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Disciplina: Homem e Sociedade Prof.: Marcus Nery O homem “Quem somos nós?” Esta pergunta nos acompanha desde os tempos mais remotos. A antropologia, segundo a etimologia, é a ciência que busca conhecer o antropos, o humano. Longe de procurar esgotar essa tarefa, o que seria impossível dada a complexidade da natureza humanamente. Vemo-nos qualitativamente diferenciados dos demais seres e constituídos de uma natureza especial. Durante muito tempo nos enxergamos como feitos à imagem e semelhança de Deus. Em muitos povos, as mitologias de criação falam de seres criadores e de heróis civilizadores antropomorfizados e assemelhados aos seus indivíduos. Entre nós, ocidentais, herdeiros de uma visão hebraica e cristã, o livro do Gênesis relata: Deus disse: “Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança, e que eles dominem sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra”. Em meados do século XIX, humanidade levou um choque. Um cientista inglês, geólogo e naturalista, ameaçou nosso lugar sobre o pedestal dos seres vivos. Charles Darwin colocou- nos na incômoda companhia de todos os outros animais. Afirmou que todos somos frutos de uma mesma evolução biológica, assemelhando-nos a nossos parentes mais próximos, os primatas. Tamanha ousadia foi imediatamente retrucada com ironia. Muitos riram chamando os macacos do zoológico de ancestrais de Darwin; outros simplesmente ignoraram-no ou até agrediram-no. Sabe-se hoje que Darwin guardou sua idéia original por 12 anos, temendo represálias. Quando publicou On the Origin of Species, em 1859, já tinha consciência de que os humanos também eram frutos da evolução. Esperou mais de uma década para começar a sua teoria com The Descent of Man, estendendo a transformação evolutiva de uma espécie a outra de maneira a incluir os seres humanos. Passado um tempo, tendo a ciência confirmado a Teoria da Evolução e encontrado provas inequívocas da sua veracidade, uma saída foi sorrateiramente construída: “Certo, somos animais que, como os demais, participamos do processo evolutivo, mas acreditamos ser essa evolução um progresso: caminha-se do mais simples ao mais evoluído, ao mais elaborado, situando-nos na ponta superior”. Assim, nossa prepotência se manteve intacta: continuamos acima dos demais animais. Essa visão acaba justificando nosso domínio sobre o planeta. Arrogando-nos a exclusividade da razão, colocamos todo o resto à nossa disposição Independente das maravilhas que a humanidade já fez, somos os maiores predadores que já existiram. Se ainda não destruímos a Terra com arsenais atômicos, em pouco tempo podemos acabar com a água limpa e doce, com o ar respirável, as florestas e milhares de espécies. Que superioridade é esta? Tal visão domina o senso comum e até mesmo a comunidade científica. Quando pensamos em “vida inteligente” em outro planeta, logo pensamos em ETs feitos à nossa semelhança. Podem ser esverdeados e ter três olhos desproporcionais na fronte, mas nossa imaginação sempre os pinta com um jeitão humano. É recente, e ainda muita tímida, a recusa a essa visão. Há evolução, mas ela não representa necessariamente um progresso positivo. É difícil reconhecermos que as mutações aleatórias da evolução dos seres vivos não caminham, necessariamente, a partir de um plano pré-determinado. A evolução poderia muito bem ter acontecido sem a emergência daquilo que chamamos de seres inteligentes (nós mesmos). Pior: pode continuar acontecendo perfeitamente sem a nossa presença, após a extinção da espécie humana. Em 1977, o filósofo Jacques Monod deu um duro golpe na visão tradicional: Queremo- nos necessários, inevitáveis, ordenados para sempre. Todas as religiões, quase todas as filosofias, inclusive uma parte da ciência, testemunham o incansável e heróico esforço da humanidade em negar desesperadamente sua própria contingência. (Monod, 1989:54) Para Monod, o surgimento da vida no planeta e da espécie humana em especial são frutos de um acaso que as chances de surgirem eram praticamente nulas: “O Universo não estava grávido da vida, nem a biosfera do homem. Nosso número saiu no jogo de Monte Carlo”. Sigmund Freud observou, com ironia, que as grandes revoluções científicas auxiliam na derrubada da arrogância humana de seu pedestal anterior, afastando as convicções que temos de nossa posição central e dominadora. (Freud apud Gould, 1997). A primeira dessas revoluções foi a copernicana, que nos removeu do centro de um reduzido universo e nos remeteu à condição de habitantes de um pequeno planeta que gira em volta de uma estrela, que hoje sabemos ser apenas uma, de quinta grandeza e periférica, dentre bilhões de estrelas numa das mais de 200 bilhões de galáxias existentes. A segunda grande revolução, para Freud, foi a darwiniana, por nos colocar na descendência comum a todos os demais seres vivos. Situou, ainda, sua própria descoberta sobre o inconsciente como responsável por fazer reconhecer que temos um porão desconhecido do qual a razão não consegue dar conta. Para Stephen Jay Gould, um dos mais famosos evolucionistas e palentólogos da atualidade, “...nada melhor para abalar nossa vaidade e nos libertar do que a mudança entre nos vermos como “apenas um pouco abaixo dos anjos”, criados como mestres da natureza, feitos à semelhança de Deus para moldar e dominar a natureza, para o conhecimento de que somos não apenas produtos naturais de um processo universal de descendência com modificação (e portanto parentes de todas as demais criaturas), como também um ramo pequeno e em última instância transitório, que desabrochou tardiamente na frondosa árvore da vida, e não o ápice predestinado da escada do progresso“ (Gould, 1997). Se for compreensível, porém não justificável, que desejemos ser os senhores do planeta, é preciso olhar agora para o que sabemos sobre como chegamos a ser o que somos hoje. Ao lado da biologia, da paleontologia e da arqueologia, a antropologia esteve sempre nessa busca ainda não alcançada de decifração de nossas origens. A primeira teoria da evolução surgiu no início do século passado através do naturalista que inaugurou a biologia, Jean B. Lamarck. Acreditava que os animais mudavam sob pressão ambiental, transferindo essas mudanças para sua prole. Embora estivesse errado, sua teoria foi revolucionária para a época. Charles Darwin foi influenciado pelas idéias de Lamarck. Darwin questionou a idéia de transmissão hereditária dos esforços individuais de adequação ao ambiente e baseou sua teoria na existência de variação casual (ou mutação aleatória) e seleção natural. Partiu do princípio de que todos os seres vivos vieram de seus ancestrais através de um longo e contínuo processo de variações. Na evolução, a produção de variações é constante e em número maior do que as que podem sobreviver. Assim, através da seleção natural, muitos indivíduos são eliminados e as variações que deram melhores resultados permanecerão e serão transmitidas às novas gerações. A junção dessas idéias às descobertas de Mendel, sobre a estabilidade genética, resultou no que denominamos por neodarwinismo, que ainda é a visão mais aceita nos dias atuais. As descobertas recentes os campos da microbiologia, da bioquímica e da biologia molecular, têm forçado uma revisão dessa teoria. Hoje, ganha corpo uma nova visão da evolução: a teoria sistêmica, ou teoria dos sistemas vivos. Em vez de considerar a evolução como um simples resultado de mutações aleatórias e de seleção natural, começa-se a reconhecer o desdobramento criativo da vida em formas de diversidade e complexidade sempre crescentes. Embora a mutação e a seleçãonatural sejam aspectos importantes da evolução biológica, o foco central é a criatividade, “no constante avanço da vida em direção à novidade”. Níveis de complexidade crescente não significa evoluir em direção ao humano, bem como pode não ser algo positivamente melhorado. Para os autores da nova visão, os caminhos da criatividade da evolução foram sendo desenvolvidos muito tempo antes do surgimento dos primeiros animais. A base das variações e da criatividade deve ser buscada numa nova compreensão de toda e qualquer célula viva. A mudança evolutiva passa a ser vista como “o resultado da tendência inerente da vida para criar novidade, a qual pode ou não ser acompanhada de adaptações às condições ambientais em mudança”. Daí decorre, inclusive, a possibilidade dessas transformações se darem em sentido negativo, comprometendo a sobrevivência da espécie. De acordo com a Hipótese Gaia, que vê o planeta inteiro como um elemento vivo, numa escala proporcionalmente diferente da que estamos acostumados ver com os demais seres vivos. Considera a fina camada que envolve as rochas do planeta como um manto pleno de vida e autogerador, converte substâncias inorgânicas em matéria orgânica viva e esta novamente em solos, ar e oceanos, a evolução não pode ficar limitada à adaptação de organismos ao seu meio ambiente. O próprio meio ambiente é também um ser vivo. Assim, o que se adapta a quê? Por essa provocativa hipótese, cada qual se adapta aos outros num complexo processo de co-evolução. Os biólogos têm sido obrigados a reconhecer que, ao invés do que pregava a visão darwinista, não é a competição que responde pelo processo evolutivo e sem a cooperação contínua e a dependência mútua ente todas as formas de vida. A vida surge e se desenvolve no planeta através da formação de redes. A evolução não guarda planos ou projetos teleológicos, nem tampouco evidência de progressos: o que há são padrões de desenvolvimento. A criatividade da natureza é ilimitada. Padrões semelhantes, como forma de enfrentar desafios semelhantes a diferentes espécies, gerou respostas semelhantes. Por exemplo, olhos ou asas. Se o surgimento de asas em insetos ou em aves se deu de maneira independente, foi devido a um padrão de desenvolvimento comum a ambos os casos. Resta-nos, agora, pensar o surgimento e a evolução dos seres humanos, não mais como obra isolada, ou ponto terminal de um processo, mas como co-participante do cenário biótico planetário. Evolucionismo X Criacionismo O criacionismo e o evolucionismo são duas propostas contraditórias que dizem respeito à ocorrência temporal de um fenômeno: a origem do homem. A primeira, criacionista radical, adotada pela teologia judaico-cristã, foi expressa com surpreendente precisão pelo bispo anglicano de Armagh, Usher, no final do século XVII, que decidiu baseado em textos bíblicos, que o mundo tinha sido criado precisamente no ano 4004 AC, juntamente com todas as espécies tal como existem atualmente. A segunda, o evolucionismo, adotada pela ciência, propõe que o universo surgiu há cerca de mais ou menos 13 bilhões de anos atrás, a vida em nosso planeta, com suas formas mais primitivas de organismos unicelulares, há cerca de 3.5 bilhões de anos. Desde então, até a atualidade, através de inumeráveis transformações e algumas extinções em massa, chegamos a cerca de 30 milhões de espécies de seres vivos, apesar de, até o momento, apenas 1.5 milhão terem sido descritas. Mais impressionante que este número de espécies existentes, é que estes 30 milhões de espécies atualmente existentes representam apenas cerca de 0.1% das espécies que existiram na Terra. Isto significa que cerca de 99.9% de todas as espécies que habitaram o globo foram extintas. Apoiando o criacionismo radical está a fé religiosa que é baseada nos textos bíblicos. O evolucionismo é apoiado em evidências cosmológicas, geológicas, arqueológicas e antropológicas. Sua negação envolve a recusa em aceitar uma boa parte das ciências naturais, principalmente as descrições da história do planeta e da vida. Quanto à origem das espécies e do homem em particular, todos os processos de avaliação da idade dos fósseis tanto animais como do próprio homem e de seus precursores mais imediatos apontam números totalmente incompatíveis com os fixados pelos textos religiosos. O quadro da evolução biológica da transformação das espécies por geração de variedade e seleção por aptidão à sobrevivência, inaugurada por Darwin, apresenta alguns pontos obscuros ou ainda não totalmente absorvidos pela teoria da evolução, mas é geralmente aceito em suas linhas gerais pela totalidade dos cientistas. Na tentativa de amenizar o hiato entre o tempo da criação bíblica e a imagem fornecida pela ciência, o criacionismo compreende atualmente uma certa variedade de crenças deslizando desde a interpretação literal da Bíblia até um criacionismo progressivo, criacionismo contínuo, evolucionismo teista, etc.
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