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ROTTA, Edemar. Sociologia brasileira.

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EaD
1
SOC IOLOGIA BRASILE IRAUNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ
VICE-REITORIA DE GRADUAÇÃO – VRG
COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA – CEaD
Coleção Educação a Distância
Série Livro-Texto
Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil
2010
Edemar Rotta
SOCIOLOGIA
BRASILEIRA
EaD Edemar Rot ta
2
 2010, Editora Unijuí
Rua do Comércio, 1364
98700-000 - Ijuí - RS - Brasil
Fone: (0__55) 3332-0217
Fax: (0__55) 3332-0216
E-mail: editora@unijui.edu.br
www.editoraunijui.com.br
Editor: Gilmar Antonio Bedin
Editor-adjunto: Joel Corso
Capa: Elias Ricardo Schüssler
Designer Educacional: Magna Stella Cargnelutti Dalla Rosa
Responsabilidade Editorial, Gráfica e Administrativa:
Editora Unijuí da Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí; Ijuí, RS, Brasil)
Catalogação na Publicação:
Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí
R851s Rotta, Edemar.
Sociologia brasileira / Edemar Rotta. – Ijuí : Ed.
Unijuí, 2010. – 106 p. – (Coleção educação a distância.
Série livro-texto).
ISBN 978-85-7429-866-5
1.Sociologia. 2. Sociologia - Brasil. 3. Sociologia bra-
sileira – Debates teóticos. I. Título. II. Série.
CDU : 316
 316.258
EaD
3
SOC IOLOGIA BRASILE IRA
SumárioSumárioSumárioSumário
CONHECENDO O PROFESSOR.................................................................................................5
APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................7
UNIDADE 1 – OS ANTECEDENTES DA SOCIOLOGIA BRASILEIRA
 E SUAS PRINCIPAIS PREOCUPAÇÕES ...........................................................9
Seção 1.1 – Os Antecedentes da Sociologia Brasileira
 e Suas Principais Preocupações ...............................................................................9
1.1.1 – Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha (1866-1909) ...................................... 15
1.1.2 – Francisco José de Oliveira Vianna (1883-1951) .............................................. 17
1.1.3 – Caio Prado Júnior (1907-1990).......................................................................... 19
1.1.4 – Gilberto de Mello Freyre (1900-1987) ............................................................... 21
1.1.5 – Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) ......................................................... 22
UNIDADE 2 – A SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA NO BRASIL ........................................... 27
Seção 2.1 – A Sociologia Consolida-se Como Ciência no Brasil ........................................... 27
2.1.1 – Florestan Fernandes (1920-1995) ...................................................................... 32
2.1.2 – Fernando de Azevedo (1894-1974) .................................................................... 35
2.1.3 – Anísio Teixeira (1900-1971) ................................................................................ 37
2.1.4 – Alberto Guerreiro Ramos (1915-1982) .............................................................. 39
2.1.5 – Luiz de Aguiar Costa Pinto (1920-2002) .......................................................... 42
UNIDADE 3 – O DESENVOLVIMENTO E A REFLEXÃO
 SOCIOLÓGICA NO BRASIL............................................................................ 47
Seção 3.1 – O Tema Desenvolvimento como Eixo Central
 da Reflexão Sociológica no Brasil ......................................................................... 47
3.1.1 – Celso Furtado (1920-2004) ................................................................................. 53
3.1.2 – Ignácio Rangel (1914-1994) ............................................................................... 58
3.1.3 – Ruy Mauro Marini (1932-1997) ........................................................................ 62
3.1.4 – Fernando Henrique Cardoso (1931...) .............................................................. 64
UNIDADE 4 – A SOCIOLOGIA BRASILEIRA E O REGIME MILITAR ...............................69
Seção 4.1 – O Cenário da Sociologia Brasileira Durante o Regime Militar .........................69
UNIDADE 5 – ABERTURA POLÍTICA E REDEMOCRATIZAÇÃO ......................................73
Seção 5.1 – Abertura Política e Redemocratização:
 Novos Tempos Para a Sociologia no Brasil ...........................................................73
UNIDADE 6 – PERSPECTIVAS DA SOCIOLOGIA NO BRASIL ...........................................85
Seção 6.1 – Perspectivas Atuais do Desenvolvimento da Sociologia no Brasil ....................85
CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................................................91
REFERÊNCIAS ..............................................................................................................................95
EaD
5
SOC IOLOGIA BRASILE IRA
Conhecendo o ProfessorConhecendo o ProfessorConhecendo o ProfessorConhecendo o Professor
Edemar Rotta
Nasci no interior do município de Espumoso, na localidade
denominada Alto Alegre (hoje também município), no dia 27 de
julho de 1964. O quarto filho de uma família que recentemente
havia abandonado a agricultura para se dedicar a um empreendi-
mento industrial, uma fábrica de refrigerantes e engarrafamento
de bebidas. Onze anos mais tarde nasceu a irmã mais nova para
completar a família de cinco irmãos, três meninos e duas meninas.
Nossa infância foi marcada pela alternância entre trabalho e estu-
do, pois a maior parte das atividades na “fábrica” eram realizadas
pelos familiares dos sócios da empresa.
Os problemas de saúde de meu pai fizeram com que ele tives-
se que encaminhar sua aposentadoria por invalidez e que nossa
parte na empresa fosse gasta com hospitais e viagens para o seu
tratamento. A família aprendeu a “se virar” e a encontrar ativida-
des urbanas que garantissem o seu sustento.
Minha trajetória de estudos iniciou-se na Escola Rural Ba-
rão Homem de Mello, de Alto Alegre, na qual aprendi a valorizar
muito a formação pessoal e a inserção social. A outra parte de mi-
nha formação realizou-se nos dez anos em que estive no Seminá-
rio, passando por Tapera, Cruz Alta, Santo Cristo e Santo Ângelo.
O curso de Filosofia, realizado na Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras (Fafi) Dom Bosco, de Santa Rosa, foi um momento marcante
de minha formação pessoal. Marcou a tal ponto que, após um ano
de Teologia, em Santo Ângelo, fui convidado a retornar para San-
ta Rosa e lecionar na Fafi e no Colégio Salesiano.
Iniciava-se aí a minha trajetória de trabalho profissional. Logo
na sequência realizei os cursos de Pós-Graduação em Educação e
em Filosofia, na mesma Fafi. Paralelamente ao trabalho profissio-
nal, realizei um trabalho comunitário na Paróquia Sagrada Famí-
lia, do Bairro Cruzeiro, ocasião em que acabei me identificando
com a comunidade e constituí minha família, até hoje muito liga-
da ao bairro e as suas organizações.
EaD Edemar Rot ta
6
A partir do convênio entre a Fafi e a Unijuí, em 1990, realizei
concurso para o ingresso nesta universidade. Minha experiência
de trabalho na Unijuí levou-me ao curso de Mestrado em Sociolo-
gia, na UFRGS (concluído em 1998) e ao Doutorado em Serviço
Social na PUCRS (concluído em 2007). Além da atuação no espa-
ço do ensino (Graduação e Pós-Graduação), tive oportunidade de
realizar várias atividades administrativas (comissões para a cria-
ção de cursos – Serviço Social, Tecnologia em Economia Popular e
Solidária, Relações Internacionais –, coordenação de curso, coor-
denação de seção do Departamento, chefia interina do Departa-
mento, atuação no Conselho Universitário,no Conselho Diretor
da Fidene e em vários Colegiados de Coordenação de Curso), de
extensão e de pesquisa.
Minha área prioritária de atuação na Universidade é a Socio-
logia e as Políticas Sociais. Minha experiência de pesquisa resul-
tou em inúmeras publicações, quer em livros, periódicos, eventos e
até mesmo em jornais locais e regionais. Atualmente também atuo
na Pró-Reitoria do Campus Santa Rosa, da Unijuí, ocupando o
cargo de pró-reitor adjunto. Paralelamente ao trabalho na Univer-
sidade também atuo no magistério público estadual, mais precisa-
mente na coordenação pedagógica da Escola Estadual de Educa-
ção Básica Cruzeiro, em Santa Rosa, espaço privilegiado para uma
interação entre a Educação Básica e o Ensino Superior.
No Ensino Fundamental e Médio já atuei nas várias discipli-
nas da Área de Ciências Humanas, especialmente na Filosofia, na
Sociologia e na História. Sou casado com a professora Alice
Teresinha Kreutz Rotta e pai de dois filhos, Diego e Eduardo.
EaD
7
SOC IOLOGIA BRASILE IRA
ApresentaçãoApresentaçãoApresentaçãoApresentação
A produção teórica sobre Sociologia Brasileira fundamentalmente caminha em duas
direções. De um lado estão aqueles autores1 que optam por fazer uma abordagem histórica,
situando os principais autores que construíram a trajetória desta ciência no Brasil, com
suas preocupações centrais a respeito da compreensão da sociedade brasileira.
Esta abordagem centra-se nos pensadores e procura estabelecer cronologias, agrupa-
mentos teóricos, constituição das principais escolas de pensamento, suas opções analíticas
e a abordagem dos principais temas que estes autores elegeram para caracterizar a forma-
ção e o desenvolvimento da sociedade brasileira.
De outro lado estão aqueles2 que optam por uma abordagem temática, destacando os
principais desafios postos à reflexão de uma ciência especializada no que diz respeito à
configuração da sociedade brasileira. Procuram destacar os principais temas em que a Sociolo-
gia, enquanto ciência especializada na análise das interações e processos sociais, deveria
deter-se para explicar a formação, o desenvolvimento e a configuração atual da sociedade
brasileira.
Recentemente emergem análises que procuram fazer uma abordagem capaz de inte-
grar as perspectivas anteriores, evidenciando os principais autores ou até mesmo escolas de
pensamento e os principais temas que estão no centro da reflexão a respeito da sociedade
brasileira em suas diferentes épocas. O trabalho de Liedke Filho (2005) é uma referência
fundamental nesta nova abordagem.
A preocupação deste roteiro de estudos não é fazer opção por uma ou outra abordagem,
até mesmo porque os textos disponíveis são de excelente qualidade e cobrem muito bem as
necessidades. O que se vai fazer aqui é construir um roteiro de estudos sobre Sociologia Bra-
sileira, capaz de orientar os acadêmicos para se situarem no universo dos debates teóricos e
das principais temáticas que estão na constituição, no desenvolvimento e na configuração
atual da sociedade brasileira, vistas pelo prisma da Sociologia enquanto ciência.
Como a pretensão é didática, opta-se por um texto permeado por indicações de leitura,
facilitando o diálogo com a literatura existente e desafiando o acadêmico a buscar os
aprofundamentos indispensáveis, pois se tem a clara percepção que uma disciplina de quatro
créditos a respeito da Sociologia Brasileira, torna-se mais produtiva se assim for encaminhada.
1
 Reflexão neste enfoque pode ser encontrada em Fernandes, 1977;
2
 Reflexão neste enfoque pode ser encontrada em Ianni, 1994; Vita, 1999; entre outros.
EaD Edemar Rot ta
8
Por outro lado, este roteiro de estudos tende a proporcionar uma visão de conjunto
que capacita o acadêmico a preencher os requisitos expostos na proposta pedagógica do
curso de Graduação em Sociologia da Unijuí.
EaD
9
SOC IOLOGIA BRASILE IRA
Unidade 1Unidade 1Unidade 1Unidade 1
OS ANTECEDENTES DA SOCIOLOGIA BRASILEIRA
E SUAS PRINCIPAIS PREOCUPAÇÕES
OBJETIVOS DESTA UNIDADE
• Apresentar um panorama geral dos antecedentes da reflexão sociológica no Brasil, procurando
destacar a contribuição dada por alguns dos principais pensadores que se dedicaram a analisar
a realidade brasileira a partir de instrumentais teórico-metodológicos das Ciências Sociais.
• Evidenciar os principais temas e abordagens emergentes no cenário nacional da passa-
gem do século 19 para o 20 a partir da compreensão de autores considerados clássicos na
tradição do pensamento brasileiro.
A SEÇÃO DESTA UNIDADE
Seção 1.1 – Os Antecedentes da Sociologia Brasileira e suas Principais Preocupações
Seção 1.1
Os Antecedentes da Sociologia Brasileira e Suas Principais Preocupações
Quando se estuda o nascimento da Sociologia como ciência, é consenso afirmar-se
que ela foi precedida por um conjunto de transformações sociais, econômicas, políticas,
culturais e intelectuais que a tornaram possível no cenário da sociedade europeia do início
do século 19. Estas transformações romperam com a visão corrente de mundo, de sociedade,
de indivíduo e de produção do conhecimento e afirmaram uma nova visão, fundada na
explicação racional dos fenômenos e na atitude ativa do ser humano como “artífice do seu
futuro” (Rotta, 2007).
Até o século XVII o pensamento social se caracterizava muito mais pela preocupação em formu-
lar regras de ação do que pelo estudo frio e objetivo da realidade social, que gera e determina
todas as regras (COSTA PINTO, 1986). Até o advento da modernidade se concebia a realidade a
EaD Edemar Rot ta
10
partir da idéia de um equilíbrio necessário entre as forças do bem
e do mal e isto garantia a evolução natural do mundo. A emergên-
cia de qualquer problema (fenômenos naturais ou sociais) nesse
equilíbrio era vista como uma divisão que necessitava de uma
nova unificação (uma solução). Ou seja, o restabelecimento da
ordem, constituída da recombinação diferente dos mesmos ele-
mentos, o que garantia a retomada da harmonia e a continuidade
da ordem. O ambiente social era encarado como parte da ordem
natural do mundo, devendo, portanto, ser aceito, como ordem
adequada. “Os seres humanos não teorizam sobre as condições
concretas em que vivem enquanto a estas se encontram bem ajus-
tados (Trindade, 1994, p. 101)” (Rotta, 2007, p. 25).
Loureiro (2002) refere que o desenvolvimento das Ciências
Sociais está diretamente relacionado com a necessidade apresen-
tada pela modernidade em compreender as relações entre os se-
res humanos a partir de critérios objetivos, capazes de explicar a
formação, a organização e a transformação das relações e seus
processos correlatos.
Para Fernandes (1977), o “florescimento da Sociologia nas
sociedades européias foi precedido de dois processos histórico-
sociais” (p. 31). O primeiro deles foi o “processo de secularização
de atitudes e dos modos de compreender a natureza humana, a
origem ou o funcionamento das instituições, e os motivos do com-
portamento humano” (p. 31). O segundo foi “um processo de ra-
cionalização que projetou na esfera da ação coletiva a ambição
de conhecer, explicar e dirigir o curso dos acontecimentos, das
relações dos homens com o universo às condições de existência
social” (p. 31). Estes processos criaram as condições para que o
pensamento racional fosse transformado em “fator construtivo na
dinâmica da vida em sociedade” (p. 32).
Fernandes (1977) entende que processo similar ocorreu com
a sociedade brasileira a partir do solapamento e desagregação
do regime escravocrata e senhorial e a transição para o regime de
classes sociais. As transformações geradas na ordem social
patrimonialista exigiram que a aristocracia rural passasse a se
envolver na arena política parainfluir na organização do Estado
e na preservação do status quo social. Com isso passa-se a per-
mitir e até a incentivar o crescimento de atividades que recorram
ao uso de técnicas do pensamento racional, especialmente entre
Solapamento
Significa um processo de
minar as bases de sustentação
de forma que elas começam a
ruir aos poucos, tornando
insustentáveis as estruturas
existentes.
Desagregação
Significa perder a solidez
interna, de forma a iniciar um
processo de desarticulação das
partes a tal ponto de compro-
meter as possibilidades de
manutenção.
Status quo
Significa o modo de vida
aceito; as regras convencional-
mente aceitas e cultivadas pela
maioria da sociedade; a forma
social vigente e dominante em
determinado momento da
realidade social.
EaD
11
SOC IOLOGIA BRASILE IRA
as “profissões liberais” (p. 32). É entre estas profissões liberais que emerge uma “inteligên-
cia cujos componentes individuais não reagiam de modo uniforme às pressões conservado-
ras das camadas dominantes” (p. 33). Também é no universo delas que alguns setores de-
senvolvem uma crescente liberdade para a aplicação de técnicas do pensamento racional e
realizam as primeiras tentativas de explorar a reflexão sociológica. Destacam-se aí autores
como Tavares Bastos, Perdigão Malheiros, Joaquim Nabuco, Sílvio Romero, Tobias Barreto,
Fausto Cardoso, Augusto Franco, Lívio de Castro, Aníbal Falcão, Paulo Egídio, Florentino
Menezes, entre outros.1
[...] é legítimo admitir que a desagregação do regime escravocrata e senhorial possui, para o
desenvolvimento da Sociologia no Brasil, uma significação similar à revolução burguesa para a
sua constituição na Europa. A ela se associam a formação de uma mentalidade nova, na inteligên-
cia brasileira, a criação de um horizonte intelectual médio menos intolerante e conservador e,
enfim, a autonomia do pensamento racional no sistema sócio-cultural (Fernandes, 1977, p. 36).
Candido (2006, p. 1) refere que
coube aos juristas o papel social dominante no Brasil oitocentista, dadas as tarefas fundamentais
de definir um Estado moderno e interpretar as relações entre a vida econômica e a estrutura
política. Foi a fase de elaboração das nossas leis, aquisição das técnicas parlamentares, defini-
ção das condutas administrativas. O jurista foi o intérprete por excelência da sociedade, que o
requeria a cada passo e sobre a qual estendeu o seu prestígio e maneira de ver as coisas. Mas
como as teorias dominantes na segunda metade do século se achavam marcadas pelo surto
científico de então, notadamente a Biologia, que saiu dos laboratórios para se divulgar de ma-
neira triunfante, os juristas mergulharam na fraseologia científica e se aproximaram, neste ter-
reno, dos seus pares menos aquinhoados, médicos e engenheiros, que com eles formavam a tríade
dominante da inteligência brasileira. Vemos então, na Sociologia, os juristas inaugurarem uma
orientação cientificista – como se dizia – que contou desde logo com a cooperação de engenhei-
ros e, sobretudo, médicos.
Liedke Filho (2005) destaca que este primeiro momento da emergência do pensamento
racional a respeito da sociedade, pode ser referido como o “período dos pensadores sociais”,
marcado pela influência de ideias filosófico-sociais europeias e norte-americanas, tais como
o iluminismo francês, o ecletismo de Victor Cousin, o positivismo de Augusto Comte, o
evolucionismo de Herbert Spencer e Ernest Haeckel, o social-darwinismo de Sumner e Ward
e o determinismo biológico de Lombroso. Estes pensadores sociais apresentavam como de-
safio a reflexão sobre a formação do Estado nacional brasileiro, opondo liberais e autoritá-
rios, e a questão da identidade nacional, tendo como núcleo a questão racial, opondo os
que sustentavam uma visão racista e os inspirados pelo relativismo étnico-cultural.
1
 Para maiores detalhes pode-se consultar Fernades, 1977; Liedke Filho, 2005; Candido, 2006, entre outros.
EaD Edemar Rot ta
12
Lembrando Fernandes (1977), Liedke Filho (2005) afirma que a intenção principal
destes pensadores sociais não era fazer investigação sociológica propriamente dita, mas
considerar fatores sociais na análise de certas relações como, por exemplo, as conexões
entre o Direito e a Sociologia, a literatura e o contexto social, o Estado e a organização
social.
Um passo importante no desenvolvimento dos antecedentes da Sociologia no Brasil é
dado com a introdução de “cátedras de Sociologia” nas faculdades de Filosofia, Direito e
Economia e nas Escolas Normais, como disciplina auxiliar da Pedagogia (Liedke Filho, 2005).
Meucci (2000) refere que após uma longa trajetória de permanência inexpressiva nos
cursos médios ou “sobrevivendo nos meios intelectuais por obra de homens notáveis que ofe-
reciam cursos livres e publicavam ocasionalmente ensaios sociológicos”, entre as últimas dé-
cadas do século 19 e as primeiras do século 20, a Sociologia conquista um lugar institucional
onde foi possível iniciar, de modo regular, a reprodução do conhecimento sociológico.
Até o início da década de 30 a maioria absoluta dos Manuais de Sociologia utilizados
no Brasil eram de procedência estrangeira, tendo destaque as obras de franceses, espanhóis
e portugueses.2 A partir do início da década de 30, os manuais estrangeiros passam a ser
substituídos por produções nacionais, destacando-se Lições de Sociologia de Achiles Archero
Júnior, que foi publicado pela 1ª vez em 1932 e chegou à 9ª edição em 1949; Princípios de
Sociologia de Fernando de Azevedo, que foi reeditado 11 vezes entre 1935 e 1973; Programa
de Sociologia de Amaral Fontoura, que foi reeditado 4 vezes entre 1940 e 1944, e, sob um
novo título, Introdução à Sociologia, foi reeditado 5 vezes entre 1948 e 1970; Fundamentos
de Sociologia de Carneiro Leão, que foi reeditado 5 vezes entre 1940 e 1963; Sociologia de
Gilberto Freyre, que foi reeditado 5 vezes entre 1945 e 1973 (Meucci, 2000).
O conjunto de reedições da obra de Fernando de Azevedo demonstra que ele assumiu
papel essencial nesta fase dos Manuais de Sociologia. Especialmente dedicado à educação,
Fernando de Azevedo redigiu e lançou, juntamente com outros 25 educadores e intelectu-
ais, o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, no qual propunham a educação como
direito de todos os cidadãos, a função essencialmente pública da educação, a laicidade do
ensino, a proibição da separação de sexo entre os alunos nas salas de aulas e educandários
e a proibição de influências religiosas e político-partidárias na definição do processo edu-
cacional. O manifesto foi fundamental para a consolidação da escola pública no Brasil.
Nos “Princípios de Sociologia”, Fernando de Azevedo faz uma explanação sistemati-
zada e crítica das ideias sociológicas produzidas até então e que passam a ser referência
para professores e estudantes de todo o país. Reflete temas essenciais para o conhecimento
2
 Para uma relação destes manuais vide Meucci, 2000.
EaD
13
SOC IOLOGIA BRASILE IRA
e afirmação da nova ciência, tais como a natureza objetiva dos
fatos sociais, a constituição de uma ciência particular que trate
do social, a busca da autonomia da Sociologia como ciência e as
grandes correntes do pensamento sociológico. Seu mestre por
excelência foi Durkheim, ao qual dedica espaço privilegiado em
sua obra.
Outra contribuição relevante de Fernando de Azevedo para
a divulgação e consolidação da Sociologia no Brasil foi dada como
dirigente da Companhia Editora Nacional e no movimento pela
criação da Universidade de São Paulo (USP). Na Editora ele foi
responsável pela criação e direção da Biblioteca Pedagógica Bra-
sileira, um selo editorial do qual faziam parte a série “Iniciação
Científica”, que incentivava a publicação de textos científicosiné-
ditos e a “Brasiliana”, a primeira coleção de estudos brasileiros de
alto nível do país. No movimento pela criação da USP, Fernando
de Azevedo ocupou lugar de destaque, juntamente com Júlio de
Mesquita Filho e Armando de Salles Oliveira, grupo que estava à
frente do Jornal “O Estado de São Paulo” e que advogava a neces-
sidade de uma Universidade Pública Brasileira para preparar uma
elite dirigente esclarecida e capaz de propor um projeto nacional
que estivesse acima da prática política imediata (Paula, 2002).
Conforme refere Meucci (2000), os Manuais de Sociologia
cumpriram um papel fundamental no processo de
institucionalização da Sociologia no Brasil e prepararam as ba-
ses para que ela conquistasse espaço na academia e na própria
sociedade como um todo. A produção, divulgação e relevância
alcançada pelos manuais só foi possível em razão de um conjun-
to de condições que se estabeleciam na sociedade brasileira na-
quele momento, entre as quais se destaca:
a) a introdução da cadeira de Sociologia nos cursos secundários
e nas escolas normais em alguns Estados do país, o que vai
consolidando um espaço de atuação profissional e demandan-
do textos especializados na área;
b) a consolidação da cadeira de Sociologia nas escolas politécni-
cas e nos cursos superiores, especialmente de medicina e de di-
reito. Alguns destes espaços foram ocupados por renomados in-
Laicidade
É uma expressão usada para
designar uma forma de
pensamento que se diferencia
do religioso. Produzido por
pessoas sem vínculos com o
pensamento religioso, portan-
to, com bases em critérios
racionais.
EaD Edemar Rot ta
14
telectuais que buscaram formação em cursos de Ciências Sociais europeus e norte-america-
nos, transformando-se em propagadores do conhecimento sociológico no cenário brasilei-
ro. Dentre muitos, destacam-se Achiles Archero, Fernando de Azevedo, Carneiro Leão, Del-
gado de Carvalho, Gilberto Freyre, Djacir de Menezes, Roberto Lyra e Alceu Amoroso Lima.
c) a publicação, por autores brasileiros, de um conjunto de textos que se tornaram obras
consagradas, utilizando os conhecimentos sociológicos para interpretar a realidade nacio-
nal. Entre os principais destacam-se:
• Introdução à história da literatura brasileira (1881) e Ensaios de filosofia do direito (1895),
de Silvio Romero;
• Glosas heterodoxas a um dos motes do dia, ou variações anti-sociológicas (1884 -1887),
de Tobias Barreto;
• Estudos de taxinomia social (1898), de Fausto Cardoso;
• A mulher e a sociogenia (1887), de Lívio de Castro;
• Crítica às regras do método sociológico de Durkheim (1896) e Estudos de Sociologia
criminal (1900), de Paulo Egídio;
• Os Sertões (1902), de Euclides da Cunha;
• A América Latina (1905), de Manoel Bonfim;
• O problema nacional brasileiro (1911), A organização nacional (1914) e As fontes da
vida no Brasil (1915), de Alberto Torres;
• Populações Meridionais do Brasil (1919), e Evolução do povo brasileiro (1923), de Olivei-
ra Vianna;
• Vida Social no Brasil nos Meados do Século XIX (1922), Casa Grande & Senzala (1933),
Sobrados e mocambos (1936) e Nordeste (1937), de Gilberto Freyre;
• Evolução Política do Brasil (1933), e Formação do Brasil Contemporâneo (1942), de Caio
Prado Júnior;
• Raízes do Brasil (1936) de Sérgio Buarque de Holanda;3
d) a publicação de dicionários, coletâneas de textos e periódicos que auxiliam na difusão do
conhecimento sociológico, tais como o “Dicionário de Etnologia e Sociologia”, de Herbert
Baldus e Emílio Willems, o “Dicionário de Sociologia”, de Achiles Archero Júnior e Alberto
3
 Em Candido (2006) é possível encontrar uma reflexão a respeito da importância de cada um destes autores com suas respectivas obras
para o desenvolvimento inicial da Sociologia no Brasil.
EaD
15
SOC IOLOGIA BRASILE IRA
Conte, a revista “Sociologia”, primeiro periódico especializado na área, publicada por
Romano Barreto e Emílio Willems e a coletânea “Leituras sociológicas”, organizada por
Romano Barreto;
e) a criação de um mercado editorial nacional que aposta na publicação de obras didáticas
para substituir ou complementar as bibliografias estrangeiras. As editoras passam a enca-
rar o mercado de livros didáticos como uma oportunidade emergente para a difusão cultu-
ral, para a divulgação de novas ideias e para a obtenção de lucros;
f) a emergência de um cenário nacional favorável à reflexão sobre os rumos da sociedade
brasileira a partir dos pressupostos das Ciências Sociais. Neste cenário pode-se destacar a
expansão do processo de industrialização, a formação do movimento operário e sindical,
a cisão das elites dirigentes em torno de projetos diferenciados para o país (um deles de
feição mais moderna, ligada à nova elite que apostou na industrialização e o outro ligado
à tradicional elite agrária) e a emergência de novas manifestações culturais, com desta-
que para o movimento modernista organizado em torno da Semana de Arte Moderna;
g) a criação dos cursos de Ciências Sociais na Escola Livre de Sociologia e Política, na
Universidade de São Paulo e na Universidade do Distrito Federal. Este tópico vai merecer
maior aprofundamento no capítulo seguinte.
Este conjunto de elementos vai preparar as condições para que a Sociologia se estabe-
leça como um campo especializado de produção do conhecimento e alcance o reconheci-
mento acadêmico e social necessário para se afirmar como ciência no contexto nacional.
Antes de encerrar esta Unidade abre-se um espaço para analisar as contribuições da-
das por Euclides da Cunha, em Os Sertões, Oliveira Vianna, em Populações Meridionais do
Brasil, Gilberto Freyre, em Casa Grande & Senzala, Caio Prado Júnior, em Evolução Política
do Brasil e Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil. Opta-se por este “parêntese”
em razão da importância dos mesmos como precursores da reflexão sociológica no Brasil.
Não se incluem dados biográficos, pois os mesmos encontram-se disponíveis em amplas e
conhecidas bibliografias ou até mesmo em sites da área.
1.1.1 – EUCLIDES RODRIGUES PIMENTA DA CUNHA (1866-1909)
É reconhecido como um “marco na constituição da Sociologia brasileira”, pois sua
obra principal, Os Sertões, representa o primeiro ensaio que faz uma descrição sociográfica
e uma interpretação histórico-geográfica do meio físico, dos tipos humanos e das condições
de existência do povo brasileiro. A partir de Euclides, “o pensamento sociológico pode ser
considerado como uma técnica de consciência e de explicação do mundo inserida no siste-
ma sociocultural brasileiro” (Fernandes, 1977, p. 35).
EaD Edemar Rot ta
16
Seu pensamento é marcado pelas influências do positivismo, do darwinismo social, do
evolucionismo mecanicista e da concepção naturalista da história. Ao contar a história de
Canudos, utiliza estas influências na construção do texto e na análise que faz deste acon-
tecimento histórico da sociedade brasileira. A obra Os Sertões está dividida em três grandes
partes: “A Terra”, “O Homem” e “A Luta”, evidenciando claramente a influência que recebe
da leitura do livro do historiador francês Hippolyte Adolphe Taine, em sua obra “Histoire de
la Littérature Anglaise, publicada em 1863. Taine entende que a história é determinada por
três grandes fatores: o meio, a raça e o momento (Bosi, 2002).
Ao realizar a análise da obra “Os Sertões”, Bosi (2002, 2008) entende que ela pode ser
vista a partir de duas grandes linhas de raciocínio: a perspectiva histórica e a interpretativa.
Na perspectiva histórica, especialmente presente na terceira parte do livro, “A Luta”, consta-
ta-se uma estrutura determinista que entende que os fundamentos de toda a realidade re-
pousam na matéria, portanto os estudos devem partir dos aspectos geológicos, passando
depoispelos acidentes do solo, pelas variações do clima para, finalmente, chegar às formas
do ser vivo: à flora, à fauna, e ao homem, o último elo da cadeia.
Na perspectiva interpretativa, Bosi (2002, 2008) refere que Euclides da Cunha procu-
rou traçar um quadro evolutivo do Brasil sertanejo, que, iniciando pelo conhecimento da
estrutura do solo e do clima, pudesse chegar ao entendimento da Psicologia de Antônio
Conselheiro e seus seguidores. Marcado pelo cientificismo positivista, buscou identificar,
por um raciocínio que supunha a semelhança de categorias nos vários níveis da realidade,
as questões centrais que envolviam o episódio de Canudos: o fator racial (como há espécies
diferentes de planta e de animais, também há espécies diferentes de homens: sertanejo e
gaúcho), o meio (as diferentes espécies convivem entre si e trocam influências, o mesmo
acontecendo com os seres humanos que convivem e trocam influências entre si e com a
natureza) e o social (as forças de tensão, as possibilidades de triunfo para as espécies bem
dotadas e as de aniquilamento para as menos capazes). Euclides entende que se trava um
conflito entre dois grandes projetos de sociedade, um preso ao passado e ao meio rural,
representado pelo messianismo, e outro que advoga o futuro e o progresso, representado
pela República.
Villas Boas (2006) refere que Euclides da Cunha simpatizava com a perspectiva de
modernização do país que ocorreu com o advento da República, mas, ao mesmo tempo,
contribuiu para denunciar as contradições inerentes a uma sociedade cuja formação étnica
não correspondia, para o autor, aos pressupostos essenciais de uma nação moderna. A im-
portância do livro reside, sobretudo, no fato de Euclides ter focalizado de perto o problema
das disparidades sociais e regionais, ainda bastante visíveis na sociedade brasileira.
EaD
17
SOC IOLOGIA BRASILE IRA
Para Candido (2006, p. 278), “Os Sertões” representa um marco, pois, a partir dele, “os
estudiosos seriam levados irresistivelmente a intensificar o estudo da nossa sociedade de um
ponto de vista sistemático, superando tanto as preocupações de ordem estritamente jurídica
como as especulações demasiado acadêmicas”. Euclides da Cunha “impõe” a realidade bra-
sileira como referência para a reflexão sociológica.
1.1.2 – FRANCISCO JOSÉ DE OLIVEIRA VIANNA (1883–1951)
Seus estudos transformaram-se em referência fundamental para a compreensão da
Sociologia política brasileira, constituindo-se em passagem obrigatória até mesmo para
os seus críticos mais aguerridos. Rodrigues (2003) assevera que ninguém que deseje reali-
zar um estudo sério da evolução sociopolítica do Brasil pode dar-se ao luxo de ignorar
conceitos fundamentais da Sociologia de Oliveira Vianna, tais como os de povo-massa,
homens de mil, clã parental, clã político, clã eleitoral, solidariedade de família senhorial,
responsabilidade coletiva familiar, sinecurismo parlamentar, burocratismo orçamentívoro,
entre outros.
Oliveira Vianna revelou um espírito científico e um rigor metodológico na formulação
dos conceitos sociológicos extraídos de uma rigorosa observação dos fatos sociais e do con-
fronto com os dados da experiência. Contrariando o enfoque tradicional entre os sociólogos
e historiadores da época, que consideravam que o povo brasileiro constituía uma massa
homogênea, o autor defendia a tese de que a nação brasileira era constituída de três socie-
dades diferentes: a dos sertões (o sertanejo), a das matas (o matuto) e a dos pampas (o
gaúcho) (Rodrigues, 2003).
No estudo das sociedades, identifica uma multiplicidade de linhas de evolução e de
fatores que interferem em sua constituição, tais como os étnicos, econômicos, geográficos,
climáticos, sociais e históricos. Uns predominam na composição de algumas sociedades,
outros podem predominar em situações diferentes. Qualquer grupo humano, porém, é sem-
pre consequência da colaboração de todos eles. Esta compreensão Rodrigues (2003) refere
como sendo uma filiação ao pensamento de Gabriel Tarde, sociólogo francês.
Vianna entende que somente a história é capaz de nos ajudar a reconstruir as diversas
fases evolutivas de um determinado povo, desvendando seu modo próprio de ser. Para que
isto seja possível é necessária a observação paciente de todos os detalhes do fenômeno social,
procurando chegar às categorias capazes de expressar a sua realidade. Neste aspecto,
Rodrigues (2003) identifica a influência do pensamento de dois historiadores alemães, Leopold
von Ranke e Theodor Mommsen.
EaD Edemar Rot ta
18
Carvalho (1991) afirma que é inegável a influência de Oliveira Vianna sobre quase
todas as principais obras de Sociologia política produzidas no Brasil após a publicação de
Populações meridionais. Ao identificar as principais fontes do seu pensamento sociológico e
político, Carvalho destaca:
• o liberalismo conservador do Império: na medida em que entendia ser o Estado o principal
agente de transformação social e política;
• a visão ibérica de inspiração católica: uma visão leiga da sociedade e da política, embora
fundamentada em valores ligados à tradição católica medieval, tais como a cooperação, o
predomínio do interesse coletivo sobre o individual e a regulação das forças sociais em
função de um objetivo comunitário;
• as raízes rurais: centrada nos valores paternalistas, familistas e pessoalistas. Nutria sim-
patia pelas pequenas comunidades rurais nas quais dominavam os valores da modéstia,
da hospitalidade e do recato.
Para Oliveira Vianna, a abolição da escravidão e a Proclamação da República criaram
um mundo novo, no qual a ordem imperial politicamente centralizada deixou de ter condi-
ções de sobrevivência. Era necessário algo novo para substituí-la. O Federalismo Republica-
no não era a melhor proposta, pois no momento em que retirava do centro o poder de
arregimentação, liberava a força desordenada do jogo dos interesses dos grupos, facções e
clãs locais, podendo levar a um mundo caótico que ameaçava a própria integridade da
Nação. A situação tornava-se mais grave ainda pelo fato de terem surgido no cenário polí-
tico novas forças sociais que escapavam ao controle do mundo rural, como os industriais, os
operários e os imigrantes (Carvalho, 1991).
Na compreensão de Carvalho (1991), a grande conclusão que Oliveira Vianna chega
em relação a este impasse de propor uma nova estruturação política para o Brasil, pode ser
assim configurada:
A volta ao passado, ao patriarcalismo rural, foi totalmente abandonada. Conformou-se com o
fato de que o mundo moderno era o da indústria, do operariado, das classes sociais. A pergunta
agora era como organizar este mundo dentro da utopia de uma sociedade harmônica,
incorporadora e cooperativa. O corporativismo, o sindicalismo e a legislação social vinham
trazer a resposta. No Brasil, essas políticas teriam a vantagem de poupar ao país os dramas
causados pela industrialização capitalista, ainda incipiente, e de lançar-nos na direção de uma
nova sociedade harmoniosa e, segundo ele, democrática, pois envolveria, através de sindicatos e
corporações, o grosso da população na direção política do país. A regência da orquestra continu-
ava sendo tarefa do Estado, com a diferença de que agora sua ação ordenadora e educadora não
se exercia sobre os irrequietos clãs rurais, mas sobre os sindicatos, corporações e outras organi-
zações civis. Ao Estado caberia até mesmo forçar classes e categorias sociais a se organizarem,
pois a organização seria a única maneira de se exercer a cidadania no mundo moderno (Carva-
lho, 1991, p. 93).
EaD
19
SOC IOLOGIA BRASILE IRA
Na visão de Schiochet (2002), o pano de fundo da obra de Oliveira Vianna é a questão
da democracia ou da “viabilidade da democracia no Brasil”, diante das característicashis-
tóricas e da composição do povo brasileiro. Haveria uma preocupação em analisar as possi-
bilidades da introdução de uma proposta de democracia nos moldes liberais, europeu e nor-
te-americano. Vianna identificava a existência de uma série de características na sociedade
brasileira que dificultava a experiência democrática e a descentralização propostas pela
República: a carência de certos atributos de consciência política do povo, o fraco sentimen-
to coletivo, a falta de espírito público, a falta de sentimento de pertencimento comunitário,
a falta de um substrato social para a construção de instituições políticas modernas. Estes
aspectos acabavam levando a uma sociedade autoritária e a um Estado autoritário susten-
tado por instituições autoritárias.
Medeiros (1978), ao analisar a obra de Oliveira Vianna, identifica a existência de três
preocupações centrais em seu pensamento político: a unidade nacional, a modernização
institucional e a conciliação entre as classes sociais. Na questão da Unidade Nacional ele
manifesta-se preocupado com o debate em torno das possibilidades do Brasil vivenciar a
experiência de um regime democrático representativo e federativo. Entende que o povo bra-
sileiro, com exceção de uma pequena elite, não está preparado para tal, por isto posiciona-
se favorável à proposta positivista de um Estado forte e capaz de manter a unidade nacio-
nal. Na questão da modernização das instituições, pensava que o processo era irreversível,
mas deveria ser conduzido a partir dos princípios da cooperação, do predomínio do interesse
coletivo sobre o individual e da regulação das forças sociais pela ação do Estado. No que
tange à conciliação entre as classes, entendia que a estratégia do conflito deveria ser prete-
rida pela do entendimento, tendo para tal a recorrência à legislação social e à mediação do
Estado.
1.1.3 – CAIO PRADO JÚNIOR (1907-1990)
Caio Prado Junior é reconhecido como “o fundador da interpretação marxista do Bra-
sil” (Ianni, 1994, p. 77). Esta afirmação retrata sua importância na introdução de uma nova
forma de produzir conhecimentos e analisar o desenvolvimento das sociedades humanas,
com base no materialismo histórico e dialético. Ianni (1994) entende que Caio Prado Junior
“institui” toda uma corrente do pensamento brasileiro, sendo inegável sua influência não
só nas Ciências Sociais, mas também na Historiografia, na Filosofia e nas Artes. “Muitas
contribuições contemporâneas e posteriores a ela parecem complementá-la, desenvolvê-la.
As próprias controvérsias suscitadas expressam sua originalidade e influência” (Ianni, 1994,
p. 77).
EaD Edemar Rot ta
20
Caio Prado Junior dá seus primeiros passos como intelectual e ativista político no
interior da Faculdade de Direito de São Paulo, na qual estudou entre 1924 e 1928, bachare-
lando-se em Ciências Jurídicas e Sociais. Esta faculdade era o espaço por excelência da
formação de grande parte da elite dirigente do país que discutia os problemas da política
nacional, as bases da organização da sociedade brasileira e as possibilidades das novas
ideias que despontavam no cenário nacional e internacional (Hanna, 2003).
Hanna (2003) destaca que a década de 20 põe em cena, na sociedade brasileira, um
intenso debate entre diferentes posições políticas e ideológicas (nacionalistas, liberais, anar-
quistas, comunistas, autoritários, industriais, agroexportadores, tenentistas, católicos,
positivistas, operários, setores médios da sociedade, entre outros) que disputavam o poder
decisório que orientaria e promoveria as alterações estruturais que o Brasil necessitava para
se inserir no cenário das Nações modernas.
A publicação de seu primeiro livro, Evolução política do Brasil, em 1933, representa a
introdução das categorias do materialismo histórico e dialético na análise da sociedade bra-
sileira, consolidadas com a publicação de Formação do Brasil contemporâneo, em 1942 e A
revolução brasileira, em 1942.8
Para Ianni (1994), a obra historiográfica de Caio Prado representa uma “interpretação
bastante elaborada da formação da sociedade brasileira”, sobressaindo-se aspectos essenci-
ais da formação e transformação da Nação; dos séculos de escravismo e economia primário-
exportadora; do processo de industrialização; do desenvolvimento das classes sociais; do
jogo das forças sociais internas e das pressões econômicas e políticas externas; das articula-
ções e desencontros entre sociedade política e poder estatal; das diversidades regionais; das
desigualdades raciais; da questão agrária e do imperialismo. De forma geral, Ianni entende
que as categorias centrais que polarizam a produção teórica de Caio Prado Junior são “o
sentido da colonização”, “o peso do regime de trabalho escravo” e a “peculiaridade do de-
senvolvimento desigual e combinado”.
No que se refere ao “sentido da colonização”, Ianni (1994) o entende como sendo o
elemento que articula a maior parte de suas reflexões e está na base de sua interpretação
da história brasileira. Reinterpreta o passado colonial, a Independência e a Proclamação
da República para poder compreender a situação construída a partir da “Revolução de
1930”. “O sentido da colonização não é único. Muda com os tempos, as relações internas
e externas, o desenvolvimento das forças produtivas e relações de produção” (p. 54). “Mostra
como o capitalismo surge e desenvolve-se, sob a forma de um modo de produção mundial”
(p. 56).
4
 Uma análise detalhada das principais obras de Caio Prado Junior pode ser encontrada em Iumatti, 2007.
EaD
21
SOC IOLOGIA BRASILE IRA
Quanto ao peso do regime de trabalho escravo, procura mostrar como o mesmo confor-
mou a sociedade brasileira do período colonial e continua exercendo forte influência sobre o
período pós-abolição. Entende que “a escravatura foi a única coisa organizada da sociedade
colonial” (Ianni, 1994, p. 57). Tudo o mais dependeu essencialmente dela. Os séculos de traba-
lho escravo produziram um universo de valores, padrões de comportamento, ideias, doutrinas,
modos de ser, de pensar e de agir que definiram aspectos essenciais da sociedade brasileira.
Em relação ao “desenvolvimento desigual e combinado”, manifesta que ele “caracte-
riza toda a formação da sociedade brasileira, ao longo da Colônia, Império e República”
(Ianni, 1994, p. 59). A sociedade brasileira conforma-se em uma sucessão de ciclos econô-
micos combinados com outras formas contraditórias de organização da vida e do trabalho.
Trata-se de ritmos irregulares e espasmódicos, desencontrados e contraditórios. “O presente
capitalista, industrializado, urbanizado, convive com vários momentos pretéritos. Formas
de vida e trabalho díspares aglutinam-se em um todo insólito” (p. 61).
1.1.4 – GILBERTO DE MELLO FREYRE (1900-1987)
Representa um marco importante na renovação da historiografia nacional do início
do século 20 na medida em que questiona veementemente as interpretações racistas a res-
peito da formação da sociedade brasileira (Silva, 2007). Foi um dos protagonistas do desen-
volvimento da Sociologia no Brasil ao reunir “os primeiros instrumentos analíticos que lhe
permitiram circunscrever o objeto sociológico e possibilitaram dar resposta a uma questão
que incomodava tantos intelectuais” ao longo da década de 20: a definição da Nação a
partir da caracterização da sociedade (Meucci, 2006, p. 307).
Ianni (1994) afirma que a interpretação produzida por Gilberto Freyre tem por base o
pensamento moderno europeu e norte-americano, com destaque para Georg Simmel e Franz
Boas. A explicação produzida por Freyre concentra-se na análise das instituições e das for-
mas sociais, tais como a família patriarcal, as etiquetas sociais e os tipos sociais. Esta visão
ressalta as formas de sociabilidade, buscando a superaçãodos equívocos que associam raça
e cultura. Entende que a família patriarcal representa uma miniatura de sociedade, na qual
o patriarca desponta como uma metáfora do governo e o patriarcalismo como metáfora do
poder estatal. “As relações e os movimentos de grupos, castas ou classes diluem-se nas rela-
ções entre os componentes da família patriarcal. Esse é o contexto em que surge a idéia de
‘democracia racial’” (Ianni, 1994, p. 41).
Ao analisar o pensamento de Freyre, Meucci (2006) diz que ele é sustentado com base
em três princípios fundamentais: uma noção de sociedade inspirada na Sociologia norte-
americana e em alguns autores alemães, a noção de continuidade e a ideia de diversidade
cultural e regional.
EaD Edemar Rot ta
22
Para Freyre, a sociedade se constitui por meio dos contatos sociais e ambientais travados
cotidianamente, tendo por fundamento a interação física e mental entre os homens e o meio
ambiente. Ressalta os fatores biológicos, psicológicos, geográficos, históricos e antropológicos na
explicação dos processos de socialização. Na tentativa de compreender a complexidade da interação
entre estes fatores tão diversos, é que Freyre evoca “o cheiro do sexo, a textura da terra e das peles,
os humores e trejeitos dos personagens que tecem a trama social” (Meucci, 2006, p. 304).
A noção de continuidade está referenciada na perspectiva histórica e nas esferas de
sociabilidade. A perspectiva histórica possibilita a “compreensão de um tempo original, no
qual se constituíram as formas de socialização fundamentais que se repetem – ainda que
renovadas – em novas circunstâncias, sob a regência dos mecanismos de acomodação social”
(Meucci, 2006, p. 305).
Este princípio de continuidade, porém, não se manifesta apenas no plano temporal,
mas também entre os diferentes círculos sociais, a exemplo da esfera doméstica, essencial
para a compreensão do processo de socialização. Da mesma forma em que “a experiência
histórica remota se apresenta renovada em outros momentos, a sociabilidade doméstica se
manifesta em outros níveis da sociedade” (p. 305). Freyre demonstra bem esta assertiva ao
destacar a continuidade entre a esfera doméstica e a esfera pública no Brasil, herança do
patriarcalismo colonial.
O terceiro princípio que ocupa papel central no pensamento de Gilberto Freyre é a
diversidade cultural e regional. Todas as formas de diferenciação social são compreendidas
como sendo evidências da diversidade de natureza cultural e regional. Não operando com
um modelo estrutural sob o qual seria possível compreender as interações sociais, Freyre
trabalha com a particularização das experiências sociais sob o prisma do relativismo
culturalista e ecológico. Evidencia que a diversidade cultural e regional é um valor dotado
de positividade sociológica.
Essa abordagem o leva a construir uma representação da Nação articulada pela diversi-
dade e pela unidade. A “diversidade assentada sobre a cultura e diferenciação física das regiões,
e unidade assentada sobre a experiência patriarcal [...]. Esta articulação entre diversidade e
unidade é tensa e, por vezes, contraditória nas páginas de Freyre” (Meucci, 2006, p. 305).
1.1.5 – SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA (1902-1982)
Por ocasião da comemoração do centenário de nascimento de Sérgio Buarque de
Holanda, em 2002, a Unicamp e a USP organizaram uma série de eventos5 que procuraram
relembrar a importância deste autor para a história do país.
5
 O material produzido nestes eventos está disponível em: <http://www.unicamp.br/siarq/sbh/>.
EaD
23
SOC IOLOGIA BRASILE IRA
Os inúmeros depoimentos e textos produzidos reiteram que a sua obra representa uma
contribuição “inestimável” para a formação do pensamento brasileiro. Alguns chegam a
designá-lo como o maior intelectual brasileiro do século 20. Conforme Piza (2002, p. 1),
Sérgio Buarque de Holanda “deixou uma obra que se destaca pela combinação de rigor e
criatividade, capaz de unir a seriedade da pesquisa, a ousadia da interpretação e a consis-
tência da análise”.
Para além do conjunto de obras produzidas ao longo de sua vida, interessa aqui a
reflexão sobre Raízes do Brasil, seu texto mais difundido e marcante desta fase de transição
dos “pensadores sociais” para a Sociologia como ciência, produzida a partir dos cursos
especializados na área.
Sérgio Buarque de Holanda bacharelou-se em Direito pela Universidade do Brasil;
participou do movimento modernista; atuou como jornalista, crítico literário e professor
universitário. “A interpretação de Sérgio Buarque de Holanda tem raízes no pensamento
alemão moderno, principalmente Dilthey, Rickert e Weber” (Ianni, 1994, p. 41-2). Fleck
(2003) lembra ainda a influência da Escola dos Annales,6 e Cardoso (2002) a de Giambattista
Vico, especialmente na compreensão do método de análise histórica.
O texto Raízes do Brasil foi escrito no contexto da reflexão que se fazia no país nas
primeiras décadas do século 20, período caracterizado por uma significativa produção de
intelectuais empenhados em “redescobrir” o Brasil e em definir o “caráter nacional brasilei-
ro” (Fleck, 2003).
Sérgio Buarque de Holanda dialogou com esta produção e se inseriu nela, ora contra-
pondo-se, ora aproximando-se. Foi um homem de seu tempo, tendo acesso aos clássicos da
História do Brasil e às principais produções teóricas que procuravam interpretar a sociedade
brasileira. Também teve a oportunidade de conhecer o moderno pensamento europeu na
sua estada na Alemanha como correspondente dos Diários Associados, entre 1928 e 1930
(Matos, 2005).
De acordo com Fleck (2003), o texto revela uma combinação de elementos da História
Social, da Antropologia, da Sociologia, da Etnologia e da Psicologia, rompendo com as
visões teleológicas da História, com os racionalismos e com os determinismos científicos tão
presentes na historiografia positivista e marxista. Além das inovações teóricas e metodológicas
produzidas, sua maior contribuição foi a de ter identificado os obstáculos existentes na
sociedade brasileira para a modernização política e econômica do país e de ter apontado
para um paradoxo, o de nos descobrirmos estrangeiros em nosso próprio país.
6
 Sobre a Escola dos Annales pode-se consultar Burke, 1997.
EaD Edemar Rot ta
24
Na visão de Sérgio Buarque de Holanda, o brasileiro vivia em uma “pátria-exílio” e
numa sociedade marcada pelo “predomínio de uma ética de fundo emotivo” que não garan-
tia a justiça social, a distribuição de riquezas e o acesso à plena cidadania. Por isto ele
defendia a ruptura com o passado colonial e o aprofundamento da “revolução brasileira”
para se efetivar a modernização social e política do país.
Cardoso (2002) assevera que um dos objetivos básicos de Sérgio Buarque de Holanda,
em Raízes do Brasil, foi evidenciar que as “sobrevivências arcaicas” do personalismo, do
individualismo, do familismo e da mentalidade cordial eram contrárias à modernidade, à
qual ele associava a democracia.
Sérgio Buarque de Holanda não entendia ser possível construir um ambiente demo-
crático a partir da informalidade criada pela linguagem da emoção, que parecia diluir dife-
renças e reduzir distâncias, mas gerava uma ausência de normas que acabava afastando as
possibilidades da democracia. A fragilidade da observância de regras facultava o espaço
para aqueles habituados a usar a falta das mesmas em proveito pessoal. “Os ‘menos iguais’
ficariam ao desamparo da lei. Sem o respeito a normas não havia como generalizar situa-
ções de igualdade” (Cardoso, 2002).
Cardoso (2002) destaca que a contribuição mais expressiva de Raízes do Brasil reside
no “otimismo democrático do último capítulo”, no qual Sérgio Buarque de Holanda refere-
se a “nossa Revolução”. Ele entende a “revolução” como um processo enão realizada em
um momento específico. O marco mais visível da mesma foi a abolição; o campo de desdo-
bramento seria a cidade; os personagens em fuga seriam o “agrarismo” e o “iberismo”; o
fermento emergente seria o “americanismo”.
Esta “revolução” não se daria de forma linear, mas dialética. Mesmo que ocorresse de
forma lenta, em razão das características históricas marcantes da sociedade brasileira, a
democracia haveria de prevalecer. O ingresso das massas no processo político seria a garan-
tia maior da democracia, pois o povo era o protagonista dos novos tempos.
Uma das ideias mais conhecidas de Sérgio Buarque de Holanda e, talvez por isto a que
mais tenha causado polêmica entre seus intérpretes, foi a do “homem cordial”, expressão
tomada de empréstimo do paulista Ribeiro Couto,7 jornalista, magistrado, diplomata, poeta
contista e romancista. No livro Raízes do Brasil a palavra cordial é empregada em seu senti-
do etimológico, ou seja, vem de cor, cordis (coração), em latim.
Sérgio Buarque de Holanda descreve o “Homem Cordial” como aquele dotado de “um
fundo emotivo extremamente rico e transbordante”; aquele que age e reage sob a influência
dominadora do coração. A cordialidade é entendida como a passionalidade, a aversão a todo
o convencionalismo ou formalismo social, podendo ser tanto positiva, quanto agressiva.
7
 Maiores detalhes podem ser encontrados em: <http://www.academia.org.br/abl/media/prosa44c.pdf>.
EaD
25
SOC IOLOGIA BRASILE IRA
Este conceito estaria associado às raízes da sociedade bra-
sileira, que remontam ao período colonial, marcado por “uma
suavidade dengosa e açucarada” e por “uma acentuação singu-
larmente enérgica do afetivo, do irracional e do passional” (Fleck,
2003; Cardoso, 2002).
O espaço, por excelência, do “homem cordial” seria a famí-
lia, na qual predominavam os laços de sangue e de afeto e não as
leis. Era o espaço oposto ao do Estado. A existência expressiva
desta característica na sociedade brasileira pode estar na raiz das
dificuldades para a consolidação de instituições societárias mo-
dernas, capazes de superar o patriarcalismo e o patrimonialismo.
Pode auxiliar na explicação do porque se mantêm relações
politicamente promíscuas entre o Estado, os governos e as clas-
ses dominantes, dificultando a diferenciação entre o público e o
privado; do porque a lógica do favor como forma de cooptação é
tão forte na sociedade brasileira. A cordialidade, apontada por
Sérgio Buarque de Holanda, “impregna a alma dos brasileiros” e
pode estar associada ao famoso “jeitinho”; à consagrada “lei de
Gerson”; à máxima popular, “aos amigos, os favores da lei, aos
inimigos, os rigores da lei” (Fleck, 2003; Cardoso, 2002).
Cooptar
Significa trazer para o seu lado;
convencer; tornar alguém seu
aliado; fazer alguém acreditar
em suas ideias, mesmo que se
utilizando de meios nem
sempre aceitáveis ou lícitos.
EaD
27
SOC IOLOGIA BRASILE IRA
Unidade 2Unidade 2Unidade 2Unidade 2
A SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA NO BRASIL
OBJETIVOS DESTA UNIDADE
• Apresentar o processo de consolidação da Sociologia como ciência no Brasil, a partir da
contextualização histórica e da reflexão das principais temáticas abordadas na visão dos
pensadores que se tornaram clássicas.
• Analisar a contribuição dada por pensadores clássicos da Sociologia no Brasil na reflexão
sobre a sociedade brasileira e na construção de aportes teóricos e metodológicos.
A SEÇÃO DESTA UNIDADE
Seção 2.1 – A Sociologia consolida-se como ciência no Brasil
Seção 2.1
A Sociologia Consolida-se Como Ciência no Brasil
Pode-se afirmar que a década de 30 do século 20 representa um marco fundamental da
afirmação da Sociologia como ciência em terras brasileiras. A criação da Escola Livre de
Sociologia e Política de São Paulo, em 1933, e da Seção de Sociologia e Ciência Política da
Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, em 1934, significaram a efetivação de
espaços de reflexão, elaboração teórico-prática e formação de profissionais indispensáveis
para a produção sociológica brasileira.
No Manifesto de Fundação da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo,1
pode-se identificar algumas das preocupações básicas que motivaram a criação de centros
especializados de elaboração do pensamento sociológico no Brasil:
1
 Disponível em: <http://www.fespsp.org.br/01-ManifestoFELSPSP.pdf>.
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• o reconhecimento das tentativas já feitas de análise da sociedade brasileira, mas certa
decepção com os resultados práticos que geraram em termos de contribuir com a melhoria
das condições de existência no país;
• a falta de “uma elite numerosa e organizada, instruída sob métodos científicos, ao par das
instituições e conquistas do mundo civilizado, capaz de compreender, antes de agir, o
meio social que vivemos”;
• a falta de organizações universitárias sólidas e centros de cultura político-social aptos a
análises mais aprofundadas da sociedade brasileira, à realização de pesquisas sobre as
condições de existência da população e seus problemas vitais e à formação de “personali-
dades capazes de colaborar eficaz e conscientemente na direção da vida social”;
• realizar o intercâmbio com instituições universitárias estrangeiras análogas e atrair pro-
fissionais destas para o Brasil;
• promover conferências públicas avulsas e periódicas.
No Decreto de criação da Universidade de São Paulo2 ficam claros também os objeti-
vos da Universidade e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, à qual estava vinculada
a Seção de Ciências Sociais e Políticas que abrigava a disciplina de Sociologia. Os objetivos
postos são:
• promover, pela pesquisa, o progresso da ciência;
• transmitir, pelo ensino, conhecimentos que enriqueçam e desenvolvam o espírito, ou se-
jam úteis à vida;
• formar especialistas em todos os ramos da cultura, e técnicos e profissionais em todas as
profissões de base científica ou artística;
• realizar a obra social de vulgarização das Ciências, das Letras e das Artes, por meio de
cursos sintéticos, conferências, palestras, difusão pelo rádio, filmes científicos e congêneres.
Nota-se que os objetivos são semelhantes e atendem a uma preocupação emanada do
contexto socioeconômico e político-cultural que se constituiu no Brasil entre as décadas de
20 e 30. O país dava passos importantes em seu processo de industrialização e urbanização,
procurando inserir-se no conjunto das Nações Modernas. Para que isso fosse possível era
necessária a criação de centros especializados na produção do conhecimento e na formação
de uma intelectualidade capaz de conduzir este processo.
2
 Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/225246/decreto-6283-34-sao-paulo-sp>.
EaD
29
SOC IOLOGIA BRASILE IRA
A Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo (ELSP) optou por trazer profissi-
onais da Universidade de Chicago, considerada como o mais influente centro da Sociologia
norte-americana da época. As principais linhas de estudo estabelecidas a partir da influên-
cia da “Escola de Chicago” foram as voltadas para as relações raciais (negros, brancos e
imigrantes), para os estudos de comunidade e para os estudos urbanos. Entre os profissio-
nais mais expressivos desta Escola que vieram para o Brasil pode-se destacar Donald Pierson
e Radcliffe-Browm.
Meucci (2006) afirma que os autores norte-americanos eram compreendidos como gran-
des pesquisadores sociais, preocupados com o avanço empírico da ciência nova e com a
possibilidade de aplicação do conhecimento resultante da pesquisa. Foram considerados
um modelo para o desenvolvimento da pesquisa científica e para a aplicação do conheci-
mento sociológico em benefício do melhoramento social.
A influência mais marcante, semdúvida, foi a representada por Donald Pierson, em
seus livros “Brancos e Pretos na Bahia” (1942) e “Teoria e Pesquisa em Sociologia” (1945).
Empregando a etnografia e a observação participante, Pierson faz uma descrição minuciosa
da situação racial na cidade de Salvador. Mediante estudos em arquivos históricos foi em
busca de documentos, mapas, cartas, autobiografias, censos demográficos, histórias de vida,
jornais, bibliografias científicas e literatura popular capazes de permitir-lhe a reconstrução
do passado de Salvador (Mendoza, 2005). Contribuiu decisivamente para uma nova orien-
tação científica dos estudos raciais no Brasil, sistemática e para além dos preconceitos das
interpretações anteriores.
A Seção de Ciências Sociais e Políticas da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
USP optou por atrair intelectuais vindos da França, entre os quais se destacaram Roger
Bastide, Paul Arbousse-Bastide, Claude Lévi-Strauss, Fernand Braudel, Pierre Monbeig e
Jean Maugüé. Schwartzmann (2006, p. 167) informa que,
desde o início, a Universidade de São Paulo foi uma instituição voltada para o mundo, com
um corpo docente formado de professores da Europa, freqüentada em grande parte por
filhos dos imigrantes europeus que constituíam uma parcela considerável da população do
estado. Naqueles anos, a ambição da nova universidade foi não apenas desenvolver compe-
tência profissional e conhecimento aplicado para fazer crescer a economia, o que de fato
ocorreu, mas também trazer civilização ao Brasil por meio da “ciência pura” e do “pensa-
mento puro”.
A intenção era utilizar o que havia de melhor nos países desenvolvidos para constituir,
no Brasil, um centro especializado na produção de conhecimentos, na criação de novas
tecnologias, na interpretação da realidade e na preparação de intelectuais, lideranças polí-
ticas e profissionais capazes de conduzir o Brasil rumo a uma Nação desenvolvida. A opção
EaD Edemar Rot ta
30
pelo “modelo francês”, na Faculdade de Filosofia, esteve ligada à ideia de constituir uma
“nova intelligentsia cosmopolita”, pois a França era considerada o que havia de melhor no
mundo na área do “pensamento puro” (Schwartzmann, 2006).
Roger Bastide, Claude Lévi-Strauss e Fernand Braudel foram os integrantes desta
“missão francesa” que mais se destacaram e influenciaram na formação de pensadores
brasileiros. Roger Bastide se destacou pelo estudo da contribuição africana na formação
da sociedade brasileira, tendo como foco central a questão das manifestações artísticas.
Os escritos de Bastide mostraram que acervos culturais distintos se reuniram no Brasil sem
perder suas características originais. Sua influência está presente na formação de sucessi-
vas gerações de pensadores expressivos da Sociologia brasileira, tais como Antonio Candido,
Gilda de Mello e Souza, Maria Isaura P. de Queiroz, Fernando Henrique Cardoso e Octávio
Ianni. Juntamente com Florestan Fernandes coordenou projeto de pesquisa sobre as rela-
ções raciais entre brancos e negros em São Paulo, patrocinado pela Unesco, e que deu
origem a uma série de trabalhos sobre o negro e o preconceito de cor no Brasil (Peixoto,
2000).
Lévi-Strauss exerceu forte influência na formação de vários intelectuais brasileiros da
área de Antropologia, Sociologia, Psicologia, Filosofia, Literatura e Artes. Sua abordagem
teórica trouxe contribuições expressivas do pensamento de Durkheim, Weber, Mannheim,
Gastn Richard, Radcliffe-Brown e as reflexões da Antropologia Cultural Americana. Dedi-
cou especial atenção ao estudo do comportamento dos índios americanos, investigando a
organização social das tribos com um método que denominava de “Estruturalismo”. Na
análise estruturalista as diferentes sociedades devem ser vistas a partir de seus critérios es-
truturais, relacionados entre si e formando um sistema coerente (Queiroz, 1994).
Fernand Braudel foi o responsável pela introdução, entre os pensadores brasileiros, da
compreensão de história da “Escola dos Annales”. Uma visão que se contrapôs à historiografia
narrativista predominante no Brasil até então. A visão histórica trazida pela “Escola dos
Annales” ressalta a participação dos indivíduos, suas opções políticas e suas construções
subjetivas. A história das diferentes sociedades deve ser vista a partir do seu caráter global,
ou o que chamam de “história social total”, entendida como o núcleo agregador dos vários
âmbitos possíveis, tais como o econômico, o social, o político, o imaginário, o cultural, entre
outros. A tarefa narrativa deve ser orientada pela visão teórica da Totalidade, tanto no exa-
me das fontes quanto na compreensão dos acontecimentos.
Estes dois núcleos iniciais de reflexão sociológica (USP e ELSP) são complementados,
na década de 30, pela criação do curso de Ciências Sociais da Universidade do Distrito
Federal (1935), o da Universidade Federal do Paraná (1938) e o da Universidade do Brasil,
no Rio de Janeiro (1939).
EaD
31
SOC IOLOGIA BRASILE IRA
Estes espaços foram fundamentais para consolidar a “difícil tarefa” de converter a
disciplina de Sociologia aos padrões acadêmicos, definindo a especificidade da disciplina e
seus procedimentos científicos, formando um campo de pesquisas sociológicas e, acima de
tudo, constituindo a identidade do novo profissional especializado, o sociólogo (Meucci,
2000).
Cândido (2006) afirma que o desenvolvimento da Sociologia como área específica de
estudo no espaço universitário está ligado às condições políticas e sociais que se sucederam
à Revolução de 1930 e à curiosidade acentuada de conhecer a realidade brasileira e seus
problemas na caminhada para o processo de industrialização e modernização.
Havia uma solicitação intensa pelos estudos sociais e terreno fértil para a consoli-
dação da Sociologia. Esta década consolida a transição da fase dos pensadores sociais
para a da afirmação da Sociologia como disciplina universitária e como atividade social-
mente reconhecida, marcada pela produção regular no campo da teoria, da pesquisa e
da aplicação.
A partir destes espaços acadêmicos é que se desenvolvem estudos que passam a ter a
marca da Sociologia como ciência especializada no tratamento das questões da organiza-
ção da vida social: as relações, os conflitos, as instituições, a formação das classes e dos
grupos sociais, as características socioculturais da população, as diversidades regionais, as
propostas políticas e ideológicas, as perspectivas de desenvolvimento, os problemas sociais
emergentes, entre tantos outros.
A possibilidade de transformar temas emergentes na sociedade em objeto de pesquisa
e produção teórica, vai dar ao Brasil a capacidade de se entender melhor e assim poder
discutir com maior clareza suas possibilidades de futuro.
Ao relatar os principais temas enfocados pela Sociologia brasileira em meados da dé-
cada de 50, Enno Liedke assim se refere:
Os principais temas enfocados pela Sociologia no Brasil em meados da década de 1950 eram:
população, imigração e colonização; relações étnicas, contatos e assimilação (o negro; o índio
e o branco colonizador); educação; história social; direito e ciência política; estudos de comuni-
dades; análises regionais e Sociologia rural e urbana. Nos anos 1950, um fato marcante foi a
constituição do grupo de pesquisa sob a liderança de Florestan Fernandes, que ficou conhecido
como a Escola de Sociologia da USP, a qual desenvolveu pesquisas sobre as relações raciais no
Brasil, acerca da empresa industrial em São Paulo e do desenvolvimento brasileiro. A preocupa-
ção com as possibilidades de um desenvolvimento democrático, racional, urbano-industrial da
sociedade brasileira ocupou um papel central entre as orientações intelectuais e políticas do
projeto da Escola neste período (Liedke, 2009).EaD Edemar Rot ta
32
As décadas de 40 e 50 significam o momento da afirmação do pensamento sociológico
no Brasil. Dos espaços acadêmicos fortalecidos neste período é que emergem pensadores
que se transformam em ícones do desenvolvimento da Sociologia no Brasil. Neste texto se
dá referência especial3 a Florestan Fernandes, Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Alberto
Guerreiro Ramos e Luiz de Aguiar Costa Pinto.
2.1.1 – FLORESTAN FERNANDES (1920-1995)
São inúmeras as atribuições dadas a Florestan Fernandes (1920-1995) para reconhecê-
lo como o grande expoente da Sociologia brasileira: “o grande mestre fundador da Sociolo-
gia brasileira”, o “Pai da Sociologia no Brasil”, o “Patrono da Sociologia Brasileira”, o “Mes-
tre”, entre outros. São alcunhas produzidas para demonstrar a incalculável contribuição de
Florestan para o desenvolvimento da Sociologia brasileira.
Não se quer reproduzir aqui todas as análises já feitas sobre a obra e a vida de Florestan,
até porque seria ousadia demasiada e já existe uma reconhecida bibliografia disponível so-
bre o mesmo,4 mas sim destacar alguns aspectos essenciais que o transformaram nesta per-
sonalidade inigualável da Sociologia brasileira.
Florestan Fernandes fez seu processo de formação na Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras da USP (Graduação em Ciências Sociais e Doutorado) e na Escola Livre de Socio-
logia e Política (Mestrado). Os dois grandes centros de formação sociológica da época. Nes-
tes espaços teve contato com as duas grandes matrizes de formação do pensamento socioló-
gico brasileiro, a escola francesa e a norte-americana. Conforme expõe Ianni (1986), a So-
ciologia desenvolvida por Florestan Fernandes estabelece um diálogo com cinco fontes:
a) a Sociologia clássica e moderna: faz uma interlocução constante com os principais soci-
ólogos ou cientistas sociais, que apresentam alguma contribuição para a pesquisa e a
interpretação da realidade social. Destacam-se as escolas francesa, alemã, inglesa e nor-
te-americana;
b) o pensamento marxista: no estudo das principais obras de Marx e dos pós-marxistas é
que Florestan vai buscar fundamentação teórica e metodológica para analisar a socieda-
de brasileira (em seu presente, passado e perspectivas de futuro – desenvolvimento), reali-
zar o diálogo com os movimentos sociais e com a militância política;
3
 Tendo presente que é uma escolha intencional e que a mesma não exclui outros autores de importância para o desenvolvimento da
Sociologia no Brasil. Lembra-se também que o objetivo não é fazer uma revisão biográfica e nem bibliográfica, mas destacar alguns
aspectos da reflexão destes autores que foram essenciais para o desenvolvimento da Sociologia no Brasil.
4
 Que pode ser visualizada em: <http://www.sbd.fflch.usp.br/florestan/index1.htm>.
EaD
33
SOC IOLOGIA BRASILE IRA
c) a corrente mais crítica do pensamento brasileiro: trata-se do diálogo que estabelece com
Euclides da Cunha, Lima Barreto, Manuel Bonfim, Astrojildo Pereira, Graciliano Ramos,
Caio Prado Júnior e outros cientistas sociais e escritores, inclusive do século 19, que
retratam as lutas dos diversos setores populares que formam o passado e o presente da
sociedade brasileira. Autores que ajudam a recuperar dimensões básicas das condições de
existência, de vida e de trabalho do índio, do caboclo, do escravo, do colono, do serin-
gueiro, do peão, do camarada, do sitiante, do operário e de outros grupos sociais e étnicos
que formam a sociedade brasileira;
d) os desafios da época: as transformações em curso na sociedade brasileira em termos de
urbanização, industrialização, migrações internas, emergência de movimentos sociais e
partidos políticos, governos e regimes, sem esquecer as influências externas. Os espaços
da universidade, dos partidos políticos, da imprensa, da Igreja, do governo e das relações
internacionais revelam o jogo de forças, os movimentos da sociedade, a marcha da revolu-
ção e a contrarrevolução. O Brasil como país agrário que se transforma em industrial, sem
perder a cara agrícola. As diferentes irrupções do povo no cenário da história, marcadas
por frequentes soluções de compromisso, conciliação ou paz social, tecidas pelos parti-
dos, formuladas por intelectuais, impostas por grupos e classes dominantes, com a cola-
boração da alta hierarquia militar e eclesiástica, todos na sombra do imperialismo;
e) a presença dos grupos e classes sociais que compreendem a maioria do povo brasileiro e
que descortinam um panorama social e histórico para além daquele evidenciado no pen-
samento dos grupos e classes dominantes: é a presença do negro, do escravo, do trabalha-
dor braçal da lavoura e da indústria, do índio, do imigrante, do colono, do camarada, do
peão e de outros grupos sociais e étnicos que conformam a sociedade brasileira. Os movi-
mentos, os acontecimentos sociais e políticos e a campanha em defesa da escola pública,
descortinam novas possibilidades e responsabilidades do intelectual.
Além destas fontes, Ianni (1986) destaca as inspirações provenientes da militância
política, da reflexão sobre a responsabilidade ética e política do sociólogo e o convívio com
o pensamento latino-americano. Tudo isto vai colaborar para a construção de “um estilo de
pensar a realidade social a partir da raiz”, conhecido como “Sociologia crítica”.
Ao explicar o que significa esta Sociologia crítica, Ianni (1986) destaca que se trata de
uma produção intelectual impregnada de um “estilo de reflexão que questiona a realidade
social e o pensamento”. É manifesta no empenho em interrogar a dinâmica da realidade
social; desvendar as tendências da mesma; discutir as interpretações prevalecentes; dialo-
gar com as diversas teorias sociológicas; discutir abertamente métodos e técnicas de pesqui-
sa; analisar os principais temas da realidade social da sua época (as questões raciais e étni-
cas, o problema indígena, a escravatura e a abolição, a educação e a sociedade, o folclore e
a cultura, a revolução burguesa, a revolução socialista, entre outros).
EaD Edemar Rot ta
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Nos seus trabalhos sobre a teoria sociológica, a perspectiva crítica é manifesta em
toda a sua produção intelectual, no ensino e no debate político. Adota uma postura de
questionamento constante da realidade e do pensamento, tanto os pontos de vista dos mem-
bros dos grupos e classes compreendidos na pesquisa, quanto as interpretações elaboradas
sobre eles. Procura ir além do que está dado, explicado, estabelecido, submetendo o real e o
pensado à reflexão crítica, descortinando as diversidades, as desigualdades e os antagonis-
mos presentes nas diferentes perspectivas dos grupos e classes compreendidos pela situação.
Resgata o movimento do real e do pensado a partir dos grupos e classes que compõem a
maioria do povo. As diversas propostas teóricas da Sociologia são avaliadas, questionadas e
recriadas, tendo em conta a compreensão das suas contribuições para apanhar os anda-
mentos da realidade social (Ianni, 1986).
Analisando a obra de Florestan Fernandes, Cardoso (1994) entende que ela pode ser
vista a partir de cinco planos principais:
1º. o que abrange um conjunto de preocupações de caráter ético-político, tendo como te-
mas centrais a ciência e o intelectual, sempre tratados em torno de uma questão central
que é a responsabilidade social do cientista;
2º. o que se refere aos objetos de pesquisa selecionados por ele, nos quais se percebe grande
coerência em toda a sua obra, centrada no ponto de vista dos dominados (excluídos,
oprimidos, subalternizados) e na perspectiva da transformação social;
3º. o que envolve as questões referentes à produção do conhecimento, discutindo as rela-
ções entre ideologia e conhecimento, as possibilidades do conhecimento, os limites da
consciência,

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