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Avaliação Laboratorial da Insuficiência Adrenal A avaliação laboratorial do eixo hipotálamo- hipófise-adrenal (HHA) está indicada em duas condições clínicas. A primeira é a avaliação da glândula adrenal de pacientes com suspeita de insuficiência adrenal primária, sendo o objetivo investigar a produção de cortisol. A segunda é a avaliação de pacientes com suspeita de hipoadrenalismo secundário, como portadores de doença hipotálamo-hipofisária ou submetidos a cirurgia ou radiação nessa região, através da investigação da produção hipofisária de ACTH. As concentrações séricas de cortisol, o teste da cortrosina (ACTH sintético) e a hipoglicemia insulínica são rotineiramente utilizados para essas avaliações. Dosagem do cortisol A liberação do cortisol é pulsátil e exibe um padrão circadiano, com concentrações maiores pela manhã. Além de seu ritmo habitual, sua secreção pode ser estimulada por estados de estresse físico ou emocional, hipoglicemia, exposição ao frio e à dor, ou inibida por corticóide exógeno. A figura 1 ilustra a fisiologia do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. Figura 1: Fisiologia do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal O cortisol pode ser dosado de forma randômica entre 6 e 8 horas como parte da avaliação da dinâmica do eixo HHA. O cortisol circula principalmente na forma ligada, predominantemente à globulina ligadora do cortisol - CBG, sendo sua dosagem uma medida indireta dessa proteína e, portanto, passível de influência nas suas alterações. As concentrações de CBG estão aumentadas durante o uso de estrógenos por aumento da produção hepática e, conseqüentemente, os níveis de cortisol podem ser maiores. Na cirrose, na síndrome nefrótica e no hipertireoidismo a CBG está diminuída, mas, usualmente, não o suficiente para reduzir o cortisol sérico. A interpretação dos níveis de cortisol é prejudicada por fatores como uso de hidrocortisona, prednisolona e prednisona, pois têm reação cruzada com o ensaio do cortisol, o que não ocorre com a dexametasona. O cortisol livre urinário não é afetado por essas variáveis, mas é um teste pobre para o diagnóstico, sendo normal em 20% dos pacientes com insuficiência adrenal. Também não é útil na avaliação de reposição de glicocorticóide, pois reflete apenas a fração de cortisol circulante que ultrapassa a capacidade de ligação à CBG. www.hermespardini.com.br 1 Estresse Hipotálamo Hipófise anterior Adrenal Respostas fisiológicas de luta-ou-fuga CRH ACTH Cortisol Os valores de referência de cortisol sérico (5-25 µg/dL) são derivados de indivíduos saudáveis, mas não diferenciam indivíduos normais daqueles com disfunção adrenal. Valores baixos de cortisol pela manhã podem simplesmente refletir um nadir entre os pulsos de glicocorticóide, mas há trabalhos sugerindo que níveis menores que 3 µg/dL são diagnósticos de insuficiência adrenal (1, 5, 10). Já Gulliver T. sugere que níveis menores que 5 µg/dL são diagnóstico presuntivo e menores que 10 µg/dL são sugestivos de insuficiência adrenal, assim como, níveis maiores que este podem praticamente excluir o diagnóstico (9). Não há consenso sobre qual concentração de cortisol matinal prediz resposta adrenal adequada ao estresse, sendo difícil escolher um cut off, mas sugere-se que pacientes com cortisol matinal maior que 18 µg/dL (10) ou 19-20 µg/dL (1, 5) não necessitam de futuros testes. Em trabalho retrospectivo, Erturk et al. encontraram que cortisol basal acima de 17µg/dL ou menor que 4 µ g/dL foram altamente preditivos de um eixo HHA intacto ou insuficiente, respectivamente, mas valores intermediários têm limitadas sensibilidade e especificidade. Esse autor conclui que os níveis basais do cortisol sérico têm poder preditivo limitado na diferenciação entre a função normal e insuficiente do eixo HHA (6). A literatura científica é concordante que indivíduos que exibem concentração basal normal de cortisol podem apresentar resposta inadequada ao estresse que não poderia ser identificada sem um teste de estímulo (1, 5, 6, 9). Há fatores que complicam a investigação do eixo HHA em indivíduos criticamente doentes. Os valores esperados de cortisol variam com o tipo e a gravidade da doença, o que torna difícil definir um limite normal. Desde que elevadas concentrações de cortisol são encontradas em pacientes muito graves, tanto níveis altos como baixos pioram o prognóstico. Variações na globulina ligadora do cortisol, nestes pacientes, também prejudicam a dosagem do cortisol. Diferentes valores de cortisol têm sido propostos para identificar insuficiência adrenal em pacientes agudamente doentes (10 µg/dL, 15 µg/dL, 34 µ g/dL), mas nenhum é consenso (13). Dosagem do ACTH A concentração plasmática do ACTH é o melhor teste para distinguir a insuficiência adrenal primária da secundária. Sua secreção é pulsátil e aumenta em resposta a hipocortisolemia se o hipotálamo e a hipófise estão íntegros. Vários fatores podem afetar a interpretação do ACTH, incluindo sua meia-vida, estabilidade e administração de glicocorticóides. A meia-vida curta e sua vulnerabilidade a enzimas celulares tornam mandatórios os rápidos congelamento e execução da dosagem para evitar degradação e valores falsamente baixos. Para avaliação de insuficiência adrenal primária, a coleta do ACTH deve ser realizada antes do início da reposição de glicocorticóides, uma vez que sua concentração cai algumas horas após a administração desses esteróides. É importante lembrar que a concentração de ACTH não é útil na avaliação inicial da insuficiência adrenal porque falha em separar indivíduos normais daqueles portadores de hipoadrenalismo central, com níveis de ACTH semelhantes nas duas situações. Sua principal utilidade é a localização do hipocortisolismo: primário (adrenal) ou secundário/terciário (hipofisário/hipotalâmico) (1). Assim, insuficiência adrenal com níveis baixos ou normais de ACTH sugerem insuficiência secundária ou terciária; e níveis elevados sugerem insuficiência primária (11). Dosagem do CRH A dosagem do CRH pode ser útil na localização da insuficiência adrenal, estando aumentada na insuficiência adrenal primária e na deficiência hipofisária de ACTH, mas não na disfunção hipotalâmica. Pode ocorrer aumento do CRH após hipoglicemia e supressão após dexametasona, entretanto, essas respostas não têm sido consistentes. Discrepâncias nos resultados podem ser conseqüentes à proteína ligadora do CRH, fontes extra-hipotalâmicas, variabilidade de ensaios ou presença de outros secretagogos de ACTH. Por essas razões, o CRH aleatório, estimulado e suprimido não têm utilidade comprovada na investigação da insuficiência adrenal (1). Teste de estímulo com ACTH sintético (cortrosina) O teste de estímulo com cortrosina, em que amostras de cortisol são coletadas nos tempos basal, 30 e 60 minutos após administração endovenosa de 250 µg de cortrosina, é um excelente teste para pacientes com suspeita de insuficiência adrenal. Tem grande aceitação por ser eficaz, seguro, barato, de fácil e rápida execução (11). Embora esse teste avalie diretamente apenas a integridade funcional da glândulaadrenal, indiretamente, promove avaliação da função hipotalâmica e hipofisária, uma vez que a adrenal perde a capacidade de responder ao estímulo trófico do ACTH exógeno na falta do ACTH endógeno. Em casos de disfunção pituitária aguda ou recente, pode haver resposta normal à cortrosina e inadequada à hipoglicemia, uma vez que a www.hermespardini.com.br 2 adrenal pode permanecer responsiva ao ACTH exógeno por semanas após instalada a insuficiência hipofisária, quando as glândulas adrenais ainda não estão atrofiadas pela perda da ação estimuladora do ACTH. Portanto, o teste da cortrosina é útil para avaliação da função adrenal em todos os casos exceto na disfunção hipotalâmica ou hipofisária de início recente (1, 5, 6). Valores entre 18-20 µg/dL são bem fundamentados na literatura como resposta adequada ao estímulo (1, 10, 11, 13). Pacientes gravemente enfermos podem apresentar concentrações de cortisol basal ou após estímulo com ACTH "normais", mas insuficientes para o grau do transtorno sistêmico (11). A insuficiência adrenal parece improvável se uma dosagem randômica de cortisol for maior que 34 µ g/dL, e provável se for menor que 15 µg/dL, durante doença aguda. O uso do teste de estímulo com cortrosina em pacientes criticamente enfermos permanece controverso, mas um incremento < 9 µ g/dL ao nível basal parece estar associado a maior risco de óbito. Avaliação da resposta ao estímulo baseada em incrementos sobre o cortisol basal não tem valor fora do contexto da doença aguda e não deve ser usado (13). A dose de 250 µg de cortrosina, supra- fisiológica, tem sido questionada como causa de resultados falso-positivos, particularmente na deficiência parcial de ACTH. Assim, o teste de tolerância a insulina (ITT), apesar de suas contra- indicações, permanece como padrão ouro para avaliação do eixo HHA. Baixas doses de ACTH sintético têm sido consideradas capazes de induzir rápida liberação de cortisol disponível, enquanto a dose de 250 µg, possivelmente, promove síntese adicional de cortisol (1, 6). Em trabalho desenvolvido por Ambrosi et al. avaliando a performance do teste de estímulo com 1 µg de cortrosina, assumindo a acurácia do ITT como 100%, encontrou-se sensibilidade de 71% e especificidade de 93% para tal teste (4). Dickstein e cols. consideram a performance do teste com 1 µ g de cortrosina superior ao teste com 250 µg, mas ressaltam que ambos podem apresentar falso normal em insuficiência hipofisária recente e resposta suprimida na deficiência crônica de ACTH (5). Widmer et al. não encontraram diferença na concentração máxima de cortisol após estímulo com 1 µg ou 250 µg em indivíduos saudáveis (12). O teste com baixa dose parece ser útil na pesquisa diagnóstica de anormalidades sutis do eixo hipófise-adrenal, porém na prática clínica, o teste é de difícil padronização e não tem encontrado aplicabilidade difundida (11). A infusão prolongada de ACTH é útil na distinção da insuficiência adrenal primária da secundária. Para executar o teste, é feita infusão de ACTH durante 8 horas. Na insuficiência primária a adrenal perde a capacidade de responder ao estímulo do ACTH. Em contraste, na insuficiência adrenal secundária há recuperação gradual da função adrenal ao estímulo (1). Teste de tolerância a insulina (ITT) O ITT é considerado o teste padrão para o diagnóstico da insuficiência adrenal e avaliação da integridade dinâmica do eixo hipotálamo-hipófise- adrenal (1, 2, 8, 9). O estresse da hipoglicemia é um poderoso estímulo para a produção de cortisol, que se faz via hipotálamo-hipófise com aumento de ACTH e, então, de cortisol. O teste anormal significa comprometimento de qualquer parte do eixo (11). É importante ressaltar que o ITT está contra-indicado para idosos, portadores de doenças vasculares, cardiopatas, indivíduos com história de convulsão e hipocortisolemia basal (< 7 µg/dL) (11, 13). A presença do médico é importante durante a execução do teste para acompanhamento dos sintomas adrenérgicos e neuroglicopênicos. Administra-se insulina regular, endovenosa, em doses que variam na literatura, de 0,05-0,15 U/kg, com objetivo de atingir glicemia menor que 40 mg/dL; mantendo-se soro glicosado preparado para rápida administração, caso necessário e à critério médico. A dose de insulina pode ser ajustada: aumentada nos portadores de resistência insulínica e acromegálicos; e reduzida para prevenir hipoglicemia prolongada nos portadores de hipopituitarismo (1). O pico de cortisol ocorre em 60 a 90 minutos a partir da administração da insulina, não sendo necessário coletas mais prolongadas (7, 12). São aceitos como cut off valores de cortisol iguais ou maiores que 18-20 ng/ml em qualquer tempo do teste, embora ocorram falso-positivos (5, 6, 8, 11). Trabalho desenvolvido por Nye e cols. revelou grande variabilidade na resposta do ACTH ao estímulo hipoglicêmico e não observou correlação entre a magnitude da resposta do ACTH e o nadir da glicemia. Ao contrário, a resposta do cortisol correlacionou-se com a magnitude e duração da hipoglicemia. O trabalho conclui então a dosagem do ACTH não está indicada no teste e a mensuração do cortisol deve ser o parâmetro utilizado para verificar a função do eixo HHA (2). Borm e cols., em avaliação retrospectiva de 125 pacientes submetidos ao ITT com suspeita de insuficiência adrenal e estudo adicional prospectivo de 15 indivíduos saudáveis, concluíram que o pico de ACTH é um parâmetro pobre para investigação da insuficiência adrenal, devido a grande variação de seus valores, não havendo benefício adicional em sua determinação durante o ITT (3). Dickstein e cols. avaliaram a reprodutibilidade do cortisol e do ACTH ao estímulo do ITT, concluindo que o primeiro www.hermespardini.com.br 3 mostra-se mais reprodutível e que não há boa correlação entre suas respostas em indivíduos normais ou em indivíduos portadores de doença hipofisária com resposta normal do cortisol, sugerindo que o ACTH não seria de grande auxílio no ITT (5). Teste de estímulo com CRH O estímulo com CRH pode ser útil para diagnóstico e localização da insuficiência adrenal, apesar de ser raramente utilizado. A droga é segura e bem tolerada, podendo ocorrer flushing em 20% dos pacientes e, em alguns casos, taquipnéia após a administração endovenosa. Há três respostas distintas ao CRH: 1) insuficiência adrenal primária - altos níveis de ACTH basal que aumentam com a administração do CRH; 2) insuficiência adrenal secundária - ACTH basal baixo que não responde ao CRH e 3) insuficiência adrenal terciária - ACTH basal baixo com resposta expressiva ao CRH. Entretanto, a distinção entre insuficiência adrenal primária e secundária pode ser feita por outros testes e, embora, possa diferenciar entre doença secundária e terciária, o teste freqüentemente não é necessário na investigação da insuficiência adrenal e sua utilidade como teste diagnóstico ainda não é definida. Além disso, o CRH é uma droga cara e poucodisponível. Embora tenha utilidade como teste de estímulo, o teste do CRH tem maior valor no diagnóstico diferencial da hiperfunção do eixo HHA (1, 5, 8). Anormalidades bioquímicas Outros achados laboratoriais na insuficiência adrenal são anemia normocítica e normocrômica, linfocitose relativa e aumento na contagem de eosinófilos, acidose metabólica e algum grau de azotemia pré-renal. Anormalidades nos eletrólitos incluem hiponatremia e hipercalemia na doença primária, atribuídos primariamente à deficiência de mineralocorticóide, e hiponatremia isolada na doença secundária, atribuída principalmente à retenção de água mediada pela vasopressina secretada para correção da relativa depleção de volume conseqüente a deficiência de glicocorticóide (11). Referências Bibliográficas 1. Grinspoon SK, Biller BMK. Clinical review 62: Laboratory assessment of adrenal insufficiency. J Clin Endocrinol Metab. 1994 Oct;79(4):923-31. 2. Nye EJ, Grice JE, Hockings GI, Strakosch CR, Crosbie GV, Walters MM, Torpy DJ, Jackson RV. The insulin hypoglycemia test: hypoglycemic criteria and reproducibility. J Neuroendocrinol. 2001 Jun;13(6):524-30. 3. Borm K, Slawsk M, Seiler L, Flohr F, Petrick M, Honegger J, Reinke M. Is the plasma ACTH concentration a reliable parameter in the insulin tolerance test? Eur J Endocrinol. 2003 Dec;149(6):535-41. 4. 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