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A docência é um trabalho interativo e com o humano Diferentemente de outras profissões, o “objeto” de trabalho não é inerte. Seu objeto é o humano, seu trabalho envolve relações sociais, emoções, imprevisibilidade, o produto da ação docente é simbólico. Neste aspecto, a docência se aproxima de outras profissões, como a medicina, a enfermagem, o serviço social, a psicologia. Como ressaltam os autores, nestes contextos profissionais, é importante “compreender que as pessoas não são um meio ou uma finalidade do trabalho, mas a ‘matéria-prima’ do processo do trabalho interativo e o desafio primeiro das atividades dos trabalhadores”. (TARDIF & LESSARD, ibid, p.20) A lógica capitalista, contudo, tenta igualar a docência às profissões que trabalham com objetos e produtos materiais, o que resulta numa ideia de docência pautada em conceitos liberais e neoliberais na qual os alunos e suas famílias são vistos como “clientes”, o ensino como “produto” e o professor como “operário”. A atividade docente representada como uma atividade material e produtiva teria como principal função preparar os estudantes para o mercado de trabalho. Vimos nas aulas anteriores que esta lógica predominante nos currículos tradicionais, ainda bastante presente nos dias de hoje, contribuiu para a construção da representação de docência como uma atividade centrada na técnica e nos conteúdos e competências necessárias úteis para o sistema produtivo. Os estudos de Tadif e Lessard (ibid) problematizam esta questão na medida em que evidenciam que as relações entre professor-alunos, alunos-alunos, alunos-professor-conhecimentos são permeadas por interações subjetivas, que tornam difusos e diferenciados os elementos que constituem a atividade docente. Os alunos, por exemplo, são simultaneamente “clientes” e “matéria- prima”. O “produto” do trabalho será “elaborado” através das relações entre o professor, os alunos e destes com o conhecimento e dependerá de diversos fatores sobre os quais muitas vezes não tem controle: o envolvimento dos alunos com as atividades propostas, os seus ritmos de aprendizagem; o clima em sala de aula; conflitos e demandas oriundos dos contextos sociais e familiares dos alunos; diversidade cultural e de experiências; entre outros. Diferentemente de outras atividades profissionais, como por exemplo, um torneiro mecânico que produz automóveis, que pode prever e controlar as etapas de produção e a própria qualidade do produto, a atividade docente tem uma natureza bastante distinta, tornando-se inadequado este paralelismo com as atividades produtivas materiais. Santos (2006) corrobora com esta ideia, afirmando que o professor é um trabalhador, de fato, mas é um trabalhador intelectual, e a natureza de seu trabalho é de outra ordem. Profissões que lidam com pessoas, como a Psicologia, a Medicina, a Enfermagem, a Assistência Social, têm maior ônus. Carregam a preocupação constante dos problemas com os quais eles estão se defrontando. Não é um trabalhador que bate o ponto e só pensa no trabalho do dia seguinte, quando a ele retorna. O professor leva seus problemas para casa. Se, por um lado, se buscava a identificação do professor com as classes trabalhadoras, englobando-o numa luta política maior, por outro lado, houve uma analogia indevida, pela diferença da natureza do trabalho, enviesando a ação de formação, que é de natureza complexa. (Ibid, p. 8) Pela sua característica interativa, enquanto leciona o professor é surpreendido constantemente e é chamado a tomar decisões. Mesmo planejando e tendo segurança em como conduzir didaticamente sua aula, é impossível prever a reação dos alunos, como a atividade se desdobrará, que conflitos terá que administrar. A reflexão do professor é acionada frequentemente e é um instrumento fundamental para lidar com a imprevisibilidade e complexidade de seu ofício.
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