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O guardião da Constituição segundo Schmitt e Kelsen Jus Navigandi

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09/03/2015 O guardião da Constituição segundo Schmitt e Kelsen - Jus Navigandi
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O guardião da Constituição segundo as concepções de Carl Schmitt e Hans Kelsen
Camil la Japiassu Dores
Publicado em 03/2012. Elaborado em 02/2012.
Kelsen criticava a tentativa de Schmitt de atribuir a guarda da Constituição, em uma
república democrática, ao Chefe de Estado, sob a denominação de poder neutro, por
entender que essa concepção acabaria por transformar o Presidente do Reich em
senhor soberano do Estado.
INT RODUÇÃ O
O estu do qu e se segu e procu ra desenvolver u ma reflexão teórica acerca de u m tema repleto de complexidades e
su ti lezas. Seu maior propósito é contribu ir para a racional ização do Direito Consti tu cional , a partir da
concepção do Estado Consti tu cional e de qu em seria o gu ardião da Consti tu ição de acordo com Carl Schmitt e
Hans Kelsen.
O gu ardião da Consti tu ição, de Carl Schmitt, representa u ma reafirmação da tese do poder neu tral de Benjamin
Constant, com base na interpretação do artigo 48 da Consti tu ição de Weimar qu e, segu ndo ele, daria ao
presidente do Reich poderes excepcionais destinados à gu arda da Consti tu ição, conferindo-lhe u m poder
neu tral , ou seja, mediador, regu lador e tu telar.
Por ou tro lado, Hans Kelsen reconhecia como gu ardião da Consti tu ição o Tribu nal Consti tu cional . Segu ndo o
au tor, ao adotar a dou trina do poder neu tro do chefe de Estado, Schmitt teria como arcabou ço legitimador u ma
interpretação equ ivocada da Carta A lemã de 1919. A o valer-se do preâmbu lo consti tu cional e do artigo 48 para
abal izar o Presidente do Reich como gu ardião da Consti tu ição, Schmitt teria ignorado o disposto no artigo 19,
em qu e estaria fixada a competência do Tribu nal Federal para ser o protetor consti tu cional .
Hans Kelsen sal ientava qu e a intenção de Schmitt não era caracterizar o chefe de Estado como u m “terceiro
mais al to” ou u m “senhor soberano do Estado”, u m poder “qu e não está acima, mas sim ao lado dos ou tros
poderes consti tu cionais”. Interpretando o artigo 48 da Consti tu ição de Weimar, Schmitt ampl iaria a
competência do Presidente do Reich , “de maneira tal qu e este não escapa de tornar-se senhor soberano do
Estado”.
Discu rsando acerca da aversão de Carl Schmitt a u m Tribu nal Consti tu cional com poder de cassação, qu e para o
ju rista alemão caracterizaria u m Estado Ju dicial ista, Kelsen alegava qu e o controle de consti tu cional idade
difu so di ferenciar-se-ia apenas no plano qu antitativo, pois anu laria a lei inconsti tu cional no caso concreto,
enqu anto o controle concentrado dos Tribu nais Consti tu cionais anu laria para todos os casos.
1. O GUA RDIÃ O DA CONST IT UIÇÃ O SEGUNDO A CONCEPÇÃ O DE CA RL SCHMIT T
Carl Schmitt nasceu na A lemanha, em 1888. Torna-se dou tor em direito já em 1910, momento a partir do qu al
começa a desenvolver su a crí tica veemente ao l iberal ismo e ao sistema democrático parlamentar alemão,
chegando a ser u m dos maiores teóricos da ditadu ra, do regime de exceção e mesmo a integrar os qu adros do
partido nazista entre 1933 e 1936. A o contrário da maioria dos intelectu ais qu e aderem ao nazismo, Carl
Schmitt não será u m pol í tico descompromissado com o regime, mas sim reconhecido como u m dos mais
eminentes teóricos do direi to de su a geração.
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A Consti tu ição seria a si tu ação total da u nidade pol í tica. Expressaria seu ser, su a forma e espécie.
Compreenderia princípios de u nidade e u ma instância decisória para resolver confl i tos de interesses ou poderes
em escala extrema. Ela também seria u m sistema fechado de normas. A presentaria conceitos absolu tos qu e
ofereceriam u m todo (real ou ideal). N ão representaria u m fato ou u ma dinâmica, mas u ma forma absolu ta de
dever ser. N ão seria tampou co u m conju nto de várias leis, mas u ma normatividade total qu e dá u nidade ao
Estado. Todas as demais normas a ela se refeririam. A ssim haveria, mesmo qu e de forma diversa, u ma
identidade entre Estado e Consti tu ição. O Estado seria u m dever ser, u m sistema de normas qu e não teria
existência no ser, mas no dever ser.
É necessário portanto, para entender a primeira concepção, distingu ir Consti tu ição de leis consti tu cionais.
Estas teriam su a val idade na Consti tu ição e a Consti tu ição na decisão da u nidade pol í tica. A u nidade pol í tica
seria racional izada pela su a própria existência e não na conveniência ou ju stiça das normas. Schmitt
cri ticava, então, Kelsen e a Teoria Pu ra qu e equ iparavam a Consti tu ição à lei consti tu cional . Considerava su a
teoria l iberal , pois sendo todos os atos do Estado normas, não havendo atos de governo, todos seriam passíveis de
revisão por parte do ju diciário. Para Schmitt o Estado seria anterior à Consti tu ição, enqu anto para Kelsen
seriam simu ltâneos. Ou seja, a Consti tu ição não seria su bstância da u nidade, mas mera forma, definida a
posteriori dela.
Qu anto aos direi tos fu ndamentais, Schmitt entendia qu e estariam fora da Consti tu ição, pois qu e ela, nesse
aspecto, seria mera decisão fu ndamental sobre a forma de existência do povo. Eles seriam freios do poder
pú bl ico no Estado Liberal , enqu anto a Consti tu ição visaria preservar a ordem pú bl ica determinando a forma do
Estado. A Consti tu ição seria su perior aos direi tos, pois eles não seriam aptos a constru ir a u nidade pol í tica do
Estado, ao contrário, enfraqu eceriam a u nidade, contrapondo a ela o interesse da l iberdade individu al
apol í tica. Se u ma Consti tu ição l iberal entendesse tais direi tos como essenciais, estes passariam a integrar a
própria su bstância.
O au tor cri ticava igu almente a criação ou o reconhecimento de u m Tribu nal Consti tu cional , qu e, a seu ver,
transferiria poderes de legislação para o Ju diciário, pol i tizando-o e desaju stando o equ i l íbrio do sistema
consti tu cional do Estado de Direito.
Em síntese, a dou trina schmittiana da defesa da Consti tu ição é u ma reafirmação da tese do poder neu tral de
Benjamin Constant, com base na interpretação do artigo 48 da Consti tu ição de Weimar qu e, a seu ver, conferia
ao presidente do Reich poderes excepcionais na gu arda da Consti tu ição, conferindo-lhe u m poder neu tral , ou
seja, mediador, regu lador e tu telar. A tese de Benjamin Constant é chamada de poder neu tro ou preservador, qu e
é exercido pelo soberano por meio de u ma al ienação radical da soberania popu lar.
A esse poder neu tral , Carl Schmitt atribu ía também a gu arda da Consti tu ição. A tese schmittiana é expressão
da crise insti tu cional do seu tempo. Su a preocu pação estava centrada nas ameaças à homogeneidade e u nidade
do povo alemão por parte dos poderes indiretos, ou seja da atu ação prática pol í tica contra a u nidade por parte de
partidos pol í ticos, associações profissionais e rel igiosas. Em ú l tima anál ise, há u ma coerência em su a
preocu pação, tendo em vista qu e todos aqu eles qu e ameaçam a u nidade e a homogeneidade, qu e em ú l tima
instância se expressa na própria existência do Estado, devem ser identi ficados como inimigos pol í ticos. Mas a
qu em cabe a identi ficação do amigo e inimigo? A o ti tu lar da soberania, qu e na interpretação de Schmitt é o
Presidente do Reich. A ssim, o Chefe de Estado seria u m idôneo defensor da Consti tu ição, u m poder neu tro, u ma
instância qu e estaria acima dos ti tu lares dos direi tos pol í ticos de caráter decisivo ou influ ente, u m poder
pol í tico su premo, u m terceiro acima de todos os l i tigantes.
A criação da Carta de Weimar se deu após a Primeira Gu erra Mu ndial , da qu al a A lemanha saiu derrotada e
devedora dos países vencedores; a Consti tu ição era o símbolo, a diretriz e, principalmente, a esperança de u m
país destroçado qu e precisava se reergu er em meio a u ma sociedade fragmentada por gru pos com interesses
diversos qu e exigiam direitos sociais e desenvolvimento su stentável . O contexto h istórico contemporâneo à
Carta A lemã de 1919 deve ser lembrado, então, como u m período de enfraqu ecimento das insti tu ições estatais
qu e decorreu da crise socioeconômica qu e afl igia a A lemanha.
N esse período de pós-gu erra, os Tribu nais Consti tu cionais ainda não haviam se consol idado como Gu arda da
Consti tu ição e as atribu ições do protetor da Carta Pol í tica estavam su scetíveis a distorções.
Com base nesse contexto h istórico, Carl Schmitt inicia su a obra O Gu ardião da Consti tu ição destacando qu e o
exame ju dicial material não se consti tu ía na A lemanha em u m gu ardião da Consti tu ição. Em ou tras palavras,
o poder conferido aos tribu nais, por meio da decisão de 4 de novembro de 1925, de examinarem as leis ordinárias
em su a coerência material com os comandos consti tu cionais e, em caso de confl i to, negarem à lei ordinária su a
apl icação, não teria o condão de transformá-los em gu ardiões da Consti tu ição.
Dessa forma, não obstante o ju iz estar vincu lado à lei , seria seu dever deixar de apl icar determinada lei
ordinária ao caso concreto devido à su a incompatibi l idade com a Consti tu ição. Esse exame ju dicial do tribu nal
do Reich alemão, todavia, teria u ma importância modesta em comparação ao controle ju dicial de normas
exercido pelo tribu nal norte-americano. Ele não possu iria como escopo os princípios gerais da Consti tu ição, tais
como a boa-fé e a razoabi l idade, mas dependeria de normas qu e possibi l i tassem u ma su bsu nção correspondente
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ao fato típico. Tratar-se-ia, portanto, de u m controle exercido por qu alqu er ju iz (di fu so) e concreto ou incidental
(presta-se à solu ção de determinada l ide), exercendo, para as decisões de ou tras instâncias, u m efei to como
precedente de certa maneira previsível .
N o entanto, esse exame ju dicial material não impl icaria na pol i tização da ju stiça, ao invés da ju ridicização da
pol í tica? O ju rista alemão era contrário à defesa da Consti tu ição por parte do Ju diciário porqu e o mesmo sempre
ju lgaria a posteriori e anal isaria apenas a su bsu nção de u m fato a u ma norma. Como sal ienta Bercovici , “como
a qu estão central é a determinação do conteú do a norma, para Schmitt este problema é da legislação, não da
ju stiça (...) Carl Schmitt entendia qu e o controle ju dicial de consti tu cional idade só poderia existir em u m Estado
Ju dicial ista, em qu e toda a vida pol í tica fosse su bmetida ao controle dos tribu nais”.[8] Esclarecendo essa
relu tância, Gi lberto Bercovici ressal ta qu e a concepção de Consti tu ição para Schmitt cria u m óbice para a
aceitação de u m controle de consti tu cional idade por parte do Poder Ju diciário. O Parlamento seria ou tro poder
inapto para proteger u ma Consti tu ição, já qu e “com a consol idação da democracia de massas, Schmitt afirma
qu e o parlamentarismo tornou -se inviável , pois não há nenhu ma força pol í tica capaz de se colocar acima das
forças sociais qu e se digladiam no Parlamento”.
A plu ral idade parlamentar, tendo o Estado como a au to-organização da sociedade, existiria em fu nção de
determinados gru pos com correntes ideológicas diversas e, por vezes, col identes, gerando u ma constante
indecisão pol í tica, a qu al impossibi l i taria u m ju lgamento de consti tu cional idade qu e refletisse o mesmo
momento da u nidade pol í tica consegu ido com o Poder Consti tu inte Originário e, para Schmitt, representado na
figu ra do Presidente do Reich .
V eri fica-se qu e o ju iz deveria sempre decidir com base na lei . N o Estado de Direito existiria ju stiça somente
como sentença ju dicial com base em u ma lei . Ocorre qu e em toda decisão ju dicial existiria u m elemento de pu ra
decisão qu e não poderia ser derivado do conteú do da norma, isto é, certa margem de discricionariedade
reservada ao ju iz ao decidir u m caso concreto, mesmo qu ando se tratasse apenas de su bsu nção do fato ao tipo
legal . O au tor referia-se a essa si tu ação como decisionismo.
A primeira condição de u ma ju risdição consti tu cional seria u m conceito definido de divergência consti tu cional
qu e a di ferenciasse das demais l ides. Pode-se dizer qu e exame ju dicial material resu l taria de infrações à
Consti tu ição ou de casos de dú vida; nesse caso, não se trataria de ju stiça, mas de u ma relação indefinida entre
legislação e parecer ju rídico. Esse seria o motivo pelo qu al não se poderia exigir dos magistrados fu nções qu e
u l trapassassem a su bsu nção do fato à norma, pois eles estariam vincu lados ao seu conteú do. O tribu nal
consti tu cional deveria se opor a violações consti tu cionais claras: não se proporia a proferir decisões em caso de
dú vida. E o Tribu nal A lemão responsável pela solu ção das contendas consti tu cionais da época não contava com
u m conceito definido de divergência consti tu cional , ou seja, u ma competência razoavelmente del imitada.
O segu ndo ponto qu e mereceria destaqu e para a caracterização de u ma ju risdição consti tu cional seria o conceito
de Consti tu ição. Se esta fosse compreendida como u m contrato, divergências consti tu cionais seriam aqu elas
entre as partes do contrato ou acordo consti tu cional sobre o conteú do de su as estipu lações.
N esse sentido, na base da Consti tu ição federal encontrar-se-ia u m contrato, sobre cu ja interpretação e apl icação
poderiam su rgir divergências qu e mereceriam solu ção. O tribu nal federal qu e iria resolver essas divergências
dentro de u m Estado-membro não poderia, no entanto, se afastar das estipu lações da Consti tu ição federal . O
tribu nal federal apresentar-se-ia, portanto, como gu ardião tanto da Consti tu ição federal como da estadu al ,
zelando pela observância da homogeneidade consti tu cional essencial a toda Federação.
Por fim, o terceiro elemento qu al i ficador da ju risdição consti tu cional seria o elemento plu ral ista. Por
consegu inte, a Consti tu ição seria produ to do acordo entre as diversas organizações sociais de poder. A demais,
nas divergências consti tu cionais poder-se-ia reconhecer qu e, mu itas vezes, as partes dos l i tígios seriam as
coal izões partidárias, de modo qu e o processo apenas refletiria a estru tu ra plu ral ista do Estado.
O Estado alemão da época era considerado du al ista, tendo em vista o confronto entre Estado e sociedade. A
Consti tu ição era tida como u m contrato entre o monarca e o povo. Em verdade, o Estado du al ista representava o
equ i l íbrio entre dois tipos de Estado: o Estado dirigente e o Estado legi ferante. À medida qu e o Estado se
desenvolvia no sentido da su perioridade do parlamento sobre o governo, isto é, da su premacia das leis, ele se
tornava cada vez mais legi ferante.
Ocorre qu e, com o decu rso do tempo, essa tensão entre Estado e sociedade, governo e povo, foi se tornando
pau latinamente fragi l izada. O Estadolegi ferante foi su bsti tu ído, então, pela au to organização da sociedade.
Com isso, todos os problemas sociais e econômicos passam à esfera de interesse estatal , desaparecendo a
diferenciação entre matérias pol í tico-estatais e matérias de cu nho social e apol í tico.
A demais, o Estado neu tro, não intervencionista deu lu gar ao Estado total . Percebeu -se qu e a não intervenção
dava margem à assu nção e ao monopól io da economia pelos gru pos de poder. Dessa forma, a A lemanha tornou -
se u m Estado assistencial e passou a preocu par-se com o bem estar social . Mas essa transformação não impl icou
na gu arda da Consti tu ição pelo Poder Ju diciário, restando inal terado o domínio do Execu tivo.
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V erifica-se a importância da reforma da Consti tu ição então vigente no Reich , posto qu e ela não era u ma
Consti tu ição econômica, mas pol í tica. A ssim, estabeleceu -se a ju staposição de dois sistemas pol í ticos di ferentes
– o atomístico e o orgânico -, atribu indo-se ao sistema orgânico, isto é, de organização estatal , importância
secu ndária. A s possibi l idades de solu ção dessa discrepância poderiam ser resu midas em três: harmonização do
Estado, deseconomização do Estado ou economização do Estado.
A deseconomização do Estado impl icaria na transformação dos partidos pol í ticos em produ tos independentes e
na criação de incompatibi l idades entre o mandato parlamentar, o posto de fu ncionário e os postos econômicos.
A economização estatal , por su a vez, corresponderia à transformação do Estado em Estado econômico,
conferindo-lhe u ma au têntica Consti tu ição econômica. Essa opção foi mu ito cri ticada, tendo em vista qu e não
teria como objetivo tornar a economia l ivre e au tônoma, mas, ao contrario, de entregá-la na mão do Estado e
su bmetê-la a ele.
A neu tral idade da pol í tica interna do Reich alemão poderia assu mir algu ns significados negativos, afastando-
se da decisão pol í tica. Em primeiro lu gar, poderia dizer respeito à não intervenção, isto é, u m Estado restri to ao
mínimo de conteú do. Todavia, ele ainda poderia se tornar pol í tico, em face da percepção do inimigo, aqu ele qu e
se opõe à neu tral idade do modo de pensar.
A neu tral idade poderia ser compreendida, ou trossim, no sentido de concepções instru mentais de Estado, para
as qu ais o Estado seria u m recu rso técnico qu e deveria fu ncionar com objetiva calcu labi l idade e dar a todos
igu al chance de u so. Seria u m modelo de Estado despol i tizado.
A demais, a neu tral idade poderia ser caracterizada como o fornecimento de chance igu al na vol ição estatal , na
medida em qu e fosse conferida a paridade no direi to de voto e igu aldade u niversal da lei . Dar-se-ia a chance aos
partidos de terem votos necessários para alcançarem seu s objetivos.
Por fim, haveria a neu tral idade no sentido de paridade, isto é, admissão igu al de todos os gru pos e orientações de
interesse, sob condições igu ais e com tratamento isonômico na contemplação com vantagens ou demais
prestações estatais.
Por ou tro lado, a neu tral idade poderia ser anal isada sob a ótica positiva, seja no sentido da objetividade e
imparcial idade com base em u ma norma reconhecida; neu tral idade com base em u m conhecimento experto não
egoísta e interessado (parecerista e consu l tor); neu tral idade como expressão de u ma u nidade e total idade qu e
abrangeria os agru pamentos opostos e, destarte, relativizaria em si todas essas oposições; ou , ainda,
neu tral idade do estrangeiro qu e se encontraria de fora e qu e, na qu al idade de terceiro, provocaria, de fora e em
caso de necessidade, a decisão e, com isso, u ma u nidade.
A s divergências de opinião e di ferenças entre os ti tu lares de direi tos pol í ticos de decisão poderia ser resolvidas
não ju dicialmente, mas por meio de u m poder pol í tico mais forte si tu ado acima das opiniões divergentes, ou
mediante u m órgão em relação de coordenação com os ou tros poderes consti tu cionais, ou seja, u m terceiro
neu tro.
Sob esse prisma, su rge com Benjamin Constant a teoria do poder neu tro, destinado a solu cionar a lu ta da
bu rgu esia francesa por u ma Consti tu ição l iberal contra o bonapartismo e restau ração monárqu ica. A fu nção do
terceiro neu tro seria intermediária, defensora e regu ladora, ativa apenas em caso de emergência, mediante o
poder preservador, u ma vez qu e ela não deveria concorrer com os ou tros poderes no sentido de u ma expansão do
próprio poder.
Insta ressal tar qu e o Presidente do Reich possu ía poderes qu e o tornariam independente dos órgãos legislativos,
embora vincu lado à referenda dos ministros dependentes da confiança do parlamento. Ora, seu s poderes
consti tu cionais corresponderiam aos poderes do chefe de Estado, tal como ideal izado por Benjamin Constant.
Por isso su a posição só poderia ser constru ída no cenário da época com a aju da de u ma teoria mais desenvolvida
de u m poder neu tro, sob pena de incompreensão dessa mistu ra contraditória de determinações consti tu cionais
incompatíveis.
A rgu menta-se, então, qu e o gu ardião da Consti tu ição deveria ser independente e pol í tico-partidariamente
neu tro. A o rechaçar a possível atribu ição da gu arda da Consti tu ição ao Ju diciário, adu z-se qu e se a ju stiça fosse
compel ida a resolver todas as tarefas e decisões pol í ticas, para as qu ais fossem desejadas independência e
neu tral idade pol í tico-partidária, ela receberia u ma carga insu portável . E mais: essa si tu ação teria como
obstácu lo o princípio democrático.
À s diversas independências corresponderiam inamovibi l idades, imu nidades e incompatibi l idades. A lém
disso, a independência poderia corresponder à proteção defensiva e negativa contra a vol ição pol í tica ou , ao
contrário, poderia garantir u ma participação positiva na determinação ou influ ência da vol ição pol í tica. A
independência dos membros do Ju diciário, Legislativo e do Presidente do Reich deveria estar estri tamente
l igada com a idéia do todo da u nidade pol í tica. Essa concepção contém u ma oposição aos agru pamentos
plu ral istas da vida social e econômica.
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Segu ndo o au tor, a própria Consti tu ição de Weimar já estabeleceria o gu ardião da Consti tu ição – o Presidente do
Reich . Ele representaria o centro de todo o sistema de u ma neu tral idade e independência pol í tico-partidárias,
constru ído sobre u ma base plebisci tária, estando dotado de poderes eficientes para u ma proteção efetiva da
Consti tu ição. Essa previsão apenas material izaria o princípio democrático, sobre o qu al se baseava a
Consti tu ição de Weimar. Com isso, ela procu raria formar u m contrapeso para o plu ral ismo dos gru pos sociais e
econômicos de poder e defender a u nidade do povo como u ma total idade pol í tica.
2. A JURISDIÇÃ O CONST IT UCIONA L DE HA NS KELSEN
Expoente ju rista da Repú bl ica de Weimar, Hans Kelsen também teorizou acerca da gu arda consti tu cional ,
porém, em oposição à ideia esposada por Carl Schmitt na obra O gu ardião da Consti tu ição.
A pesar de qu estionar diversas premissas da teoria da Gu arda da Consti tu ição schmittiana, Kelsen concordava
qu anto à pertinência de u ma anál ise dos l imites da ju risdição, enfatizando qu e, caso se almejasse restringir o
poder dos tribu nais, não se deveria “operar com chavões vagos como ‘l iberdade’, ‘igu aldade’, ‘ju stiça’, etc”,senão
poderia ocorrer u ma indesejável transferência de poder.
Prossegu indo em seu estu do, Kelsen exteriorizava de forma mais clara qu e, nos casos mais importantes de
violação consti tu cional , Parlamento e governo seriam partes l i tigantes, o qu e ju sti ficaria o reconhecimento do
Ju diciário como o poder neu tro l ivre das tensões entre Parlamento e Governo.
Hans Kelsen mostrava-se contrário à visão schmittiana de ter-se na figu ra do Presidente do Reich , ú nica e
exclu sivamente, o Gu ardião da Consti tu ição qu e, segu ndo o au tor au stríaco, seria u m dos gu ardiões, zelando
pelo controle de consti tu cional idade sobre os atos emanados do Execu tivo e às vezes do Legislativo.
A Consti tu ição au stríaca possu ía du as ju risdições distintas: a ju risdição consti tu cional e a ju risdição
administrativa. A primeira destinava-se ao controle de consti tu cional idade dos atos ju rídicos, enqu anto a
segu nda l imitava-se a aferir su a conformidade às leis. A ssim sendo, a ju risdição consti tu cional era vista como
u ma ju risdição administrativa especial , pois controlava a consti tu cional idade do ato administrativo, e não su a
simples conformidade à lei .
Em síntese, o l imite teórico-ju rídico entre ju risdição consti tu cional e ju risdição administrativa resu l tava tão
somente da di ferença entre consti tu cional idade direta e indireta. Todavia, existia u m possibi l idade mínima de
controle a cargo da ju risdição administrativa, tendo em vista a necessidade da au toridade, ao apl icar a lei ,
veri ficar se aqu i lo qu e se apresentava como lei era de fato u ma lei , isto é, se preenchia aos requ isi tos legais
mínimos para su a configu ração.
Em caso de u m possível confl i to entre lei federal e lei estadu al , apl icava-se o princípio segu ndo o qu al a lei
posterior deveria prevalecer sobre a lei anterior. A Consti tu ição não previa a prevalência da lei federal sobre a
lei estadu al .
A demais, a Corte Consti tu cional podia examinar de ofício a consti tu cional idade de u ma norma, desde qu e ela
fosse pressu posto para a resolu ção de determinado caso concreto su jei to a su a apreciação. Da mesma forma, as
leis anteriores à vigência da Consti tu ição, qu e foram recepcionadas por ela, eram consideradas igu almente
objeto de controle de consti tu cional idade.
A declaração de inconsti tu cional idade de u ma lei acarretava a su a anu lação, ou seja, essa decisão operava
apenas para o fu tu ro, produ zindo efei tos prospectivos, a partir de su a pu bl icação. A referida anu lação podia
referir-se a toda a norma ou apenas a algu mas de su as disposições, bem como a Corte Consti tu cional podia
estabelecer u m prazo, nu nca inferior a seis meses, para a su a inval idação. Dessa forma, o Poder Legislativo
podia, nesse intervalo, editar u ma lei compatível com a Consti tu ição.
Insta ressal tar qu e a decisão de anu lação da lei inconsti tu cional poderia gozar de u m certo efei to retroativo, na
medida em qu e a Corte Consti tu cional , qu ando examinava e anu lava de oficio u ma norma qu e era considerada
como pressu posto para a solu ção de u ma l ide, não teria mais como apl icar a lei anu lada, não obstante o fato
correspondente ao mérito da qu estão tenha ocorrido na vigência da norma.
O Tribu nal Consti tu cional possu ía, ainda, o poder de examinar decretos e anu lá-los em caso de
inconsti tu cional idade. N esse caso, o tribu nal ordinário qu e considerasse qu e o decreto a ser apl icado no caso
concreto era contrário à lei , deveria interromper o processo e su bmeter à Corte Consti tu cional o pedido
fu ndamentado de anu lação do decreto. Diante dessa si tu ação, todos os tribu nais restavam vincu lados á decisão
da Corte, qu e produ zia efei tos prospectivos.
Ocorre qu e a Corte Consti tu cional também podia anu lar de ofício u m decreto em caso de i legal idade, qu ando ele
fosse pressu posto para a solu ção de determinado caso concreto. Essa decisão produ zia efei tos pro fu tu ro,
atingindo sempre o caso pendente de solu ção qu e havia motivado o exame. Portanto, não era possível o
estabelecimento de prazo para a cessação da vigência de u m decreto i legal .
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Como a Consti tu ição regu lava a elaboração das leis, a legislação seria, sob esse aspecto, apl icação do direi to. Com
relação ao decreto e ou tros atos normativos secu ndários, a lei seria criação do direi to e o decreto seria apl icação
do direi to com respeito à lei e criação do direi to com respeito à sentença e ao ato administrativo qu e o apl icariam.
Por ou tro lado, enqu anto a Consti tu ição, a lei e o decreto seriam normas ju rídicas gerais, a sentença e o ato
administrativo consti tu iriam normas ju rídicas individu ais, de efei tos concretos.
A noção de Consti tu ição, apesar das inú meras transformações por qu e passou , teria conservado u m nú cleo
essencial e permanente: ela seria sempre o fu ndamento do Estado, a base da ordem ju rídica qu e se pretenderia
apreender.
A Consti tu ição poderia ser compreendida em u m sentido amplo ou restri to. A Consti tu ição em sentido estri to
conteria tão somente normas sobre os órgãos e o procedimento da legislação. O sentido amplo, por su a vez,
pressu poria não apenas a existência de normas sobre a organização do Estado, mas também normas qu e
trariam direitos fu ndamentais ou l iberdades individu ais. Por isso costu mava-se distingu ir entre
inconsti tu cional idade formal e inconsti tu cional idade material , u ma vez qu e a primeira se trataria de u ma
violação apenas formal da Consti tu ição, ou seja, de normas de procedimento e organização do Estado; enqu anto a
inconsti tu cional idade material impl icaria na violação de normas de conteú do consti tu cional .
Por ou tro lado, distingu ia-se entre inconsti tu cional idade imediata, porqu anto se trataria de normas
imediatamente su bordinadas à Consti tu ição, e inconsti tu cional idade mediata, no caso de atos su bordinados à
Consti tu ição apenas de forma indireta. Isso porqu e qu ando a Consti tu ição estabelecia o princípio da legal idade,
essa legal idade estaria l igada à consti tu cional idade, de forma indireta. Porém, nem sempre seria fáci l
distingu ir entre inconsti tu cional idade direta e indireta.
Ou tra espécie de norma diretamente su bordinada à Consti tu ição seria o tratado internacional , à semelhança
das leis. N o entanto, como Kelsen era u m internacional ista, ele ponderava qu e, se considerássemos a
su perioridade do direi to internacional sobre a ordem ju rídica interna, o tratado internacional não seria
equ iparado à lei , mas apareceria como pertencente a u ma ordem ju rídica su perior aos Estados contratantes,
posicionando-se acima da lei e da própria Consti tu ição. O tratado internacional apenas poderia ser revogado por
ou tro tratado. Sob esse prisma do primado do direi to internacional , as normas de direi to internacional
poderiam ser consideradas como parâmetros de controle de consti tu cional idade.
Uma das principais garantias gerais qu e a técnica ju rídica moderna teria desenvolvido qu anto à regu laridade
dos atos estatais em geral seria a independência do órgão ju risdicional , enqu anto garantia preventiva, de modo
a evitar qu e ele pu desse ser ju ridicamente obrigado, no exercício das su as fu nções, por algu ma norma
individu al de ou tro órgão. Ele estaria vincu lado apenas às normas gerais, essencialmente às leis e aos
regu lamentos.
Ou tra garantia qu e mereceria destaqu e era a anu labi l idade ou nu l idade do ato irregu lar. Os atos das
au toridades pú bl icas,ao contrário dos atos dos particu lares, gozariam de u ma certa presu nção de val idez e
obrigatoriedade até qu e o ato su perveniente de ou tra au toridade os fizesse desaparecer.
A principal objeção à existência de u ma ju risdição consti tu cional , isto é, u m tribu nal consti tu cional
encarregado da anu lação dos atos inconsti tu cionais, seria a ofensa à soberania do Parlamento. Todavia, não
haveria de se falar da soberania de u m órgão estatal particu lar, pois a soberania pertenceria à ordem estatal
como u m todo.
Em segu ndo plano, a objeção referente à separação dos poderes tampou co mereceria prosperar, u ma vez qu e a
anu lação de atos inconsti tu cional pelo tribu nal consti tu cional não representaria u ma fu nção
verdadeiramente ju risdicional , mas legislativa, ao criar u ma norma geral com sinal negativo, declarando-a
inconsti tu cional para todos os efei tos.
Reafirmando a necessidade de u ma ju risdição consti tu cional , Kelsen considerava qu e esta adqu iriria maior
importância no Estado federativo, devido a su a forma de organização descentral izada, em qu e algu mas
matérias seriam tratadas pela União, e ou tras estariam sob a competência dos Estados-membros. Dessa forma,
tanto u ma lei estadu al poderia u su rpar a competência da União, como u ma lei federal poderia avançar os
l imites dos Estados-membros. A mbos os casos deveriam ser anal isados pelo tribu nal consti tu cional .
A s regras de direi to, segu ndo Kelsen, seriam normas gerais, enqu anto os atos ju rídicos seriam especiais. N ão
obstante essa di ferença, ambos possu iriam u m traço comu m o qu al nos permitiria agru pá-los nu ma mesma
hierarqu ia: seu caráter de normas. N esse sentido, o au tor se contrapu nha a Du gu it, qu e não admitia a reu nião
das regras e dos atos ju rídicos em u ma mesma categoria, portanto, a seu ver, não haveria de se falar em
hierarqu ia entre eles.
Kelsen argu mentava qu e a declaração de inconsti tu cional idade pelos tribu nais ordinários poderia acarretar a
incerteza e insegu rança do Direito, ao dar margem a sentenças contraditórias a serem proferidas pelos diversos
tribu nais. A ssim sendo, a ju risdição consti tu cional serviria principalmente para a central ização do
contencioso e, em segu ndo plano, para o alcance geral do ju lgado, não se l imitando somente ao caso concreto
su bmetido ao exame.
09/03/2015 O guardião da Constituição segundo Schmitt e Kelsen - Jus Navigandi
http://jus.com.br/imprimir/21201/o-guardiao-da-constituicao-segundo-as-concepcoes-de-carl-schmitt-e-hans-kelsen 7/8
Kelsen vol tava-se contra a su premacia e onipotência parlamentar, em especial contra a l iberdade qu ase
i l imitada de legislar atribu ída consti tu cionalmente ao Parlamento. Defendia a mu dança na visão qu e se tinha
do parlamento, de forma a lhe atribu ir o papel de au toridade qu e exerceria su as fu nções sobre o império de u ma
lei consti tu cional qu e seria, de fato, o ato de vontade primitivo, fu ndamental e l imitador do verdadeiro
soberano.
A Consti tu ição representaria as forças pol í ticas de determinado povo, isto é, a si tu ação de equ i l íbrio relativo na
qu al os gru pos em lu ta pelo poder permaneceriam até nova ordem. Caso hou vesse necessidade de al teração da
Consti tu ição, isso significaria qu e esse equ i l íbrio de forças estaria abalado, bu scando u ma nova organização no
plano consti tu cional . E nessa tentativa de al teração da Carta Pol í tica, dever-se-ia considerar não apenas a
representação do gru po pol í tico detentor do poder no parlamento e su a influ ência sobre os poderes execu tivo e
ju diciário, mas também a ampl itu de e a natu reza das camadas sociais qu e seriam dominadas pela ideologia
desse gru po pol í tico. Com efei to, essa ideologia consti tu iria a força e o instru mento de su a organização.
O controle de consti tu cional idade não deveria ser confiado a u m dos órgãos cu jos atos deveriam ser anal isados
em face de su a compatibi l idade com a Consti tu ição, ou seja, o legislativo e o execu tivo. Isso porqu e ningu ém
poderia ser ju iz em cau sa própria.
O au tor cri ticava a tentativa de Schmitt de atribu ir a gu arda da Consti tu ição, em u ma repú bl ica democrática,
ao Chefe de Estado, sob a denominação de poder neu tro, elaborada por Constant, por entender qu e essa concepção
acabaria por transformar o Presidente do Reich em senhor soberano do Estado, não obstante a recu sa de Schmitt
em encarar a si tu ação como u ma possível di tadu ra do execu tivo, o qu al afirmava qu e o temor de u ma violação
consti tu cional dirigir-se-ia tão somente contra o legislador.
Um dos argu mentos rechaçados por Kelsen refere-se ao pressu posto adotado por diversos dou trinadores de qu e
entre a fu nção ju risdicional e a fu nção pol í tica existiria u ma contradição essencial , sendo qu e a declaração de
inconsti tu cional idade consistiria em ato pol í tico, e não ju rídico. Ocorre qu e, como afirmava o au tor, o exercício
do poder não se restringiria ao processo legislativo, mas teria início com os órgãos execu tivos e com o próprio
ju diciário, u ma vez qu e toda sentença seria composta por u m elemento decisório, u m elemento de exercício do
poder, ainda qu e em menor grau . O caráter pol í tico da ju risdição variaria de acordo com o poder discricionário
qu e a legislação lhe cedesse. A o decidir u m caso concreto, o ju iz estaria au torizado a criar direi to, não se
restringindo a fu nção ju risdicional à mera apl icação do direi to. Dessa forma, a lei conferiria à ju risdição o
mesmo caráter pol í tico qu e possu i a legislação.
A di ferença entre u m tribu nal consti tu cional e u m tribu nal ordinário, civi l , criminal ou administrativo seria
o fato de qu e, apesar de ambos serem apl icadores e criadores do direi to, o segu ndo produ ziria apenas normas
individu ais, enqu anto o primeiro, ao declarar a incompatibi l idade de u ma norma com a Consti tu ição,
el iminaria u ma norma geral , atu ando, pois, como u m legislador negativo.
Kelsen também não aceitava o argu mento de qu e o Presidente do Reich possu iria melhores condições para ser o
gu ardião da Consti tu ição, visto qu e, a seu ver, ele não gozaria da independência necessária à consecu ção desse
fim, tampou co estaria revestido da neu tral idade imprescindível para o desempenho desse papel . Por ou tro lado,
o tribu nal consti tu cional seria a melhor solu ção para esse di lema, u ma vez qu e o ju iz, além de gozar de
independência fu ncional , seria impel ido à neu tral idade já por su a ética profissional .
CONCLUSÃ O
Tão instigante qu anto complexa, no âmbito do Direito Consti tu cional , é a qu estão da legitimidade democrática
do sistema de controle de consti tu cional idade das leis, chamado de ju risdição consti tu cional . A final , como pode
u m corpo redu zido de magistrados declarar invál idas as leis editadas pelos representantes do povo, sem ferir o
princípio democrático?
A qu estão do controle de consti tu cional idade pressu põe o estu do de qu em seria o verdadeiro gu ardião da
Consti tu ição, isto é, aqu ele responsável pela anál ise de su a eventu al violação pela edição de leis e atos
normativos. Com base no caráter contramajoritário da ju risdição consti tu cional , Carl Schmitt defendia qu e o
controle ju dicial abstrato das leis pelas Su premas Cortes gu ardaria grave tensão com a democracia, eis qu e
atribu ído a u m redu zido nú mero de indivídu os. Percebe-se qu e Schmitt procu rava opor o pol í tico ao
ju risdicional , como o exercício do poder em face o exercício do direi to.
Por ou tro lado, Hans Kelsen defendia a existência de u m Tribu nal Consti tu cional qu e assu miria a fu nção de
gu ardião da Consti tu ição. Para o au tor, o legislador au torizaria o ju iza u ti l izar u ma espécie de poder
legi ferante, permitindo qu e os magistrados criassem o direi to dentro de l imites. Dessa forma, o ju diciário
exerceria u ma fu nção pol í tica, di ferenciando-se do legislativo apenas qu antitativamente, não
qu al i tativamente.
REFERÊNCIA S BIBLIOGRÁ FICA S
09/03/2015 O guardião da Constituição segundo Schmitt e Kelsen - Jus Navigandi
http://jus.com.br/imprimir/21201/o-guardiao-da-constituicao-segundo-as-concepcoes-de-carl-schmitt-e-hans-kelsen 8/8
DI LOREN ZO, Wambert. O pensamento pol í tico de Carl Schmitt: u ma breve introdu ção. Insti tu to Jacqu es
Maritain do Rio Grande do Su l . Disponível em www.maritain.com.br.
KELSEN , Hans. Ju risdição consti tu cional . São Pau lo: Martins Fontes, 2003.
ROMA N O, Roberto. Conservadorismo romântico: origem do total i tarismo. 2. ed., São Pau lo: Editora da Unesp,.
SCHMITT, Carl . O gu ardião da Consti tu ição. Trad. Geraldo de Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
NOT A S
 KELSEN , Hans. Ju risdição consti tu cional . São Pau lo: Martins Fontes, 2003, p. 246.
 ROMA N O, Roberto. Conservadorismo romântico: origem do total i tarismo. 2. ed., São Pau lo: Editora da Unesp,
1997.
 DI LOREN ZO, Wambert. O pensamento pol í tico de Carl Schmitt: u ma breve introdu ção. Insti tu to Jacqu es
Maritain do Rio Grande do Su l . Disponível em www.maritain.com.br.
 Idem, Ibid.
 SCHMITT, Carl . O gu ardião da Consti tu ição. Trad. Geraldo de Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. xi .
 DI LOREN ZO, Wambert. Op. ci t.
 N esse sentido, esclarece Bercovici : “O papel de Carl Schmitt na crise final da Repú bl ica ainda é controverso.
Há três correntes interpretativas: u ns afirmam qu e Schmitt sempre foi nazista; ou tros, qu e ele era contrário à
Consti tu ição e qu eria o sistema presidencial au toritário, mas não tinha aderido, ainda, ao nazismo e,
finalmente, há aqu eles qu e, segu indo a interpretação do próprio Schmitt, afirmam qu e ele propôs o regime
presidencial para tentar salvar a Repú bl ica”. N a opinião de Bercovici : “Schmitt teve u m papel ativo na crise
final de Weimar, influ enciando na escolha de saídas au toritárias para a crise, ao apoiar os gabinetes
presidenciais para instru mental izar su as ideias na direção da ditadu ra presidencial e da dissolu ção da
Consti tu ição” (BERCOV ICI, Gi lberto. Consti tu ição e estado de exceção permanente. Rio de Janeiro: A zou gu e
Editorial , 2004, p. 141).
 BERCOV ICI, Gi lberto. A Consti tu ição Dirigente e a Crise da Teoria da Consti tu ição. In: LIMA , Martonio Mont’
A lverne Barreto et. al . Teoria da Consti tu ição: Estu dos sobre o Lu gar da Pol í tica no Direito Consti tu cional . Rio
de Janeiro: Lu men Ju ris, 2003, p. 75.
 Idem, Ibid, p. 77.
 BERCOV ICI, Gi lberto. Op. ci t., p. 79.
 Idem, ibid, p. 81.
 KELSEN , Hans. Op. ci t., p. 262-263.
Autor
Ca m illa Ja pia ssu Dores
A dvogada da União em Brasí l ia (DF).
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Com o c it a r est e t ex t o (NBR 6 0 2 3 :2 0 0 2 A BNT )
DORES, Camil la Japiassu . O gu ardião da Consti tu ição segu ndo Schmitt e Kelsen. Jus Nav i gandi , Teresina,
ano 17, n . 3167, 3 mar. 2012. Disponível em: <http://ju s.com.br/artigos/21201>. A cesso em: 9 mar. 2015.
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