos. EssaduaIidadeexplicaasantítesese contrastesfre- qüentesemnossapoesia.Seo barroquismoé jogodinâ- mico,cIaro-escuro,oposiçãoviolentaentreistoe aquilo, ~omosbarrocospor fatalidadedo idioma.Naprópria 106 W7
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