Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Valor análise setorial saúde suplementar Introdução O sistema suplementar de saúde compreende os serviços prestados por seguradoras especializadas em seguros- saúde, empresas de medicina de grupo e odontologia de grupo, cooperativas (especializadas em planos médico- hospitalares e/ou odontológicos), entidades filantrópicas, companhias de autogestão e administradoras. Estas últimas são, segundo definição da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), “empresas que administram planos de assistência à saúde financiados por outra operadora”. As operadoras compram dos prestadores de serviços da área de saúde (médicos, laboratórios, clínicas, hospitais etc.) serviços como consultas, exames, internações, cirurgias, tratamentos, entre outros. Para tanto, dispõem de carteira de clientes (conveniados ou segurados), que, a partir de contratos, remuneram as operadoras de planos e seguros-saúde por meio de mensalidades. Há uma ampla gama de planos e seguros de saúde que são oferecidos aos consumidores, cada um se distingue pela cobertura de rede de serviços oferecida, padrão de conforto, carências, valor, entre outros. Os convênios médicos são que, praticamente, financiam o setor privado da saúde, já que chegam a ser responsáveis, por exemplo, por 80% a 90% do faturamento dos maiores hospitais privados do país. Sistema de saúde no Brasil O setor de saúde no Brasil é formado por um sistema público, financiado pelo Estado por intermédio do Sistema Único de Saúde (SUS), e por um sistema privado, denominado de saúde suple- mentar, cujos financiadores são as operadoras de planos de assistência médica. O sistema público é baseado no princípio da universalização de acesso à saúde, garantido a todos os cidadãos pela Constituição Federal, promulgada em 1988. Para atingir esse objetivo, a Constituição elegeu o Estado como principal ator. O artigo 196 determinou que “a saúde é direito de todos e dever do Estado” e o artigo 197 dispôs que as ações e serviços de saúde são de relevância pública e cabe ao poder público regular, fiscalizar e controlar. O texto constitucional também considerou, por meio do artigo 199, as instituições privadas como participantes do sistema de saúde brasileiro: “as instituições privadas poderão participar de forma complementar do Sistema Único de Saúde, segundo diretrizes deste”. O sistema de saúde privado, formado pelas operadoras de planos e seguros-saúde, hospitais, laboratórios, clínicas e médicos, complementaria o sistema público, como sistema supletivo de atenção à saúde. Assim, embora tenha determinado a importância fundamental do papel do Estado na saúde, a Constituição considerou a existência de um subsistema privado, que complementaria o sistema público. Nele, os serviços médico-hospitalares de entidades privadas e dos médicos são comprados pelas operadoras de convênios médicos. o sistema público Estima-se que o setor de saúde movimente ao redor de R$ 100 bilhões, dos quais R$ 36,2 bilhões são provenientes do setor privado. Dando ao Estado o papel central para gerir esse sistema, Introdução Valor análise setorial saúde suplementar coordenando e financiando as políticas de saúde, a Lei Orgânica da Saúde, de 1990, delineou como funcionaria a saúde pública. Essa estrutura passou a ser representada pelo SUS, que tem como princípio ser um sistema único integrado a uma rede regionalizada, hierarquizada e organizada conforme as diretrizes de descentralização, atenção integral e participação da comunidade. Em princípio, o SUS deveria ter a capacidade física e econômica para atender toda a população brasileira e fazer valer o que determina a Constituição. Trata-se de um objetivo ambicioso e o maior programa de inclusão social do país. Todavia, mesmo que tenha avançado ao longo dos anos, ainda não atingiu seu objetivo de se tornar universal. Também não se garantiu o acesso homogêneo de toda a população a ações e serviços de saúde e persistem as desigualdades regionais na distribuição dos estabelecimentos de saúde e das tecnologias médicas. As tentativas de consolidação do sistema idealizado enfrentam ainda problemas de natureza estrutural, entre as quais as dificuldades de estabelecer uma relação hierárquica, já que na mesma Constituição estados e municípios são entes federados sem relação hierárquica, dificultando a formação da desejada rede regionalizada e hierarquizada. Todavia, o mais relevante obstáculo é a incapacidade do Brasil em elevar os gastos com saúde, que chegam a cerca de 3% do PIB, percentual menor que o de muitos países da América Latina. Segundo o World Health Report de 2006, publicado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil gasta anualmente US$ 597 per capita com assistência à saúde, ante US$ 1,07 mil na Argentina e US$ 582 no México. A incapacidade de atingir a universalização também ocorre devido a determinadas políticas públicas adotadas nos últimos anos e à falta de eficiência na gestão do sistema. Mas as dificuldades da área da saúde no país não ficam restritas ao setor público. No Brasil, há dificuldades em coordenar tanto o financiamento do SUS quanto o do setor de saúde suplementar. Nos últimos anos, o sistema de saúde privado, foco desta análise, tem encontrado, também, entraves ao seu desenvolvimento. o desenvolvimento da saúde suplementar Embora tenham sido considerados pela Constituição de 1988, os planos de saúde privados tiveram início na segunda metade dos anos 50 do século passado, quando alguns médicos do ABC Paulista se reuniram para dar assistência a funcionários de uma companhia, por meio de um pré-pagamento. Nas décadas seguintes, essas operadoras teriam papel crucial no desenvolvimento do setor de saúde suplementar, que se consolidaria devido também à incapacidade do Estado em suprir todas as demandas por saúde da população. A saúde suplementar cresceu a tal ponto, que o Brasil passou a ter o maior mercado privado de serviços relacionados à saúde da América Latina. O forte desenvolvimento se deu já a partir dos anos 60 com as empresas de medicina de grupo. Um marco importante ocorreu em 1964, quando o antigo Instituto de Aposentadoria e Pensões (IAP) foi dispensado de dar assistência médica aos trabalhadores da Volkswagen. Em compensação, a empresa foi desobrigada de contribuir com a sua parte para a previdência. Foi quando surgiu o primeiro convênio-empresa. Companhias de grande porte passaram a adotar essa modalidade nos anos seguintes (em 1977 já existiam quase 5 mil convênios desse tipo). No fim dos anos 60, surge na cidade de Santos (SP) a primeira Unimed, da qual os médicos são, ao mesmo tempo, sócios e prestadores de serviços. Nesse período também começa a se consolidar outra modalidade de convênio, a de autogestão. Na década de 70, um complexo médico-hospitalar começa a se consolidar no país e, em virtude do crescimento dos custos da medicina, com a incorporação crescente de novas tecnologias, os hospitais foram ficando cada vez mais dependentes dos planos de saúde, que passam a ser a alternativa para financiar os gastos de uma parcela da população. Nessa década surge a primeira regulamentação operacional para o seguro-saúde. As operadoras de planos de saúde consolidaram sua presença no mercado no início dos anos 80, atendendo uma parcela significativa da classe média e de trabalhadores especializados nas regiões Sul e Sudeste, principalmente nesta última. Estima-se que à época cerca de 15 milhões de pessoas já eram beneficiários de planosoferecidos pelas empresas de medicina de grupo e pelas cooperativas. No fim dos anos 80, as operadoras desse segmento passaram a vender planos individuais com padrões de cobertura diferenciados. Há um significativo crescimento do mercado de saúde suplementar entre o fim da década de 80 e o início dos anos 90, com a expansão das 10 Valor análise setorial saúde suplementar vendas de planos individuais e com uma forte demanda de novos grupos de trabalhadores, com destaque para o funcionalismo público e os empregados em estatais. Entre 1987 e 1992, por exemplo, houve um aumento médio no número de usuários de medicina privada de 7,4%. Vale lembrar que é nesse contexto de grande expansão da medicina suplementar que foi criado o Sistema Único de Saúde (SUS). Nos anos seguintes, o bom desempenho da saúde suplementar continuou. O número de beneficiários do setor salta de 32 milhões, em 1992, para pouco mais de 41 milhões em 1997. Todavia, se desde as décadas anteriores o setor caminhou para consolidação com a formação de uma classe média significativa e o incremento da demanda por parte de trabalhadores e empresas por uma assistência médica com qualidade, a partir dos anos 90, para alguns especialistas o crescimento ocorre também devido à queda na qualidade dos serviços públicos de saúde. Houve uma diminuição na quantidade e na qualidade dos serviços disponíveis, o que acabou por afastar ainda mais do SUS as camadas da população com maior renda e os trabalhadores melhor remunerados. Entretanto, após a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, no início dos anos 90, e a atuação do Ministério Público na área de defesa das relações de consumo, os planos de saúde passam a ser alvos de reclamações por parte dos consumidores. A partir de então, começam os primeiros debates sobre a necessidade de regulamentação do setor. Mas, no fim dos anos 90, as perspectivas para a saúde suplementar eram positivas. Em 1998, estimava-se que o setor teria, em cinco anos, 80 milhões de usuários de planos de saúde no país, ante o pouco mais de 40 milhões de então. A perspectiva de regulamentação levou analistas a prever que haveria a entrada de companhias estrangeiras que contribuiriam para a expansão da saúde suplementar Impactos da lei 9.656 Não foi o que ocorreu. A partir do fim do século passado, o setor entrou em estagnação, de tal forma que, em março de 2006, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que regula o setor, informou que o Brasil possuía 42,4 milhões de beneficiários. Esse número está próximo ao que os especialistas estimavam existir em 1998, entre 40 milhões e 43 milhões de usuários. A estagnação da saúde suplementar ocorreu justamente após a aprovação da Lei 9.656, em junho de 1998, que, finalmente, trouxe regulamentação a um setor que já existia desde os anos 50. Os debates em torno da necessidade de criar regras para o mercado, os quais vinham sendo tratados desde o início dos anos 90, e a aprovação da lei tornaram-se o marco mais importante na história do setor de saúde suplementar no Brasil. Entre empresários e executivos do mercado há uma unanimidade sobre a necessidade de regulamentação do setor de saúde suplementar. É o caso, por exemplo, de João Alceu Amoroso Lima, vice-presidente da área de saúde da SulAmérica, que acredita que a lei trouxe benefícios, pois “melhor uma lei com muitos defeitos do que um mercado sem regulamentação”. Para Amoroso Lima, a necessidade de regulamentação não era só para coibir abuso por parte das operadoras em relação aos consumidores, mas também porque, por meio da atuação da ANS, criada em 2000, haveria garantia de um ambiente de concorrência dentro da lei entre as empresas. Mas, desde 1998, os empresários vêm criticando alguns aspectos importantes da Lei 9.656 e também a atuação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), criada em janeiro de 2000. Entre os principais pontos criticados estavam o número excessivo e emaranhado de normas e resoluções, além das mudanças constantes da legislação. As opiniões negativas concentram-se sobretudo em três aspectos: o controle de preços dos planos individuais e familiares, a imposição de um modelo mínimo de cobertura por meio de um Plano Referência e a obrigatoriedade de ressarcimento ao SUS. Desde 2000, o controle de preços ocorre e, uma vez por ano, as operadoras são autorizadas a reajustar seus planos até um índice máximo estabelecido pela ANS. Esse índice é contestado por ficar sempre abaixo da inflação da área médica. Já o Plano Referência foi estabelecido obrigando as operadoras a oferecerem pelo menos um plano com cobertura assistencial ampla. Para as operadoras, a medida tornou os planos muito caros, desestimulando a compra de convênios médicos pelos consumidores, pois a lei teria ignorado que o plano seria opcional e a integralidade foi levada ao mercado, tirando o direito do consumidor de escolher se opta ou não. O ressarcimento ao SUS trata do pagamento que Valor análise setorial 11saúde suplementar as operadoras devem fazer sempre que seus beneficiários utilizarem os serviços de saúde públicos. As dificuldades do setor aumentaram com o fraco desempenho da economia brasileira, que ao longo dos anos seguintes passou a apresentar baixos índices de crescimento, com o aumento do desemprego e a diminuição da renda da população. Tais fatores contribuíram para a queda no número de usuários do sistema. Além disso, o sistema suplementar passou também a conviver com um fenômeno que atinge todo o mundo: os custos crescentes da área da saúde. Em todos os países, observa-se que a inflação da saúde tem sido bem maior que o aumento de preços em geral. Houve encarecimento dos planos e uma queda no número de usuários. Os dados apurados pela Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge) comprovam essa tendência. Embora em 2005 o número de beneficiários vinculados aos seus associados tenha aumentado 3% em relação ao ano anterior, atingindo 15,7 milhões de pessoas, foi 14,7% menor do que o observado em 2000, quando chegou a 18,4 milhões. Em relação aos preços, segundo a Abramge, entre 2000 e 2006, o custo médio dos planos de saúde por beneficiário passou de R$ 25,6 para R$ 65,8, um aumento acumulado de 157%, ou 17% ao ano. As dificuldades das operadoras disseminaram-se pelo restante da cadeia da saúde suplementar, atingindo hospitais, clínicas, laboratórios e médicos. Diante da estagnação do mercado, as operadoras passaram a adiar os reajustes de diárias e taxas pagas aos prestadores de serviços (hospitais, laboratórios, médicos etc.). Os reajustes que foram concedidos eram inferiores aos autorizados pela ANS. Em relação aos médicos, a defasagem dos valores pagos foi ainda mais grave do que os pagos a hospitais e laboratórios. A situação chegou a ponto de tornar delicada a relação entre os profissionais e as operadoras e levou, inclusive, os médicos a promoverem um boicote direcionado a sete seguradoras em 2004. Contudo, a reação das operadoras não se restringiu ao endurecimento nas negociações com seus prestadores de serviços. As empresas passaram a adotar estratégias visando à redução de custos, tais como a medicina preventiva e a verticalização de suas atividades, investindo em rede própria de hospitais e laboratórios. Outra tendência entre as companhias do setor foi priorizar as vendas de planos para empresas, já que os planos coletivos não ficaram sob controle de preços. O alvo tem sido as empresasde pequeno e médio portes, um segmento ainda pouco explorado pelas operadoras. A reação do setor diante do novo quadro que se desenhou a partir do fim dos anos 90, todavia, não deve alterar a perspectiva de concentração do setor. As dificuldades em atuar num mercado em que as margens ficaram mais estreitas por causa da regulamentação e da queda do poder aquisitivo da maior parte da população, que tradicionalmente tem plano de saúde, fragilizaram financeiramente muitas companhias, principalmente as de médio e pequeno portes.
Compartilhar