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SBS – XIII Congresso Brasileiro de Sociologia GT01 – Cidades: Transformações, Governança e Participação Grupo A – Democracia participativa e associativismo no urbano Título:Movimentos sociais urbanos, Estado e capital imobiliário em Goiânia César Augustus Labre Lemos de Freitas Introdução Vários estudos tem sido propostos para a análise da organização espacial de Goiânia, entretanto muito ainda tem que ser discutido porque os elementos dinâmicos que dão a configuração sócio-espacial da cidade estão em constante processo de mutação. Sendo assim para o debate sobre Goiânia entendemos que devem ser considerados seus elementos estruturantes em seus vários aspectos: sociais, políticos e econômicos. A formação dos espaços ilegais é um destes elementos, podendo ser considerados como de fundamental importância para compreender as realidades distintas das várias camadas da população a partir das formas como cada uma se organiza em nível espacial. Diante disso, o trabalho tem como objetivo elucidar algumas questões. Na primeira parte será abordada a atuação do Estado na implementação de políticas públicas de uso e ocupação do solo e o posicionamento adotado pelo capital imobiliário e os movimentos sociais urbanos diante de tais políticas. Na segunda parte, o trabalho consiste em analisar o crescimento demográfico de Goiânia e dos municípios do entorno a partir dos fluxos migratórios recebidos nos últimos vinte anos e os impactos na estruturação do uso do solo na capital. Esses impactos são visíveis quando consideramos principalmente como se dá o acesso ao solo pela população, considerando que uma parcela considerável se encontra ainda em áreas ilegais, ou seja, possuem a posse mas não a propriedade sobre o terreno o que indica que as políticas urbanas ainda deixam muito a desejar no que diz respeito a distribuição mais justa do solo nas cidades, e Goiânia é um exemplo claro disso. Diante disso, o trabalho se propõe a analisar como o espaço na capital vai se configurando na década de 1990 e principalmente como o poder público, em nível estadual e 2 municipal tem se organizado na elaboração de propostas de políticas urbanas que tem se apresentado como mediadoras na relação entre capital imobiliário e sociedade, pendendo na maioria das vezes a criar alternativas de ganhos maiores para os primeiros. Assim, amplas camadas populares não tem instrumentos legais que lhes permitam um acesso mais amplo ao solo urbano da capital. Poder público e estruturação da legalidade nos espaços Nas duas últimas décadas do Século XX a prefeitura de Goiânia assumiu uma nova postura ao retomar seu papel de ordenador do solo urbano na capital, papel este reforçado pela Lei nº 6.766/79, que define o parcelamento do solo urbano, e pela Constituição de 1988, em seus artigos 182 e 183 1 , que reforçam a autonomia da Prefeitura em seu papel de dar diretrizes de caráter mais democrático ao ordenamento urbano. Neste sentido, é possível afirmar que alguns avanços aconteceram nesse período, principalmente no aspecto da legislação urbana, embora devido ao próprio caráter limitador desta não permitir que avanços maiores sejam obtidos. Sobre as limitações impostas pela legislação urbana Rolnik (1997, p. 13) afirma que: Aí reside um dos aspectos mais interessantes da lei: aparentemente funciona, como uma espécie de molde da cidade ideal ou desejável entretanto, e isto é poderosamente verdadeiro para o caso de São Paulo e provavelmente para a maior parte das cidades latino-americana, ela determina apenas a menor parte do espaço construído, uma vez que o produto – cidade – não é fruto da aplicação inerte do próprio modelo contido na lei, mas da relação que esta estabelece com as formas concretas de produção imobiliária da cidade. Porém ao estabelecer formas permitidas e proibidas, acaba por definir territórios dentro e fora da lei, ou seja, configura regiões de plena cidadania e regiões de cidadania limitada. (grifo nosso) Devemos entender então que a estrutura das leis que ordenam o espaço nas cidades se dá a partir da definição de fronteiras de poder (ROLNIK , 1997), criando assim uma hierarquia 1 Esses dois artigos da Constituição de 1988 são o resultado direto da atuação do Movimento Nacional de Reforma Urbana (MNRU) criado em meados da década de 1980, que teve papel fundamental na construção de novas perspectivas de política urbana para o país, vindo a resultar na aprovação da Lei 10.257/2001, também denominada de Estatuto da Cidade. Segundo Souza (2002, p. 158) “ foi nesse momento, entre meados e o fim da década de 80, que amadureceu a concepção progressista de reforma urbana. Essa concepção pode ser caracterizada como um conjunto articulado de políticas públicas, de caráter redistributivista e universalista, voltado para o atendimento do seguinte objetivo primário: reduzir os níveis de injustiça social no meio urbano e promover uma maior democratização do planejamento e da gestão das cidades (objetivos auxiliares ou complementares, como a coibição da especulação imobiliária, foram e são, também, muito enfatizados).” Portanto, podemos considerar que a década de 1990 aparece como uma nova fase de proposição de políticas urbanas, principalmente com o advento dos Planos Diretores, que são importantes instrumentos de ordenação do espaço nas grandes cidade. 3 entre os diversos grupos na cidade, considerando também que se formam territórios de legalidade e ilegalidade vinculados a idéia de cidadania plena ou limitada definidos a partir do espaço que os grupos ou classes sociais passam a ocupar na cidade. Isto implica a idéia de cidadania relacionada com a situação jurídica do terreno ocupado. Diante disso, podemos entender que os limites impostos pela legislação urbana são limites construídos a partir da lógica de exclusão dos espaços. Portanto a idéia de uma legislação urbana eficaz dentro dos marcos do capitalismo deve ser entendido em seu aspecto central, que é o de disciplinar o uso do solo no sentido de não permitir o desenvolvimento urbano. O conceito de desenvolvimento urbano deve ser aqui compreendido a partir de parâmetros básicos como melhoria da qualidade de vida e aumento de justiça social (SOUZA, 2002). Em Goiânia, ainda existe uma grande parcela da população que se encontra em situação de irregularidade, abrindo espaços para formação de alternativas de ocupação do espaço, principalmente a formação de áreas de posse. Vale dizer, o Estado deixa algumas lacunas quando não cumpre seu papel de garantir aspectos básicos, e um deles é o acesso ao solo e a moradia. Diante disso, o que temos visto nas últimas duas décadas em Goiânia é uma resposta dos movimentos sociais a estas lacunas deixada pelo estado. Para fazer um breve histórico da organização desses movimentos podemos citar a “invasão”2 da fazenda caveirinha na Região Noroeste de Goiânia que gerou um dos bairros mais importantes da Região, o Jardim Nova Esperança até parcerias com o Governo do Estado que teve como fruto o assentamento em áreas de preservação ambiental na mesma Região da cidade o que contribuiu para a formação de um grande bolsão de miséria nesta região.(FREITAS, 2004 a). Na década de 1990, alguns movimentos se organizaram de forma espontânea e 2 Preferiu-se usar o termo invasão em lugar de ocupação, por considerar a propriedade privada um dos elementos centrais na manutenção de poder na sociedade capitalista e diante disso, não é necessariamente a aquisição da propriedade pelos mais pobres, como forma de inclusão social que irá resolver as mazelas produzidas pelo próprio sistema econômico,mas sim a sua abolição, considerando a importância da luta de classes no sentido de abolição da figura da propriedade privada não só da terra, mas também dos meios de produção. Portanto, o termo vem dar um sentido mais agressivo contra a propriedade, considerando que não é através do respeito às leis que contribuem para sua perpetuação que conseguiremos alcançar os objetivos de uma sociedade mais justa. 4 conseguiram a aquisição de terrenos em forma de cooperativas de habitação, como é o caso da Sociedade Habitacional Cooperativa que se consolidou em um bairro na Região Norte da capital, o Residencial Vale dos Sonhos. (FREITAS, 2004 a). As várias formas como os movimentos sociais urbanos tem se apresentado refletem diretamente na falta de respostas imediatas para atendimento dessa demanda latente por moradia em Goiânia, o que leva a deduzir que o conceito de desenvolvimento urbano conforme citado por Souza (2002) ainda está longe de ser alcançado dentro dos parâmetros de organização das cidades brasileiras, mais especificamente a realidade de Goiânia. Podemos pensar em termos da relação entre desenvolvimento urbano e modernização capitalista se considerarmos a cidade como um conjunto de elementos que geram os problemas e conflitos sociais, principalmente se pensarmos o estado como regulador dos espaços como agente capaz de possibilitar as condições básicas de maximização dos lucros, no caso do capital imobiliário. Sobre a problemática das cidades, Lefebvre (2001, p. 152) afirma que: A cidade contém tudo o que acabamos de enumerar e analisar: populações excedentes, satélites da grande indústria, “serviços” de todo tipo (dos melhores aos piores). Sem esquecer os aparelhos administrativos e políticos, os burocratas e os dirigentes, a burguesia e seus séquitos. È assim que a cidade e a sociedade caminham juntas, se confundem, pois que a cidade recebe no seu seio, como “capital”, o próprio poder capitalista, o Estado. Nesse quadro se opera a distribuição dos recursos da sociedade, prodigiosa mistura de cálculo sórdido e de desperdício insensato. (Grifos do autor) Os elementos citados por Lefebvre representam a “(des)organização” da cidade representada pela contradição entre planificação dos espaços e formação de espaços ilegais e segregados. A dinâmica desta organização se configura pelo “desperdício insensato” dos recursos citado pelo autor que se materializa pela falta de opções para as camadas populares na ocupação dos espaços. Entretanto, tem havido uma considerável diminuição na quantidade destas formas de ocupação nos últimos vinte anos (Tabela 1). Dentre os motivos para este decréscimo na formação de áreas de posse ou “invasões”, dois podem ser citados como principais. A flexibilização das leis 5 de parcelamento do solo e a interferência do Governo do Estado, com políticas dos grandes mutirões na década de 1980 em processo de auto-construção, e atualmente com a distribuição de cheques-moradia para a população de baixa renda. Tabela 1: Tempo de existência das áreas de posse em Goiânia – 2002. Tempo de Existência Áreas de posse % 30 anos ou mais 46 27% 25 a 30 anos 27 16% 20 a 25 anos 50 29% 15 a 20 anos 15 9% 10 a 15 anos 7 4% 5 a 10 anos 2 1% Sem data 25 14% Total 172 100% Fonte: Jornal O Popular (2003). Em compensação, a interferência do Governo do Estado colaborou para aumentar o número de loteamentos clandestinos e irregulares. Isto é, se por um lado as “invasões” diminuíram, por outro isso não significa que o problema principal tenha sido resolvido, que é a maior democratização de acesso ao solo urbano na capital. Diante do quadro apresentado, a Secretaria Municipal de Planejamento (2002, p. 42) apresentou uma radiografia do que aconteceu em Goiânia a partir de 1993, em que esboça as seguintes características: Edição da Lei de Zoneamento (Lei complementar nº 31 de 29/12/94), que mapeou o município dividindo-o em diversas zonas, como Zonas de Especial Interesse Urbanístico Prioritária, Zonas de Proteção Ambiental, Zonas Especiais de Interesse Social, Zonas de Urbanização Prioritária etc.; Política de moradia do governo municipal, com a criação do Projeto Goiânia Viva, para assentamento da população de baixa renda, com boas condições de habitabilidade, em parceria com diversas agências financiadoras de obras sociais; Programa Morada Viva, visando à urbanização, legalização e recuperação ambiental de áreas degradadas ocupadas por “invasões” e áreas de posse; Projeto desenvolvido em parceria com a Caixa Econômica Federal, através do Programa Pró-Moradia; 6 Implantação de um Banco de Lotes da Prefeitura, através de parcelamento desenvolvido na Região Noroeste (Loteamento Recanto do Bosque), em parceria com a iniciativa privada, visando criar um estoque de lotes para permitir o reassentamento de populações em áreas de risco (este programa foi parcialmente implantado e atualmente tenta retomá-lo). A atuação da Prefeitura deu-se principalmente no sentido de tornar a legislação de parcelamento do solo mais flexível, com o objetivo de desestimular o aparecimento de assentamentos ilegais, partindo da premissa de que a legislação vigente dificultava para os loteadores a efetiva regularização dos loteamentos. Também foi usada a figura do Plano Diretor elaborado em 1992 (em processo de revisão) com o objetivo de criar as condições ideais para que a cidade pudesse crescer de forma organizada. Entretanto, ao se verificarem os resultados, ainda não foi possível sentir o efeito de tais políticas, dado que a cidade ainda apresenta problemas no ordenamento do solo. No atual contexto, a supervalorização dos aspectos técnicos e legais e a falta de um olhar crítico sobre a dinâmica urbana de Goiânia e dos municípios do entorno podem ser apontados como as principais causas para essa perspectiva negativa. O que se percebe é que, pelo menos no âmbito do discurso, a intenção não é criar uma política assistencialista, muito menos desrespeitar princípios básicos da sociedade capitalista, no que diz respeito à iniciativa privada, mas sim identificar alternativas de captação de áreas que possam ser canalizadas em uma política habitacional que diminua as conseqüências da explosão demográfica em cidades como Goiânia. No entanto, não se pode desconsiderar que desvios são possíveis de acontecer. Outro fato interessante a ser apontado é que a Prefeitura com esta política definida teria um controle sobre a expansão urbana, haja visto existir assim um melhor controle sobre o direcionamento da expansão urbana. Por isso é indispensável a definição de políticas claras que elaborem o urbano de forma macro, isto é, não apenas em seus aspectos físicos, mas a partir de uma concepção de que os problemas físicos são decorrentes principalmente de uma dinâmica interna da cidade pela falta de resolução de problemas básicos como geração de empregos, bem como políticas de saúde e educacionais. Isso tudo age de forma conectada com outros problemas estruturais como a 7 necessidade imediata de Reforma Agrária para permitir mudanças nos padrões do atual modelo produtivo. O planejamento urbano deve estar conectado também de forma intensiva com políticas de desenvolvimento regional que tenham como objetivo central amenizar as desigualdades regionais e diante disso, diminuir os fluxos migratórios para as metrópoles brasileiras. A relação deve ser entendida não apenas com o entorno imediato das metrópoles, mas também com regiões mais distantesque sofrem com o intensivo processo de desigualdades regionais (FREITAS, 2004b), servindo assim como regiões de expulsão de força de trabalho que não é automaticamente absorvida pela economia metropolitana. Desse elenco de políticas apresentadas, pode-se considerar também o projeto Goiânia Viva que foi uma parceria da Prefeitura Municipal com a iniciativa privada para o assentamento de aproximadamente mil famílias na região oeste da cidade, em que houve uma permuta da área para o pagamento de dívidas atrasadas com o município, e a doação da área em que atualmente se encontra o paço municipal, sede administrativa da Prefeitura de Goiânia. Não se deve deixar de considerar que esse movimento permitiu também a valorização de terras que se encontram ao redor do empreendimento na BR-153, de propriedade de Lourival Louza. Esse projeto não deixou de ser interessante, já que permitiu a retirada de uma grande quantidade de famílias de áreas de risco. Isso vem demonstrar em alguns momentos, na última década, uma preocupação na esfera do poder municipal de interferir na ordenação da cidade, embora com muito pouca efetividade, ao se considerar que, ao longo da história da capital, a Prefeitura sempre teve um papel secundário neste processo. Vale assinalar, coube ao Governo Estadual a definição de diretrizes para a ordenação do uso do solo na capital, o que de certa forma trouxe aspectos negativos para o crescimento da capital, que ficou refém de políticas populistas que serviram principalmente como impulso ao crescimento não só de Goiânia, mas de toda a Região Metropolitana. Crescimento e formação do espaço segregado em Goiânia 8 Vários são os motivos que determinaram o crescimento de Goiânia e das cidades do entorno na década de 1990 (Tabela 2), dentre as quais podem se citar as políticas públicas que serviram de atrativo para essa população migrante. O crescimento da Região Metropolitana como um todo está diretamente relacionado com a expansão de Goiânia, principalmente entre o início da década de 1970 e final da década de 1980. A partir da década de 1990, já se começam a sentir sinais de esgotamento. E como a legislação em Goiânia criou maiores dificuldades para o parcelamento do solo na capital, grande parte do capital imobiliário se deslocou para o entorno da capital, principalmente para Aparecida de Goiânia. Isso acabou alimentando o crescimento de cidades em seu entorno, como Aparecida e Trindade, que passaram a receber um fluxo migratório considerável, principalmente pela falta de uma legislação de controle do uso do solo nesses dois municípios. Ocorreu então, um processo de conurbação com Aparecida, que teve sua população dobrada. De acordo com a tabela 2 os quatro municípios que mais cresceram no período 1991- 2000 foram Senador Canedo, Aparecida de Goiânia, Abadia de Goiás e Trindade. Em comparação com o período de 2000 – 2004 a cidade de Goianira teve um ritmo de crescimento maior que Trindade. O mais importante que se pode auferir destes números é que o crescimento demográfico tem sido mais representativo nestes cinco municípios, principalmente Senador Canedo e Aparecida de Goiânia. Tabela 2: População total da região metropolitana – Taxas de crescimento. MUNICÍPIOS 1991 1996 2000 2004 1991 – 2000 2000- 2004 Abadia de Goiás 2.860 3.343 4.971 6.054 73,81% 21,79% Aparecida de Goiânia 178.483 265.868 335.392 417.409 87,91% 24,45% Aragoiânia 4.910 5.713 6.424 7.320 30,84% 13,95% Goianápolis 10.716 10.191 10.671 12.435 9,95% 16,53% Goiânia 922.222 1.001.756 1.093.007 1.181.438 18,52% 8,09% Goianira 12.896 15.194 18.719 22.727 45,15% 21,41% Hidrolândia 10.254 11.199 13.086 14.539 27,62% 11,10% Nerópolis 12.987 15.241 18.578 21.447 43,05% 15,44% Santo Antônio de Goiás 1.988 2437 3106 3.680 56,24% 18,48% Senador Canedo 23.905 44.266 53.105 68.086 122,15% 28,21% Trindade 54.072 68.558 81.457 96.016 50,65% 17,87% Total Região Metropolitana 1.235.293 1.443.766 1.638.516 1.851.151 32,64% 12,98% 9 Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 1991; Contagem Populacional de 1996; Censo Demográfico de 2000, Contagem populacional de 2004. Mesmo assim, na última década, Goiânia ainda recebeu um bom fluxo de pessoas, que chegam a representar quase 10% da sua população atual, principalmente nos últimos cinco anos (Tabela 3). Esse fator, associado ao crescimento das outras cidades do entorno, deu origem a uma situação quase insuportável, e uma das formas encontradas na tentativa de buscar soluções foi a criação da lei que define a Região Metropolitana de Goiânia em 1999, com o intuito de definir políticas comuns para todos os municípios da Região Metropolitana, com diretrizes para nortear o crescimento de todos os municípios em conjunto. Tabela 3: Fluxo migratório para região metropolitana na década de 1990. MUNICÍPIOS/ TEMPO DE MORADIA Menos de 1 ano 1 a 2 anos 3 a 5 anos 6 a 9 anos Abadia de Goiás 47 92 214 78 Aparecida de Goiânia 3.746 10.720 17.691 130.900 Aragoiânia 6 85 125 120 Goianápolis 19 110 173 92 Goiânia 10.051 31.604 34.255 25.347 Goianira 183 88 628 354 Hidrolândia 111 237 248 178 Nerópolis 98 196 326 305 Santo Antônio de Goiás 15 74 104 12 Senador Canedo 728 1.936 2.490 2.225 Trindade 523 1.348 1.758 1.766 Região Metropolitana 15.527 46.490 58.012 161.377 Fonte: IBGE, Censo Demográfico, 2000. Desse fluxo migratório, o município de Aparecida de Goiânia foi o que apresentou o maior crescimento em números absolutos, principalmente na primeira metade da década. Já em Senador Canedo e Trindade, esse crescimento foi maior na segunda metade da década de 1990. De forma geral, esse movimento migratório foi forte na primeira metade da década, esgotando-se consideravelmente a partir de 1997-1998. 10 Esse fluxo migratório representou um crescimento notável de 161.377 pessoas, se se considerar que o crescimento demográfico no mesmo período foi de 403.223 pessoas (Tabela 2), representando 40,02% desse crescimento. Houve um incremento importante da população, que, no entanto, não foi acompanhado por aumentos nos investimentos em infra-estrutura básica e fornecimento de equipamentos coletivos. Isso gerou também um forte processo de conurbação entre as cidades, principalmente entre Goiânia e Aparecida de Goiânia. Com o fluxo migratório, Damiani (2002, p. 63) diz que “reproduz-se a contradição entre o afluxo às cidades e a redução quantitativa do engajamento das atividades de produção”, fato que é relevante, principalmente diante da observação das características de cidades- dormitório apresentadas pelas cidades da Região Metropolitana, com relação a Goiânia. Esse tipo de migração gerada principalmente pela busca de oportunidade de emprego nas regiões metropolitanas ocasiona grandes desconfortos às populações migrantes. Criando-se, assim, uma massa de pessoas obrigadas a viver em péssimas condições de sobrevivências nas metrópoles. Essa realidade em Goiânia pode ser observada, neste relato do jornal O Popular, do dia 3 de novembro de 2003 (p.3): Encalacrados nas margens dos cursos d´água, esses aglomerados de barracos miseráveis abrigam uma população em sua maioria oriunda de Estados da Região Norte e Nordeste do País. O único benefício público para a maioria dessas pessoas é a energia elétrica. Água tratada e esgoto são privilégio de poucos. Sobre as condições apresentadas, George (1991, p. 106) faz a seguinte observação: “Tais migrações têm todas o mesmo caráter: são especialmente ingratas para as criaturas que dela participam e que são forçadasa viver durante anos de modo anormal, expostas a todas as tentações e degradações”. Ainda que o autor esteja tratando do fluxo migratório entre países na década de 1950-1960, a sua afirmação condiz inteiramente com a realidade de Goiânia, ao se examinarem as condições a que são expostas as levas de migrantes que diariamente vêm ocupar o seu espaço metropolitano. È importante considerar que os fatores migratórios nos países subdesenvolvidos são menos influenciados pela atração das cidades do que pela desagregação e expulsão do campo. Singer ( 1998) explica os fluxos migratórios a partir de dois fatores: mudança e estagnação. Os 11 primeiros como resultado direto do aumento de produtividade, enquanto os segundos tem como causa principal a deterioração de vida no campo como resultado da modernização capitalista das atividades primárias. Isso representa então nos países subdesenvolvidos forte influência dos fatores de estagnação que apresentam como resultado imediato a intensificação do processo de marginalização social nas cidades. A urbanização de Goiás, especificamente Goiânia tem sido em parte como resultado direto desse movimento, considerando que grande parte do fluxo migratório recebido não tem perspectivas de ser incorporado ao mercado formal de trabalho e consumo, gerando uma população marginal e segregada na periferia da cidade e no entorno da Região Metropolitana. Esse crescimento gerou uma acirrada disputa pelo espaço, refletindo-se de forma clara no conflito de classes existente no capitalismo. E Goiânia, mesmo sendo uma cidade pensada e planejada, não se comporta de forma diferente neste aspecto, de tal forma que essa disputa originou um forte processo de segregação socioespacial na cidade, fazendo com que a população de baixa renda algumas vezes se estabeleça em áreas que oferecem inclusive riscos de vida (Tabela 4). Tabela 4: Número de moradias em Goiânia expostas a algum tipo de risco – 2003. Tipo de Risco Nº de moradias Quantidade de áreas Precipitações hídricas e alagamento 926 23 Choque elétrico e incêndios* 650 8 Risco de desastres com transporte ferroviário e aéreo ** 137 5 Pista de alta circulação 66 2 Total 1779 38 Fonte: Corpo de Bombeiros/Defesa Civil (2003). * Habitações próximas ou sob as redes de alta tensão ou com grande número de ligações clandestinas. ** Habitações próximas as linhas férreas e no prolongamento da cabeceira da pista do Aeroporto Santa Genoveva. Os dados apresentados mostram uma situação problemática, mas que não é de difícil solução, já que envolve um número de pessoas que não é expressivo. Já existem atualmente projetos habitacionais em andamento de remoção dessas famílias monitorada pela Secretaria Municipal de Obras-COMOB (Companhia de Obras do Município de Goiânia) (Tabela 5), 12 dificultando inclusive que mais famílias se desloquem para outras áreas, principalmente áreas de fundos de vale. Situação mais grave do que essa, foram as ocupações ilegais, muitas vezes ocupações de áreas públicas, e o aparecimento de um grande número de loteamentos clandestinos e irregulares (Tabela 6), cujo um dos fatores determinante é o fato de Goiânia ter-se tornado pólo atrativo de um grande fluxo migratório no Centro-Oeste. Tabela 5: Deslocamentos e respectivos assentamentos. Setores ocupados Número de famílias assentadas Parque Botafogo IV (Setor Pedro Ludovico) 4 Condomínio Feliz Cidade (Setor Pedro Ludovico) 80 Condomínio América Latina (Jardim Goiás) 70 Conjunto Habitacional Estrela D'Alva 75 Projeto Construindo com Você (Recanto do Bosque) 33 Programa Morar Melhor 11 Brisas da Mata 248 Projeto Dom Fernando (Convênio com o BID) 934 Setor Itamaracá (em fase de entrega) 236 Fonte: Defesa Civil/SMO-COMOB (2003). Aliado a isso, o Governo do Estado desenvolve políticas assistencialistas de distribuição de cestas básicas e facilidades na aquisição de moradia para as classes de mais baixa renda. Assim, nas décadas de 1980 e 1990, principalmente na Região Noroeste de Goiânia, estimulam-se mutirões de moradia em áreas verdes e cursos d’água. Tabela 6: Espaços segregados em Goiânia 2003. Tipo de ocupação Quantidade População assentada % População Áreas de Posse 172 54.369 4,97 Loteamentos irregulares 37 64.000 5,86 Loteamentos clandestinos 23 50.060 4,58 Total 232 168.429 15,41 Fonte: Secretaria Municipal de Planejamento – ASRU/Assessoria Técnica de Regularização de Loteamentos e Áreas de Posse. Segundo esse quadro, aproximadamente 15,41% (Tabela 6) da população de Goiânia hoje se encontra na chamada “cidade ilegal”. Trata-se de pessoas que não estão totalmente 13 inseridas no consumo da cidade, e por isso são atendidas com um mínimo de infra-estrutura, apesar de constituírem um número expressivo para uma cidade com menos de um século de existência. Isso reflete de forma bastante clara a segregação socioespacial, principalmente se for examinada a quantidade de áreas de posse (Tabela 6), o que compromete as opções para a instalação de equipamentos coletivos para usufruto da população. Mas é um fato curioso os domicílios, independentemente de sua situação fundiária, estão no cadastro imobiliário da Secretaria de Finanças do município e pagam IPTU, ou seja, são incluídos pela sua importância como contribuintes, ainda que isso não signifique melhorias imediatas e significativas em suas condições materiais. Tabela 7: Loteamentos clandestinos e irregulares segundo o responsável e número de lotes 2001. Responsáveis Quantidade de loteamentos Estado de Goiás 7 Particulares 43 Associações de moradores 4 Sociedade Habitacional Popular 2 Outros* 4 Total 60 Fonte: Secretaria Municipal de Planejamento – Assessoria Técnica de Regularização de Loteamentos e Áreas de Posse. * Não há registro dos loteadores de dois loteamentos; os outros dois encontram-se sub judice. É interessante observar o papel do capital privado na organização da “ilegalidade no espaço”, porque é o responsável direto por 64,52% dos loteamentos irregulares e clandestinos na capital (Tabela 7), e o Governo do Estado que organizou a ocupação dos bairros localizados principalmente na região noroeste de Goiânia, em que loteamentos como a Vila Mutirão e Jardim Curitiba, que foram organizados no começo da década de 1980, ainda hoje se encontram em situação irregular, principalmente por pendências na área ambiental, em que o loteador, o Governo do Estado de Goiás, ainda não apresentou o Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) para a Prefeitura, no sentido de agilizar o processo de regularização desses espaços. Considerações finais A organização espacial em Goiânia se baseia em uma estrutura excludente, quando uma 14 parcela considerável da população não possui seu próprio “espaço”, ou seja não está inserida na formalidade construída pelo capital imobiliário porque não possui as condições materiais para a aquisição deste espaço. O Estado como agente organizador do espaço contribui de forma significativa para a manutenção desta realidade, considerando que a legislação urbana vigente na capital não é eficaz no sentido de coibir a especulação imobiliária, não tendo assim um controle efetivo sobre o grande excedente de terra por uma pequena elite, criando um sobrevalor e dificultando o acesso das camadas populares as regiões privilegiadas da capital. Além disso, o grande fluxo migratório que a Região Metropolitana de Goiânia vem recebendo nos últimos vinte anos tem contribuído para o agravamento deste realidade. Existe assim a transferência do problema para as cidades do entorno que não contam comuma estrutura urbana mínima para garantir condições de estabilidade social para as populações que ali vão se instalando. Diante do exposto, podemos observar que as condições estabelecidas na organização do espaço em Goiânia se dão de forma a manter esta realidade, mesmo considerando que algumas medidas tem sido pensadas no sentido de democratizar o uso do solo, entretanto no momento de implementação de tais políticas o embate com o capital imobiliário tem feito recuar o poder público e com isso manter uma ordenação do solo na capital que mantenha e perpetue as desigualdades de acesso a maior parte da população. Referências Bibliográficas DAMIANI, Amélia Luisa. População e Geografia. São Paulo: Contexto, 2002. 2 ed.(Caminhos da Geografia) FREITAS, César Augustus L.L. Vale dos Sonhos: movimentos sociais urbanos e disputa pelo espaço em Goiânia. (Dissertação de mestrado). Goiânia: Instituto de Estudos Socioambientais - Universidade Federal de Goiás. 2004 a. 15 FREITAS, César Augustus L.L. Inserção e perspectivas do Nordeste goiano na divisão regional do trabalho em Goiás. Goiânia: Conjuntura Econômica Goiana. N. 02. Novembro de 2004b. GEORGE, Pierre. Geografia da população. São Paulo: Bertrand Brasil, 1991. 8ºed. LEFEBVRE, Henri. A CIDADE DO CAPITAL. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. 2º ed. O POPULAR. 34 mil se amontoam em favelas. O Popular, Goiânia, 03 de nov.2003. Cidades, p. 3. ROLNIK, Raquel. A cidade e a lei – Legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo. São Paulo: Studio Nobel/FAPESP, 1999. SINGER, Paul. Economia política da urbanização. São Paulo: Contexto, 1998. 14º ed. SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e gestão urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
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