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Cicloe e séries Andrea Rosana Fetzner

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Eixo TEmáTico
ciclos & sériEs: 
conTExTos E concEiTos 
na discussão das práTicas 
curricularEs E avaliaTivas 
 Andréa Rosana Fetzner1
Este ensaio apresenta algumas reflexões realizadas por ocasião 
do II Seminário Impacto das políticas de avaliação externa nos 
sistemas municipais de ensino: ensino desseriado e avaliação da 
aprendizagem, promovido em maio de 2013, na Universidade 
Federal de Juiz de Fora, pelo Grupo de Estudo em Sistema de 
Ensino – GESE. Na ocasião tive a oportunidade de assistir a 
um significativo levantamento de dados de dez municípios da 
Baixada Fluminense, que se preocupava em verificar como as 
secretarias de educação estavam (ou não) relacionando-se com 
as políticas nacionais implementadas no campo da avaliação. 
O GESE apresentou o histórico dos ciclos, os documentos 
orientadores encontrados, as propostas de avaliação da 
aprendizagem em cada um dos municípios (Duque de Caxias; 
Guapimirim; Nilópolis; Mesquita; Niterói; Nova Iguaçu; São 
Gonçalo; Queimados; São João do Meriti e Rio de Janeiro) e 
dados sobre as políticas do MEC nestes contextos: formação 
de professores; Plano de Desenvolvimento da Escola – PDE 
e desempenho nas provas externas. Este ensaio propõe-se a 
discutir as políticas e práticas encontradas, questionando o que 
entendemos por organização escolar em ciclos e como temos 
utilizado as políticas nacionais implementadas no campo da 
educação, considerando as necessidades de democratização da 
escola e do conhecimento escolar.
Palavras-chave: Ciclos; Políticas educacionais; Avaliação; 
Currículo.
Resumo
1 Prof. Programa de Pós-graduação - UNIRIO. E-mail: akarug@uol.com.br
14Educ. foco, Juiz de Fora,v 17 n. 3, p. 13-33nov 2012 / fev 2013
 Andréa Rosana 
Fetzner
dEfinindo um concEiTo dE Educação Escolar
Existem pessoas reais que estão a ser ajudadas e prejudica-
das dentro destes edifícios. Pensamento positivo e não 
confrontar aquilo que poderão ser os efeitos mais poderosos 
do sistema educativo não eliminarão este fato.
Apple, 1999.
Para apresentação deste ensaio, considero importante 
definir alguns conceitos que embasam minha posição em 
relação ao currículo e à avaliação escolar. O primeiro deles, 
abrangente e fundamental: o que defino como educação 
escolar. O trabalho que tenho desenvolvido, por meio do 
auxílio de diversos estudos, especialmente das áreas de 
currículo e de políticas educacionais, parte do princípio que 
os sentidos da escola seriam: a oportunidade da vivência 
de experiências formativas sociais fora das orientações 
restritas da família e que contribuem com a formação 
de uma sociedade mais plural, em que convivência com 
diferentes culturas e percepções de mundo seja exercitada 
(conhecimento de outras formas de comportamento social 
quanto à religiosidade, por exemplo); o reforço da inserção na 
cultura geral de sua nação (língua, costumes, história, entre 
outros) e, ainda, formação intelectual nas artes, nas línguas, 
na história e em diferentes campos de saber (matemática, 
entre estes) que possibilite ao sujeito o exercício de suas 
potencialidades e o desenvolvimento (mais pleno possível) 
de sua pessoa.
Enfim, o sentido da educação escolar estaria em 
cola bo rar com o desenvolvimento de experiências sociais e 
apren dizagens que nos possibilitariam um saber diferente 
do qual a nossa própria família já tem disponível, que nos 
orientasse em relação a um sentido de pertencimento a uma 
sociedade e, também, em direção ao desenvolvimento de 
nossas próprias potencialidades. O verbo colaborar torna-se 
importante aqui porque é necessário compreender o papel 
da escola como complementar a um processo de educação 
e socialização que ocorre na sociedade desde o nascimento 
da pessoa.
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e conceitos na discussão 
das práticas curriculares e 
avaliativas 
Embora estes sentidos sejam ampla men te proble mati-
záveis, especialmente se confrontados com os movimentos 
de exclusão e humilhação gerados e/ou reproduzidos na 
escola (negação de culturas específicas em seus aspectos 
linguísticos, corporais ou artísticos, por exemplo) é impor-
tante situar de qual perspectiva política e pedagógica analiso 
a escola, pois é com esta percepção que tenho abordado o 
currículo e a avaliação escolar.
A escola, no sentido que a percebo, no lugar de definir 
as pessoas que pretende formar, abriria, a estas pessoas, 
possibilidades de formarem-se frente à sociedade de que par-
ticipam, à família, e aos seus desejos individuais. O problema 
que mobiliza este ensaio, e minha participação no II Semi-
nário do GESE, pode ser resumido na percepção de uma 
redução da escola, no que se refere aos sentidos anteriormente 
apresentados. Esta redução da escola parece ser operada por 
um conjunto de políticas educacionais, denunciadas há mais 
de vinte anos, que atuam na perspectiva do engessamento 
curricular, por meio das tentativas de subordinação da escola à 
preparação dos alunos para assimilação de conteúdos escolares 
desligados de sentido social, cultural ou estético significativo. 
As classes populares parecem ter, sistematicamente, 
suas linguagens, comportamentos e práticas negadas na 
es cola e, muitas vezes, valores sociais de solidariedade, 
participação e bem viver menosprezados.
O texto aqui apresentado busca trazer a discussão 
sobre como as políticas de avaliação externa podem 
contribuir com o engessamento curricular e a consequente 
redução da escola. Para não deter-me apenas na denúncia 
das práticas que reduzem o sentido da escola, também trago 
algumas reflexões sobre o que seriam práticas de avaliação 
dialogadas. As pesquisas das quais tenho participado e que 
contribuem com o trabalho desenvolvido são financiadas 
pela FAPERJ, e desenvolvem-se em colaboração, em especial, 
dos professores Antonio Flavio Moreira e seu grupo de 
pesquisa (UCP), Maria Teresa Esteban (UFF/GRUPALFA) 
e Claudia Fernandes, juntamente ao grupo de pesquisa que 
coordenamos (GEPAC/UNIRIO).
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o currículo E as avaliaçõEs nacionais
Apple (2008) argumenta que “por trás das justificativas 
educacionais para um currículo e um sistema de avaliação 
nacionais, está uma perigosíssima investida ideológica. Seus 
efeitos serão verdadeiramente perniciosos àqueles que já têm 
quase tudo a perder nesta sociedade.” (p.62). Para entender 
estas consequências perniciosas, o autor indica a necessidade 
de percebermos estas políticas dentro de um conjunto de ações 
propostas pelo que ele chama de restauração conservadora. 
O principal argumento para a adoção de um currículo 
nacional foi (em nações como Inglaterra e Estados Unidos, 
por exemplo) a ideia de que esta ação poderia elevar o nível 
das escolas e responsabilizá-las sobre o sucesso ou o fracasso 
de seus alunos. O mesmo movimento por uma restauração 
conservadora aparece em redes municipais e/ou estaduais de 
educação no Brasil e, parece-me, exige uma reflexão profunda.
Com relativa frequência, mídias e governos se voltam 
contra a escola, como se fosse ela a responsável pelo 
(suposto) desgoverno em que vivemos e pela desesperança 
geral na possibilidade de melhoria das relações sociais e, entre 
estas, das relações de produção. 
Pouco se aponta sobre esta falta de sentido dos 
saberes propostos na escola, evidenciados frente ao mundo 
contemporâneo e sobre estas fragilidades, mas muito se 
indica sobre a falta de produtividade e a necessidade de 
competição como forma de superação da própria condição. 
No que se refere às escolas, a solução apontada, muitas 
vezes em uníssono entre mídia, governos e determinados 
grupos sociais, dirige-se a ações de regulação sobre a escola 
(choque de gestão, choque de ordem, programasde qualidade, 
ou similares), que tentam enquadrá-la numa lógica de fun-
cionamento empresarial que não corresponde, por suas 
finalidades antes expressas, a um funcionamento possível 
(ou que favoreça) o alcance de seus fins.
Se a empresa funciona (dentro de seus parâmetros 
do que seja funcionar), com base na competitividade, por 
exem plo, a escola não pode (ou não deveria) tomar este 
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das práticas curriculares e 
avaliativas 
princípio porque, na sua razão de ser, encontra-se o princípio 
e a necessidade social de que ela trabalhe com e para todos. 
É o sentido de trabalhar com e para todos que dá a escola a 
necessidade de acolher a todos, e, quantos mais ela acolha 
(especialmente os considerados mais difíceis, não adequados 
ou não necessários ao mercado), mais ela desempenha sua 
função social.
Quando pensamos em uma escola em que os pais acom-
panham o desenvolvimento de seus filhos, em que as crianças 
têm condições razoáveis de sobrevivência (alimentação, 
acompanhamento, mediação familiar), podemos imaginar 
que o ensino, embora sempre apresente suas dificuldades, 
se dê em condições que possam ser consideradas favoráveis. 
Agora, quando trabalhamos com escolas que acolhem 
crianças que são as mais excluídas de direitos sociais, 
culturais e econômicos, percebemos o quanto é mais difícil o 
acolhimento a ser praticado pela escola e, ao mesmo tempo, 
o quanto mais importante ele se torna, se entendermos o 
direito à escolarização como importante.
As escolas que trabalham com comunidades extre-
mamente prejudicadas pela forma como a sociedade e 
as empresas se organizam em torno da produção, são as 
mais desafiadas pelo trabalho de acolhimento e precisam 
estabelecer (e estabelecem) o trabalho possível de ser rea-
lizado. É difícil imaginar o que seriam critérios ou índices 
de produtividade, possíveis de medir o esforço e a dedicação 
no acolhimento e na promoção da aprendizagem realizadas 
por estas escolas. 
Mesmo que consideremos apenas o desenvolvimento 
cognitivo em disciplinas específicas (como fazem muitas 
redes de ensino), precisamos observar que muitos estudos 
cur riculares têm apontado que aquilo que é ensinado nas es-
colas não é isento de parcialidade epistemológica, ou seja, o 
que tomamos como verdade, aquilo que valorizamos como 
conhecimentos do currículo e ensinamos como ciência na 
escola, são verdades parciais, contextualizadas em um deter-
minado tempo e espaço (mas que não são ensinadas com esta 
perspectiva de relativização), referenciadas em determinadas 
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epistemologias, isto é, a determinadas formas de saber, de 
produzir o conhecimento e de tomá-lo como verdadeiro. 
A ideia de tomar uma forma de conhecer como a única 
forma de conhecer pode ser observada na matemática, por 
exemplo, quando acreditamos que ensinar a somar é mais 
fácil do que ensinar a dividir (e se consideramos algumas 
epistemologias indígenas isto não será válido). Da mesma 
forma, conteúdos ensinados sobre a história e a geografia 
da África, reduzem e tomam, muitas vezes como universais, 
valores, práticas e conhecimentos específicos.
Outra questão, no que se refere à pretensão de um 
cur rículo nacional, está imersa na imensa possibilidade 
de temáticas relevantes e necessárias a grupos diversos, 
visivelmente percebidos quando pensamos a grandiosidade 
geográfica e cultural do Brasil, mas não menos presentes 
em países de pequena extensão territorial, como Portugal, 
por exemplo.
Além da diversidade epistemológica, existem neces-
sidades muito diferentes entre os grupos sociais: a neces-
sidade de estudar sobre a falta de água, em uma região como 
Paraupebas, no Pará, pode ser prioritária, enquanto que, 
no Rio de Janeiro, os estudos sobre doenças parasitárias 
podem ser emergentes. O que dirá qual o tema ou a questão 
pro blema emergente, em quaisquer das realidades, serão as 
necessidades cotidianas, as relações percebidas e os saberes 
disponíveis entre professoras e professores e estudantes. 
Estudar sobre algo relevante para si e para sua comu-
nidade, apreendê-lo em seu sentido histórico, localizado 
geograficamente, parece ser um dos sentidos da escola, e 
que não cabe (no desenvolvimento pleno dos sentidos da 
escola), nos planejamentos curriculares restritos, descritivos 
e fechados. 
Conforme anunciava Apple, desde os anos 80, os inte-
resses por um currículo único nacional, pouco se associam 
à ideia de melhoria das oportunidades de vida das pessoas, 
e muito se empenham “em prover as condições educacionais 
tidas como necessárias para não só aumentar a competitividade 
internacional, o lucro e a disciplina, mas também para resgatar 
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das práticas curriculares e 
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um passado romantizado de lar, de família e de escola ideais” 
(2008, p. 68)
O conhecimento oficial é, sempre, um espaço de con-
flito: discutir currículo implica em perceber cultura e poder 
em disputa, conceitos e relações de classe, de raça, de gênero 
e de religião implicados nestas disputas (Apple, 1997). 
Imprescindível, parece-me, é reconhecer o quanto o currículo 
é uma questão de opção, de poder e de cultura: “[...] a decisão 
de definir alguns conhecimentos de grupos como válidos para 
serem transmitidos às gerações futuras, enquanto que a história e 
a cultura de outros grupos dificilmente vêem a luz do dia, revela 
o modo como o poder opera na sociedade” (Apple, 1999, p. 9)
Analisando a reforma curricular na Grã-Bretanha, 
Goodson (2008) aponta que os resultados de uma política 
de Cur rículo Nacional gerou de um lado, que um número 
maior de crianças obtivesse resultados melhores na escala 
avaliativa, mas, do outro lado da mesma escala percebeu-se: 
“[...] uma onda crescente de insatisfação e reprovações na 
medida em que as estruturas de avaliação são mais estreitas. 
Aqueles que não têm sucesso em um regime de padrões de 
qualidade são cada vez mais visivelmente estigmatizados e 
marginalizados. Os números da evasão escolar e da baixa 
frequência formam um quadro que claramente mostra a 
decadência de uma busca precipitada de mercadização e de 
reformas altamente reguladas do currículo e da avaliação.” 
(p. 25) 
Outra face de uma mesma reforma são as avaliações 
padronizadas. O argumento por um currículo nacional torna-
se prática escolar por meio destas avaliações. E, quanto mais 
ava liação padronizada se pratica, mais o currículo escolar 
parece ser unificado, e o sentido da escola reduzido.
No Brasil, o que temos observado em diferentes 
pesquisas é a produção do fracasso escolar pela própria escola. 
Crianças que resolvem problemas cotidianos complexos, 
que lidam constantemente com situações de stress, tanto na 
comunidade em que vivem quanto na escola, e que aprendem 
muito rápido o que lhes ensinam oralmente na família e na 
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escola, por apresentarem dificuldades em responder ao que 
lhes pedem as avaliações padronizadas, são rotuladas de 
incompetentes para o estudo escolar (Patto, 1999; Moysés, 
2001; Esteban, 2002; Tura, 2000). 
É neste sentido que tenho percebido a avalanche 
de avaliações externas reduzindo o papel da escola e con-
tribuindo para o engessamento curricular. No exemplo a 
seguir, podemos verificar como a simples correção da resposta 
não contribui com a aprendizagem de determinado conteúdo 
escolar.
Leandro2 é um dos meninos que foi acompanhado 
por um grupo de estagiárias de Pedagogia, em uma escola 
municipal de umadas maiores redes públicas de ensino da 
América Latina. Com 9 anos, Leandro participou, durante 
o ano de 2009, de uma oficina, com duas horas semanais 
de duração, oferecida em sua escola, por estagiárias da 
Uni versidade. A proposta das oficinas foi oferecer um 
trabalho diferenciado aos estudantes que, indicados por suas 
professoras, precisariam de um atendimento específico pa-
ra progredirem nos estudos. Ele frequentava regularmente 
uma turma de terceiro ano do ensino fundamental e já tinha 
sido reprovado uma vez na escola. Além de uma prova do 3º 
bimestre, do terceiro ano de escolaridade, que foi elaborada 
na Secretaria Municipal de Educação da cidade e aplicada a 
to dos os alunos do terceiro ano da rede (avaliação externa, 
da rede municipal), possuo oito trabalhos realizados por ele 
nas oficinas3.
Na prova realizada em outubro de 2009, Leandro acertou 
apenas quatro questões de vinte e cinco. Duas questões foram 
respondidas corretamente em português e duas questões 
em matemática. Nos trabalhos diversificados, apresentados 
na forma escrita, realizados nas oficinas, o mesmo menino 
demonstrou ser capaz de desenhar a si mesmo; listar suas 
2 Apenas o nome do aluno é fictício.
3 Os trabalhos e os relatórios de estágio foram cedidos para a pesquisa 
“Conhecimento escolar: processos de inclusão e exclusão, movimentos 
curriculares e práticas avaliativas da escola de ensino fundamental” (2009-2011), 
coordenada por mim na UNIRIO/RJ.
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avaliativas 
características e as características de um colega (com troca 
de letras e necessidade de sistematização das chamadas 
dificuldades ortográficas); listar produtos recortados de um 
encarte de supermercado; distinguir diferenças entre o mundo 
que temos e o mundo que queremos; identificar o tempo de 
decomposição de materiais como papel, pano, chiclete, latas 
e vidro; distinguir lixo orgânico de lixo inorgânico; selecionar 
materiais de acordo com as categorias vidros, plásticos, metais, 
papéis e restos de alimento; avaliar atitudes positivas e negativas 
na relação com o ambiente. 
Nos trabalhos realizados na oficina, é possível 
perceber que Leandro ainda apresenta muito a aprender 
na sistematização da escrita, e dificuldades com cálculos, 
mas, o que se pode concluir da observação das atividades 
realizadas nas oficinas, é que o aluno sabe muitas coisas e 
não apresenta dificuldade de entendimento dos conteúdos 
estudados. Todavia, nas provas padronizadas, seu resultado 
é muito ruim (quatro questões certas, em vinte e cinco das 
propostas).
Analisando a prova aplicada a todos os alunos de 
seu ano de escolaridade, na rede de ensino em que estuda 
(no 3º bimestre de 2009), percebe-se um conjunto de 
atividades que são apresentadas buscando informação sobre 
a capacidade do aluno de perceber um horário em um relógio 
com ponteiros; identificar qual o menor número em uma 
série de números entre 138 e 831; resolver um problema 
que envolve multiplicação; contar moedas e representar o 
resultado em cédulas de dinheiro; interpretar um gráfico; 
operar com frações; identificar o número ausente em uma 
lacuna numérica; identificar a centena em um numeral; 
subtrair com empréstimo; resolver problemas utilizando 
adição com transporte.
Na segunda parte da referida prova, em língua por-
tuguesa, as questões propunham interpretação de diver-
sos textos pequenos, de diferentes categorias textuais; 
interpretação de legendas em um calendário e interpretação 
de desenhos. As atividades propostas, tanto em matemática 
quanto em língua portuguesa, são exercícios a serem 
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realizados de forma independente das operações e usos 
individuais (Certau, 2008) que os leitores possam fazer 
dos textos e problemas e sem a consideração das ligações 
e trajetórias variáveis dos praticantes (idem) em relação aos 
textos e contextos propostos. 
Transcrevo, a seguir, duas questões que Leandro não 
conseguiu acertar (entre tantas outras) na prova do 3º bimestre:
 
Marli comprou 5 sacos de bombons. Cada saco tem 6 
bombons. Quantos bombons ela comprou ao todo?
11.
25.
30.
35.
(Prova do 3º bimestre, período final do ciclo, 2009, questão 3)
Um GRANDE encontro!
Há 17 anos, o mergulhador Marco Queral se dedica à 
fotografia submarina.
Marcos teve um encontro impressionante com uma baleia 
Jubarte, a 15 metros de profundidade, no Oceano Pacífico!
Conversando com um jornalista, Marcos declarou: – Na 
minha opinião, elas (as baleias) decidem se eu posso tirar 
fotos delas ou não, porque, geralmente, as baleias são 
tímidas e cautelosas com os seres humanos.
Fonte: http://robertoff.sites.uol.com.br/baleia.gif
O trecho que indica uma opinião é
“... elas (as baleias) decidem se eu posso tirar fotos delas 
ou não”.
“... o mergulhador Marcos Queral se dedica à fotografia 
submarina”.
“Conversando com um jornalista, Marcos declarou: ...”
“Marcos teve um encontro impressionante...”
(idem, questão 15) 
Na questão 3, Leandro marcou a alternativa “A”, quando 
deveria ter marcado a alternativa “C”, na questão 15, marcou 
a alternativa “D”, quando deveria ter marcado a opção “A”. 
Observando a alternativa “A” da questão 3, é possível 
que Leandro tenha somado os dois números citados no 
problema, concluindo que cinco mais seis são onze. Mas 
só o que nos poderia dizer se ele fez este raciocínio, é se 
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avaliativas 
ele pudesse explicar qual lógica seguiu e se leu o problema 
todo (é possível que não, uma vez que ele apresenta muitos 
erros na escrita, poderia ter dificuldades de leitura e, por 
consequência, resistência à leitura). Assim como é possível 
que nenhuma destas possibilidades que levantei estejam 
corretas. Um dos problemas que se acrescem aos anteriores 
quando pretendemos discutir a utilidade das avaliações 
padronizadas, aplicadas massivamente, é que estas avaliações, 
muitas vezes, não viabilizam que a professora reconheça o 
raciocínio que o estudante realiza na solução do proble ma 
e, portanto, não oportunizam que ela identifique qual é a 
me diação necessária para que ele avance do lugar em que 
se encontra. São avaliações que, além de excluir saberes, 
humilhar pessoas, promover uma avaliação equivocada 
da qualidade social do trabalho desenvolvido pelas esco-
las, congelam o saber no lugar onde ele é flagrado, fora do 
movimento do ato de conhecer.
A questão 15 apresenta, também, características que 
pouco dizem sobre os saberes e as capacidades de com-
preender de Leandro: se ele leu todo o texto (o que não 
temos como saber), pode ser que ele tenha interpretado 
que a frase “Marcos teve um encontro impressionante...” seja 
a opinião de quem escreveu o texto, ou mesmo que o título 
“Um GRANDE encontro” indique que a opinião do autor 
é de que este grande encontro foi impressionante, embora a 
resposta explícita no texto seja o que vem escrito depois de 
“– Na minha opinião, ...” (alternativa “A”).
Retomando, mais uma vez, as contribuições de Apple 
(1999), existe a necessidade de que, em reconhecendo-se o 
caráter ideológico, epistemologicamente parcial do currículo 
escolar, promovamos a denúncia das políticas, estratégias e 
táticas que são cerceadoras do processo democrático no qual 
“todas as pessoas – não apenas as que são os guardiões intelectuais 
da tradição ocidental – se podem envolver no processo deliberativo 
sobre aquilo que é importante.” (grifo do autor, p. 15) 
No caso aqui relatado, a política pública (proposta) 
de avaliar para promover a qualidade,oculta a parcialidade 
da avaliação e o conceito de qualidade a que está filiada a 
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política. Práticas avaliativas são necessárias e imprescindíveis, 
nos sa discussão está na prática avaliativa que, por meio de 
uma padronização, nega saberes, rotula e classifica pes soas 
e, ainda, cria resistências ao processo de aprendizagem em 
desen volvimento. A qualidade da educação, em nosso pon to 
de vista, não pode abrir mão da participação dos envolvidos 
na elaboração e no acompanhamento do processo e, também, 
do diálogo com seus saberes e cultura.
Ainda conforme Apple (1999), este processo demo-
crático precisa da criação das condições necessárias para que 
todas as pessoas participem na criação e recriação de sig-
nificados e valores com os quais a escola trabalha. Não seria 
por meio da classificação das melhores e das piores escolas 
que estas condições necessárias seriam criadas.
O processo democrático é um saber imprescindível 
para qualificação da vida, das relações das pessoas entre si 
e com o ambiente. Este processo democrático de diálogo 
com outros conhecimentos e formas de aprender, bem 
como a construção coletiva de objetivos e estratégias para 
alcan ce dos mesmos, estão sufocados pela padronização e 
descontextualização que as avaliações padronizadas impõem.
Duas ideias complementares têm contribuído na 
possibilidade de pensarmos outra sociedade possível: o bem 
viver e o bem estar coletivo. O bem viver pode ser com-
preendido como uma filosofia que enfatiza as relações equi-
libradas, harmônicas, equitativas e solidárias entre humanos e 
com a natureza (entendendo-se que os humanos fazem parte 
da natureza); a dignidade de cada ser humano e a necessária 
interrelação entre seres, saberes, culturas, racionalidades e 
lógicas de pensar, atuar e viver (Walsh, 2009).
O bem estar coletivo implica em estar bem consigo 
mesmo e com tudo o mais: a família, a comunidade, a socie-
dade, os ancestrais, a natureza, enfatizando a promoção da 
humanidade e pensando o desenvolvimento em consideração 
da humanidade e do planeta, e apontando, como valores, a com-
plementaridade, a relacionalidade e a unidade na diver sidade, 
a autodeterminação, a solidariedade e a conexão fundamental 
entre sociedade e natureza (idem). 
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das práticas curriculares e 
avaliativas 
Práticas curriculares dinâmicas e críticas, representadas 
em algumas experiências que trabalham com a organização do 
ensino por meio de problemas, temas geradores ou com plexos 
temáticos, por exemplo, costumam priorizar a rea lidade como 
articuladora dos estudos, a pesquisa como meto dologia e as 
avaliações participativas como forma de acompanhamento 
dos processos de aprendizagem e de educação escolar.
As práticas de avaliação dialogadas, que incluem o 
diálogo desde a busca dos conteúdos do ensino (Freire, 
1975), são incompatíveis com o ranking de escolas e impra-
ticáveis quando a intenção é subordinar pessoas e seus 
saberes. O que tenho encontrado, no trabalho e na pesquisa 
com as escolas de ensino fundamental, é que casos como de 
Leandro são muitos e estão cotidianamente a nos desafiar. 
Como podemos dizer que ele é um analfabeto funcional, ou 
uma criança que não aprende na escola, quando ele demonstra 
saber tanto e sobre tantas coisas? E como uma política 
pública têm se alastrado pelas redes de ensino, autorizando-
se a dizer que eles (Leandro, e tantos outros) não aprendem 
e que sua escola não lhes ensina?
Se o sentido da educação escolar for entendido como 
colaboração para que nossas experiências e aprendizagens 
sejam reconhecidas, valorizadas, ampliadas e aprofundadas, 
assim como a potencialização de nosso pleno desenvolvimento 
e bem viver coletivo, precisamos repensar e denunciar, mais 
uma vez, estas práticas e estas políticas que nos submetem 
a modelos que vêem a aprendizagem como uma apreensão 
reduzida de informações. 
 Se considerarmos valores fundamentais a solidariedade, a 
participação e bem viver, a escola parece ter um papel importante 
na reflexão sobre os critérios de avaliação e suas metodologias, 
e sobre as intencionalidades curriculares de homogeneização e 
padronização. Na diversidade, na pluralidade, no fazer coletivo 
e na priorização da vida sobre o mercado, estejam, talvez, 
algumas pistas para vivermos melhor.
A escola tem se posicionado quanto a sua função 
social, em seus projetos político-pedagógicos e em muitos 
discursos docentes, como uma instituição voltada para a 
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vivência da cidadania, da participação e do pensamento 
crítico. Precisamos refletir sobre como ela tem agido em 
relação a estas políticas implementadas sobre o seu cotidiano, 
geralmente acompanhadas de um determinado discurso de 
qualidade da educação, que se afirma de valores de mercado e 
que gera, conforme algumas das pesquisas que nos apoiamos 
neste trabalho, exclusão e distanciamento entre os incluídos 
em determinada forma de pensar e fazer e os excluídos das 
formas consideradas legítimas. 
divErsidadEs nos concEiTos dE ciclos
O conjunto de propostas de organização em ciclos 
apre sentadas no II Seminário do GESE possibilitaram 
perceber a diversidade dos conceitos de ciclos, ou talvez, um 
pos sível desconhecimento, no momento das implementações 
da política em diferentes municípios, das diferenças entre 
ciclos, séries e promoção continuada.
Entendo como organização seriada da escola o 
conjunto de conteúdos que, previstos para serem assimilados 
em um ano letivo, constituem a diferença entre os anos 
esco lares e, assim, estruturam as turmas na escola. Ou seja, 
o que faz a primeira série ser diferente da segunda, e assim 
su cessivamente, são os conteúdos que compõem as séries. O 
que faz uma criança estar na segunda série e não na primeira 
são os conteúdos que ela supostamente adquiriu.
Uma forma não seriada de organização da escola 
pode ser o agrupamento dos estudantes por projetos de 
tra balho. Uma enturmação escolar que não se baseia nos 
con teúdos anteriores adquiridos e também não se organiza 
com base na idade dos estudantes, mas nos seus interesses, 
fren te ao que a escola oferece como opção curricular. É o 
caso do Instituto Lumiar, por exemplo, apresentado no 
Livro Escolas sem sala de aula (Semler; Dimenstein e Costa, 
2004), pelo seu idealizador, o empresário Ricardo Semler. No 
Instituto, as crianças participam das atividades que escolhem, 
em agrupamentos não etários, de acordo com os projetos 
propostos pelos professores. As escolas que agrupam as 
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Ciclos & Séries: contextos 
e conceitos na discussão 
das práticas curriculares e 
avaliativas 
crianças por projetos não seguem um roteiro de conteúdos, 
previamente estabelecido, a ser adquirido em um ano letivo. 
Outra forma não seriada de agrupamento escolar 
é representada pela organização em ciclos de formação. 
Resumidamente, esta forma de agrupamento escolar prioriza 
o agrupamento etário. Seus argumentos recorrem a Vygotski 
(1996) e a Wallon (1995), por exemplo, e defendem que 
a enturmação por idade é mais eficaz para promoção da 
aprendizagem. Entre os motivos da sua eficácia estaria o fato 
de que é importante a convivência, em uma mesma sala de 
aula, de crianças com saberes diferentes, pois é no trabalho 
coletivo (na diversidade de saberes) que aprendemos o que 
não sabemos; é importante considerar que uma criança de 
sete anos e um adolescente de quatorze anos, mesmo que os 
dois não saibam ainda ler ou escrever, precisam conviver com 
pares em idadeaproximada para que possam se constituir como 
pessoas, com suas diferenças e semelhanças, seus conflitos e sua 
forma particular de ver o mundo. Da mesma forma, a escola, ao 
propor seu trabalho, precisa considerar que estas duas pessoas 
precisam chegar em lugares diferentes da aprendizagem ao 
apresentarem um contexto de idade diferente. A motivação, 
o apoio, a problematização a serem oportunizadas pela escola 
aos seus estudantes implica em reconhecer aspectos sociais, 
cognitivos e afetivos de sua idade4. 
Os ciclos podem ser entendidos como formas não 
seriadas de organização da escola, mas algumas políticas 
educacionais os tratam como um misto entre agrupamento 
etário e conteúdos a serem adquiridos. Talvez aqui comece um 
dos questionamentos à proposta. Os ciclos de alfabetização, 
na década de 80, após a ditadura militar no Brasil, baseados 
nos estudos que tencionavam as escolas a compreenderem a 
leitura e a escrita como um processo de construção que não 
volta atrás, problematizavam as reprovações que entendiam a 
alfabetização como processo linear que, não tendo ocorrido 
em um determinado tempo, precisaria ser repetido (também 
de forma linear). Esta premissa, de que a reprovação durante 
4 Ver KRUG (2001).
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 Andréa Rosana 
Fetzner
o processo de alfabetização seria desnecessária, fez com 
que o período, tal qual o nome se refere, fosse entendido 
como um tempo de alfabetização na escola e não como 
um tempo de infância em processos de alfabetização. Este 
entendimento talvez tenha sido a base da associação dos 
ciclos a um determinado processo (ou conteúdos) que devem 
ser desenvolvidos ou assimilados em determinado período.
Os ciclos de aprendizagem, citados nos Parâmetros 
Curriculares Nacionais – PCNs de 1996, também faziam tal 
associação: as antigas séries anuais passaram a ser chamadas 
de ciclos e ter a duração de dois anos. Em que pese a reforma 
curricular implementada pelos PCNs, a ideia de que organizar 
a escola em ciclos era indicar um conjunto de conteúdos a 
ser desenvolvido a cada dois anos.
Os ciclos de formação, conceito adotado pela Escola 
Cidadã em Porto Alegre, em 1995, eram definidos com 
base na ideia de que todas as crianças precisariam entrar na 
escola e nela aprender durante os nove anos da escolarização 
fundamental, em agrupamentos com seus pares em idade 
aproximada, e tendo o currículo construído por meio da 
pesquisa na comunidade, considerando-se assim, os problemas 
sociais e as especificidades da infância (agrupamentos de 
crianças entre 6 e 8 anos); da pré-adolescência (entre 9 e 11 
anos) e da adolescência (entre 12 e 14 anos).
Para que os ciclos fossem a forma de agrupamento escolar 
de fato adotada, seriam necessários: o planejamento coletivo 
na escola, e entre os professores que trabalham com cada 
ciclo; a organização dos tempos escolares de forma con tínua 
e não em períodos letivos curtos (50 ou 60 minutos de aula, 
por exemplo, eram substituídos por turnos de trabalho com 
determinado estudo); espaços de aprendizagem diferenciados 
voltados para dar conta das necessidades de apren dizagem 
dos alunos (Laboratórios de aprendizagem, salas de recursos, 
salas de línguas estrangeiras e artes); incen tivo das trocas de 
experiências entre alunos com saberes diferentes; práticas 
avaliativas coletivas e direcionadas para o conjunto da escola 
(Fetzner, 2009). 
Tomando-se o conceito de ciclos de formação de Porto 
Alegre como referência, muitas propostas de agrupamento 
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e conceitos na discussão 
das práticas curriculares e 
avaliativas 
escolar em ciclos podem ser problematizadas, inclusive as 
que entendem que o agrupamento etário seria suficiente para 
dar conta das aprendizagens escolares. 
uma nova onda dE EsfriamEnTo do concEiTo: 
as avaliaçõEs ExTErnas
Todos os municípios estudados demonstram que as 
avaliações externas os afetam, ou são levados a considerar 
os resultados nos exames como indicador da qualidade da 
escola. A implementação dos exames tem sido uma política 
promovida por meio do Programme for International Student 
Assessment – PISA (Programa Internacional de Avaliação dos 
Estudantes), proposto pela Organização para Cooperação 
e Desenvolvimento Econômico – OCDE, e que provocam 
uma onda de exames tomados como preparadores para 
desempenhos melhores. O grau de adesão à política de 
exames parece variado entre os municípios estudados: desde 
políticas monetárias de incentivo a melhores resultados nos 
testes (grau alto de adesão), até a minimização dos resultados, 
sem discussão ou crítica (grau baixo de adesão).
Do ponto de vista da implementação dos ciclos, o fato 
da reprovação escolar ser permitida de forma restrita a deter-
minados anos de escolaridade, tem influenciado para que 
o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB 
fique maior, mesmo que o rendimento, avaliado por meio 
dos testes padronizados para toda uma rede de ensino, não 
tenha apresentado avanço significativo. 
A questão colocada na discussão do seminário versou 
sobre o impacto que as avaliações externas podem ter nas 
prá ticas escolares conservadoras. A sucessiva preparação 
pa ra realização das provas (por meio de novas provas do 
muni cípio e do estado, além das avaliações nacionais) tem 
gera do superação ou reforço das práticas conservadoras? 
De onde vem o desejo de medir o conhecimento? Existem 
outras formas possíveis de pensar a escola, fora do discurso 
de Jomtien e do PISA? Estas questões provocam tomar como 
entendimento a necessidade de que a educação seja percebida 
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Fetzner
em seus aspectos cotidianos e macro, recolocando o sentido 
da educação escolar. 
Tomando o sentido da educação escolar como 
complementar a nossa inserção social e potencializadora de 
nosso desenvolvimento o mais pleno possível, podemos dizer 
que ele será sempre localizado em nossas experiências, grupos 
sociais e desejos individuais. Do ponto de vista do processo 
de aprendizagem, como consequência desta compreensão, as 
propostas avaliativas que pretendem medir o conhecimento 
por meio de testes padronizados servem para reforçar a ideia 
de que existem conhecimentos universais a serem aprendidos 
e formas únicas de demonstração/comprovação de sua 
aquisição, ao menos é o que se entende quanto os municípios 
e estados adotam a prática da avaliação do desempenho em 
larga escala, buscando melhorar seus índices nas provas 
nacionais. O desejo de medir o conhecimento é fomentado 
pela OCDE por meio do PISA, as avaliações nacionais 
intensificam os conceitos que o sustentam (produtividade, 
competitividade, escola como espaço para preparar para o 
trabalho). Pensar a escola fora dos padrões OCDE/PISA, 
implica em pensa-la localmente e socialmente como espaço 
muito mais importante do que preparar para provas. 
 
o quE rETomar, a TíTulo dE conclusão
Neste ensaio apresentei o que considero como sentido 
da escola: colaborar com o desenvolvimento de experiências 
so ciais e aprendizagens que nos possibilitariam um saber 
dife rente do qual a nossa própria família já tem disponível; 
a inser ção em conhecimentos e práticas sociais comuns a 
nos sa sociedade e o desenvolvimento mais pleno possível 
de nossas potencialidades.
No exercício de olhar a escola e a política avaliativa a 
que ela está submetida, tenho percebido uma redução deste 
sen tido da escola, uma vez que a restauração conservadora 
(Apple, 2008) toma força por meio de avaliações externas 
padronizadas, que classificam as instituições entre as 
melhores e a piores e engessam as propostas curriculares.
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e conceitos na discussão 
das práticas curriculares e 
avaliativas 
As políticas avaliativas que se estabelecem sobre as 
escolas não apenas as classificam, qualificando algumas e 
desqualificando outras, mas também classificam, quali-
ficam e desqualificam pessoas e saberes. Precisamos de 
outros critérios e outros parâmetros para avaliar nosso 
desenvolvimento. 
Minha percepção é de que muitas das escolas que hoje 
são desqualificadas por meio da avaliação externa realizam o 
trabalho escolar mais difícil, ao trabalhar com as pessoas que 
se encontram em condições mais cruéis de sobrevivência.
Da mesma forma, trago minhas observações sobre um 
dos alunos que, submetido a uma avaliação por meio de uma 
prova padronizada, obtém quatro acertos em vinte e cinco 
questões. Minhas observações sobre outros trabalhos rea-
lizados pelo mesmo aluno descrevem muitos de seus saberes 
e problematizam o seu resultado na avaliação externa, bem 
como o que é considerado certo e o que é considerado errado 
no instrumento de avaliação e a utilidade destes resultados 
para sua aprendizagem. 
Trazendo algumas pesquisas sobre as consequências 
da aplicação de testes padronizados (Apple, 1999 e 2008 e 
Goodson, 2008), e sobre a produção do fracasso escolar na 
pró pria escola (Patto, 1999; Moysés, 2001; Esteban, 2002; 
Tura, 2000), indico que os princípios de solidariedade, par-
ticipação e bem viver (Walsh, 2009), são argumentos a serem 
retomados, na defesa de uma escola que faça sentido para o 
pleno desenvolvimento das pessoas.
 
rEfErências
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invisível: crianças que não-aprendem-na-escola. Campinas: 
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Ciclos & Séries: contextos 
e conceitos na discussão 
das práticas curriculares e 
avaliativas 
cyclEs and sEriEs: conTExTs and concEpTs 
in ThE discussion of curriculum pracTicEs 
EvaluaTivE
Abstract
This paper presents some reflections made on the occasion 
of the II Seminar Impact of policies external evaluation 
in municipal systems education, held in May 2013 at the 
Federal University of Juiz de Fora, by Study Group System 
Teaching - GESE. On occasion I had the opportunity 
to attend a significant data collection ten municipalities 
of the Baixada Fluminense, who cared to see how the 
education departments were (or not) linking up with 
national policies implemented in the evaluation field. 
The GESE presented the historical cycles, the guiding 
documents found, proposals for evaluation of learning in 
each of the municipalities (Duque de Caxias, Guapimirim, 
Nilópolis, Mesquita, Niterói, Nova Iguaçu, São Gonçalo, 
Queimados, São João de Meriti and Rio de Janeiro) 
and data on the policies of the MEC in these contexts: 
teacher training; School Development Plan - PDE and 
performance in external tests. This essay proposes to discuss 
policies and practices found, questioning what we mean 
by school organization in cycles and how we have used 
national policies implemented in the field of education, 
considering the needs of democratization of school and 
school knowledge.
Keywords: Cycles; educational policies; Evaluation; 
Curriculum.

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