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A substância social da memória Eclea Bosi

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1 
•---
A SUBSTÂN IA SOCIAL DA M EMÓRIA 
História e Crônica 
A história que estudamos na escola não aborda o passado re-
cente e pode parecer aos olhos do aluno uma sucessão uni linear 
de lutas de classes ou de tomadas de poder por diferentes for-
ças. Ela afasta, como se fossem de menor importância, os as-
pectos do quotidiano, os microcomportamentos, que são funda-
mentais para a Psicologia Social. 
Estes aspectos são abrangidos pelo que chamavam na Idade 
Média de· "crônica" (não esquecer a raiz chronos = tempo), ane-
dótica, tecida de pequenos suce~sos, de episódios breve da fa-
mília, de cenas de rua vividas por anónimos. 
As comunas medievais tiveram seus cronistas qu' narrava1n 
episódios agradáveis, pitorescos, enfin1, aquilo qu" p d rno .. 
chamar de crônica urbana. Levund cn1 conta son1ent os ro-
nistas italianos, citemos, cn1 Mi I · o, Landol fo ' nior e Junior, 
autor de Historiae Mediolanenses, 111 latirn vulgar ( éculo 
XII); em Gênova, os Anais de Cá/faro di Rustico (século XII); 
13 
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.... 
' 
O TEMPO V IV O DA MEMÓRIA 
ein Parn1a. o Chronicon (século XIII), em latim vulgar, onde 
percebernos o hun1or n1aldizente do Irmão Salimbene da Par-
ina, obra rica cn1 p quenos episódios, em conversas de rua, de 
un1a janela para utra. 
A cidade de Florença conserva o registro de doi s cronistas 
do s culo IV: Dino Compagni , que, na Cronica delle cose 
occorrenti ne' te,npi suoi, trata da vida familiar e política da ci-
dade, onde Dante se inspirou para descrever seus contemporâ-
neos e prometer a ida de alguns ao inferno; e Giovanni VilJani. 
autor da Nuova Cronica que curiosamente começa a história de 
Florença pela descrição da Torre de Babel. Eis alguns cronistas 
1--' -,. ~ do povo ou da pequena burguesia nascente. Na verdade, eles 
~ -e-, ., -- -
.,,~, ~ registraram a memória oral. Provando a oralidade das fontes. os 
"C/,;. -·--:-:----:-------------: -y 6:{:-~ dicionários italianos buscaram nos cronistas florentinos as pa-
lavras em uso na Idade Média. 
Quando, para vencer as "corporações dos ofícios", as signo-
rie se instalam, a burguesia concentra seu poder nos centros ur-
banos: os Doria em Gênova, os Vendramin em Veneza, os Co-
lonna em Roma, os Mediei em Florença, os Visconti e os Sforza 
em Milão, os Grimaldi em Mônaco ... A história destas cidade 
se torna uma história política compacta e vai registrar o poder 
das grandes famílias, dos reinos, da guerra entre os estados. 
A crônica será relegada como um gênero literário menor. que 
trabalha com o aspecto descontínuo dos eventos. Uma 4·c nu-
nuidade" costurada pelo presente surge, unitária e tele l gi"·a. 
. l · d Lu1:-
como se todos os eventos tivessem um fin1: a g na 
XIV, de Napoleão, das monarquias nacionais t ~. . , . 
·, , d h1stOfll, Quando nos anos setenta, as ran I s t n,l~ · a ~ 
. ntrJ.111 
como a teoria evolucionista, a teoria hcg liano-n1ar , 1 ta e ., . 
. . 6 . Pohoca. 
em crise, entra em crise tan1bé.1n o nodo da Hi5c na t~ 
O ., . ., 1 Iuoar con10 a e oceano de pequenas estonas tomara et · o , 
14 
• 
' 
J J,-\'· ;,e.\\ 
.. l J-" ~ 
_ ____ _,, _sun~TÀNC t A SOCIAL l)A MHM(JHIA 
ria d d'~.. t ' ct 
t.:, on t nu , o pontual, do qu , par ·e • fra J mcntário, ao 
p nto d" squ cer o te ido hist<. rico qu .. sust ·n1a os fatos, como 
aso da psi ologia dos inicrocon1portamentos. 
P r que a crônica a tradição oral cst~ o de novo valori -
zadas? ~ memória oraW um instrumento precioso se desejamos 
constituir a crônica do quotidiano. Mas ela sempre corre o risco 
e ca1r nun1a ·'ideologização'' da história do quotidian , como 
se esta fosse o avesso oculto da história política hcgemônica. 
Os velhos, as 111ulheres, os negros, os trabalhadores ma-
nuais, camadas da população excluídas da história ensinada na 
escola, ton1an1 a palavra. A história, que se apóia unicamente 
en1 docun1entos oficiais, não pode dar conta das paixões indivi-
duais que se esconden1 atrás dos episódios. A literatura conhe-
-eia já esta prática pelo n1enos desde o Romantismo: Victor 
Hugo faz surgir Notre Dame de Paris num quadro popular me-
dieval que a história.oficial havia desprezado. 
A mernória dos velhos pode ser trabalhada co1no un1 media-
dor entre a nossa geração e as testen1unhas do passado. Ela é o 
intermediário inforn1al da cultura, visto que existen1 1nediado-
res formalizados constituídos pelas instituições (a escola, a 
igreja, o partido político etc.) e que existe a transn1issão de va-
lores, de conteúdos, de atitudes, enfim, os con tituintes da cul-
tura. 
A memória oral, longe da unilateralida lc para u qual ten-
dem certas instituições, faz intervir pont s d~ vist~\ contradit -
rios, pelo 1nenos distintos entre eles, e ní se cnc ntra a sua 
maior riqueza. Ela não pode atin°ir un1n t ria da história nem 
pretender tal fato: ela ilustra o que cha1na1nos h je a História 
das Mentalidades, a História das Sen, ibilidades. 
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A incin6ria s · ·11rnízu 110 (.;011cr ·lo, no ·~p;l(; o, Y,(! lo, íin:,g ·,n t ql) 
jcto. A hist<>ri:..i s • liµa ap ·nas i1s {;011ti1w íd:ad ·s lc1r1por;tÍ 4,, a~ ·voluç,', .. 
e às rela<;< cs cn lr • as co isas '. 
(S ~ ·, ~ ~ ~ i À A pesqu isa me permitiu colher ulg 111s rcsultudo~ sohrc ~ 
x .. t ~ ' 111e1nória fa,niliar, a 1ncr116ria política, a r e, <>ria do trahalho, 1 L~ ~ - -- ,,.... . . 1 d /. . h 
o - • "' · enfi1n s brc a substancia soc1a a rnem,>na; cxpon o agora 
\. Q ~ ' - ---------
' .:: ~ ,~ algurnas rcílexões com liherdadc na eleição dos temas que me 
> -~ '\'..,,--.. 
'j ~ i ~ são caros, liberdade que gostaria de comparti lhar com o Jcitor. 
~ ~ i ~ 
l\ \ 
História Oral, flistórias de Vida 
O movimento de recuperação da memória nas ciências hu-
rnanas será moda acadêrnica ou tem origem mai s profunda 
como a necessidade de enraizamentoÍ Do vínculo com o pas-
sado se extrai a força para formação de identidade) 
Simone Weil julga esse vínculo um Direito Humano seme-
lhante a outros direitos ligados à sobrevivência. Fontes de ou-
tras épocas repropõem questões sobre o presente. Simone Weil, 
para enfrentar os tempos sombrios do nazismo, lia e relia Heró-
~ 
doto, Tucídides, Plutarco, César, Tito Lívio, Tácito ... E a Ilíada, 
,; 
Esquilo, Sófocles, que atingiram motivações tão profundas que 
resistiram até nossos dias; e mergulhou no livro dos Mortos dos 
egípcios, na Bíblia, no Bhagavad Gitâ, procurando ouvir no 
originais sânscritos e babilônicos o mesmo antigo grito2• 
Quando se trata da história recente, feliz o pesquisador que 
se pode amparar em testemunhos vivos e reconstituir compor-
l . P. Nora, Les lieux de la mémoire, Paris, Gallimard, 1984. vol. I, p. XIX. 
2
- Simone Weil, A Condição Operária e Outros Estudos sobre a Opressão, Rio de 
Janeiro, Paz e Terra, 1996. 
A SUOSTÂNCJA SOC IAL DA MEMÓRIA 
,. tamentos e sensibilidades de uma época! O que se dá se o pes-
quisador for atento às tensões implícitas, aos subentendidos, ao 
que foi só sugerido e encoberto pelo medo ... 
j Um exemplo que pode parecer pouco. dramático é o relato 
de uma reunião "oficial" de que o depoente participou. Se for 
registrado em documento, será esquematizado, empobrecido e 
sobretudo feito para agradar o poder em exercício ou a facção 
prestigiada no momento. As atas de reuniões oficiais suprimem 
as 1dissonâncias;como impertinências, e os conflitos são apaga-
dos como digressões inúteis. Onde a razão que vacilou, gague-
jou enão soube se expressar? Tais registros não refletem a mi-
- -- -
crossociol~gia do poder, as redes de influência e não captam a 
"atmosf~~a" do -g~pÔ: o campo mutuamente compartilhado dÕs 
- -- -- - - - - - - -
gestaltistas cujos contornos são definidos pelos olhares e ex-
-
- - -
" pressões faciais. 
/ 9 Mas não vá alguém pensar que as testemunhas orais sejam 
1 
sempre mais "autênticas" que a versão oficial. Muitas vezes são 
dominadas por um processo de estereotipia e se dobram à me-
mória institucional. 
Ouvi, numa mesa redonda, Michael Hall ' contar que quando 
entrevistava um líder sindical que havia encabeçado um movi-
mento operário, este, para desespero do historiador, o atalhou: 
- "O senhor volte outro dia, estou despreparado. Quero ler o 
que se escreve sobre o movimento para me informar e respon-
der direito as suas perguntas". 
/ - Pude perceber essa força da memória coletiva, trabalhada 
1 
pela ideologia, sobre a memória individual do recordador, o que 
ocorreu mesmo quando este participou e test n1unhou os fatos 
e poderia portanto nos dar uma descrição diferenciada e viva. 
. Parec~ qu~ há sempre uma NARRATIVA COLETIVA privile-
giada no 1ntenor de um mito ou de u1na ideologi·a E 
. essa narra-
17 
O TEMPO V I VO DA MEMÓRIA 
ti,,a e~plicadora e legitimadora serve ao poder que a . 
difunde. lransrnue e 
A t.:niversidade também tem o poder de contar · 
e interpret 
os e,entos que se passam no mundo operário ou nos . ar 
pulares. em geraJ. meios po. 
Há portanto uma memória coletiva produzida no int -
enor de 
uma classe. mas com poder de difusão, que se alimenta d . 
. . . e 1rna. 
gens. sentimento. 1dé1as e valores que dão identidad à 
1 e quela e~. 
A memória oral também tem seus desvios c ... uc pr<>L' . 
• -- -~ ..... oncc1-
l0\. \ua inautenticidade. E:<emplos não faltam: como a d f os ran-
c~, que colaboraram com o~ nazistas durante a guerra. E dos 
alemãe, durante a a.5eensão de Hitler. Quem aclama,a O Fuhrcr 
00\ e\lád10\? Q ue multidão erguia milhares de braços? Scnam 
bonccO\ ou má\Caras de Ensor? 
E algun\ judeu~ ao relembrar o Holocau\to esquecem ex 
,·intc milhõc~ de \Oviétíc~ ~enfie~ pelo nazi,mo. 
Entrc,·i\tei Japonc~ que ~ díum pacÍÍl\ta\ ma, que '-C rc-
l\J'klm a pcn\a! cm Hir0\h1ma e 1'ag~1. 
Cabe-no, interpretar tanto a lembrança quanto o e~ucci-
menlO. 
fa,quccimento, omi~. ~ trecho~ dc~fiad~ de narnu,a 
~ c~pl~ ~•gnificati,·~ de como \C deu a incidência do fato 
hí.aóríco no quotidiano da., J)C\~a.,. ~ traç~ que dei~ou na 
~nwbt I t<bdc popular daquela época. 
Sempre me mtngou a VÍ\actdadc e a riqueza de detalhes com 
que O\ "cl~ pauli~~ lembr.m, a Re,·olução de 1924. a do 
lwdoro. São~ wrprcendcn:mo mai\ contudo. ao , ·erificar· 
mo,. ~ e~ e quinwi foram meu--d.lhados 00\ ~ de 
~ Paulo. Hou,·c um êxodo de f amíli~ que se n:fugiaram no 
llllttaur u.,m parcnsc, que~ acolheram enquanto durou a rewl· 
li 
ç • l ' 
\. 
A SUBSTÂ:'\C IA SOCIAL DA MD-IÓRIA 
ta. E apesar de tudo houve simpatia da população pelos tenentes 
revoltoso . Seis anos depois. a professoras do Brás, da Mooca. 
da Lapa, começaram a alfabetizar muitos I idoros que haviam 
nascido em 1924. 
O presente. entregue às suas incertezas e voltado apenas 
para o fu turo imediato. seria uma prisão. 
Se o tecnicismo re inante quer-nos convencer que a nostal-
gia é sentimento inútil, ela. no entanto faz parte da humanidade 
do homem e teria d ireitos de cidadania entre nós. na opinião de 
Alain Finkielkraut. 
A técnica cria redes de globalização mas o mundo é fei to de 
territórios. nações, paisagens. O fetichismo da_:écnica não c_on-
.: 
segue explicar por que nada substitui a re ílexão o litária. A in-
--- - - -- -
teração não esgota o alcance da comunicação. Caso contrário. ~ 
nós nos comunicaríamos apenas com os contemporâneo ,o q ue .. 
seria uma grave perda. E há fo rmas de comunicação insubs- ~ 
tituh·eis como a conversa espirituosa entre am igos em volta da 
mesa. cujo charme a técnica não conseguiria reproduzir3. 
Grande mérito dos depoimentos é a revelação do desnível 
assu tador de experiência vivida nos seres que compartilharam 
a mc~ma época; a do militante penetrado de consciência h i tó-
rica e a dos que apenas bu~aram sobreviver. Podemo colher 
enorme quantidade de informações factuais mas o que importa 
é delas fazer emergir uma visão do mundo.' 
<:_orno arrancar do fund~ do oceano das idades um "fato puro" ,... ' 
~ morizado? Quando puxannos a rede veremos o quanto ela 
_vem carregada de representações ideológicas. Mai~ que O docu-
mento unilincar! a narrativa mostra a complexidade do acontcci-
~n~'É a via privilegiada para chegar até o ponto de art1culaçào 
, 
l A. Finkelkraut. Entre-v~ a lo.kl Franu o.....c ""'""'' 
. ... JI), ,uuu 
19 
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~ H1wm com a ,'Ida~ Cnlhr r,onk11 dr ,,\la~-
~ 1J ~~ op; t WY ~-·un1111C~'à:l ~ dt ~ . 
~ ~ ~ qw • mttnl'IN pane do i,re~. dt um 
Pff '-Cllk a\~ pdo r1D.W11J10. cu,a J'C'f'-~ào .. , a IIJlroori.31~ 
"ttfflrlW do qut ""'"' ~~ que não no\ pen~ rnait~ 
k cwal ~ rrw, que afirma. uiminha cm cun-u , 
dn,.,.. ~ a WN ~ wt1 l e ri~. 
Ma JWll * Y,'V\.---nuit conín.WJU que tó comcguu ~ 
a ,-, :wk> ..: wn pé n.. enad~io e owro ru m.giL Ma\ \Cm 
wc:dar ra ~< - . podcfal'a.4 cmprcpr uma CXprci,-
Wl:.l tc:t~.-udadic da.acrómca-. o que ~e kf o acnti~ 
QIIC de ob!lieo•OJOIC> lfocróniro~ opowçócs. procura 
-.. fc•é .. .., a -~-., e o ~ ir. 
-~ ~ )C1~.:20 ~~ °' adnanhOI ad1a,am que dentro do 
.:a;;~ ~ a.t_lf'J ~ 1ICf cwaído. o Lcmpo ~ não hornoiénco e 
"aza-.> r.Q;iia;IIU (JI protcus apcla~am para a\ h-
P!:!liWt:IX> .ar~ con,igo um índa 
lláA, e fu,4 ICIÍa • ~apo. nio - COtY ~iva como a 
tiebt dt, &Jlíl;J~., UJm lúCkJ o tcU frncor. Chamada 
pr:r,q,\ic:• do ~ amKa·IIC a (ugjr 
pracak 'fUC Aio 11C rcoonhc:a flCU. 
A act.t~ía4.;:ik 41 ~e-. pcm»1e que 1C (~.a~ 
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~~~ mtAN'na paíbhu drw ,_mae..~ fr.--~ do ~mpo Jc 
8.,udrl.aatt e dr:K ~ .-lllin dr ...., ~ f:. mcda&ou 
w1"ff OI' tf~IIM do ~:Mtollile!&:nv> .:Ofl'ÓI. qu:mdlo fWO 
~ ., mtmnn.a , fm:cm:!ldo o apn-.-.c All'I ~ da 
w.amtn6,.af~I~ 
, • mru camp> dr ohlcn1açJo n&.a-. 
qur n.&~ff Mn n.1 ,onw.;o 'do • XX ao 
JO fomwm a lul~PKw de MMS .._..,_.~ ~ t uao 
O pfflttllO porque C~ j6 1C ívnm, 'flMW IC.d&:a .. .; médw 
baau qur w: ,,insa,tuau 1.om ~ m.paçjo ca•e:J e1111 s.k> Pauk, 
Cronok>sKamcnac. 1em du,, c.oi111c:-...irtm:oa de 
fknJMnan. Ma.,* que poa11> o ~uno lcabnaç» ten- ., • 
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dr ~ ;a ,, ida ~M.:-.a. runho ltpdl> dr ~ pro- • 
tcton que il .tnom1.a npulüU mudcral rz=~ ~ podttg 
olcttUf? 
A qunlJo ICJW 1,npma.hcl ~ o ,.n&.,1:.,mEalO daa frunlcl· 
ru cb ~ dõl S.X~ • Hui&Grw.. .. -naumenw que 
1ie wrnuu pou,i,,d u,m • lcttun dr DCC!l'li::aa• e dua fr....,fur-
l&WJI. ~ dne-lC reuõlla. • ~ ooallÀii\iD de: 
-------...: CIÓIOll>C owcnfk:.topduDiM ,.~ c •. ,....,._.c) 
Ma,,~ i ~ prnpNA. -
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~:·tNIQ WJ1 aq.,_...,._, :o muc \:Uffl a cabeça de 
~ ~ pupu -«1111. • mcaon. de ~• um de ~u~ 
~..,.,. I illet.l&b pr · "'9C • ÍidcologiA domman-
6. E.--.. ............... ~ .. ru•1ac c1cJcuacM 
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1n n,, ria • , t ... , l, ~· 1,, ,, : tU '. ,ult ·~ 1,, M' ·ul .. u 11,,\\ h, "''"I ·, 
na.a1nan·a ·~un a 1n '"", ia I ut H ·., u ,n 'llll ri,, 1nd,, hlu.,I 
lltn " · "n1pll tal I llu~tt ,n •lt,, r ·s.-., h,1 tt·~ .. . 
hurgu :ü, 1 ,n,lt .. ta u "I ,li , n,,d,unt nt' ., "·h.un.ht 
v lu 'à on:titu "i nali:t,\ l' .. .. . \ s' 1 
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non1 ado por ._ln!'l,' . .:t·,. a " ' rità ·ff ·ttu.11 • d ·ll.1 
co .. ·a'\ n diz r d 1a ~uiav L nt·1nt . 4uan t, unl t" m ·u~ 
m n1orialL·ta: ' rda fitn d·, lut·,. d·, 1u·1l 1 • p·1rt1 'll'J d· 
corpo ahna ' n1 .. - ldad v lunt-iri d prin, 'ir., h,,rJ q ,,~ 
perten u a l ~ batalhà f' .... anizad n, p ri , ln:tttuh, J,, 
Café). a .. ·ua int rpreta à nvi 'latn nt • ~, t un1 n 
Como .. ·ua la .. · .. - .. n1 u .... ru d ' nvi ' n "ia. ,, , d~' 
Rib não podia adn1itir a id ·ia d fr'1 'a.· .. - • l , qu n , ·ntan 
to. vir~ 'On1 .. · u.- olh - a . -t n.-=- da d m: ta. l 11 n, t xb ·r 
teza: ... ão Paulo 11 io n.:I u, 11 ,,, _- nl~'ll 
· ann· ·º. E .. n1 el diz n, rn .·n1 
anua.ln nte. a 9 de julho. l, it · n 
se elegeu um lugar d n n )ria n 11 
32··. H . ponanto, un1 n 11 1 ti, (n " 
no interior de un,a "I · · • n, n, ·--r 
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..1, 
A SU BSTÂ CIA SOCIAL DA MEMÓRIA 
minante en1 plena soc iedade de rnassas. ta l como veio a confi-
gurar-se a po_pulação da cidade de São Pau lo. Mas não se pode 
n gar que exL ta uma memória coletiva ou de clas\e. 
Já dei. noutro lug r, exemplo do sindicalista que precisou 
ler livros de História pára responder à entrevista sobre o que ele 
havia vivido. 
Quer dizer: não é que não haja mais. absolutamente f alan-
do, í)Casião para alimentar uma memória pública (maio de 68 
que o diga ... ; e para nós, as passeatas, a campanha da, eleições 
diretas que o digam também); ma . quando e. sas ocasiões se 
dão, a memória desses eventos, mesmo quando participados. 
pode ser cooptada por estereótipos que nascen1 ou no interior 
da própria classe (caso da versão da burguesia paulista de 32). 
ou de instituições dominantes como a e cola, a uni versidade 
--- ..:----- -que são instâncias interpretativas da História. 
Estes exemplos e observações não contradizem absoluta-
mente as reflexões de Benjamin sobre a fabri cação sistemática 
---------- - . 
~ -'" s_paças de intimid~de" e de uas evocações pela cultura 
burguesa que viveria de costas para a experiência públic~1~ apê-
nas no dão a pensar que em !!lação à representações coleta-
vas a c1asse mai influente deixou uas marcas. 
- As
0 
inst~ições e colares reproduzem essas ve~õe~ . -.liJifl-
cand;-un1a certa memória social e operando c:n1 ~(ntiJ l an, r--
M> ao da lembrança pe oal, tão mais veraz en1 ~ua~ h •. il· 
lacuna~ e perplexidades. , " , 
.. \ 
1't'mpo · Vi,•o.\ t' 1't-mpo., Alorto.\ 
Exist , denlro da hiMória ~ronológic~\, oulra hi tória rnai.· 
den a de sub ·tância men1orativa no tlu o do ternpo. pare 
23 
, 
O TEMPO V I VO DA MEMÓRIA 
----
com clareza na. ai como na~ pai sagens, há marc 
os 
no espaço onde os valores se adensarn. 
O _tem o biográfico tcrn anda1ncnto corno na música de!-ide 
o allegro da infância que parece na lc1nbrança luminoso e doce 
• 
até o adagio da velhice. 
A sociedade industrial multiplica horas mortas que apena\ 
. uportamos: são os tempos vazios das filas, dos bancos, da bu-
rocracia, preenchimento de formulários . . . 
Como alguns percursos obrigatórios na cidade, que nos tra-
zem acúmulo de signos de mera informação no melhor dos ca-
sos; tais percursos sem significação biográfica, são cada vez mais 
. . 1nvas1vos. 
Meus depoentes eram jovens, decênios atrás e penso que ne-
les tenha pesado menos esse tempo vazio; pesa então sobre nós 
um desfavor em relação a esses velhos recordadores. Se eu pe-
dir: - Conte-me sua vida! Sei que o intelectual me virá com 
várias interpretações para preencher lacunas ou iludir esse des-
favor. 
( Mas se eu conseguir que me narrem seus dias como fazem 
as pessoas mais simples, ficará evidente a espoliação do nosso 
tempo de vida pela ordem social sem escamoteação po sível. 
Se a substância memorativa se adensa em algumas pa a-
gens. noutras se esgarça com grave prejuízo para a formação dl 
identidade. É grave também nesse processo o ofuscamt'"llll' 
perceptivo. ou melhor dizendo, subjetivo, u1na v z qul'" af lJ l) 
f>ujcíto da percepção.! 
A~ coí~a!\ aparccc1n con n1cnos nitid z di,du a rapid '"L d<."~· 
continuidade da~ relaç es vividas; f •i t d" ali ll ' l • o, a gran· 
de embotadora da cogniç o, da sin1pl --s ohservaç· o do n1unJo, 
do conheci1ncnto do outro. p 
Desse tempo vazio a atenção foge como ave as ustada . 
..... 
/ 
-
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Jl 
A SUBSTÂNCIA SOC IA L DA MEMÓRIA 
* * * 
Se há urna relação que une época e narrat iva. convém ve ri-
ficar se a P rda do dotn de narrar é sofrida por todas as c lasses 
sociai , ~ tnas não foi a classe dominada que fragme ntou O mun-
do e x eriência; foi a outra classe que daí extraiu sua ener-
gia. sua força e o conjunto de seus bens. 
Objetos Biográficos e Objetos de Status 
Na Pequena História de Fotografia e em Paris. Capital do 
à.\·,;-.? S~cu!o ~IX, Benjamin descreve o interior dos lares burgueses. 
~ " 1 a 1nt1m1dade atapetada e macia, os detalhes da decoração que 
~ \f <. procuram marcar a singularidade de seus proprietários. 
;i,JV Criamos sempre ao nosso redor espaços expres ·ivos sendo 
o processo de valorização dos interiores crescente na medida 
em que a cidade exibe uma face estranha e adver a para seus 
moradores. 
São tentativas de criar um mundo acolhedor entre a · pare-
des que o isolam do mundo alienado e hostil de fora. 
Nas ~ue colhi, as casas descritas tinham janda~' 
para a frente; ver a.r!ll! era uma diversão apreciada não hav~ndo 
a preocupação com o~ como hoje, en1 que alto: mu-
ros mantêm a privacidade e escondem a fachada. 
Fui tentada a rever uma oposição, que há muito v nho fa-
1..cndo ao co1nparar lembranças, a p sição ~nt1 • ol>jt>to., bio-
gráfico.\ e objetos de status. 
~ Se a mobilidade e a conting n ·i" a ' 1np nhum no sa., rela-
ções, há algo que desejamos qu pcrm·mc,·~t i1nóv 1. ao mcno 
na velhice: o conjunto de ohjetos que no~ rod iam. esse con-
junto an1amo a disposiç~ o táci ta, mas eloqüente. Mai · que uma 
25 
-
' 
-
..... 
sensação estética ou de utilidade eles nos dão um a~scnt írne 
. ,_,.l· ct 'd ,1 ' nt,, à nossa po~íção no mundo, .ª nos~"' ~ nl,!2uC_Je :>s que c~tívc. 
ram sempre conosco falam a nos\a t-tlma cm sua l1ngua natal < 
arranjo da sala, cujas cadeiras preparam o c írculo da\ c.:.onv.cr'. 
sas amigas, corno a carna prepara o dcscan~o e a rnc\a <lc cahc. 
ceíra os derradeiros instantes do dia, o ritual ante\ do \cm,,. 
(A ordem desse espaço nos une e nos separa da sociedade e 
é um cio familiar com o passado:.., 
Quanto mais votados ao uso quotidiano mai s cxpre,,ívrh 
. ão os objetos: os metais se arredondam, se ovalam, O\ Céth<"' 
de madeira brilham pelo contato com as mãos, tudo perde a, 
arestas e se abranda. 
São estes os objetos que ~ iolette Moriivchama de objeto\ . 
biográficos, pois envelhecem corno possuidor e se encorporam "' 
à sua vida: o relógio da família, o álbum de fotografia\, a me-
dalha do esportista, a máscara do etnólogo, o mapa-múndi do _..; 
viajante ... Cada um desses objetos representa uma ex~riéncia : 
=- .. ........ .. 
vivida, urna aventura afetiv_ã_d_o_m_orador. - · 
Diferentes são os ambientes arrumados para patentear sta-
--tus, como um décor de teatro: há objetos que a moda valoriza, 
mas não se enraízam nos interiores ou têm garantia por um ano, 
não envelhecem com o dono, apenas se deterioram. 
Só o objeto biográfico é insubstituível: as coisas que enve-
lhecem conosco nos dão a pacifica sensação de continuidade.Reconhece Machado de Assis: 
, Não, não, a minha memória não é boa. É comparável a alguém qut 
tive~~ vívido h . no-por o~pedanas, sem guardar dela.~ nem cara.~. nem 
me~, e M)mente rar· · ,. · rna 
a.\ circunManc1as. A quem passe a vida na mes 
7 
· ºL· Ob' ct" 
'.J , Communication.t J 3, 1969. 
26 
A SUBSTÂNCIA SOC IA L DA MEMÓRIA 
casa de família, com os seus eternos móveis e cos tumes, pessoas e afei-
ções. é que se lhe grava tudo pela continuidade e repeti ção. .. 
' 
Não só en1 nossa soc iedade dividi,nos as coisas cm objetos 
de consun10 e! líquias de fa111ília. Mauss encontra essa distin-
-ção e1n n1uitos povos: tanto entre os romanos como entre os 
povos de Samoa, Trobriand e os indígenas norte-americanos. 
Há talis1nãs, cobertas de pele e cobres blasonados, tec idos ar-
1noriais que se transmitem solene1nente como as mulheres no 
casainento, os privilégios, os nomes às crianças. Essas proprie-
dades são sagradas, não se vendem nem são cedidas, e a famí-
lia jan1ais se desfaria delas a não ser com grande pesgosto. O 
conjunto dessas coisas em todas as tribos é sempre de natureza 
espiritual. 
Cada uma dessas coisas tem nome: os tecidos bordados com 
faces, olhos, figuras animais e humanas, as casas, as paredes de-
coradas. 
~ . 
Tudo fala, o teto, o fogo, as esculturas, as pinturas. 
Os pratos e as colheres blasonadas com o totem do clã são 
animados e feéricos: são réplicas dos instrumentos inesgotáveis 
que os espíritos deram aos ancestrais( O tempo acresce seu va-
lor: a arca passa a velha arca, depois a velha arca que bóia no 
mar, até ser chamada de a velha arca que bóia no mar com o 
sol nascente dentro) 
A casa onde se desenvolve uma criança é povoada d ~ois~,: 
preciosas que não têm preço. 
As coisas que modelamos durante anos resistira1n a nós con1 
sua alteridadc e tornanun algo do que fon1os. ()nd ~ estú nossa 
primeira casa? Só cm sonhos podc1nos retornar ao chão onde 
demos nossos primeiros passos. 
Condenados pelo sisten1a econômico à extre1na mobilidade, 
27 
O T EMPO V I VO DA M EM ÓRIA 
perden10 a crônica da frunfli a e da c idade mesma em nosso per-
curso errante. 
O desenrai zan1cnto e ·ondição desagregadora da memória 
* * * 
Unta idéia-mestra para análise seria a de uma separação de 
un1 e paço privado, pessoal e o espaço público, anônimo. 
Creio que ainda se possa ir além e aprofundar essa distin-
ção em termos de psicologia social do espaço vivido. 
Tomemos um dos exemplos dados por Benjamin: as foto-
grafias familiares que estão em cima de um móvel numa sala 
de visitas burguesa. 
A sua presença física tem que ser lida fenomenologica-
mente. E aqui a VISADA INTENCIONAL da pessoa que colocou 
aquele retrato sobre o móvel é que deve passar pelo crivo do 
intérprete. 
1. A foto do parente que já morreu pode ser contemplada pelo 
dono da casa como um preito sentido à sua memória. Esta-
mos, portanto, em pleno reino de privacidade, tout court, 
que interessa e afeta a relação pessoal, íntima, do recordado 
e do recordador. 
2. A foto daquele mesmo parente poderia ter sido colocada 
com o espírito de quem faz uma exposição que intere. Sj 0 
"-i 
olhar do outro - o olhar social. Por essa visada a fot -obrt' 
--.::.. 0 móvel carece de uma aura afetiva própria e ganh~• t.lutr.l 
aura, a do status, nde estão embutidos valores d' distin ·J\)~ 
superioridade, e petição, na m di ia ~1n qu o m lrto foi 
uma p , · 
· essoa unportante, log dotada l v·tl r-d - tt ) ·a. 
Um 01hªr inibe o outr : s· o abordag ns qualitativamente 
excludentes. O objeto ou é biográfi o, ou é igno de status, e. 
28 
______ A_st.:_·e_\_TÁ~CIA SOC(Al º" \ff\(Ó~ IA 
como tal. entraria para a e\fcra de uma .. intimidade ... entre 
a~pa\. O\ten\Í\ a e publlcáve). que Já faz parte dà l\tóna da~ 
Ideologia., e da\ Mentalidade~. de qu~Be~am,n fo, um admi-
rável precur\Or. Se e\\a observação f az-;nt1do. -;'u diria que o 
burguês. enquanto agente e produto do uni\·eN> de valore~ de 
troca. não pode refugiar-~ autenticamente na esfera da intimi-
dade afetiv~ poi\ até me\mo ~ ~u\ objetos biográficos podem 
con\'erter-~ -e freqüentemente~ convertem - em peças de um 
mecaní~mo de reprodução de status. A sociedade de ma~~~ e~-
tendeu e multiplicou e5se fenômeno e. ao mesmo tempo. o dis-
~ípou e o desgastou criando o objeto descartável. A sociedade 
de con~umo é apenas mais rápida na produção. circulação e 
de~arte dos objetos de status. E certamente menos requintada 
e maí~ pueril do que a burguesia francesa ou alemã do começo 
do \éculo. Mas não mais cruel. 
* * * 
E existe~ além desses, aqueles objetos perdidos e desparc" · -
r~ que a ordenação racional do espaço tanco despreza. ~ 
mÍ~O!K)S s.ão pedaços de alguma coisa que pertenceu a alguém. 
Benjamin. no ensaio f~ B_au~. segue~ ~ 
do jlaneur omervando vitrinas e galerias; mas haverá alguém 
para recolher os ~jos da cidade para os quais ninguém , ·olta 
Oi olhot. e o vento dispena 
OI depoímentoi que ouvi estão povoados de~ ~·-
~ que ti.e daria tudo para encontrar quando no, bandonam~ 
~mindo em f undm ímondáve•• de annáriO\ ou 11a., fc."~ do 
ütoalho, e no, deixam à r.u procura pelo tt to da ,·ida'. 
1. No Orlando IMw de Anoelo. u• padadla M leffa w>bnn para a lua 
c-*pa, rr::m.quemwibrillfWApera 
29 
O TEMPO VIVO DA MEMÓRIA 
Reproduzo aqui trecho da narrativa que ouvi do Sr. Amadeu 
filho de uma grande e afetuosa família de Trieste, que COmba~ 
teu na Resistência durante a última guerra mundial: 
- Hoje as crianças lêem Pinóquio em adaptação e a história fica bern 
resumida. Ou vêem o filme de Walt Disney. Mas nós tínhamos em casa 
o livro original do escritor italiano Collodi. Nele, o carpinteiro Gepeuo 
que criou o boneco de pau era um trabalhador que só conheceu a pobre-
za. Morava num quartinho onde lutava contra a fome e o frio com a for-
ça do seu braço que ia diminuindo com a idade. No fundo desse quarti-
nho via-se uma lareira com um belo fogo: mas era apenas uma pintura 
do engenhoso Gepetto na parede, para iludir o frio do inverno com a 
visão de uma lareira. Esse desenho me encantava e penso que ainda en-
canta as crianças que folheiam o livro. 
Gepetto aconselhava o teimoso Pinóquio, cabeça de pau: 
- Não jogue nada fora. Isso um dia pode servir para alguma coisa~ 
(Este conselho os velhos vivem repetindo: eles não conse-
~ 
guiram assimilar ainda a experiência do descartável que lhes 
·-----p~ce um desperdício cruel..:_ Porissooarmário das vovós é 
cheio de caixas, retalhos e vidrinhos ... ) 
Os meninos italianos ouviam de suas mães este conselho 
que Gepetto dava para o endiabrado Pinóquio. 
*** 
Capturado pelos nazistas, Amadeu conheceu um extremo 
despojamento, foi privado de tudo. As roupas largas dançavam 
no seu corpo ra-
- e os sapatos, tirados de uma pilha sem nurne 
çao, feriam seus ,, V fa-
. . pes. agava pelo campo como um espectro 
minto 1a r · . . 
' esiStindo no "avesso do nada". Mas sempre havia 
30 
A SUBSTÂNCIA SOCIAL DA MEMÓRI A 
algo a ser descoberto: um papel rasgado que a ventania arrasta-
va, um santinho amassado que alguém esqueceu, um prego sem 
cabeça, uma chave partida. Ele ia guardando cada um desses 
fiapos abandonados. 
Por exemplo, de um papel rasgado fez um envelope, descre-
veu no avesso a sua agonia, endereçou ao irmão em Trieste e 
escondeu-o num buraco do chão. Dois anos depois seu innão 
recebia a carta. Alguém a havia encontrado e enviado pelo cor-
reio. Quem teria sido? Nunca souberam. 
A chave partida que recolheu num ralo e conservou por tan-
to tempo, ele transformou num instrumento heróico. Quando 
conduzido para Auschwitz, usou-a como chave de fenda naja-
nelinha do banheiro do trem e daí saltou para a liberdade e para 
a vida. 
* * * 
A Luz de Estrelas Remotq.s . _ ot 
,; A...,; - t .1.. ,. r .,.V~, V~ o, (.,.1,-.,,,,-
, - _J -1 ' ..... 
'-'o ~ ~ ... ":'. • , I'"' -.J 
A memória opera fQ!J) grande liberdade_escolh~ndQJlÇQote-__ 
- - ~- 1 cimentosn Õ espaço e no tempo, n~ rbitrariamente mas por-
que se relaci6naífl. a ravés_ de -índices comuns! São configura-
ções mais intensas quando sobre elas incide o brilho de um 
sighifi~ado col~tivo. ~ . 
-- --É tarefa do cientista social procurar esses v1nculos de afini-
dades eletivas ~ntre "'fenômenos distanciados no tempo. 
Como exemplo, cito uma frase do longo depoimento d_e 
Dona Jovina Pessoa, militante que acompanhou desde os pn-
meiros vagidos anarquistas do Brasil até a luta pela anistia dos 
presos políticos que ela travou já com 80 anos. 
31 
,.. 
Recordando sua formação nos bancos escolares ela diz: 
- Tinha muita admiração por todos os rebeldes. Quando estudante, 
lia o grande geógrafo Reclus que só comia pão porque era O que a hu-
manidade pobre podia comer. 
Fui consultar o dicionário onde encontrei: "Reclus, Elisée, 
geógrafo, França ( 1830-1905), autor de uma Geografia Uni-
[" versa . 
Achei o verbete muito seco comparado à alusão de D. Jovina. 
Procurei mestres de Geografia e quando os interroguei so-
bre esse autor colhi respostas pobres e evasivas. No entanto, 
que calor se irradia do rápido lembrar de uma criança atenta: 
"Quando estudante, lia o grande geógrafo Reclus que só co-
mia pão porque era o que a humanidade pobre podia comer". 
Em que momento terá ela abraçado o anarquismo? E quem 
terá sido seu professor? Em que aula transmitiu ele o espírito 
do geógrafo francês para a menina brasileira? 
,,, 
E prodígio da memória esta evocação da personalidade coe-
rente e apaixonada de Reclus que nos toca como se estivesse 
junto a nós. 
Eis uma tensa configuração formada por Elisée Reclus, por 
um mestre-escola desconhecido, por J ovina e, através de quem 
a es_cutou, vem chegando até nós como índice de salvação. 
, ': r ~ co_nstelaçã~ memorativa tem um futuro imprevisível; con10 
, 1~gestal equer pregnância, fechamento. 
E à~ vezes esse fechamento vai depender de no~ os g r • 
de agora, porque seus autores morrera1n na vé, p ra, ante, de 
comp.Jetar a figura de suas vidas. 
,,, 
E a história de um passado aberto, inconcluso, capaz de pro-
messas. Não se deve julgá-lo como um tempo ultrapassado, mas 
32 
A SUBSTÂNCIA s j 
OCJAL DA MEMÓRIA R.J3~89} 03 Ú 
corno um universo contraditório do qu· 1 d 
_ ; 1 a se po em arrancar o 
sitn e O ~ao, ªJ~~e--;--~ ltítese •. o que teve seguimento triunfal e 
lo que foi truncad?r 
Para tanto ex ige-se o que BenJ·ami·n · 
, no seu ensaio sobre 
Kafka, chan1ava de atenção intensa e leve. 
Queria aproximar este conceito com O de s· W .1 r· 1mone eI , 1-
lósofa da atenção. Lendo a Ilíada como O poema da ~0 d _ 1, rça, es 
cobriu que Homero contempla com igual serenidade o destino 
dos gregos e dos troianos, ambos os povos submetidos às leis 
i1nplacáveis da guerra e da morte. 
. < 
Esse rememorar meditativo é também o de o/njamin quan-
do, ao rever os profetas do Antigo Testamento, encontra neles 
_direç~~ a_ç_ões ~~~tes. Üll_seja, fazendo d; memória um 
apoio sólido da vontade, matiizde--pro}etos. 
-- -\" Isto só é possível quando o historiador provoca um rasgo no 
i' \. ... discurso bem costurado e engomado do historicismo e "se de-
~ J;' tém bruscamente numa constelação saturada de tensões"9• Não 
, I o faz para registrar pormenores da mentalidade da época; é uma 
, -1 escolha que tem a ver com o sujeito definid~ pela ipseida~~ e 
..,, não pela semelhança com outros, pela mesmidade. U_!P suJetto 
í [ {' q~ omou a pa~v.!:_a º-? a~ ca~sa de si meêmo" e decidiu 
..r ~ • ~ticamente criando um tempo pnv1leg1ado, um tempo forte 
' r, - - - -
dentro do correr plano dos dias. 
'> ., - ~ ell1amin, a rememoração é uma retomada salva- -
dora do passaâo, nos depÕÍrnentos biográficos é evidente o ~ro-
~ Õnheci~e~tõê de-elucidaçã~scutemo. D. RtSo-
---------.. - - ------~ · · r h t Y 
leta, anciãnégr"'á"-e antiga cozinheira, que inicia O - u . ~ .' 
"J,, t aorad ·o por estdr 1 -
- a está acabando esse ano san o e º \ 
cardando e burilando meu espírito". ~ 
9
· Op. cit., Tese 17. 
33 
O TEMPO VIVO DA MEMÓRIA 
O recordar para ela é um te1npo sabático e cada fato bruto é 
lapidado pelo espírito até que desprenda luz. 
. . " . Por estar cega e 1nuito idosa, 1ned1ta e1n sua expenenc1a e 
tem autoridade de conselheira como prova o resto da narrativa. 
( Quando o velho nan·ador e a criança se enco~tr~~, os con-
selhos são absorvidos pela história: a moral da h1stona faz par-
te da narrativa como um só corpo, gozando as mesmas vanta-
gens estéticas (as rimas, o humor ... )j 
Não tem o peso da moral abstrata, mas a graça da fantasia 
embora seja uma norma ideal de conduta transmitida 10• 
Hoje recis~m~~~ es uecemos Ol!_não foi dito, 
como centelha embaixo das cinzas g_orque estamos entre dois 
-------momentos de uma narrativa. Não podemos dizer como o velho 
/ ------ - - - ------ . . 
- as av ida passou!", nem como a criança "-Mas a vida ain-
da não chegou!" 
Na chamada idade produtiva (os velhos são os "improduti-
vos" nas estatísticas), bem, nessa idade os conselhos foram per-
didos, ai de nós! 
~mo nas Minima Moralia já observa que não se dão mais 
conselhos, cada um fique com sua opinião. 
Temos que procurar sozinhos o conselho esquecido, cami-
nhando entre destroços num chão atulhado pelos tempos mor-
tos que nos são impostos. 
Num texto encantador, '~arrar e Curar", Jeanne Marie Gag-
nebin faz refletir sobre a função curativâ das histórias. A naffa-
tiva " t " · e erapeut1ca, apressa a convalescença quando a mãe. s n-
tada junto ao leito da criança, desperta-lhe outra vez gosto 
pela vida. 
1 · As condições pa t · d 
. . ra ~ issão plena da experiência já não existem no mun ° 
~ nal, segundo Benjamin. 
/ 
34 
A SUBSTÂNCIA SOCIAL DA MEMÓRIA 
Concordo, orque a história contada é um farmacon , antes 
preparado pela narradora nos tubos e provetas da fantasia e da 
memória, através de sábia dosagem. 
' . 
* * * 
Nós devemos então contar histórias? A nossa história? 
,, 
E verdade que, ao narrar uma experiência profunda, nós a 
perdemos também, naquele momento em que ela se corporifica 
( e se enrijece) na narrativa. 
Porém o mutismo também petrifica a lembrança que se pa-
ralisa e sedimenta no fundo da garganta como disse U ngaretti 
no poema sobre a infância que ficou: 
Arrestata infondo alla gola come una roccia di gridi 
[Presa ao fundo da garganta como uma rocha de gritos.] 
35

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