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Dos crimes contra a Vida Código Penal, artigos 121 a 128 1. Da parte especial do Código Penal A Parte Especial do Código Penal destina-se a cominar abstratamente os tipos penais. Divide-se em: Títulos: Dos crimes contra a Pessoa Capítulos: Dos crimes contra a liberdade individual Seções: Dos crimes contra a liberdade pessoal O Código Penal procura agrupar os tipos penais de acordo com o bem jurídico protegido. Os tipos não estão organizados, portanto, de forma aleatória, mas sim em uma ordem sistêmica. E, ainda, a opção do legislador de iniciar a Parte Especial do Código Penal com a defesa da pessoa revela a importância e prioridade que deve ter a proteção do ser humano, em seu aspecto físico e moral. 2. Dos crimes contra a pessoa O Título I da Parte Especial trata dos crimes contra a pessoa, realizando-se aqui a tutela penal da vida, da integridade corporal, da honra e da liberdade, pressupostos e atributos da personalidade humana. Abrange, assim, esse título, os bens relativos à pessoa humana em sua complexa realidade física e moral. Os crimes contra a pessoa podem ser classificados em três grandes categorias: crimes contra a vida e a integridade corporal; crimes contra a honra; crimes contra a liberdade. 3. Dos crimes contra a vida A vida é um direito fundamental do ser humano (CF, artigo 5º, caput). Trata-se se de um direito supraestatal, inerente a todo e qualquer ser humano e aceito por todos os povos. É considerado um direito fundamental em duplo sentido: Formalmente constitucional, porque enunciado e protegido por normas com valor constitucional formal; Materialmente constitucional, porque seu conteúdo está vinculado à estrutura do Estado, à organização dos poderes e aos direitos e garantias fundamentais. É a vida extrauterina, o que significa dizer que a eliminação da vida intrauterina se constitui no crime de aborto e quando ocorrer durante ou logo após o parto, presentes os elementos constitutivos do tipo penal, teremos o infanticídio, ou então, o homicídio. É suficiente a vida, sendo indiferente a capacidade de viver, não havendo que se diferenciar entre vida biológica e vida autônoma ou extrauterina, bastando para a caracterização do crime, que haja vida biológica, a qual é caracterizada pelo mínimo de atividades funcionais do feto antes de vir a luz, em especial pela circulação sanguínea. Protege a lei penal a vida humana desde a concepção, incriminando não só sua destruição na pessoa, como também o aborto, que vem a ser a destruição da vida antes do nascimento. São quatro as figuras de delito contra a vida: homicídio (artigo 121), Infanticídio (art. 123), auxílio, instigação ou induzimento ao suicídio (art. 122) e aborto (arts. 124 e 126). Além disso, segundo a regra do artigo 5º, inciso XXXVIII, “d” da Constituição Federal, o Tribunal do Júri é o competente para julgar os crimes dolosos contra a vida. Assim sendo, o homicídio doloso, quer seja simples, privilegiado ou qualificado será julgado pelo Tribunal do Júri, sendo que igual regra vale para o induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio; para o infanticídio e para o aborto. 4. Homicídio 4.1. Homicídio simples Conceito Homicídio é matar alguém, a teor do que estabelece o artigo 121 do Código Penal, sendo que este é o nomen juris do crime nele previsto. Homicídio é o ato de destruição da vida de um homem por outro homem. De forma objetiva, é o ato cometido ou omitido que resulta na eliminação da vida do ser humano. Objetividade Jurídica: a vida humana, cuja proteção é um imperativo jurídico de ordem constitucional (art. 5º, caput, da CF). Tem a vida a primazia entre os bens jurídicos, sendo indispensável à existência de todo e qualquer direito individual. Afinal, sem vida não há personalidade, e sem esta não há que se falar em direito individual à liberdade, à segurança, à igualdade, à propriedade, etc. Sujeitos: Sujeito Ativo: Pode ser qualquer pessoa, pois o tipo penal não exige nenhuma qualificação especial do agente. Trata-se, portanto, de delito comum. Sujeito Passivo: Pode ser qualquer ser vivo. Tipo Objetivo: É composto, desse modo, pelo núcleo matar e pelo elemento objetivo alguém. Matar tem o significado de tirar/ceifar a vida; Alguém, como já visto acima, diz respeito ao ser vivo, nascido de mulher. Logo, a conduta típica consiste em eliminar a vida de outrem. Por se tratar de delito de forma livre, o homicídio poder ser praticado através de diversos meios, os quais podem ser subdivididos em diretos ou indiretos, e materiais ou morais. Tipo Subjetivo O elemento subjetivo constante no artigo 121, caput, do Código Penal, é o dolo, seja ele direto ou eventual, o qual consiste na vontade livre e consciente de realizar a conduta descrita no tipo, qual seja, de matar alguém (animus necandi), ou na assunção do risco de produzir o resultado morte. Consumação e Tentativa A consumação do delito de homicídio ocorre com o resultado morte. E qual o critério adotado para se determinar a morte de alguém? Sempre se considerou a cessação das funções vitais do ser humano (coração, pulmão e cérebro). Após o advento da Lei nº 9.434/97, que dispôs acerca da remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, adotou-se a morte encefálica como momento de cessação da vida. Morte encefálica consiste num estado irreversível de cessação do encéfalo e das funções neurais, que inexoravelmente conduzirá à cessação das atividades dos demais órgãos (coração e pulmão), salvo se houver o prolongamento artificial dos batimentos e da respiração. Admite-se a tentativa. Esta se verifica quando, após iniciada a execução do delito, o resultado morte não sobrevém por circunstâncias alheias à vontade do agente. Tem início a execução, por exemplo, quando há o efetivo disparo do projétil, a empunhadura do punhal, o ministro do veneno, etc. 4.2. Homicídio Privilegiado CP, artigo121, § 1º Trata-se o § 1º do artigo 121 do Código Penal, em verdade, de causa de diminuição de pena, à medida que comina para esta figura típica a pena do homicídio simples, com uma redução de 1/6 a 1/3. São duas as hipóteses de causa de diminuição de pena: quando o agente comete o crime de homicídio impelido por motivo de relevante valor social ou moral; quando age sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima. 4.2.1. Relevante valor É aquele importante para a vida em sociedade, a exemplo do patriotismo, lealdade, honestidade, fidelidade, inviolabilidade de intimidade e de domicílio, entre outros. São os motivos nobres e altruístas, havidos como merecedores de indulgência, isto é, de menor censura social. Relevante valor social: é aquele motivo que atende aos interesses da coletividade. Não interessa tão-somente ao agente, mas sim ao corpo social. Nos exemplos clássicos da doutrina, temos a morte de um traidor da pátria e a morte do chefe do tráfico. Relevante valor moral: é aquele que, embora importante, é considerado levando-se em conta os interesses de ordem pessoal. Em outras palavras, é um valor moral individual, que encontra respaldo na moralidade média, merecendo ser digno de condescendência. São exemplos clássicos apontados pela doutrina o pai que mata o estuprador de sua filha e a eutanásia (homicídio piedoso). 4.2.2. Violenta emoção Configura a hipótese de homicídio privilegiado quando o agente está dominado (tomado) pela excitação dos sentimentos (ódio, ciúme intenso, amor exagerado, etc), em razão de ter sido injustamente provocado pela vítima, momentos antes de tirar-lhe a vida. Exige-se, portanto, a presença de 03 (três) requisitos para se caracterizar essa causa obrigatória de redução de pena em relação ao homicídio, a saber: sob o domínio de violenta emoção: cuida-se daquela emoção que provoca severo desequilíbrio psíquico, capaz de eliminar a capacidade de reflexão e de autocontrole do agente, dominando-o por completo. Em outras palavras, é o domínio violento que toma o ânimo do agente. provocação injusta da vítima: a emoção que domina o agente tem que ser desencadeada por ato injusto da vítima. Entende-se por provocação a atitude desafiadora, traduzida em ofensas diretas ou indiretas, insinuações, expressões de desprezo, etc. É indispensável que se trate de um ato objetivamente injusto, contrário ao direito, mas não necessariamente um crime; logo em seguida: trata-se de aspecto temporal que deve ser analisado com objetividade, constituindo algo instantâneo, incontinenti. Significa dizer que a reação emotiva tem que ser imediata, súbita, sob pena de caracterizar vingança. 4.3. Homicídio Qualificado É o homicídio praticado mediante determinadas circunstâncias legais de ordem objetiva ou subjetiva, previstas no § 2º do artigo 121, as quais qualificam o crime e elevam os limites mínimo e máximo da pena do homicídio simples de 06 (seis) a 20 (vinte) anos para 12 (doze) a 30 (trinta) anos. É considerado crime hediondo (art. 1º, I, da Lei 8.072/90). Motivos Mediante Paga ou Promessa de Recompensa, ou por outro Motivo Torpe Motivo Torpe: é o motivo repugnante, abjeto, vil, indigno, que causa repulsa excessiva à sociedade. É aquele que contrasta violentamente com a moralidade média ou com o senso ético comum. São exemplos: o homicídio praticado com o propósito de receber prêmio de um seguro ou apressar a posse de uma herança; eliminar a vida de um co-herdeiro ou de um credor inoportuno; causar a morte de um marido, para abrir caminho aos amores da esposa; o impulso mórbido de lascívia que conduz o agente a atos de necrofilia. Paga ou promessa de recompensa, portanto, são formas específicas de torpeza. Trata-se do homicídio mercenário. A paga é o valor recebido antecipadamente, enquanto a promessa de recompensa consiste na promessa de um pagamento futuro. Prevalece o entendimento, nesse aspecto, segundo o qual a recompensa deve ter, para a configuração da qualificadora, um conteúdo econômico. Motivo Fútil: é aquele insignificante, flagrantemente desproporcional se comparado com o resultado produzido pelo agente. Enfim, é aquele em que há um abismo entre a motivação e o comportamento extremo levado a efeito pelo agente. São exemplos: o cliente que mata o garçom por entregar-lhe o troco errado; o cliente que mata a dona de um bar por não ter lhe vendido fiado; aquele que mata o outro em razão de uma fechada no trânsito. Meios Com o emprego de Veneno, Fogo, Explosivo, Asfixia, Tortura, ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum. Meio insidioso: É aquele dissimulado na sua eficiência maléfica, quer dizer, aquele meio enganoso, que constitui uma verdadeira cilada para a vítima. Em outras palavras, é aquele meio usado pelo agente sem que a vítima dele tome conhecimento. Veneno é o meio insidioso pela sua natureza. Trata-se de um meio usado com perfídia, “na manha”, de maneira dissimulada, isto é, às escondidas. O veneno, portanto, é o paradigma do meio insidioso. Veneno, por sua vez, consiste em toda substância que, uma vez introduzida no organismo, altera momentaneamente ou suprime definitivamente as funções vitais do indivíduo. Meio cruel: É aquele que causa propositalmente um sofrimento excessivo e desnecessário à vítima enquanto viva, isto é, aumenta inutilmente o sofrimento do ofendido, ou revela uma brutalidade fora do comum. O Fogo é um exemplo clássico de meio cruel, pois mata de forma sabidamente terrível e extremamente dolorosa. Asfixia, a qual consiste na supressão da respiração da vítima. Dá-se a morte, neste caso, pela falta de oxigênio no sangue. A asfixia pode ser mecânica (enforcamento, estrangulamento, esganadura, afogamento, etc.) ou tóxica, mediante o uso de gases tóxicos asfixiantes. A Tortura, também, encontra-se no rol dos meios cruéis que qualificam o crime de homicídio. Consiste na provocação de um mal desnecessário, dor, angústia e grave sofrimento físico à vítima, como meio para alcançar a morte desta. Meio que resulte perigo comum: é aquele que, além de causar dano à vítima, traz perigo a outras pessoas. Explosivo ou fogo (no caso de incêndio), são meios utilizados pelo agente que podem trazer perigo, também, a um número indeterminado de pessoas. Cite-se, por exemplo, o arremesso de uma granada contra a vítima desejada. Modos À traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido Traição: é aquele modo que pressupõe deslealdade, violação de confiança. Trair significa enganar, ser infiel, de modo que, no contexto do homicídio, é a ação do indivíduo que atinge a vítima por trás (pelas costas), desprevenida, sem ter esta qualquer visualização do ataque. Observe-se que o ataque súbito, pela frente, pode constituir surpresa, mas não traição. Emboscada: significa ocultar-se para poder atacar, configurando, na prática, a tocaia. Corresponde ao ocultamento do agente, que clandestinamente aguarda a vítima com o propósito de surpreendê-la e agredi-la. Cuida-se da hipótese de ataque súbito, de inopino, que não permite que a vítima se defenda. Dissimulação: dissimular é ocultar a verdadeira intenção, agindo de maneira totalmente falsa, hipócrita. No caso do homicídio, o agressor, fingindo carinho ou amizade, aproxima-se da vítima para matá-la. Aqui há uma falsa situação de confiança, enquanto que na traição a confiança é quebrada. Fins Para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou a vantagem de outro crime Execução: visa o agente, com a prática do homicídio, assegurar o cometimento de outro crime (Ex: mata-se o vigilante de uma loja ou empresa no dia anterior, para que se possa invadi-la, com maior chance de êxito, no dia seguinte). Ocultação: pratica-se um novo crime, a fim de manter desconhecida a infração penal praticada (ex: marido que mata a única testemunha que o viu enterrar o corpo de sua mulher, também morta por ele; alguém que comete um homicídio e depois esconde o cadáver). Impunidade: aqui a infração penal já é conhecida, o que se busca é garantir a impunidade do seu autor, isto é, eliminar o conhecimento da autoria do crime (ex: agente que mata testemunha que presenciou o homicídio por ele praticado, cujo corpo fora deixado em local público; homicídio da testemunha que seria capaz de identificar o agente como autor do crime de roubo). Vantagem: busca-se aqui assegurar, com a morte de alguém, a vantagem obtida com o crime anterior (ex: eliminar o parceiro do crime de roubo, a fim de ficar integralmente com o produto do crime). É possível ocorrer homicídio privilegiado-qualificado? Predomina na doutrina e na jurisprudência a admissão da forma privilegiada-qualificada, desde que exista compatibilidade lógica entre as circunstâncias. As circunstâncias que provocam o privilégio são de ordem subjetiva (relevante valor social/moral e violenta emoção), enquanto que as qualificadoras do crime podem ser de ordem subjetiva (motivos e fins) ou objetiva (meios e modos). Desse modo, admite-se a ocorrência de um homicídio privilegiado-qualificado quando concorrerem simultaneamente as circunstâncias legais do privilégio com as qualificadoras de ordem objetiva (art. 121, § 2º, III e IV, CP). A título de exemplo, pode-se citar o caso do pai que mata o estuprador da filha mediante o emprego de fogo, veneno ou tortura; assim como aquela situação em que o agente, sob o domínio de violenta emoção, pratica o homicídio disparando tiros de surpresa, pelas costas da vítima; etc. 4.4. Homicídio culposo Trata-se de figura típica cujo elemento subjetivo é a culpa. Aqui, o agente quer atingir um fim lícito, mas atua sem a diligência devida. Logo, realiza homicídio culposo aquele que age com imprudência, negligência ou imperícia. Exemplo: morte causada por manejar ou limpar arma de fogo carregada, por desrespeitar sinal vermelho, por deixar remédio ao alcance de crianças, etc. 4.5. Causas de aumento de pena O § 4º do artigo 121 do Código Penal prevê o aumento de 1/3 (um terço) da pena nas seguintes hipóteses: no caso de homicídio culposo: se o homicídio resulta da inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício; se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima; se o agente não busca diminuir as consequências do delito; se o agente foge para evitar a prisão em flagrante. no caso de homicídio doloso: se o homicídio é praticado contra pessoa de menor de 14 (quatorze) anos e contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos. 4.6. Perdão Judicial O § 5º do artigo 121 do Código Penal prevê hipótese de perdão judicial aplicável ao homicídio culposo. Haverá a extinção da punibilidade, nesta situação, se as conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. Exemplo: o pai que provoca a morte de seu filho, num acidente fruto de sua imprudência, já teve punição mais do que severa. A natureza jurídica da sentença concessiva do perdão judicial é de declaratória de extinção da punibilidade, não sendo considerada para fins de reincidência. 4.7. Ação Penal A ação penal do delito de homicídio, em qualquer das suas hipóteses (doloso ou culposo; simples, qualificado ou privilegiado), é pública incondicionada.
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