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Capítulo III Da Aplicação da Pena Fixação da pena Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário o suficiente para reprovação e prevenção do crime: I – as penas aplicáveis dentre as cominadas; II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. Tema — O artigo 59 traz à baila a temática da pena, isto é, a medida de caráter preventivo, reparador e sócio-educativo objetivando a perfeita reinserção do infrator ao convívio da Sociedade. No Direito pátrio, naquilo que respeita à lei ordinária, a reprimenda encontra-se regida pelo art. 1º, elencando-se as suas espécies no artigo 32, todos do Código Penal. Preside- a, aí, os princípios da reserva legal (legalidade) e da anterioridade. Constitucionalmente a temática encontra-se regulada no artigo 5º e firmada nos seguintes princípios: a) legalidade, anterioridade e irretroatividade, significando dizer que a pena para ter aplicação deverá ser prevista em lei com vigência à data do fato e não podendo recuar sua aplicação, exceto para o benefício do réu (incisos II, XXXIX e XL); b) humanidade, fundado na dignidade própria do ser humano, vedando-se as penas de morte (ressalvado o caso de traição, durante o período de guerra declarada), de prisão perpétua, de trabalhos forçados e de banimento, bem como as que sejam consideradas cruéis, (itens III, XLVII, XLIX e L); c) pessoalidade e individualização, isto é, a pena deve ser necessariamente particularizada em cada caso específico e somente aplicável ao infrator, não podendo ela ultrapassar a pessoa deste (números XLV e XLVI); d) proporcionalidade, deve a apenação ser proporcional ao agravo cometido pelo infrator na justa medida da necessidade e suficiência (LIV); e) especialização (inciso XLVIII); e f) competência judiciária, (XXXVII, LIII, LIV e LV) vale dizer, somente o Poder Judiciário pode impor pena e, isto, após sentença condenatória com trânsito em julgado, resultante de processo regular onde se observaram os princípios do contraditório e da ampla defesa. O caput do artigo gizado refere-se especificamente à fixação da pena, estabelecendo dever ser ela aplicada na conformidade do necessário e suficiente à censura e prevenção do crime. Para tanto, o juiz deverá atentar para os seguintes elementos: a) culpabilidade do infrator; b) antecedentes do mesmo; c) conduta social do agente; d) personalidade do sujeito; e) motivos do crime; f) circunstâncias do evento; g) conseqüências do ilícito; h) comportamento da vítima. Trata, portanto, este artigo, em sua cabeça, das chamadas circunstâncias judiciais. Como foi visto no artigo 30, consideram-se circunstâncias os elementos particulares e accessórios que cercam o evento criminoso, não se confundindo com as condições elementares, as quais implicam em dados componentes essenciais da própria figura ilícita. As circunstâncias podem ser subjetivas ou objetivas. Diz-se subjetivas (pessoais) quando se referem às qualidades e condições do agente em relação ao evento delituoso e àqueles que ali figuram, incluindo-se, aí, a própria vítima. Entendem-se como circunstâncias objetivas (materiais) aquelas respeitantes aos meios, modos, local, qualidades da vítima e outros dados concretos de execução do ilícito. Importante distinguir, neste ponto, as circunstâncias judiciais — elencadas no presente mandamento e que são utilizadas na determinação da pena-base — das circunstâncias legais, as quais agravam (artigos 61 e 62) ou atenuam (artigos 65 e 66) a reprimenda após a fixação da pena-base. Temos, portanto, que a apuração do quantum da pena passa por três momentos de verificação: a) circunstâncias judiciais; b) circunstâncias atenuantes e agravantes; e c) causas de diminuição ou aumento da pena. Vejamos, a seguir, cada um dos elementos previstos como circunstâncias judiciais. A culpabilidade do infrator será o grau de reprovabilidade que se lhe pode atribuir em função das suas condições pessoais e da situação fática em que se verificou a conduta danosa e em relação à qual lhe era possível exigir procedimento diverso. Como antecedentes do agente é de ser considerada a sua vida pregressa, incluindo-se, aí, tanto os fatos positivos quanto os negativos. Através da história pessoal do réu pode o Julgador perceber se o delito cometido apresenta-se como fato episódico, ou não, na vida daquele. Dentre os elementos para tal apuração teremos a folha de antecedentes, fornecida pela Polícia, e as certidões, oriundas dos Cartórios criminais ou de distribuição. Vale salientar que os inquéritos e processos em curso, mas sem julgamento definitivo, não devem ser considerados como maus antecedentes, porquanto a Carta Magna, no inciso LVII, do artigo 5º, reza taxativamente que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Por outro lado, sentença condenatória com trânsito em julgado se for considerada pelo Juiz como mau antecedente não poderá também ser utilizada na segunda fase do cálculo como indicador de reincidência, porquanto implica em bis in idem. Tal procedimento implica em ofensa ao método trifásico estabelecido pelo nosso Código Penal (artigos 59 e 68). Já a conduta social diz respeito ao comportamento e relacionamento do infrator com os membros do seu grupo familiar e da comuna em que vive. Por seu turno, a personalidade implica nas qualidades pessoais e na maneira de ser que permitem individualizar o sujeito, resultando o seu comportamento habitual, social e moral. Partindo do perfil da personalidade do réu terá o Juiz condições de melhor entender o fato delituoso no conjunto da história pessoal daquele. Os motivos do crime são os fundamentos que impulsionaram o agente para a concretização do ato criminoso, comissivo ou omissivo. Em função de tais motivos pode-se divisar o grau de reprovabilidade da conduta delituosa. É de salientar-se que determinadas causas motoras já constam como circunstâncias legais ou causas de aumento de pena e não devem ser considerados nesta fase do artigo 59. É o caso, verbi gratia, da torpeza e futilidade. As circunstâncias são dados objetivos relevantes e contemporâneos à prática criminosa, tais como os meios utilizados, os modos de perpetração, o local do evento, as qualidades ostentadas pela vítima e outros dados concretos. Também aqui se alerta que certas circunstâncias são inerentes à figura criminal (repouso noturno, lugar ermo, por exemplo) e não podem ser consideradas nesta primeira etapa, sob pena de dupla valoração, inaceitável em nossa matéria. Já as conseqüências são a carga de efeitos resultantes da conduta para a vítima e para a própria coletividade. O comportamento da vítima é dado importantíssimo para u’a melhor compreensão do fato delituoso. Isto, porquanto o fenômeno criminoso é composto necessariamente por três elementos constitutivos, quais sejam o evento, o autor e a vítima. Somente o estudo conjunto de tais partes pode levar à compreensão do todo. Bem escreveu o ilustrado Edgard de Moura Bittencourt, ensinando que “A participação da vítima pode consubstanciar-se em qualquer cooperação, consciente ou inconsciente, direta ou indireta, atual, recente ou remota, para a prática do fato típico. Pode consubstanciar-se ainda na cooperação apenas para qualificar ou agravaro delito. A provocação é a participação por excelência; direta e acompanhada de agressão, em certas condições, chega a compor em prol do agente a justificativa da legítima defesa.” É igualmente nesse rumo o parecer do Professor Roque de Brito Alves, atentando para que as pesquisas vitimológicas permitiram “o abandono ou a superação do pensamento antigo ou tradicional acerca da vítima de crime como alguém por si mesmo (o que seria sugerido pelo próprio vocábulo, conceito ou idéia de ‘vítima’) inofensivo, sofredor, inócuo, passivo, inocente, sem culpa alguma pelo que crime que sofreu. Ao contrário, a Vitimologia esclareceu que em certos delitos a vítima pode assumir o papel ativo ou mesmo predominante, provocando direta ou indiretamente, intervindo, instigando, colaborando na prática do fato punível — lembre-se, aqui, muitas infrações penais de caráter fraudulento, como p. ex., certas formas de estelionato — sendo muitas vezes, igualmente causadora ou responsável (em sentido amplo) por sua realização.” Temos, portanto que a fixação da pena-base deverá ser estabelecida na conformidade do necessário e suficiente à censura e à prevenção do crime, devendo, obrigatoriamente, o juiz, motivar o quantum fixado, atentando para cada um dos elementos estatuído no artigo 59, caput, mesmo tratando-se de pena mínima. Critérios especiais da pena de multa Art. 60. Na fixação da pena de multa o juiz deve atender, principalmente, à situação econômica do réu. § 1º A multa pode ser aumentada até o triplo, se o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do réu, é ineficaz, embora aplicada no máximo. Multa substitutiva § 2º A pena privativa de liberdade aplicada, não superior a seis meses, pode ser substituída pela de multa, observados os critérios dos incisos II e III do art. 44 deste Código. Tema — O artigo ressaltado estabelece critérios especiais para quando da aplicação da pena de multa. No caput consta o comando de atentar-se principalmente à situação econômica do réu no momento da determinação do valor do dia-multa. Isto, porquanto não se procedendo desta maneira poderá a multa perder inteiramente o seu sentido, ou por não atingir efetivamente o patrimônio do apenado, ou por implicar em excesso que impossibilite a execução. Há de ser sempre lembrado que a emenda deve ser aplicada em atendimento aos critérios da suficiência e da necessidade: nem meramente simbólica e nem exemplarmente impagável. Para a fixação do seu valor relembramos, aqui, o sistema bifásico, exposto pelo saudoso Mestre Celso Delmanto, a que nos reportamos por ocasião da apreciação do artigo 49 e para o qual remetemos o leitor. Por seu turno, o parágrafo 2º deste artigo 60 prevê a substituição da pena privativa de liberdade aplicada, não superior a seis meses, pela de multa, desde que sejam observados os critérios dos incisos II e III, do artigo 44, vistos anteriormente. Isto é, devem ser observados os requisitos específicos: a) não reincidência; b) suficiência da substituição, em razão da culpabilidade, antecedentes, personalidade do condenado, motivos e circunstâncias do delito. Alfim, lembramos que, apesar da lei referir-se à situação econômica do condenado, jamais deve o Juiz perder de vista a situação financeira do mesmo, vez que esta melhor atende aos critérios de suficiência e necessidade da apenação. Não se pode esquecer que econômico e financeiro são conceitos distintos. Uma coisa é a situação econômica e outra é a situação financeira de alguém. Uma pessoa pode apresentar uma situação econômica boa e, ao mesmo tempo, uma condição financeira ruim. E vice- versa. Também as duas situações podem ser positivas ou negativas. A situação econômica diz respeito à riqueza aparente, representada por bens. Desta forma, a visão econômica é representada por bens que demonstram riqueza, mas não necessariamente dinheiro. Tais bens, apesar de possuídos, não significam necessariamente a capacidade de mantê-los. Recursos econômicos é sinônimo de lucro ou prejuízo. O lucro aumenta o patrimônio líquido, mas não a disponibilidade de dinheiro. Por outro lado, a situação financeira não é apenas o aparente, ela implica na posse de dinheiro, representando uma riqueza sustentável. Vale dizer, implica na possibilidade adquirir e alienar, podendo manter o acervo possuído (sem necessariamente demonstrar riqueza), com o cumprimento das obrigações financeiras. Recursos financeiros refere-se a dinheiro. Representa a variação do caixa. Desta forma, a situação financeira do apenado é o verdadeiro elemento chave para a determinação do valor da pena de multa que atenda aos critérios de suficiência e necessidade a que se propõe o Direito Penal. Circunstâncias agravantes Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: I – a reincidência; II – ter o agente cometido o crime: a) por motivo fútil ou torpe; b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime; c) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido; d) com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum; e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge; f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade; g) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão; h) contra criança, maior de 60 anos, enfermo ou mulher grávida; i) quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade; j) em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido; l) em estado de embriaguez preordenada. Tema — São consideradas circunstâncias aqueles dados particulares e accessórios (accidentalia delicti) que cercam o evento criminoso, não se confundindo com os elementos da configuração própria (essentialia delicti) da figura delitiva. Assim, as circunstâncias agravantes (ou legais), de que trata o artigo 61, são, no dizer do Mestre Anibal Bruno, aquelas “reveladoras de particular culpabilidade do agente, que aumentam a reprovabilidade que a ordem jurídica faz pesar sobre ele em razão do seu crime”. As exasperantes em testilha devem ser consideradas na segunda fase do cálculo da pena, de acordo com o sistema trifásico (sistema Nelson Hungria), sendo de aplicação obrigatória porquanto o mandamento é cogente: sempre agravam. Vejamos cada uma das circunstâncias agravantes. O inciso primeiro, do artigo 61, ora evidenciado, elege como majorante a reincidência, entendendo-se por tal a prática de novo ato criminoso, após o trânsito em julgado de sentença condenatória. Tal elemento está disciplinado nos artigos 63 e 64, inciso II, do Código Penal. Pesa sobre este instituto a pecha de inconstitucionalidade e sobre o que falaremos mais adiante, por ocasião da abordagem do artigo 63. No que respeita às agravantes genéricas, relacionadas exaustivamente no inciso II, do preceito gizado, alertamos que para a sua aplicação faz-se “necessário que o agente conheça os fatos ou elementos que as constituem”, como magistra Damásio E. de Jesus. Dentre as elencadas, encontramos, inicialmente, o motivo fútil ou torpe, inscrito na alínea a. Motivo é o móvel, o pretexto, a razão intelectual impulsionadora de uma ação — positiva ou negativa — praticada pelo homem. Para a agravação, segundo o comando legal, mister se faz que o móvel psicológico do ato seja fútil outorpe. Entende-se como motivo fútil aquele eivado de frivolidade, desvalorado, e que se mostra insignificante e desproporcional em relação ao ato praticado. Por motivo torpe temos aqueloutro que se mostra contrário à moral média, indigno, abjeto, vil. A letra b diz agravar a pena sempre que o cometimento delituoso visar uma das seguintes finalidades: a) asseguramento da perpetração de um outro crime; b) esconder um ilícito; c) escapar da apenação; d) vantagem, patrimonial ou não, noutro delito. Significa dizer que se trata de um crime-meio, isto é, aquele que é praticado para possibilitar, ocultar ou obter vantagem em um crime-fim, implicando, destarte, em conexão. Enquanto as alíneas anteriores cuidaram de motivos, a c, por sua vez, trata de modos, de recursos pérfidos que dificultam ou impossibilitam a defesa da vítima: a) Traição, que se traduz no desleal ataque e, conseqüentemente, inesperado; podendo ocorrer tanto de forma objetiva, quanto subjetiva. O ataque à vítima pelas costas ou quando se encontra a dormir é traição objetiva; o uso de engodo e a quebra da confiança votada pela vítima no agente é traição subjetiva. b) Emboscada, que é a espera às escondidas, dissimuladamente, para o ataque de inopino à vítima. O ato da tocaia externa o caráter insidioso e covarde do agente. c) Dissimulação, implicando no uso de fraude hábil a manter a vítima enganada e permitindo a surpresa no momento do ato delituoso. d) Outros recursos, no entender do Código, são maneiras assemelhas às anteriormente vistas, sempre eivadas de deslealdade, dissimulação, fraude ou ardileza, idôneas para dificultar ou impossibilitar a defesa da vítima. De outra banda, a letra d versa sobre meios utilizados na prática delituosa e que se caracterizem como pérfidos, desumanos ou de que podem resultar perigo para um número indeterminado de pessoas. O mandamento enumera como tais o veneno, o fogo, o explosivo, a tortura, ou outros assemelhados. Avulta, aí, a tortura, vale dizer, todo e qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter dela ou de uma terceira, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma outra tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Em outras palavras, entende-se como tortura o ato, comissivo ou omissivo, livre e conscientemente praticado, do qual resulte inflição de dores ou sofrimentos agudos — físicos ou psíquicos —, de castigos, de intimidação ou coação, de discriminação, ou de instigação, objetivando a obtenção de informação, declaração ou confissão. O objeto jurídico a proteger, no caso, é a dignidade humana, a incolumidade física e psíquica do indivíduo e a segurança da ordem jurídica. O sujeito ativo será qualquer pessoa e, em especial, funcionário público; figurando como sujeito passivo qualquer indivíduo, incluindo-se, aí, em particular, os submetidos à prisão ou medida de segurança e, com especial relevo, a criança, o adolescente, a gestante e o deficiente. Trata-se, a partir da leitura da Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997, de crime comum (item I, do artigo 1º) ou próprio (inciso II, §§ 1º e 2º, do artigo 1º), doloso, instantâneo, unissubjetivo, plurissubsistente (itens I e II; e § 1º, do artigo 1º) ou unissubsistente (§ 2º, do artigo 1º) e material (incisos I e II; e § 1º, do artigo 1º), admitindo, portanto, a tentativa. A alínea e refere-se ao destinatário da ação criminosa, levando em consideração a relação de parentesco. Assim sendo, majora-se a pena se o delito é cometido em desfavor de ascendente (pais, avós, etc.), descendente (filho, neto, etc.), irmão ou cônjuge (pressupondo-se, neste caso, a constância da relação). As majorativas previstas na letra f referem-se às “relações de dependência, intimidade ou comunidade material de vida que prendam criminoso e vítima”, desta forma, “o agente transforma em agressão o que cumpria ser apoio e assistência. E, como aquela atitude de solidariedade e auxílio era o que devia haver nessas situações, o agente viola a confiança natural em que se encontra a vítima, o que lhe diminui a defesa, facilitando a execução da ação criminosa e favorecendo a segurança do seu autor”, como ensina o Mestre Anibal Bruno. O abuso, vale dizer, o mau uso da autoridade é o elemento caracterizador da presente agravante e poderá ser de natureza particular ou pública, como igualmente entende o douto Magalhães Noronha. Desta forma, inclui-se, aí, o abuso de autoridade propriamente dita — desde que não seja elemento constitutivo da figura penal —, bem como da autoridade decorrente de determinados relacionamentos, tais como o doméstico (membros do mesmo grupo familiar, patrões e empregados, etc.), o da coabitação (companheiros, ocupantes de um mesmo aposento) e o da hospitalidade. A alínea g versa sobre temática semelhante e praticamente complementando a anterior. Cuida ela de abuso de poder o que é inerente apenas a cargo ou ofício públicos, e de violação de dever, o que respeita a qualquer das hipóteses enumeradas. Aqui, também se alerta sobre a inaplicabilidade de tais agravantes aos crimes funcionais típicos. Vale lembrar, ademais, que o termo ministério refere-se àqueles de natureza religiosa. Tal como na letra e, nesta h leva-se em conta o destinatário da ação ilícita para o agravamento da pena. Por início, considera a criança. Em que pese a profunda discordância doutrinária do que seja esta, podemos entendê- la como o menor até doze anos incompletos, como definido no artigo 2º, da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Segue-se a previsão de maior de 60 anos. Por terceiro, a alínea enumera o enfermo, isto é, aquele que por doença encontra-se em posição de desvantagem, lembrando, neste ponto, a observação do Professor Júlio Fabbrini Mirabete de que o termo deve ter interpretação de forma amplificada, “incluindo não só os que padecem de uma moléstia física ou mental, e que por isso não exercem determinada função ou a exercem com deficiência, como também os deficientes físicos (paraplégicos, cegos, etc.)”. Alfim, por força da Lei nº 9.318/96, incluiu-se, também, a mulher grávida, passando a majorar a pena o fato do agente passivo do crime ser pessoa do sexo feminino e em estado de gravidez. Tal preocupação é perfeitamente justificada, não apenas em virtude da maior fragilidade da mulher em tal estado, mas, sobretudo, pelo cuidado que se deve ter com um ser a mais, isto é, aquele que encontra-se sendo gerado no organismo materno, merecedor da proteção jurídica desde a sua concepção, conforme previsto no Código Civil. Resumindo: a criança merece-nos proteção; o maior de 60 anos, respeito; o enfermo, amparo e paciência; a mulher grávida, cuidados especiais. Com razão agrava-se a pena daquele que não observa esses princípios, ao mesmo tempo que se vale de sua superioridade física para ofendê-los. Este o ensinamento do Mestre Magalhães Noronha. Considera-se também agravante, por força da alínea i, o ataque a pessoa que se encontra sob imediata proteção da autoridade. Em que pese todas as pessoas, em tese, encontarem-se sob tal proteção, para os efeitos do presente mandamento, assim se considera apenas o custodiado. Observe-se que no caso da majorante em ressalto ferem-se dois bens jurídicos,o do ofendido imediato e o do guardião, em sua autoridade a merecer respeito. Tal qual nos casos anteriores sublinhamos não haver agravante quando ela se apresenta como elementar à figura típica, a exemplo do arrebatamento, previsto no artigo 353 do Código Penal. A não observância da solidariedade humana é o tema das majorantes elencadas na alínea j, vale dizer, o crime em que o agente, aproveitando-se de situações emergenciais e demonstrando maior grau de insensibilidade ou de perversidade, causa indignação e revolta na consciência média dos cidadãos. Por fim, a letra l versa sobre a embriaguez preordenada, ou seja, aquela produzida conscientemente pelo agente e com o objetivo de, ao alcançá-la, cometer o ilícito. Significa dizer que, aí, o indivíduo procura, em substâncias tóxicas, fórmula capaz de desinibi-lo, criando as condições psicológicas necessárias ao cometimento do ato danoso. É a chamada actio libera in causa. Exemplos: a) motivo fútil — A atira em B porque este se recusou educadamente a permitir que ele se colocasse em sua frente numa fila de coletivos. b) motivo torpe — A espanca violentamente a sua esposa em virtude dela negar-se à prostituição. c) crime-meio, anterior — A fere e imobiliza B, pai de C, visando a prática de ato libidinoso com esta. d) crime-meio, posterior — A, após furtar um caixa-eletrônico, ao ser perseguido por B, vem a matar este para assegurar a fuga. Agravantes no caso de concurso de pessoas Art. 62. A pena será ainda agravada em relação ao agente que: I – promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes; II – coage ou induz outrem à execução material do crime; III – instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade ou não-punível em virtude de condição ou qualidade pessoal; IV – executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de recompensa. Tema — As circunstâncias majorantes especiais relativas ao concurso são todas reunidas neste artigo 62. A cabeça do mandamento fala em relação ao agente deixando bem claro que para intensidade desigual de participação corresponde diversidade de apenação. Isto na medida da culpabilidade própria de cada um, Confirma-se a teoria monista e o princípio da responsabilidade real enunciados no artigo 29 do Código Penal. Vejamos as hipóteses contempladas de agravação em concurso. a) Autoria intelectual, traduzida pela promoção, organização ou direção da atividade criminosa vem descrita no primeiro item. Bastante didático, o Professor Júlio Fabbrini Mirabete diz “Tratar-se de punir mais severamente o organizador, o chefe, o líder, o ‘cabeça pensante’ do delito, mais perigoso por ter tomada a iniciativa do fato e coordenado a atividade criminosa”. b) O inciso II refere-se à coação ou indução para a efetivação do evento ilícito, levando o autor material a agir contra a sua vontade ou com esta viciada pelo autor intelectual. Isto, porque a coação implica em determinação obrigatória e irresistível, conseguida através de ação violenta, física ou moralmente. Neste caso, caracterizando-se a vis absoluta, exclui-se a responsabilidade do autor imediato — eis que sem vontade própria, livre e consciente, pressupostos da culpabilidade — recaindo ela inteiramente sobre o autor mediato. Já na indução, temos insinuação, inspiração, incitação hábil de uma idéia criminosa na mente de alguém e que vem a tomar forma no mundo material. Importante ter em mira a distinção entre a indução e a instigação, pois que, nesta última, a idéia delituosa preexiste na mente do executor. c) A instigação e a determinação encontram-se previstas no item III. A instigação, in casu, é o estímulo, o lampejo necessário, oriundo de quem detenha autoridade (independente da natureza desta) sobre aquele que já se encontra predisposto a perpetrar o ato criminoso. Segundo o douto Galdino Siqueira a instigação é excitamento ou reforço de resolução já tomada pelo agente. Por outro lado, a determinação implicará num comando, embasado na autoridade, igualmente pública ou particular, para que se tome forma concreta o ato ilícito. Como bem leciona Bento de Faria “ocorre quando, por ela, se origina uma resolução que antes não existia, isto é, quando alguém faz surgir em outrem o propósito deliberado de praticar o próprio delito, sem que, antes, anteriormente, existisse essa resolução”. Em ambas a ação pode ser exercida sobre o inimputável (menor, louco, silvícola, embriagado), levando, em não poucas hipóteses, a descaracterizar propriamente o concurso e descambando para a autoria mediata. d) Execução ou participação em evento delituoso mediante o recebimento de soldada ou vantagem futura é o concurso mercenário insculpido na alínea IV do artigo gizado e que bem denota o caráter vil e anti-social do executor. Paga, significa remuneração, retribuição por algo prestado. Promessa de pagamento, entende-se como a expectativa de percepção de contraprestação futura por ato atual. Reincidência Art. 63. Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. Tema — Entende-se como reincidência, de forma genérica, a repetição do cometimento de crime. O Código Penal — adotando a forma ficta e a temporal — admite-a quando da prática de novo crime, pelo agente, após o trânsito em julgado de Sentença condenatória proferida pelo Judiciário nacional, ou pelo correspondente órgão estrangeiro. Em havendo a reincidência aplicar- se-á o agravamento obrigatório, segundo o comando previsto no artigo 61, inciso I, do Código Penal. O uso da reincidência como agravante obrigatória, contudo, não encontra acordo entre os Doutrinadores. Isto, porquanto é de observar-se que já havendo julgamento do primeiro delito e se encontrando a pena correspondente aplicada ou em fase de execução, não se pode novamente chamar à baila o mesmo evento criminoso para nova emenda, por constituir-se bis in idem. Impossível se perder de vista o princípio constitucional da legalidade vedando a duplicidade de apenação. Abordando a temática, com a propriedade que lhe é peculiar, o Mestre Alberto Silva Franco assenta que “o princípio do ne bis in idem, que se traduz na proibição da dupla valoração fática, tem hoje seu apoio no princípio da legalidade. Não se compreende como uma pessoa possa, por mais vezes, ser punida pela mesma infração. O fato criminoso que deu origem à primeira condenação não pode, depois, servir de fundamento a uma agravação obrigatória de pena, em relação a um outro fato delitivo, a não ser que se admita, num Estado Democrático de Direito, um Direito Penal atado ao tipo de autor (se reincidente), o que constitui uma verdadeira e manifesta contradição lógica. Como acentua Zugaldia Espinar (Fundamentos de Derecho Penal, p. 236, 1990), um mesmo fato não pode ser tomado em consideração ‘com plurais efeitos fundamentadores ou agravatórios da responsabilidade criminal’ mesmo porque a sanção repetida de uma mesma conduta possibilita ‘uma inadmissível reiteração no exercício do jus puniendi do Estado’ (Dias Palos, La Jurisprudencia Penal Ante la Dogmática Jurídica y la Política Criminal, p. 146, Colex, Madrid, 1991). Correta, portanto, a conclusão de que o princípio da legalidade não admite, em caso algum, a imposição de pena superior ou distinta da prevista e assinalada para o crime e que a agravação da punição, pela reincidência, faz, ‘no fundo, com que o delito anterior surta efeitos jurídicos duas vezes’ (Quintero Olivares, Derecho Penal, MarcialPons, Madrid, 1989).” Art. 64. Para efeito de reincidência: I – não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a cinco anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação; II – não se consideram os crimes militares próprios e políticos. Tema — A teor do presente dispositivo, em seu inciso I, passou-se a adotar para a reincidência, entre nós, o sistema da temporariedade, em oposição ao sistema da perpetuidade, constante na antiga Parte Geral. Assim é que se estabelece a desconsideração da reincidência após o prazo de cinco anos a contar do cumprimento da pena ou da sua extinção pela prescrição da pretensão executória. Inclui-se, em tal contagem, o período de prova do sursis ou do livramento condicional, desde que não tenha havido revogação. Verificado tal lapso, passa-se, novamente, à condição de primário. A condenação anterior, contudo, será levada em consideração quando da apreciação das circunstâncias judiciais. O item II estabelece exceções à regra da reincidência ao referir-se aos crimes militares próprios e aos crimes políticos. Vejamos cada uma deles. Por força da redação imprimida ao artigo 9º, do Código Penal Militar, alterado através da Lei nº 9.299, de 7 de agosto de 1996, vamos encontrar dois pressupostos básicos e aos quais se soma uma das três hipóteses de caracterização do que venha a ser crime militar próprio, tudo na conformidade dos incisos I e II do aludido mandamento. Vejamos, esquematicamente. 1) Pressupostos: a) definição no Código Penal Militar; b) militar da ativa como sujeito ativo. 2) Variáveis: a) contra militar também da ativa; b) contra civil ou militar da reserva ou reformado; c) contra o patrimônio ou a ordem administrativa militares. O pressuposto inicial é a existência de descrição da figura penal no corpo do Código castrense. Não poderia ser diferente, porquanto o princípio da reserva legal — nullum crimen, nulla poena sine lege poenale —, prevalente em todos os ordenamentos jurídicos democráticos atualmente, encontra-se erigido, entre nós, à dignidade de garantia constitucional. Observe-se, inclusive, que o Código Penal Militar inicia com a previsão de não haver crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal, repetindo, destarte, o estatuído no Código Penal, igualmente em seu artigo primeiro, tudo em obediência à Lei Maior. Por ressalva inscrita no inciso II, do referido artigo 9º, do Código castrense, mesmo que se encontre idêntica descrição delituosa na lei penal comum, prevalece aquele, vez que é especificamente destinado aos crimes de natureza militar, enquanto o Código Penal é de natureza geral e tem, como alvo, os civis. Ao depois, como segundo pressuposto basilar, faz-se necessário que o sujeito ativo a praticar o ilícito seja militar da ativa. Isto, porque as alíneas a até e referem-se, sempre, a militar em situação de atividade, ou em comissão de natureza militar, em formatura ou, ainda, em manobras, ou exercício, a que fica impossibilitado o militar reformado, na reserva e, menos ainda, o civil. Estes os pressupostos fundamentais e sem os quais impossível será falar-se em crime militar próprio. Tais antecedentes necessários precisam de uma roupagem clara e objetiva para a sua plena corporificação e o que se dá através de uma das três hipóteses aventadas anteriormente. Desta forma, num primeiro caso, o crime deverá ser perpetrado por militar contra militar igualmente da ativa. Uma segunda possibilidade, para a caracterização do ilícito, envolverá militar da ativa cometendo o crime contra civil, ou contra outro militar da reserva, ou contra reformado. A terceira e última forma, exige que a figura penal venha a ser intentada em desfavor do patrimônio ou da ordem administrativa de caráter militares. Em todas as hipóteses independe a localização espacial dos fatos para a configuração do recorte legal, se em área militar ou não. Temos, dessarte, que o crime militar próprio, exige, para sua plena caracterização, a presença mínima dos elementos a seguir: Sujeito ativo: militar em situação de atividade. Sujeito passivo: militar, em atividade, reserva ou reformado; civil; ou o Estado, em primeiro plano, quando envolver o patrimônio ou a ordem administrativa militares. Tipo Subjetivo: dolo ou culpa. Consumação: com a presença de todo o iter, porém avultando os momentos da execução, da consumação e do exaurimento, podendo, na maioria dos casos, verificar-se a tentativa. De outra banda, encontramos o crime militar impróprio partindo da leitura, no mesmo Codex, do artigo 9º, em seu inciso III, conjuntamente com as alíneas a usque d, onde se exige um pressuposto basilar e ao qual se vem acrescer uma hipótese dentre três existentes. Vejamos, de forma também esquemática: Pressuposto: descrição no Código Penal Militar. Hipóteses: a) contra o patrimônio ou ordem administrativa militares; b) contra militar da ativa; c) contra funcionário de Ministério ou da Justiça militares, no exercício da função e em local militar. No que respeita ao pressuposto único — a descrição do ilícito no Código castrense — reportamo-nos aos comentários anteriores acerca do crime militar próprio. Resta-nos, assim, analisar, mesmo que perfunctoriamente, os casos possíveis de caracterização do ilícito por último cuidado. Em assim sendo, a primeira hipótese implica em cometimento de crime que atente contra o patrimônio que se encontre sob a administração militar ou, mesmo, contra a ordem administrativa militar. Outro caso, o segundo, será o crime que tenha como objetivo atingir militar da ativa, em área sujeita à administração militar, ou fora dela, encontrando-se ele em formatura, prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento, manobras ou atuando, por requisição ou ordem superior legais, na garantia e preservação de ordem pública, administrativa ou judiciária. A última hipótese implica em crime contra funcionário de Ministério ou da Justiça Militar, quando no exercício de função inerente ao seu cargo e em local considerado militar. A partir do que vimos, ser-nos-á lícito, salvo melhor juízo, concluir que o crime militar impróprio, vai necessitar, para sua configuração, da presença mínima dos elementos adiante expostos, além de outros. Sujeito ativo: qualquer pessoa. Sujeito passivo: o Estado, em primeiro plano, em se tratando de ataque ao patrimônio ou à ordem administrativa militares; o funcionário de Ministério ou da Justiça militares, encontrando-se ele no exercício da função e em local militar; ou, finalmente, militar da ativa. Tipo Subjetivo: dolo ou culpa. Consumação: com a presença de todos os elementos constantes da definição legal, podendo, na maioria dos casos, verificar-se a tentativa. A segunda exceção constante no inciso II, do artigo 64, do Código Penal, é o crime político, pelo qual se entende aquele que lesa ou põe em risco a organização política do Estado (crime próprio), ou um interesse do cidadão (crime impróprio). Atente-se que não se enquadra no gênero crime político o chamado crime de responsabilidade, porquanto este, clara e insofismavelmente, ostenta natureza criminal especial. Muito se tem polemizado, aliás, entre nós, acerca da expressão crime de responsabilidade, em virtude da sua ambígua e funesta utilização escoimada da devida observância dos rigores doutrinários. Assim é que nossos textos legais a empregaram indevidamente para designar meras infrações de natureza ético-político-administrativa por décadas afio, malgrado as severas e objetivas críticas de juristas consagrados, como Tobias Barreto, saudoso Mestre da Faculdade de Direito do Recife, Nelson Hungria, Paulo Lúcio Nogueira e Damásio de Jesus, apenas para citar uns poucos. Foi através da lavra do insigne Hely Lopes Meirelles, quando da feitura do projeto do Decreto-Lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967, que tivemos o uso correto do conceito de crime de responsabilidade e o distinguindo perfeitamente de infração político-administrativa. Dúvidas inexistem, naquele Diploma referido, de que o chamado crime de responsabilidade, constitui-se em delicta in officio, lesivo à Administração Pública, de natureza tipicamente criminal, especial (por antinomia aos crimes funcionais comuns, elencados no Código Penal), cometido exclusivamente por pessoa a ocupar determinada função pública — no caso daquele Decreto-Lei, por Prefeito Municipal — e em razão do seu desempenho (caso de crime próprio), cominado-se penas de reclusão ou de detenção; nada obstaculando a concurso (hipótese de crime impróprio, para o concorrente). Circunstâncias atenuantes Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena: I – ser o agente menor de vinte e um, na data do fato, ou maior de setenta anos, na data da sentença; II – o desconhecimento da lei; III – ter o agente: a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral; b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano; c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima; d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime; e) cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocou. Tema — Circunstâncias atenuantes são dados objetivos ou subjetivos que indicam menor grau de culpabilidade do agente no que se refere ao ato danoso por ele praticado. O nosso Código Penal prevê minorantes nominadas, de aplicação obrigatória, neste artigo 65; e inominadas, no mandamento que a este se segue. Tais atenuantes apresentam-se como circunstâncias legais, a exemplo das majorantes, e devem ser apreciadas na segunda fase do cálculo da pena pelo sistema trifásico. As atenuantes contidas no inciso I, do artigo 65, têm como parâmetro um critério cronológico, referindo-se ao menor de vinte e um anos e ao maior de setenta anos de idade. No primeiro caso temos a menoridade relativa, isto é, a faixa compreendida entre os dezoito anos completos e os vinte e um anos não inteirados, em que se observa não haver ainda personalidade e caráter perfeitamente formados, em razão de incompleto amadurecimento psicológico. Justifica-se, assim, um reduzido grau de culpabilidade e, conseqüentemente, de censurabilidade da conduta delituosa, indicando-se, inclusive, nessa fase formativa, mais educação que punição. O ponto de referência para aferição dos limites estabelecidos entre dezoito e vinte e um anos de idade será a data da prática do fato ilícito. A segunda hipótese do inciso abordado é a velhice, vale dizer, idade maior que setenta anos de idade, no momento da Sentença condenatória. Embasa-se a minorante na observação fática de que o “envelhecimento é um processo progressivo e irreversível que alcança o organismo inteiro e as funções psicológicas não podem escapar. A decadência mental dos velhos é uma fatalidade biológica. Alterações anatômicas ou puramente funcionais do cérebro, ligadas, na maioria das vezes, a perturbações vasculares de origens diversas, criam condições desfavoráveis ao processo normal do psiquismo. Nem sempre serão essas alterações bastante profundas. Há velhos que atingem o extremo da vida com inteira lucidez e mesmo capazes de atividade criadora. Mas, no comum dos homens, o envelhecimento traz consigo falhas psíquicas que se vão acentuando cada dia”, como bem lembra o Lente Anibal Bruno. O inciso II aponta, como atenuante, o desconhecimento da lei a despeito do artigo 21, caput, parte inicial, rezar ser indesculpável tal desconhecimento, em consonância com o estabelecido na Introdução ao Código Civil onde se insculpe que a “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”. Tais preceitos, como já visto ut retro, decorrem do princípio da inescusabilidade do desconhecimento formal da lei, sem o qual teríamos o risco de descumprimento generalizado do ordenamento jurídico. Entretanto, o mesmo mandamento citado recebe temperamento no instante em que admite a compreensão equivocada sobre a injuridicidade do fato — o erro de proibição, o verbotsirrtum, da doutrina alemã — como condição suficiente para a isenção de pena ou seu abrandamento. Desta forma o real desconhecimento da lei leva a obrigatório abrandamento da reprimenda, pois, como escreve o douto Alberto Silva Franco, é inquestionável que “a existência de um grande número de leis penais protetoras de bens e interesses, por vezes bem particularizados, dá margem ao seu desconhecimento que, se não é suficiente para excluir a culpabilidade do agente, serve, contudo, para provocar um juízo de reprovabilidade mais brando.” O item III elenca situações outras de mitigação da pena em suas diversas alíneas. Na letra a volta-se a relevar o motivo, no caso, quando o delito é resposta de proteção a relevante valor de natureza social (a pátria, a comunidade e outros de interesse coletivo) ou moral (a honra, a liberdade e outros referentes ao interesse individual). Com precisão peculiar o Mestre Anibal Bruno ensina que, em casos tais, “o móvel que o inspirou, em vez de opor- se, corresponde a razões éticas ou sociais aprovadas pelo grupo e revela na personalidade do agente disposições morais que reduzem a sua culpabilidade. Enfim, a nobreza do motivo tempera o que no próprio crime se contém de aberrante e reprovável, atenua-lhe a contradição com a consciência jurídica comum e conduz a minorar-lhe a punição.” A letra b aventa como causas atenuadoras o arrependimento posterior imediato (arrependimento ativo) e a reparação. No primeiro caso, deve o agente, logo após o fato ilícito, isto é, sem demora, imediatamente, por livre e espontânea vontade, utilizar os meios idôneos visando impedir ou restringir ao máximo as conseqüências do seu ato. Acerca disto, observa Anibal Bruno que essa atitude por parte do agente revela “menor endurecimento no querer criminoso, certa sensibilidade moral, um sentimento de humanidade e de justiça que o levam, passado o ímpeto do crime, a procurar detê-lo em seu processo agressivo ao bem jurídico, impedindo-lhe ou minorando-lhe as conseqüências. A essas manifestações da personalidade do agente, influentes na sua culpabilidade, é que se mostra sensível o pensamento penalista, atribuindo ao fato o caráter de atenuante. Há aí também uma razão de política criminal, que é encorajar o delinqüente a, consumado o seu crime, procurar anular-lhe os efeitos danosos.” Cumpre atentar, a esta altura, para a distinção entre o arrependimento posterior imediato e as figuras da desistência voluntária, do arrependimento eficaz (artigo 15) e do arrependimento posterior (artigo 16), em função da espontaneidade da ação. Na segunda parte a alínea prevê a reparação do dano causado pelo evento ilícito, até o momento imediatamente anterior ao julgamento, o que deve ser efetuado igualmente por ato espontâneo. Não se confunde, a presente atenuante, com a causa para diminuição de pena prevista no artigo 16 do CódigoPenal. Neste último caso, além da reparação do dano ou restituição da res, exige-se apenas a voluntariedade do agente, e o limite temporal para a prática do ato reparador será o recebimento da Denúncia ou da Queixa. Por sua vez, a alínea c elenca três possibilidades de atenuantes: coação resistível, cumprimento de ordem de autoridade superior e violenta emoção. Diversamente da hipótese tratada no artigo 22, primeira parte, do Código Penal (coação irresistível, causa de exclusão de punibilidade), temos, aqui, a coação resistível. Ou seja, a ameaça, o constrangimento moral (vis compulsiva) exercido sobre uma pessoa com o objetivo de forçá-la a proceder ou deixar de proceder de determinada maneira, mas que poderia ser arrostado pelo homem médio. Vê-se, portanto, que em tal tipo de coação o agente passa à condição de partícipe da ação criminosa. A segunda minorante da alínea refere-se ao cumprimento de ordem, vale dizer, ilícito cometido em razão de subordinação hierárquica, cuja ordem apresenta conotação de ilegalidade. A última hipótese aventada pela letra c é a influência resultante da violenta emoção surgida da injusta provocação por parte da vítima, admitindo-se, in casu, a profunda alteração do psiquismo a ponto de perturbar o modo normal de proceder do agente. A confissão espontânea encontra-se na alínea d, exigindo-se, aí, não apenas que o ato seja voluntário, mas que o seja natural e indicador do interesse pela demonstração da verdade real. Por fim, estipula-se como atenuante a influência de multidão, valendo dizer, o envolvimento do indivíduo pela alma coletiva e que o condiciona a agir em consonância com os sentimentos e instintos da massa. Em situações tais, como diz o Professor Magalhães Noronha, “o indivíduo deixa de ser o que ordinariamente é, ocorrendo, então, o rompimento de outros sentimentos, de outras forças que traz em si. Na multidão delinqüente existe o que se chama moral de agressão: cada um procura não ficar aquém do outro no propósito delituoso”. Art. 66. A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei. Tema — Diferentemente das circunstâncias atenuantes explicitamente elencadas no preceito anterior, as previstas neste artigo serão livremente reconhecidas pelo Julgador, independentemente do fator tempo em relação ao fato ilícito, bastando que seja ela relevante. Importante anotar que somente poderá funcionar como minorante circunstância relevante, isto é, dado ligado ao fato criminoso e que, de alguma maneira, seja importante em relação a este. Salvo melhor juízo, razão parece não assistir ao douto Celso Delmanto quando exemplifica, como atenuante livre (ou inominada), o fato de réu, anos após cometer um crime grave, arriscar sua vida para salvar vítimas de um incêndio ou desastre. Isto, porque inexiste, no exemplo, qualquer nexo causal entre o fato meritório e o antecedente danoso. Melhor se ajustam à previsão do dispositivo, as hipóteses aventadas pelo Professor Julio Fabbrini Mirabete, verbis: “a extrema penúria do autor de um crime contra o patrimônio; o arrependimento do agente, a confissão voluntária de crime imputado a outrem ou de autoria ignorada, a facilitação da Justiça com a indicação do local onde se encontra o objeto do crime, a recuperação do agente após o cometimento do crime, etc.” Concurso de circunstâncias agravantes e atenuantes Art. 67. No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência. Tema — O momento da pesagem de agravantes e de atenuantes é próprio da segunda fase do método Nelson Hungria. Assim, reza o mandamento presente que, após a análise e confronto entre majorantes e minorantes (circunstâncias legais), a pena deve inclinar-se no sentido apontado pelas circunstâncias preponderantes, avultando, aí, aquelas decorrentes dos fatores subjetivos, a exemplo dos motivos que levaram à delinqüência e o perfil psicológico do acusado. Vê-se, assim, que o espírito da lei aponta para o primado do Direito Penal da culpa. Observe-se que tais circunstâncias apresentam-se como fatores subjetivos resultantes dos motivos que levaram ao delito especificamente reprimido, envolvendo o perfil psicológico do agente e a reincidência. Esta última, em que pese ser dado técnico e objetivo, reflete o caráter do agente, porquanto indica a sua tendência ao crime. Justifica-se, portanto, o uso da preponderância como forma de orientação do Magistrado ao trabalhar na segunda fase do sistema de cálculo da pena. Contrário a esta interpretação insurgem-se os Mestres Everardo Luna, de quem tivemos a honra de ser aluno na Faculdade de Direito do Recife, e Julio Fabbrini Mirabete, cabendo a este último a assertiva de inexistir “fundamento científico para a preponderância, em abstrato, de determinadas circunstâncias sobre as demais, sejam elas objetivas ou subjetivas, porque o fator criminoso, concretamente examinado, é que deve indicar essa preponderância. Melhor seria, portanto, não se estabelecer a preponderância”. Cálculo da pena Art. 68. A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento. Parágrafo único. No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua. Tema — Este artigo 68 vem consagrar o processo de cálculo da pena defendido pelo consagrado jurista Nelson Hungria, o chamado método trifásico. Em assim sendo, numa primeira etapa fixa-se a pena-base, dentro da faixa cominada na figura penal, na conformidade do que seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime, tendo em vista as circunstâncias judiciais, estabelecidas no artigo 59 do Código Penal: culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente; motivos, circunstâncias e conseqüências do ilícito; e, finalmente, o comportamento da vítima. Temos, portanto que a fixação da pena-base, mesmo em seu grau mínimo, deverá, obrigatoriamente, ser motivada convenientemente pelo Juiz, como forma de permitir a defesa do réu. Na segunda etapa, definida no artigo 67, efetua-se o confronto das circunstâncias legais, isto é, entre as majorantes (artigos 61 e 62) e as minorantes (artigos 65 e 66), levando a pena a subir ou a descer do patamar anterior (pena-base) e, segundo o mandamento, no sentido apontado pelas circunstâncias preponderantes. Segue-se a terceira etapa, onde o novo quantum apurado na fase anterior receberá aumentos ou diminuições que estejam previstos nas causas gerais (Parte Geral) e nas causas especiais (Parte Especial), tudo de conformidade com os valores preestabelecidas. Ressalte-se que havendo mais de uma causa de majoração, ou igualmente mais de uma causa de minoração, constantes da Parte Especial, pode o Julgador optar pela aplicação daquela que mais aumente, ou da que mais diminua, respectivamente, como manda o parágrafo único deste artigo. Deve-se, aqui, destacar que as circunstâncias especiais, agravantes ou atenuantes (qualificadoras ou atenuantes em sentido estrito), constantes da Parte Especial do Código, somente são utilizadas na primeira operação do cálculo da pena, isto é, para a determinação da pena-base. Já as circunstânciasgenéricas, agravantes ou atenuantes (qualificadoras ou atenuantes em sentido lato), existentes na Parte Geral, incidem sobre a segunda etapa do cálculo da pena. Temos, então, que as circunstâncias refletem, por fases, na seguinte ordem: na primeira — circunstâncias judiciais e circunstâncias especiais, agravantes ou atenuantes (qualificadoras ou atenuantes em sentido estrito); na segunda — circunstâncias legais, isto é, agravantes ou atenuantes genéricas (qualificadoras ou atenuantes em sentido lato). Chama-se atenção para o fato de que na terceira etapa do cálculo final da pena não recai mais nenhuma circunstância, mas tão-somente causas de aumento e causas de diminuição da pena, as quais se encontram estipuladas tanto na Parte Geral, quanto na Parte Especial, sempre indicadas em quantidades (um terço, o dobro, a metade, etc.) ou em limites (de um sexto a um terço, de um a dois terços, etc.). Para melhor entendimento façamos a identificação: A) causas de aumento de pena — a) Parte Geral: artigos 60, § 1º; 70; 71; 73, segunda parte; e 74, última parte; b) Parte Especial: artigos 121, § 4º; 122, § único; 127; 129, § 7º, 133, § 3º, etc.; B) causas de diminuição de pena — a) Parte Geral, artigos 14, § único; 24, § 2º; 26, § único; 28, § 2º; b) Parte Especial: artigos, 121, § 1º; 129, § 4º; 155, § 2º, etc. Vejamos, então, de forma aligeirada, um roteiro de aplicação da pena, utilizando-se o método trifásico: Primeira etapa – Exame da figura penal indicada pelo Ministério Público; comparação da imputação com a conduta comprovada nos autos; e, finalmente, análise das circunstâncias judiciais constantes no processo e aplicáveis ao caso concreto. Vejamos passo a passo. a) Superpõe-se a conduta real emanada dos autos ao recorte criminal indicado pelo Ministério Público e, havendo adequação, qual a cominação legal (admitamos, hipoteticamente, que estamos diante dum caso de lesão corporal, com inabilitação para as ocupações habituais por mais de trinta dias — artigo 129, § 1º, inciso I, do CP —, para o qual está prevista pena de reclusão, de um a cinco anos). b) Examina-se obrigatoriamente todos os elementos arrolados no artigo 59 do Código Penal, quais sejam, culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente; motivos, circunstâncias e conseqüências do ilícito; e, finalmente, o comportamento da vítima. c) Em vista da convicção decorrente dos elementos analisados nas letras a e b, ante a faixa constante do dispositivo (observe-se que, in casu, com qualificadora em sentido estrito, inciso I do § 1º do CP) estabelece-se uma pena-base necessária e suficiente. Admitamos três anos de reclusão. Segunda etapa – Manejo das circunstâncias legais. a) Identifica-se dentre as agravantes genéricas (qualificadoras em sentido lato), contidas nos artigos 61 e 62, do CP, o que pode ser aplicável ao caso concreto (Vamos aceitar, como suposição, que o delito tenha sido perpetrado contra um irmão — artigo 61, inciso II, alínea e, do CP), pelo que deve ser majorada a pena. b) Busca-se dentre as atenuantes genéricas (atenuantes em sentido lato), elencadas nos artigos 65 e 66, o que seja adequável (ainda como exercício de conjectura, imaginemos a influência de multidão em tumulto — artigo 65, inciso III, alínea e, do CP), em vista do que a minoração da pena é de aplicar-se. c) Confrontando agravante e atenuante e considerando a preponderância desta última será lícito, de acordo com o previsto no artigo 67 do Código Penal, estabelecer a redução de um ano, fixando-se a pena em dois anos de reclusão. Terceira etapa – Trabalho com causas de aumento ou de diminuição da pena, quer da Parte Geral, quer da Parte Especial. a) Verifica-se sobre a possibilidade da existência de causa de aumento da reprimenda (vamos estabelecer por hipótese ter havido fuga do agente para evitar a prisão em flagrante — artigo 129, § 7º, em combinação com o artigo 121, § 4º, todos do CP), exasperando-se a pena em um terço, o que a eleva para dois anos e oito meses. b) Procura-se identificar alguma causa de redução (como exemplo, o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima — artigo 129, § 4º, do CP), pelo que se diminui a pena em um sexto, finalizando o quantum da emenda em dois anos, dois meses e vinte dias de reclusão, que passa a ser a pena definitiva. c) Determina-se o regime de cumprimento inicial da pena, na conformidade com o disposto no artigo 33, § 2º, alíneas a até c, do CP. No presente exercício de trabalho, atentando-se para as circunstâncias judiciais utilizadas na primeira etapa, poderia ser determinado o regime inicial aberto (alínea c, já referida). d) Considera-se a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, de conformidade com os critérios elencados no artigo 44, do CP. Constata-se não ser possível em razão do delito ter sido cometido com violência contra a pessoa (inciso I do aludido mandamento). e) Finalmente, não tendo sido possível a aplicação da letra d, passa-se a indagar da factibilidade da aplicação do sursis, o que será abordado logo mais adiante. Vejamos, agora, um caso hipotético para aplicação do roteiro utilizado anteriormente: A, portador de título de Licenciatura em Pedagogia, com vinte anos de idade, passa a residir na cidade Y, onde desempenha normalmente a sua atividade de Professor. Com o intuito de auxiliar pessoas carentes e, aproveitando sua prática na arte dentária, aprendida com o seu genitor, instala um completo consultório odontológico, onde passa a praticar extração e restauração dentárias gratuitamente, por dois anos ininterruptamente. As instalações utilizadas foram interditadas pelas autoridades sanitárias estaduais e, posteriormente, A foi denunciado pelo Ministério Público, em virtude dos fatos descritos. Durante a instrução processual, confessa o fato ilícito e alega, como justicante, a completa inexistência de qualquer atendimento odontológico na área do Município onde atuava. Adiante, ademais, que a conduta ilícita decorreu do seu intenso sofrimento psicológico ante a carência das pessoas atendidas, além do que imaginava ainda vigorar o Decreto-Lei permitidor do exercício profissional do prático-dentista. Fica provado nos autos, ao final do apuratório: a) primariedade e exemplar comportamento social do acusado; b) o Prefeito Municipal, mesmo ciente da não graduação em Odontologia, por parte do denunciado, fornecia, oficialmente, o material de consumo utilizado para os atendimentos dentários; c) os serviços do acusado eram requisitados pelos Vereadores do Município, em favor da população carente; d) não houve qualquer caso de dano concreto à saúde das pessoas atendidas, tendo a totalidade das vítimas oitivadas mostrado-se satisfeitas e agradecidas com os tratamentos recebidos . A fixação da pena poderia seguir o seguinte roteiro: Primeira etapa — Análise da figura criminal indicada pelo Ministério Público (artigo 282, caput, primeira figura, do CP); cotejo desta com aquilo que deflui dos autos. e observação das circunstâncias judiciais (artigo 59, do CP), tudo pela forma a seguir. a) Cotejo da conduta real emanada dos autos ao recorte criminal indicado pelo Ministério Público, constatando-se haver efetiva adequação. b) Verificação, na figura penal, da cominação prevista (pena de detenção, variável entre seis meses a dois anos). c) Exame obrigatório de todos os elementos elencados no artigo 59, do CP, quais sejam, culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente; motivos, circunstâncias e conseqüências do ilícito; e, finalmente,o comportamento das vítimas. d) Partindo da cominação estabelecida no recorte criminal, a aplicação da pena-base de um ano, considerada como necessária e suficiente à repressão e à prevenção, tendo em vista a convicção decorrente da totalidade dos elementos analisados na letra c. Segunda etapa — Aplicação das circunstâncias legais. a) Dentre as agravantes genéricas (qualificadoras em sentido lato), contidas nos artigos 61 e 62, do CP, verifica-se nenhuma delas aplicar-se ao caso, fazendo permanecer inalterada a pena-base. b) No que respeita às atenuantes genéricas (atenuantes em sentido lato), elencadas nos artigos 65 e 66, do CP, são aplicáveis, ao fato, a menoridade relativa (artigo 65, inciso I, do CP), o motivo socialmente relevante (artigo 65, inciso III, alínea a, primeira parte, do CP), a confissão espontânea do réu (artigo 65, item III, letra d, do CP) e a conduta do mesmo ser aprovada pela comunidade e seus representantes (artigo 66, do CP); em decorrência do que a pena é minorada em oito meses (a redução, nesta segunda etapa, fica ao prudente arbítrio do Juiz, sobre o que falaremos adiante), passando a pena a ser de quatro meses de detenção (Observe-se que a pena, neste momento, encontra-se abaixo do mínimo cominado em abstrato no artigo 282, do CP, o que será abordado logo mais adiante). Terceira etapa — Causas de aumento ou de diminuição da pena, quer da Parte Geral, quer da Parte Especial. a) Constata-se a inexistência de causa de aumento da reprimenda, fazendo-a permanecer no mesmo patamar de quatro meses de detenção. b) Identifica-se uma causa de redução, porquanto imaginou o réu que a sua conduta estaria acobertada por Decreto-Lei já revogado (artigo 21, caput, última parte, do CP), pelo que se diminui a pena em um sexto, finalizando o quantum da reprimenda em três meses e dez dias de detenção, que passa a ser a pena definitiva. c) Determinando o regime de cumprimento inicial da pena, a opção seria pelo aberto, na conformidade com o disposto no artigo 33, § 2º, alínea c, do CP. d) Considerando preenchidas as condições estabelecidas no artigo 44, incisos I, II e III, do CP, substitui-se a pena anteriormente aplicada pela interdição temporária de direitos, consistente na proibição do condenado freqüentar bares, praças de esporte e casas de diversão pelo período da pena privativa de liberdade, em conformidade com o parágrafo 2º do artigo 44, em combinação com o artigo 47, inciso I; todos do Código Penal. Tema a merecer consideração é o dos limites da pena cominada — máximo e mínimo — ante as circunstâncias legais. A maioria dos nossos doutrinadores, a exemplo de Damásio de Jesus, Heleno Cláudio Fragoso e Celso Delmanto, repetem em uníssono que os limites cominados ao tipo legal não podem ser excedidos pelas circunstâncias atenuantes ou agravantes, contudo, não apresentam qualquer justificativa doutrinária ou científica para tanto. Por seu turno, a Jurisprudência dos nossos Pretórios tem-se inclinado esmagadoramente neste sentido, igualmente por uma questão de dogma. É o ilustrado Alberto Silva Franco quem apresenta defesa dessa posição, assentando, in verbis: “O entendimento de que o legislador de 84 permitiu ao juiz superar tais limites encerra um sério perigo ao direito de liberdade do cidadão, pois, se, de um lado, autoriza a pena, em virtude de atenuantes, possa ser estabelecida abaixo do mínimo, não exclui, de outro, a possibilidade de que, em razão de agravantes, seja determinada acima do máximo. Nessa situação, o princípio da legalidade da pena sofreria golpe mortal, e a liberdade do cidadão ficaria à mercê dos humores, dos preconceitos, das ideologias e dos ‘segundos códigos’ do magistrado. Além disso, atribui-se às agravantes e às atenuantes, que são circunstâncias acidentais, relevância punitiva maior do que a dos elementos da própria estrutura típica, porque, em relação a estes, o juiz está preso às balizas quantitativas determinadas em cada figura típica. Ademais, estabelece-se linha divisória inaceitável entre as circunstâncias legais, sem limites punitivos, e as causas de aumento e de diminuição, com limites determinados, emprestando-se àquelas uma importância maior do que a estas, o que não parece correto, nem ter sido a intenção do legislador. Por fim, a margem de deliberação demasiadamente ampla, deixada ao juiz, perturbaria o processo de individualização da pena que se pretendeu tornar, através do art. 68 do CP, o mais transparente possível e o mais livre de intercorrências subjetivas.” Em que pese o bem urdido discurso do Mestre Alberto Silva Franco, é de ver- se que, por primeiro, o Diploma Penal, após a reforma introduzida pela Lei nº 7.209/84, nenhuma vedação traz a respeito da extrapolação de limites, diversamente da primitiva Parte Geral. Ao depois, não determina um quantum para atenuação ou agravação decorrente das circunstâncias legais, o que fica inteiramente ao critério da consciência, prudência e sabedoria do Magistrado. Por terceiro, o argumento de que se a extrapolação pode ser para menos também pode ser para mais, ferindo o princípio da legalidade, não parece proceder. Isto, porque aquilo que se encontra implícito na lei e vem em favor do réu, por princípio assente em nosso Direito, é de ser utilizado, favorabilia amplianda; contudo, se vem em desfavor o acusado, aí sim, é vedado pelo princípio da reserva legal. Algumas vozes tem-se insurgido contra a não-extrapolação do limite mínimo da pena cominada. É o caso, exempli gratia, do douto James Tubenchlak, em trabalho publicado já em 1987, onde explana que “Se hoje a Parte Geral não veda expressamente a possibilidade de a pena ser inferior ao grau mínimo, a exegese do atual art. 68 conduz, implicitamente, à conclusão oposta. Senão vejamos: a) Inicialmente, a pena será fixada ‘atendendo-se ao critério do art. 59’. Esse artigo diz que o Juiz estabelecerá ‘a quantidade de pena aplicada dentro dos limites previstos’, nada obstando que seja estabelecida a pena mínima. b) Em seguida, ‘serão consideradas as circunstâncias atenuantes’. Forçoso convir que, uma vez estabelecida a pena mínima, e reconhecida uma atenuante, não se faculta, mas se impõe ao Juiz, a atenuação correspondente. A lei, nesse passo, é inegavelmente imperativa. Poder-se-ia entender, apressuradamente, que a proibição ora rechaçada esteja constando do atual art. 53, que alude aos limites estabelecidos na sanção correspondente a cada crime. No entanto, esse artigo pertence ao Capítulo da cominação de pena, constituindo-se em equívoco baralhar os conceitos pertinentes às fases de COMINAÇÃO e de APLICAÇÃO das sanções penais, já que tão diferenciados os objetivos que se pretendem alcançar com a pena abstrata e com a pena concretizada na sentença. Que dizer-se, por outro lado, de a pena poder ser aplicada acima do grau máximo? Não seria o caso de afirmar-se a pari (por igual razão) tal possibilidade? Não, é claro que não. A analogia, em seu conceito de raciocínio lógico, realiza-se de três maneira: a pari (por igual razão), a fortiori (por maior razão) e a contrario sensu (por razão inversa). Ao constatar-se algum aspecto legal que envolva a possibilidade de prejuízo ao acusado, não é válida a aceitação, em seu desfavor, daquilo que esteja somente implícito na lei, isto por força da analogia a contrario sensu. Cabem, aqui, os mesmos argumentos que levaram a doutrina e jurisprudência a identificar, unanimemente, a inconstitucionalidade da norma tratada no art. 384 do CPP, que cerceia o direito de defesa ao referendar condenação por acusações meramente implícitas na denúncia ou na queixa. Avançando nesse terreno,diríamos ainda que, se a lei não alude de modo expresso à possibilidade de a pena ser aplicada com extrapolação do limite máximo, nem mesmo as causas especiais de aumento de pena são aptas a tanto, uma vez que haveria, inclusive, desrespeito ao consagrado princípio da reserva legal. Todavia, a recíproca não é verdadeira. Em benefício do réu, além do que esteja implicitamente contido na lei, mister não olvidarmos aqueles institutos jurídicos que, malgrado não tenham sido cunhados na lei, podem e devem ser utilizados, como a analogia in bonam partem e a eqüidade, ambas arrefecendo o rigor da lei, até porque o princípio da legalidade não será ofendido. Entendimento contrário, é bom frisar, só é possível por meio de argumentação equivocada, ingênua ou de má-fé, daqueles que vêem a criminalidade crescente motivada pela frouxidão da lei, de seus aplicadores e de seus fiscais.” O Professor Julio Fabbrini Mirabete, em seu Manual de Direito Penal, embora não pareça refluir do seu posicionamento contrário à extrapolação de limite, anota, em rodapé, a possibilidade de “violação dos limites máximo e mínimo da pena aplicável”. Concurso material Art. 69. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela. § 1º Na hipótese deste artigo, quando ao agente tiver sido aplicada pena privativa de liberdade, não suspensa, por um dos crimes, para os demais será incabível a substituição de que trata o art. 44 deste Código. § 2º Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado cumprirá simultaneamente as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as demais. Tema — O cometimento de dois ou mais crimes através da prática duma ou mais ações, ou omissões, pelo mesmo sujeito e estando eles interligados por um vínculo qualquer leva ao chamado concurso, que poderá ser material (ou real), formal (ou ideal), ou representar uma continuação (continuidade delitiva). O artigo 69 versa sobre o concurso material, isto é, a prática de dois ou mais crimes, idênticos ou não, mediante duas ou mais ações ou omissões. Diz-se concurso material homogêneo quando as ações criminosas são idênticas. Seria o caso de A assassinar B e, verificando que C presenciou o ato, igualmente eliminá-lo na procura de assegurar a impunidade. Já o concurso material heterogêneo implica em delitos de naturezas diversas. Serve como hipótese A furtar um veículo e, durante sua fuga, atropelar B. Para o caso do concurso material, o nosso Código optou pelo sistema do cúmulo material, significando dizer que se aplicam as penas de cada um dos ilícitos de forma cumulada, somando-se-as aritmeticamente. Observe-se, ademais, que no caso da aplicação cumulativa executam-se inicialmente as penas de reclusão e, posteriormente, as de detenção. O parágrafo primeiro deste artigo determina a impossibilidade do benefício da suspensão da pena restritiva de direitos quando não se tiver aplicado a substituição da detentiva em qualquer dos demais crimes em concurso material. Por outro lado, em sendo aplicadas penas restritivas de direitos serão elas cumpridas simultaneamente, se compatíveis; e as demais sucessivamente, a teor do parágrafo segundo. Concurso formal Art. 70. Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior. Parágrafo único. Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 deste Código. Tema — Em seguimento ao mandamento anterior cuida-se, aqui, do concurso formal (ou ideal), o qual se caracteriza pela prática de dois ou mais ilícitos oriundos duma só ação ou omissão, sejam eles da mesma natureza ou não. Do ponto de vista do bem jurídico atingido podemos dizer que o concurso formal será homogêneo ou heterogêneo. No primeiro caso teremos dois crimes contra a vida, por exemplo: um atropelamento com duas vítimas fatais. No último, um contra a liberdade sexual e outro contra a vida, como, verbi gratia, um estupro seguido de homicídio, para assegurar a impunidade. Se partirmos do angulo subjetivo, vale dizer, verificando o elemento psicológico, a vontade do indivíduo, teremos o concurso formal, como próprio (perfeito) ou impróprio (imperfeito). Será concurso formal próprio quando o agente planejou e dirigiu a sua conduta única, positiva ou negativa, sem a intenção de obter dois resultados ou mais, fato abordado pela 1ª parte do caput do artigo ressaltado. Exemplo clássico é o de A que dispara uma arma de fogo contra B e a bala traspassa este vindo a atingir também C. O objetivo, contudo, era de atingir apenas A. Tal hipótese encerra unidade de desígnio. Em termos de apenação, sendo elas desiguais aplica-se a mais grave; se houver equivalência aplica-se apenas uma. Merece ser gizado o fato do mandamento funcionar como uma causa genérica de aumento, variável de um sexto até metade. Contrariamente, como previsto na 2ª parte do caput deste artigo 70, no concurso formal impróprio temos o intuito do agente, através de conduta única, positiva ou negativa, colher dois ou mais resultados, isto é, embora se externando uma unidade comportamental existe uma pluralidade intencional. Elucidando: A envenena os gêneros alimentícios a serem servidos no almoço com a intenção deliberada de assassinar todos os membros duma família. É o caso de desígnios autônomos, propósito múltiplo. Somente se pode verificar tal concurso pela forma dolosa, porquanto é incompatível o querer criminoso com a culpa. E a regra estabelecida para a reprimenda, in casu, é a da cumulação, a soma aritmética, semelhantemente ao que se opera no concurso material. Em qualquer dos casos de concurso formal a pena não poderá exceder a que seria aplicável pelo concurso material. Trata-se do chamado concurso material benéfico, estatuído no parágrafo único do artigo em comento e brilhantemente defendido de há muito pelo douto Celso Delmanto. Justifica- se essa posição doutrinariamente em função de haver “casos em que a aplicação do concurso formal (e também do crime continuado) poderia resultar em penas mais altas do que a cumulação do concurso material, embora esta seja a mais severa forma de concurso de penas. Isso pode acontecer quando se trata de penas diversas, em que uma delas é muito maior do que a outra (exemplo: homicídio e lesão corporal simples).” Crime continuado Art. 71. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. Parágrafo único. Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas
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