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CASO CONCRETO RESPOSTA

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A Pena
Passaremos a estudar, doravante, a pena, espécie do gênero sanção penal, bem como as teorias de fundamentam – ou pretendem fundamentar – a necessidade de sua aplicação. Trata-se de tema instigante e indissociável da teoria do delito. Em outras palavras, sem compreender a pena, impossível um perfeito entendimento sobre a infração penal.
Estudaremos ainda os princípios que sustentam a matéria, bem como as espécies de penas. Não abordaremos, ainda, a forma de aplicação dessas penas, sejam elas privativas de liberdade, privativas de direitos ou a pena de multa, o que será reservado para o próximo capítulo. O objetivo, aqui, é apresentar as penas ao leitor, contextualizando-as.
OBJETIVOS
• Identificar as transformações filosófica e jurídica das teorias sobre a pena.
• Analisar as formas de limitação do poder punitivo caracterizadas pelos princípios penais concernentes às penas.
• Distinguir as espécies de penas admitidas pelo ordenamento constitucional brasileiro.
3.1 Conceito
A pena é a consequência jurídico-penal da prática de uma infração penal por pessoa imputável, imposta através de sentença judicial condenatória e consistente em uma restrição estatal a um direito do infrator (liberdade de locomoção, patrimônio etc.).
Trata-se de espécie do gênero sanção penal, do qual são espécies também as medidas de segurança (impostas às pessoas mencionadas no art. 26 do Código Penal, ou aos chamados semi-imputáveis, ou ainda nos casos de doença mental superveniente, como veremos em outro capítulo), as medidas alternativas às penas privativas de liberdade (como as condições impostas em transação penal, instituto previsto no art. 76 da Lei n. 9.099, de 1995, ainda que não haja consenso sobre a natureza penal de tais medidas) e as medidas sócioeducativas (sobre as quais mais uma vez surge divergência acerca de sua natureza de sanção, pois, impostas a adolescentes infratores, teriam caráter diverso).
Em regra, a pena vem prevista no preceito secundário do tipo penal, isto é, logo após a descrição típica do comportamento (preceito primário). Deve ser notado que não há crime sem pena. Toda incriminação exige uma sanção penal correspondente. Contudo, é possível que as espécies penais estejam arroladas em dispositivos diferentes daquele em que existe a descrição comportamental, como ocorre, por exemplo, com as penas restritivas de direitos, previstas no art. 43 e definidas nos arts. 45 a 48, todos do Código Penal (isso se dá porque essas penas têm caráter substitutivo, como veremos).
3.2 Teorias da pena
Para que a pena existe? Qual é sua serventia?
Essas indagações estão umbilicalmente atreladas à concepção do direito penal como ramo da ciência jurídica, uma vez que crime e pena são realidades indissociáveis. Assim, devemos estudar as teorias que buscam explicar a pena para que entendamos o direito penal como um todo. Como bem ensina PAGANELLA BOSCHI, “falar em teorias das penas é destacar os fundamentos racionais que explicam e justificam, isto é, que apontam científica e empiricamente, os sentidos da imposição pelo Estado de penas pelos fatos considerados ofensivos ao interesse público”.
	Podemos, para sistematizar e facilitar esse conhecimento, dividir as teorias sobre a pena em retributivas, preventivas e unificadoras.
ATENÇÃO
Deve-se advertir, no entanto, que as teorias que serão abordadas são muito mais profundas do que a explicação aqui consignada. A superficialidade é proposital e necessária para a finalidade didática a que essa obra se propõe. Consequentemente, são também sugeridas leituras para quem desejar o aprofundamento teórico.
LEITURA
Indicações de livros:
Dos Delitos e Das Penas (Cesare Beccaria)
Metafísica dos Costumes (Immanuel Kant)
Vigiar e Punir (Michel Foucault)
MULTIMÍDIA
Para reforçar seus estudos, assista a um vídeo sobre Teoria da Pena.
3.2.1 Teorias retributivas
As teorias sobre a pena começaram a ser formuladas de forma consistente no início do séc. XVIII. Nessa época, surgem as teorias retributivas, para muitos denominadas absolutas. Aqui, a pena é concebida unicamente como um instrumento de castigo, ou seja, cuida-se de uma forma de se retribuir ao criminoso o mal por ele causado.
COMENTÁRIO
A pena, portanto, justifica a si mesma, não possuindo nenhuma outra finalidade que não a de “ser justa”.
Temos a consagração da expressão latina punitur, quia peccatum est. Não se deve confundir, no entanto, retribuição com expiação: esta traz um significado moral, ou seja, o apenado se reconcilia com seus predicados morais através da reflexão, libertando-se das angústias determinadas pela atividade delitiva; a retribuição, ao seu turno, não busca interferir na correção moral do apenado, sendo-lhe esse resultado irrelevante.
EXEMPLO
Ilustra perfeitamente o tema um exemplo dado por KANT e corriqueiramente encontrado nos livros de doutrina: mesmo que, em virtude de um evento natural, toda população de uma ilha fosse obrigada a abandoná-la, dispensando-se pelo mundo, o último condenado à morte naquela sociedade deveria ser executado, para pagar pelo que fez.
Immanuel Kant, aliás, é um dos principais teóricos da Escola ora estudada. Em sua obra Metafísica dos Costumes, rejeita qualquer finalidade externa na pena. Como bem explicam Pacelli e Callegari:
“a punição do criminoso resultaria de um imperativo categórico, que pode ser entendido como um dever incondicional, posto na regra do agir do sujeito de modo objetivo, com pretensão de validade universal, ou seja, posto para todos os homens que se deparassem com aquela possibilidade de ação”.
Prosseguem os autores afirmando que “a ação, que, do ponto de vista subjetivo (de cada um) poderia se apresentar como contingente (situada em tempo e espaço próprios), é convertida em universal no imperativo categórico”.
Outro partidário do caráter retributivo da pena (embora aqui já se veja a busca por uma finalidade, que não apenas a de castigar, de modo que não é pacífica a sua alocação de entre os retribucionistas), Hegel a estabeleceu como a negação da negação.
COMENTÁRIO
Resumidamente, quando alguém comete uma infração penal, estaria negando o direito, ou seja, negando validade à ordem jurídica. A imposição da pena serviria, pois, para negar essa negação, restabelecendo a ordem violada, ou a vigência da vontade geral.
Evidentemente, a ideia da pena como retribuição não se bastou em Kant e Hegel, existindo outros pensadores que se tornaram seus adeptos, como Mezger, para quem a pena é a imposição de um mal adaptado à gravidade da violação à ordem jurídica, dicção na qual se percebe a atribuição da pena dosada pelo critério da proporcionalidade.
3.2.2 Teorias preventivas
Para as teorias preventivas (ou, para muitos, relativas) não se vislumbra a imposição de uma pena destituída de utilidade. Desta forma, a pena, sempre, almejaria um proveito concreto.
E que proveito seria este?
A prevenção de novos delitos. Uma vez violada a ordem jurídica pela prática de uma infração penal, a aplicação da sanção correspondente ao crime praticado teria o escopo de evitar novas violações (afinal, não se apagará a lesão anterior): a pena se volta, portanto, para o futuro.
Nesse contexto, a prevenção admite divisões: pode ela ser geral ou especial; bem como negativa ou positiva.
3.2.2.1 Teoria da prevenção geral negativa
Defendida, entre outros, por Cesare Bonesana e Feuerbach (séc. XVIII). Este cria a ideia da pena como coação psicológica, oposta à coletividade, operando-se em dois momentos:
Anteriormente à prática do crime
Com a cominação abstrata da sanção penal, que serviria de aviso à sociedade sobre como o Estado reagirá à violação da ordem jurídica;
Posteriormente ao crime
Com a concreta aplicação da pena cominada, evidenciando-se a disposição do Estado em fazer cumprir a ameaça de sanção. Assim, o destinatário da norma penal poderia, racionalmente, percebendo as possíveis consequências jurídicas de um determinado comportamento, abster-se de praticá-lo.
3.2.2.2 Teoria da prevenção especial
Aocontrário da prevenção geral, a teoria não se volta à sociedade, mas sim ao indivíduo, isto é, à pessoa do delinquente. Busca-se evitar que determinada pessoa volte a praticar ilícitos penais. Era defensor dessa linha de pensamento, por todos, Von Liszt.
Baseia-se, a prevenção especial, na necessidade de reeducação do criminoso, para sua reinserção social (ressocialização), ou de torná-lo um ser não perigoso, porquanto à época do surgimento da teoria era ele considerado “anormal” e, consequentemente, um risco constante para a ordem social. Conforme leciona Bitencourt, “essa tese pode ser sintetizada em três palavras: intimidação, correção e inocuização”.
3.2.2.3 Teoria da prevenção geral positiva
Além de dissuadir as pessoas em geral, criando o medo do sancionamento (prevenção negativa), a pena também é uma forma de reafirmar a confiança social na autoridade do Estado, bem como na eficiência do ordenamento jurídico-penal. Essa, com algumas variações, é a sustentação teórica desenvolvida pelos adeptos da prevenção positiva, entre os quais encontramos Jakobs, Figueiredo Dias e Hassemer. De se ver que essa nova Escola não se distancia muito da antiga proposição de Hegel.
3.2.3 Teorias unificadoras, ou ecléticas, ou mistas
É certo que cada uma das teorias até aqui apresentadas têm seus méritos, mas não são isentas de críticas. E muitas vezes são ilhas que podem ser interligadas por pontes. Ou seja, são complementares.
EXEMPLO
Exemplificando: as teorias retributivas têm o mérito de trabalhar com a proporcionalidade, mas são desconectadas das finalidades do direito penal; já as preventivas, apesar de atentas a esse último aspecto, não impõem limites à atuação estatal, pois, ao menos em tese, quanto mais pena, mais prevenção. Por esse motivo, autores do quilate de ROXIN afirmam que há a necessidade de união entre as teorias.
Nosso Código Penal, em seu art. 59, preconiza que o juiz fixará a pena “conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime”. Fica claro que o diploma legal não optou expressamente por qualquer das teorias, deixando a porta aberta para que sejam combinadas.
3.2.4 Teoria agnóstica da pena
Menos badalada, a teoria agnóstica da pena, que tem em Zaffaroni um de seus defensores, nega validade às teorias anteriores, que existiriam apenas para legitimar o poder punitivo, uma vez que calcadas em pressupostos e resultados duvidosos.
CONCEITO
A pena, para esta teoria, é a manifestação de um poder político, e não jurídico, de modo que a ordem jurídico-penal deve existir para sua contenção, efetivando os direitos e garantias fundamentais. Em outras palavras: a pena serve para restringir o arbítrio estatal, obrigando o exercício do poder político nos estritos limites das regras estabelecidas.
Ferrajoli, em concepção que pode ser abraçada pelo agnosticismo, defende que a pena se presta a impedir a imposição particular da vingança, servindo, portanto, como uma forma de proteção ao criminoso. Assim, seja em uma formulação ou em outra, temos a sanção penal como instrumento de promoção de direitos.
3.3 Princípios relativos às penas
3.3.1 Legalidade
Previsto no art. 5º, XXXIX, da CF, e no art. 1º do Código Penal, o princípio da legalidade não é atinente apenas à incriminação de condutas: também as penas exigem cominação legal, isto é, não há pena sei lei.
EXEMPLO
Impossível reservar a sanção penal unicamente à discricionariedade de um magistrado. Ainda que este, durante a dosimetria da pena, fixe aquela que será aplicada ao caso concreto, esse cálculo se faz de acordo com parâmetros legais previamente estabelecidos, inclusive no que concerne aos limites mínimo e máximo de pena.
A legalidade traz consigo todas as suas emanações:
• Reserva legal;
• Anterioridade;
• Taxatividade; e
• Vedação à analogia.
Assim, penas somente podem ser regidas por leis ordinárias (ou pela Constituição Federal); exigem previsão prévia ao fato, salvo se forem menos severas do que o regramento anterior; a normatização deve ser precisa, evitando-se vagueza ou obscuridades; e não podem ser integradas através de colmatação prejudicial ao réu.
3.3.2 Humanidade das penas
Emanação da dignidade humana (art. 1º, III, Constituição Federal), o princípio da humanidade das penas impõe o respeito à integridade física e moral do condenado, vedando tratamentos violadores de seus direitos fundamentais.
COMENTÁRIO
Em seu aspecto legislativo, remonta à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que estabelecia a proporcionalidade e a utilidade das penas (art. XV), e à Emenda VIII à Constituição Americana, ratificada em 1791, a qual proibia a inflição de penas cruéis e incomuns.
Em suma, o Estado não pode se isentar de sua responsabilidade social, seja na imposição (cominação abstrata e aplicação), seja na execução da pena, de modo que, exemplificativamente:
(a) são proibidas penas cruéis e degradantes, ainda que abstratamente cominadas (art. 5º, III e XLVII, Constituição Federal; art. V da Declaração Universal dos Direitos Humanos);
(b) a execução da pena respeitará a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado (art. 5º, XLVIII, Constituição Federal); 
(c) serão conferidas às presidiárias, durante a fase de aleitamento materno, condições para que permaneçam em companhia de seus filhos (art. 5º, L).
3.3.3 Personalidade
Também chamado de princípio da intranscendência ou da responsabilidade penal pessoal, a personalidade das penas encontra leito no art. 5º, XLV, da Constituição Federal (“nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”). Resumidamente, o princípio impõe que ninguém pode ser penalmente sancionado pela conduta de outrem.
ATENÇÃO
Dessa forma, não existem em direito penal a culpa in vigilando e a culpa em elegendo, ou seja, a responsabilização pelos atos de quem deveria ser vigiado adequadamente e não o foi (culpa dos pais pela conduta dos filhos, por exemplo), ou pelos atos de quem agia em seu nome (v. g., responsabilização do dono de um estabelecimento empresarial pela atuação criminosa de um funcionário).
Aqui deve ser ressaltado que a própria Constituição Federal aceita exceções, que encontramos no texto do art. 5º, XLV, in fine (“...podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”). A pena de perda de bens e valores será estudada oportunamente nesta obra.
3.3.4 Inderrogabilidade
Uma vez constatada a prática de uma infração penal, em regra o Estado-juiz não pode deixar de aplicar a pena. Em outras palavras, não cabe ao juiz da causa, salvo em casos extraordinários, entender pela desnecessidade de aplicação da pena a um condenado, furtando-se à sua imposição. Há hipóteses, todavia, em que existe permissão legal para que a reprimenda não seja determinada, como no perdão judicial.
3.3.5 Proporcionalidade
O princípio da proporcionalidade, de suma importância para o direito penal, se manifesta através de três aspectos: necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito.
A intervenção penal só se legitima, portanto, quando:
	1
	For estritamente necessária (de onde extraímos o princípio da subsidiariedade, que informa o direito penal como de ultima ratio);
	2
	Se prestar às suas finalidades (de proteção de bens jurídicos, como forma de prevenção da vingança privada, para assegurar direitos do criminoso etc.);
	3
	Houver paridade entre a pena e a magnitude da conduta praticada.
ATENÇÃO
Ao falarmos em proporcionalidade em sentido estrito, estabelecemos que a pena deve se ajustar ao crime, não importando punição excessiva (proibição de excesso), tampouco sanção banal (vedação à insuficiência).
Essa exigência de proporcionalidade se manifesta em três momentos:legislativo, judicial e executório.
No momento legislativo, a proporcionalidade orientará o legislador na formulação da norma penal, seja por ocasião da determinação dos limites mínimo e máximo da pena; da previsão de causas de aumento e de diminuição da pena, de agravantes e atenuantes; ou das hipóteses de extinção da punibilidade ou de outra forma de permissividade. A formulação desproporcional de uma norma, quer de forma excessiva ou insuficiente, implica sua inconstitucionalidade.
A dosimetria da pena, ou seja, sua aplicação ao caso concreto pelo juiz (momento judicial), igualmente imprescinde da proporcionalidade, o que significa que a pena será dosada de acordo com a culpabilidade do condenado. Aqui temos o que chamamos de individualização da pena, princípio positivado na Constituição Federal, no art. 5º, XLVI.
Por derradeiro, também a execução da pena deve obedecer à proporcionalidade, ou seja, à concessão de benefícios, como a progressão de regime prisional, ou o tratamento mais severo, como no caso da regressão, devem ser pautados pela necessidade da medida, pela adequação etc.
3.4 Espécies de penas
A Constituição da República, em seu art. 5º, XLVI, enumera penas que devem existir no ordenamento jurídico brasileiro, conferindo à legislação infraconstitucional sua regulamentação.
ATENÇÃO
Importa dizer, no entanto, que essa previsão constitucional não é exaustiva, ou seja, podem existir penas além daquelas expressamente consignadas no texto.
Perceba-se que a Constituição Federal, em alguns momentos, é vaga, como, por exemplo, ao falar em “suspensão ou interdição de direitos” como pena, o que permite ao legislador ordinário uma série de especificações. Assim, com base na Constituição Federal e na legislação ordinária (ou seja, atendo-nos exclusivamente à classificação ditada pelo Código Penal, sem maiores considerações doutrinárias), podemos agrupar as penas da seguinte forma:
Penas privativas de liberdade
Aqui se alocam as penas de reclusão, detenção e prisão simples (a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e a limitação de fim de semana, de certa forma, também são privativas de liberdade, ainda que assim não sejam classificadas pelo Código Penal).
Penas restritivas de direitos
A saber, prestação pecuniária, prestação inominada, perda de bens e valores, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, limitação de fim de semana, interdição temporária de direitos e outras previstas em leis diversas (Leis n. 11.343/06, 9.503/97, 9.605/98, etc.).
Pena pecuniária
Multa (embora não seja absurdo falarmos que perda de bens e valores, prestação pecuniária e prestação inominada também têm caráter pecuniário e aqui poderiam estar alocadas).
Também o texto constitucional estabelece as penas absolutamente proscritas (art. 5º, XLVII). São elas as penas de caráter perpétuo, os trabalhos forçados, o banimento e as penas cruéis.
E a pena de morte?
Em regra, também é proscrita, mas não de forma absoluta. É excepcionalissimamente admitida em caso de guerra declarada. Sua regulamentação encontra-se nos arts. 56 e 57do Código Penal Militar.
3.4.1 4.1. Penas privativas de liberdade
As penas privativas de liberdade, popularmente conhecidas por pena de prisão, constituem o ponto central do sistema sancionatório-aflitivo estruturado no direito penal brasileiro. Essas penas aparecem cominadas a cada crime separadamente, com a atribuição, pelo legislador, de limites mínimo e máximo de pena (cominação abstrata).
EXEMPLO
No roubo simples (art. 157, caput, do Código Penal), a pena é de reclusão, de 4 a 10 anos; na lesão corporal de natureza leve (art. 129, caput, do Código Penal), é de 3 meses a 1 ano de detenção; e no jogo do bicho (art. 58 do Decreto-Lei n. 6259, de 1944, de prisão simples, de 6 meses a 1 ano.
Consoante o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto-Lei n. 3.914, de 1940), “considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente”.
CONCEITO
Reclusão e detenção, portanto, são as espécies de penas privativas de liberdade reservadas aos crimes. É correto falar que, ontologicamente, não há distinção entre ambas, ficando a reclusão, todavia, reservada aos crimes de maior gravidade e a detenção àqueles menos graves, de acordo com critérios de política criminal estabelecidos pelo legislador.
Verifica-se, pois, que a dicotomia, hoje, é praticamente irrelevante (ainda que não o seja de todo), razão pela qual deveria ser abolida. No entanto, ainda há algumas repercussões práticas:
(a) na reclusão, é possível que o condenado comece a cumprir a pena em regime fechado, ao passo em que, na detenção, embora seja possível a regressão para este regime, inicialmente serão fixados apenas o regime semiaberto ou o aberto, conforme estudaremos;
(b) segundo o art. 2º, III, da Lei n. 9,296/96, a interceptação telefônica somente pode ser usada para a investigação de crimes punidos com reclusão; e
(c) em caso de cúmulo material de penas, executa-se primeiro a pena de reclusão e, depois, a de detenção.
CONCEITO
Prisão simples, ao seu turno, é a pena privativa de liberdade imposta em caso de condenação por contravenção penal. Difere da reclusão e da detenção porque, consoante o art. 6º da Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei n. 3.688/41), “deve ser cumprida, sem rigor penitenciário, em estabelecimento especial ou seção especial de prisão comum, em regime semiaberto ou aberto”. O § 1º do mesmo dispositivo determina que “o condenado à pena de prisão simples fica sempre separado dos condenados à pena de reclusão ou de detenção”.
A prisão, como pena, não pode ser confundida com a prisão processual, que é decretada sem que haja condenação, no curso do inquérito policial ou da ação penal, como medida cautelar (por exemplo, prisão temporária e prisão preventiva). A prisão processual, portanto, não é pena. Contudo, é possível que o tempo de prisão processual seja subtraído da condenação final, o que se chama detração, instituto que será estudado mais adiante.
3.4.2 Penas restritivas de direitos
CONCEITO
São penas autônomas que visam a evitar a imposição de uma pena privativa de liberdade, substituindo-a.
Embora, como se vê, a regra geral seja o caráter substitutivo das penas restritivas de direito, eventualmente podem surgir cominadas de forma independente a um tipo penal, conforme verificamos, por exemplo, no art. 28 da Lei n. 11.343, de 2006. Passemos, então, às espécies de penas restritivas de direitos previstas no Código Penal (é possível que haja outras, regulamentadas em lei especial), seguindo a ordem ditada pelo art. 43 do Código Penal.
3.4.2.1 Prestação pecuniária (inciso I)
CONCEITO
Consiste no pagamento de um valor em dinheiro – como regra geral – à vítima, a seus dependentes, ou a entidade pública ou privada com destinação social (art. 45, § 1º, Código Penal). Eventualmente, a prestação pode não ser em dinheiro, mas de outra natureza, se houver aceitação do beneficiário (prestação inominada – § 2º).
Percebe-se claramente que a prestação pecuniária tem caráter indenizatório, quando revertida em favor da vítima ou de seus dependentes. Nessa hipótese, o valor pago será deduzido de eventual condenação em ação indenizatória, na esfera cível, se coincidentes os beneficiários. Explica-se: muitas vezes a prática criminosa gera o dever de indenizar eventuais lesados. Trata-se de responsabilidade civil, não penal.
Assim, quem sofre o dano pode processar aqueles que participaram do crime, oferecendo a ação na vara cível. Caso o participante do crime seja condenado, ficará obrigado a reparar o dano causado. Contudo, se imposta a prestação pecuniária na ação penal condenatória, favorecendo a mesma pessoa que, na esfera cível, busca reparação, caso seja fixadauma indenização no processo civil, do valor será subtraída a prestação pecuniária já determinada.
3.4.2.2 Perda de bens e valores (inciso II)
Especificada no § 3º do art. 45, a perda de bens de valores consiste em confisco de bens do condenado, os quais serão revertidos ao Fundo Penitenciário Nacional.
Evidentemente, a pena não pode ser aplicada sem qualquer limitação. Assim, esse confisco deverá respeitar um teto. E qual é o teto? Ou o provento obtido pelo criminoso ou por terceiros com o crime, ou o montante do prejuízo por ele causado (o que for maior).
Em que pese o princípio da personalidade das penas, como já vimos, eventualmente os sucessores do criminoso poderão ser atingidos pela sanção penal. Basta que, uma vez falecido o criminoso, seus sucessores tenham o patrimônio hereditariamente transmitido confiscado. Deve ser lembrado que a pena não pode ir além dos valores transmitidos em sucessão.
3.4.2.3 Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas (inciso IV)
Regulamentada pelo art. 46 do Código Penal, a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na atribuição de tarefas gratuitas (sim, porque, tratando-se de uma pena, não pode ser remunerada) ao condenado (§ 1º), que deverá cumpri-las à razão de uma hora por dia de condenação. A disposição tem o objetivo de não prejudicar a jornada normal de trabalho (§ 3º). Em outras palavras: como o trabalho é considerado uma forma de integração social, não deve ser ele atrapalhado pela pena; por isso a prestação de serviços se dará em horário diverso, preservando, ainda, o direito ao repouso.
COMENTÁRIO
Embora a Lei de Execução Penal determine que os serviços sejam executados durante 8h semanais, inclusive durante finais de semana e feriados (art. 149, § 1º, da Lei n. 7.210, de 1984), essa regra foi abrandada Lei n. 9.714, de 1998, que deu nova redação ao Código Penal.
Dar-se-á a prestação em hospitais, escolas, entidades assistenciais, orfanatos e congêneres (clínicas de reabilitação, por exemplo), em programas comunitários ou estatais (§ 2º), ou em qualquer estabelecimento público. Ao aplicar essa pena substitutiva (independente, no caso do art. 28 da Lei n. 11.343, de 2006), o juiz designará o local de prestação dos serviços, escolhido de acordo com as aptidões do condenado. Em seguida, cientificará o condenado sobre a entidade, dias e horários em que deverá comparecer (art. 149 da Lei n. 7.210, de 1984).
ATENÇÃO
Caso a pena se mostre inadequada, o juiz poderá alterar sua forma de execução (arts. 148 e 149, III, da Lei n. 7.210, de 1984). Incumbirá à entidade beneficiada o controle de cumprimento da pena, encaminhando relatórios mensais ao juízo da execução penal (art. 150 da Lei n. 7.210, de 1984).
De acordo com o art. 55 do Código Penal, a pena de prestação de serviços terá duração idêntica à pena privativa de liberdade substituída.
EXEMPLO
Exemplificativamente, se a pena de 8 meses de reclusão imposta em condenação por furto tentado for substituída pela prestação, essa deverá ser executada ao longo de 8 meses.
O § 4º do art. 46 do Código Penal, todavia, informa que, caso a pena substituída seja superior a um ano, o condenado pode cumpri-la em menor tempo, não inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada.
EXEMPLO
Se há condenação por furto consumado a pena de 1 ano e 2 meses de prisão, substituída pela prestação, essa poderá ser executada durante 7 meses (metade da pena privativa imposta).
Mas isso não gera desproporcionalidade? Aquele que foi condenado por furto tentado a uma pena menor cumprirá os serviços em tempo superior àquele que foi condenado pelo crime consumado a uma pena maior?
A proporcionalidade não deve ser averiguada pela duração da pena, mas pelas efetivas horas de trabalho. Quem desejar cumprir a pena em até a metade do tempo deverá aumentar as horas diárias de trabalho.
EXEMPLO
No caso do furto consumado, o autor poderia dedicar duas horas diárias ao trabalho, ao invés de uma. Assim alcançaria o cumprimento da pena após 7 meses. Preserva-se, assim, a proporcionalidade da norma.
3.4.2.4 Interdição temporária de direitos (inciso V)
A interdição temporária de direitos (art. 47 do Código Penal) não consiste em uma pena, mas em um conjunto de penas restritivas de direitos, a saber:
• Proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo;
• Proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público;
• Suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo; proibição de frequentar determinados lugares; e 
• Proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos.
	Ao contrário das demais penas restritivas de direitos especificadas no art. 43 do Código Penal, a interdição temporária de direitos não é aplicada à generalidade de condenações que cumpram os requisitos de substituição estatuídos no art. 44 do Código Penal. Para que as formas de interdição sejam impostas, é necessária uma relação de pertinência entre crime praticado e pena.
EXEMPLO
Não há razão para se impor a pena de proibição de inscrição em exame público ao proprietário de um mercado condenado porque expôs à venda mercadorias em condições impróprias ao consumo.
O primeiro inciso do art. 47 cuida da proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo.
Explica PAGANELLA BOSCHI:
“Cargo é o criado por lei para investidura mediante concurso público; função ou atividade é o exercício que independe da existência do cargo (p. ex.: função de chefia no setor onde trabalham diversos titulares de cargos públicos).”
CONCEITO
Mandato eletivo é aquele conferido ao seu exercente pelo voto popular. Essa pena só pode ser aplicada quando houver a violação de deveres inerentes às posições mencionadas no artigo.
No caso do cargo, função ou atividade, não é necessário que o crime praticado seja um delito contra a administração pública, bastando um nexo entre ele e a ocupação. No que concerne à proibição de exercício de mandato eletivo, o dispositivo é inaplicável a deputados federais e senadores, em virtude do preconizado no art. 55, VI, § 2º, da Constituição Federal (em resumo, nenhum poder pode decretar a suspensão do mandato nos casos mencionados; apenas a perda do mandato poderia ser determinada pelo poder legislativo).
O inciso II trata da proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público.
ATENÇÃO
Note-se que não é qualquer ocupação remunerada que estará abrangida pelo dispositivo, mas apenas aquelas que exigem habilitação especial (advogados, por exemplo), licença (despachantes) ou autorização (taxistas). Uma vez mais, é necessário que haja um nexo entre o delito (tergiversação, apropriação indébita profissional) e o trabalho desempenhado (advocacia, v. g.).
A terceira forma de interdição (inciso III) versa sobre a suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículos. Consoante o art. 57 do Código Penal, “a pena de interdição, prevista no inciso III do art. 47 deste Código, aplica-se aos crimes culposos de trânsito”. Aqui, há se observar o disposto no art. 292 da Lei n. 9.503, de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro):
“A suspensão ou a proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor pode ser imposta isolada ou cumulativamente com outras penalidades”.
Significa que o inciso III somente pode ser aplicado quando não existir hipótese de incidência da norma insculpida no Código de Trânsito Brasileiro (por exemplo, em caso de acidente envolvendo veículo de tração animal).
A proibição de frequentar determinados lugares é a pena prevista no inciso IV. Busca-se, aqui, evitar a reincidência e, evidentemente, deve existir uma relação de pertinência para com o crime praticado.
ATENÇÃO
Importa esclarecer que, se houver norma especial cuidando da mesma sanção, esta prevalecerá sobrea redação do Código Penal.
É o que acontece, por exemplo, nos parágrafos 2º e 4º do art. 41-B da Lei n. 10.671, de 2003 (Estatuto do Torcedor), que contempla o crime de promover tumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir local restrito aos competidores em eventos esportivos.
	Por derradeiro, no inciso V, temos a proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos, incluída no Código Penal pela Lei n. 12.550, de 2011. Cuida-se de pena que pode ser aplicada, por exemplo, ao crime previsto no art. 311-A, do Código Penal, embora não exclusivamente a ele, bastando que entre pena e infração haja a já mencionada relação de pertinência.
Sua duração será também equivalente à pena privativa de liberdade substituída.
3.4.2.5 Limitação de fim de semana (inciso VI)
Última das penas restritivas de direitos reguladas pelo Código Penal, a limitação de fim de semana, regida pelo art. 48 do Código Penal, consiste na obrigação imposta ao condenado em permanecer, aos sábados e domingos, durante 5 horas diárias, em casa de albergado ou estabelecimento adequado, ocasião em que poderão ser ministrados cursos e palestras ou atribuídas atividades educativas (parágrafo único). Nos casos de violência doméstica ou familiar contra a mulher, o condenado poderá ser obrigado a frequentar programas de recuperação e reeducação (art. 152, parágrafo único, da Lei n. 7.210, de 1984, com redação dada pela Lei n. 11.340, de 2006).
O cumprimento da pena será fiscalizado pelo estabelecimento para o qual foi encaminhado o condenado (art. 153 da Lei n. 7.210, de 1984) e terá duração idêntica à pena substituída.
3.4.3 Pena de multa
Os arts. 49 a 52 do Código Penal dispõem sobre a pena de multa, assim como os arts. 164 a 170 da Lei n. 7.210, de 1984 (Lei de Execução Penal). Trata-se do pagamento de uma quantia, fixada de acordo com o sistema dos dias-multa, ao Fundo Penitenciário Nacional. Sobre o cálculo da pena de multa, falaremos mais no momento apropriado.
COMENTÁRIO
A pena de multa pode vir prevista juntamente com a pena de prisão, em cominação cumulativa (prisão + multa) ou alternativa (prisão ou multa), ou isoladamente, no caso das contravenções penais; ainda, a multa, tal qual as penas restritivas de direitos, pode ser substitutiva, conforme disposição contida no art. 43, § 2º, do Código Penal.
ATIVIDADE
Eduardo, possuidor de um revólver devidamente registrado em seu nome, cansado, após limpar a arma, deixa-a sobre a mesa e dorme, esquecendo-se de guardar o objeto. Percebendo o descuido, seu filho Felipe, de 16 anos de idade, se apodera do revólver e usa-o para matar um colega de escola, que contra ele fizera bullying. Pergunta-se: o pai pode ser punido pela morte da vítima? Como os princípios constitucionais-penais se compatibilizam com a teoria agnóstica da pena?
RESUMO
A pena, consequência jurídica primária da infração penal, é um instrumento sancionatório-aflitivo cuja finalidade depende da teoria legitimadora adotada: simples castigo ao criminoso (teoria retributiva); instrumento de coação psicológica sobre a sociedade (teoria preventiva geral negativa); forma de ressocialização ou inocuização (teoria preventiva especial); ou instrumento de coação coletiva, para reforçar a confiança geral na eficácia do ordenamento jurídico (teoria preventiva geral positiva). Para alguns doutrinadores, essas teorias podem ser mescladas em uma ideologia mais eclética. Há, ainda, quem defenda a regulamentação da pena seja uma forma de contenção do poder político (teoria agnóstica).
Como ocorre em outros momentos do direito penal, a pena é regida por princípios, entre os quais estão a legalidade, a personalidade, a humanidade, a proporcionalidade (de onde extraímos a individualização das penas) e a inderrogabilidade.
Assim como é espécie do gênero sanção penal, as penas também são divididas em subespécies, a saber: as penas privativas de liberdade, que correspondem à prisão do condenado; as restritivas de direitos, que em regra substituem a pena de prisão, impondo limitações menos intensas; e a pena de multa, que se cuida do pagamento de um valor fixado em dias-multa ao Fundo Penitenciário Nacional.

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