Buscar

JUSTIA, VALIDADE e EFICCIA

Prévia do material em texto

1 
JUSTIÇA, VALIDADE e EFICÁCIA - VI 
 
I – Três critérios de valorização: 
 
- para se estabelecer uma teoria da norma jurídica, faz-se necessário que esta seja 
submetida a três valorizações distintas, e que estas valorizações sejam 
independentes uma das outras, assim temos as seguintes valorizações: 
1. se é justa ou injusta: ou seja, o saber se uma norma é justa ou injusta é um aspecto 
contrastante entre o mundo ideal e o real, entre o que deve ser e o que é: norma justa 
é aquela que deve ser, e injusta é aquela que não deveria ser. Assim ao pensar sobre 
o problema da justiça ou não da norma, equivale a pensar sobre o problema da 
correspondência do que é (real) e o que deveria ser (ideal). 
2. se é válida ou inválida: ou seja, o de se constatar se uma regra jurídica existe ou 
não, independentemente de qualquer juízo de valor, sobre ser justo ou injusto. Para 
decidir se uma norma é válida é necessário fazer três averiguações: 
a) se a autoridade de quem ela emanou tinha poder legitimo para emanar 
normas jurídicas: esta investigação conduz até a norma fundamental; 
b) se foi ab-rogada: ou seja, embora tenha sido emanada de um poder 
autorizado, pode ter sido ab-rogada por uma outra norma jurídica que a 
tenha expressamente sucedido no tempo, ou tenha regulado a mesma 
matéria; 
c) se não é incompatível com outras normas do sistema: o que se chama de 
ab-rogação implícita, particularmente por uma norma hierarquicamente 
superior, ou com uma norma posterior, porque em todo ordenamento 
jurídico vigora o princípio de que duas normas incompatíveis não podem ser 
ambas válidas; 
3. se é eficaz ou ineficaz: ou seja, se a norma jurídica é ou não seguida pelas pessoas a 
quem é dirigida, e, no caso de violação, ser imposta através dos meios coercitivos 
pela autoridade que a evocou. 
 
II – Os três critérios são independentes: estes três critérios de valorização dão origem às 
seguintes relações independentes; 
1. Uma norma pode ser justa sem ser válida: um exemplo é o dos teóricos 
jusnaturalistas que formularam um sistema de normas advindas de princípios 
jurídicos universais. Assim aqueles que as formulavam considerava-as justas, 
porque as inferia de princípios universais de justiça, mas estas normas, a não ser que 
fossem escritas em um tratado de direito natural, não eram válidas, tornavam-se 
válidas na medida em que eram acolhidas por um sistema de direito positivo. O 
Direito Natural pretende ser o direito justo por excelência, mas somente pelo fato de 
ser justo não é também válido. 
2. Uma norma pode ser válida sem ser justa: nenhum ordenamento jurídico é 
perfeito: entre o ideal de justiça e a realidade do direito há sempre um vazio, 
dependendo dos regimes. Ex.: em alguns períodos históricos, certos regimes 
admitiam a escravidão, a qual não é justa, mas nem por isso é menos válida; leis 
raciais; 
3. Uma norma pode ser válida sem ser eficaz: ex.: caso das leis de proibição de 
bebidas alcoólicas nos Estados Unidos. Eram leis válidas, mas não eficazes; 
 2 
4. Uma norma pode ser eficaz sem ser válida: normas sociais que são seguidas 
espontaneamente ou habitualmente, isto é são eficazes mas não são regras 
pertencentes a um sistema jurídico, não tem validade jurídica. Ex.: regras de boa 
educação; 
5. Uma norma pode ser justa sem ser eficaz: o autor lembra o dito popular “não há 
justiça neste mundo”, ou seja, que muitos são aqueles que exaltam a justiça com 
palavras, mas poucos são os que a transformam em ato; 
6. Uma norma pode ser eficaz sem ser justa: o fato de uma norma ser 
universalmente seguida, não demonstra a sua justiça, assim como o fato de não ser 
absolutamente obedecida, não pode ser considerada injusta. Ex.: a escravidão; 
 
III – Possíveis confusões entre os três critérios: a partir da justiça, da validade e da 
eficácia, algumas teorias tendem a reduzir ora um, ora outro dos três aspectos, ao que se 
denomina “reducionismo”, ao invés da distinção e da independência que se deve dar a estes 
três valores: 
1. uma teoria que reduz a validade à justiça, afirmando que uma norma só é válida 
se é justa, faz depender a validade da justiça, Ex.: doutrina do jusnaturalismo; 
2. outra teoria reduz a justiça à validade, quando afirma que uma norma é justa 
somente pelo fato de ser válida, ou seja, faz depender a justiça da validade. Ex.: 
positivismo jurídico; 
3. outra teoria que reduz a validade à eficácia, quando tende a afirma que o direito 
real não é aquele que se encontra enunciado numa Constituição, Código ou num 
corpo de leis, mas aquele em que os homens aplicam em seu cotidiano, fazendo com 
isto depender a validade da eficácia. Ex.: as correntes consideradas realisticas da 
jurisprudência americana; 
- o autor considera que estas três correntes estão viciadas pelo reducionismo, levando 
à eliminação ou ao ofuscamento de um dos três elementos, ou seja, a primeira e a 
terceira não conseguem ver a importância da validade, a segunda julga poder se 
livrar do problema da justiça. Analisando-as separadamente temos: 
a) O Direito Natural; 
b) O Positivismo Jurídico; 
c) O Realismo Jurídico: 
- no decorrer do século XX, teóricos do direito, buscaram na realidade social, suas 
justificativas para seus embasamentos teóricos. Dizem que é na realidade social 
onde o direito se forma e se transforma, nas ações dos homens que fazem e 
desfazem com o seu comportamento as regras de condutas que os governam; 
colocando em relevo a eficácia, mas do que a justiça ou a validade. Contrário, pois, 
ao jusnaturalismo porque substituem o direito real pela aspiração à justiça e o 
positivismo porque substituem o direito real pela regras impostas e formalmente 
válidas, que são pura forma vazia de conteúdo, visualizando tão somente o contrates 
existente entre o direito válido e o direito justo; 
- o realismo jurídico apresenta três momentos próprios, nas escolas sociológicas do 
direito: 
a) na Escola Histórica do Direito (Friedrich Carl von Savigny): o direito 
não se deduz dos princípios racionais, mas é um fenômeno histórico social 
que nasce espontaneamente do povo, e o seu fundamento não é a natureza 
universal, mas o espírito do povo, daí existirem tantos direitos quantos 
 3 
diversos são os povos. Esta mudança de perspectiva no estudo do direito se 
manifesta na consideração do direito consuetudinário, como fonte primária 
do direito, porque da sociedade e do povo, em contraste com o direito 
imposto pela vontade do grupo dominante (a lei) e aquele elaborado pelos 
técnicos (direito cientifico), contrapondo-se ao jusnaturalismo abstrato 
quanto ao rígido positivismo estatalista; 
b) da concepção sociológica do direito: traduz-se na evocação, não tanto do 
direito consuetudinário, mas do direito judiciário, ou seja, daquele elaborado 
pelos juizes, no contínuo labor da adaptação da sociedade. Por ela haveria a 
livre apreciação do direito por parte do juiz e do jurista, atribuindo soluções 
de controvérsia, pelo estudo do direito vivente que a sociedade em contínuo 
movimento produz; 
c) a concepção realistica do direito: a tese por ela sustentada é que não existe 
um direito objetivo, isto é, objetivamente dedutível de dados determinados, 
seja estes fornecidos pelos costumes, pela lei ou pelo precedente jurídico. 
Para ela o Direito é uma continua criação do juiz, no ato em que decide uma 
controvérsia. Cai assim o princípio da certeza jurídica, o qual pode prever a 
conseqüência de um comportamento. O idealizador desta corrente realista 
foi juiz da Corte Suprema americana, Oliver Wendell Holmes; 
 
- Bobbio, refutando o que considera o inaceitável extremismo do realismo americano, 
entende que sempre haverá diferença entre a validade e a eficácia e para criticar 
estascorrentes sociológicas, diz que se faz necessários ir às fontes do direito, ou 
seja, o direito consuetudinário e o direito judiciário (juiz legislador), em relação à 
validade e à eficácia destas fontes, assim: 
a) em relação ao direito consuetudinário foi dito que a validade e a eficácia 
coincidem, no sentido de que não se pode imaginar um costume que seja 
válido sem ser eficaz, porque, faltando à eficácia, perde-se a repetição 
constante, uniforme e geral, que é um dos requisitos essenciais para 
caracterizar o costume. Mas isto não é de tudo aceitável, pois se é justo 
aceitar que no direito consuetudinário a validade vem sempre acompanhada 
da eficácia, a preposição inversa, que a eficácia seja sempre acompanhada 
da validade, não é aceitável. Porque o comportamento constante que 
constitui o conteúdo do costume, deve receber uma forma jurídica, ou venha 
a ser acolhido em um determinado sistema jurídico, como comportamento 
obrigatório, cuja violação implica em sanção, isto equivale a afirmar que 
alem de ser eficaz deverá ser válido; 
b) em relação à figura do juiz criador do direito tem-se que ele ao estabelecer 
o direito vivente, o qual é um fato ou uma série de fatos de onde tira 
conhecimento das aspirações jurídicas que vêm se formando na sociedade, o 
mesmo terá que acolhe-las e lhes atribuir a autoridade normativa que 
incorpora à sua função de órgão capaz de produzir norma jurídica. Assim o 
direito vivente não será considerado norma do sistema enquanto for somente 
eficaz, torna-se tal quando o juiz, reconhecido como criador do direito, lhe 
atribua a validade. 
________________________________________ 
BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica, Bauru, SP: EDIPRO, 2001, p. 45-62

Continue navegando