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Aula 9 -TEORIA DA SANÇÃO PENAL - DIREITO PENAL

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32.1. SANÇÃO PENAL
Sanção penal é a resposta estatal, no exercício do ius puniendi e após o devido processo legal, ao responsável pela prática de um crime ou de uma contravenção penal. Divide-se em duas espécies: penas e medidas de segurança.
As penas reclamam a culpabilidade do agente, e destinam-se aos imputáveis e aos semi-imputáveis sem periculosidade.
Já as medidas de segurança têm como pressuposto a periculosidade, e dirigem-se aos inimputáveis e aos semi-imputáveis dotados de periculosidade, pois necessitam, no lugar da punição, de especial tratamento curativo.
Destarte, o Direito Penal é um sistema de dupla via, pois admite as penas (1.ª via) e as medidas de segurança (2.ª via) como respostas estatais aos violadores das suas regras.1
Fala-se também na terceira via do Direito Penal, consubstanciada nas situações em que, embora tenha sido cometida uma infração penal, não se impõe pena ou medida de segurança, pois a punibilidade estatal cede espaço à reparação do dano causado à vítima, a exemplo do que se verifica na composição dos danos civis nos crimes de menor potencial ofensivo de ação penal privada e de ação pública condicionada à representação do ofendido, na forma delineada pelo art. 74, parágrafo único, da Lei 9.099/1995.
32.2. CONCEITO
Pena é a reação que uma comunidade politicamente organizada opõe a um fato que viola uma das normas fundamentais da sua estrutura e, assim, é definido na lei como crime.
Como reação contra o crime, isto é, contra uma grave transgressão das normas de convivência, ela aparece com os primeiros agregados humanos. Violenta e impulsiva nos primeiros tempos, exprimindo o sentimento natural de vingança do ofendido ou a revolta de toda a comunidade social, ela se vai disciplinando com o progresso das relações humanas, abandonando os seus apoios extrajurídicos e tomando o sentido de uma instituição de Direito posta nas mãos do poder público para a manutenção da ordem e segurança social.2
Destarte, pena é a espécie de sanção penal consistente na privação ou restrição de determinados bens jurídicos do condenado, aplicada pelo Estado em decorrência do cometimento de uma infração penal, com as finalidades de castigar seu responsável, readaptá-lo ao convívio em comunidade e, mediante a intimidação endereçada à sociedade, evitar a prática de novos crimes ou contravenções penais.
O bem jurídico de que o condenado pode ser privado ou sofrer limitação varia: liberdade (pena privativa de liberdade), patrimônio (multa, prestação pecuniária e perda de bens e valores), vida (pena de morte, na excepcional hipótese prevista no art. 5.º, XLVII, “a”, da CF) ou outro direito qualquer, em conformidade com a legislação em vigor (penas restritivas de direitos).
32.3. PRINCÍPIOS
Aplicam-se às penas os seguintes princípios:
a) Princípio da reserva legal ou da estrita legalidade: emana do brocardo nulla poena sine lege, ou seja, somente a lei pode cominar a pena. Foi previsto como cláusula pétrea no art. 5.º, XXXIX, da Constituição Federal, e também encontra amparo no art. 1.º do Código Penal.
b) Princípio da anterioridade: a lei que comina a pena deve ser anterior ao fato que se pretende punir. Não basta, assim, o nulla poena sine lege. Exige-se um reforço, a lei deve ser prévia ao fato praticado: nulla poena sine praevia lege (CF, art. 5.º, XXXIX, e CP, art. 1.º).
c) Princípio da personalidade, intransmissibilidade, intranscendência ou responsabilidade pessoal: a pena não pode, em hipótese alguma, ultrapassar a pessoa do condenado (CF, art. 5.º, XLV). É vedado alcançar, portanto, familiares do acusado ou pessoas alheias à infração penal. Em síntese, esse postulado impede que sanções e restrições de ordem jurídica superem a dimensão estritamente pessoal do infrator.3 É possível, porém, que a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens, compreendidos como efeitos da condenação, sejam, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas até o limite do valor do patrimônio transferido (CF, art. 5.º, XLV). A pena de multa não poderá ser cobrada dos sucessores do condenado.
d) Princípio da inderrogabilidade ou inevitabilidade: esse princípio é consectário lógico da reserva legal, e sustenta que a pena, se presentes os requisitos necessários para a condenação, não pode deixar de ser aplicada e integralmente cumprida. É, contudo, mitigado por alguns institutos penais, dos quais são exemplos a prescrição, o perdão judicial, o sursis, o livramento condicional etc.
e) Princípio da intervenção mínima: a pena é legítima unicamente nos casos estritamente necessários para a tutela de um bem jurídico penalmente reconhecido. Dele resultam dois outros princípios: fragmentariedade ou caráter fragmentário do Direito Penal e subsidiariedade (ver Capítulo 2, itens 2.2.8, 2.2.9 e 2.2.10).
f) Princípio da humanidade ou humanização das penas: a pena deve respeitar os direitos fundamentais do condenado enquanto ser humano. Não pode, assim, violar a sua integridade física ou moral (CF, art. 5.º, XLIX). Da mesma forma, o Estado não pode dispensar nenhum tipo de tratamento cruel, desumano ou degradante ao preso. Com esse propósito, o art. 5.º, XLVII, da Constituição Federal proíbe as penas de morte, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis, bem como a prisão perpétua.
g) Princípio da proporcionalidade: a resposta penal deve ser justa e suficiente para cumprir o papel de reprovação do ilícito, bem como para prevenir novas infrações penais. Concretiza-se na atividade legislativa, funcionando como barreira ao legislador, e também ao magistrado, orientando-o na dosimetria da pena. De fato, tanto na cominação como na aplicação da pena deve existir correspondência entre o ilícito cometido e o grau da sanção penal imposta, levando-se ainda em conta o aspecto subjetivo do condenado (CF, art. 5.º, XLVI).
h) Princípio da individualização: foi inicialmente previsto pelo Código Criminal do Império de 1830. A individualização da pena tem o significado de eleger a justa e adequada sanção penal, quanto ao montante, ao perfil e aos efeitos pendentes sobre o sentenciado, tornando-o único e distinto dos demais infratores, ainda que coautores ou partícipes do delito. Sua finalidade e importância residem na fuga da padronização da pena, da “mecanizada” ou “computadorizada” aplicação da sanção penal, que prescinda da figura do juiz, como ser pensante, adotando-se em seu lugar qualquer programa ou método que leve à pena preestabelecida, segundo um modelo unificado, empobrecido e, sem dúvida, injusto.4
Esse princípio, que foi expressamente indicado pelo art. 5.º, XLVI, da Constituição Federal, repousa no ideal de justiça segundo o qual se deve distribuir, a cada indivíduo, o que lhe cabe, de acordo com as circunstâncias específicas do seu comportamento – o que em matéria penal significa a aplicação da pena levando em conta não a norma penal em abstrato, mas, especialmente, os aspectos subjetivos e objetivos do crime.5 Na célebre definição de Nélson Hungria:
A fórmula unitária foi assim fixada: retribuir o mal concreto do crime com o mal concreto da pena, na concreta personalidade do criminoso. Ao ser cominada in abstracto, a pena é individualizada objetivamente; mas, ao ser aplicada in concreto, não prescinde da sua individualização subjetiva. Após a individualização convencional da lei, a individualização experimental do juiz, ao mesmo tempo objetiva e subjetiva. É conservada a prefixação de minima e maxima especiais; mas, suprimida a escala legal de graus intermédios, o juiz pode mover-se livremente entre aqueles, para realizar a “justiça do caso concreto”.6
Desenvolve-se em três planos: legislativo, judicial e administrativo.
No prisma legislativo, o princípio é respeitado quando o legislador descreve o tipo penal e estabelece as sanções adequadas, indicando precisamente os seus limites, mínimo e máximo, e também as circunstâncias aptas a aumentar ou diminuir as reprimendas cabíveis.
A individualização judicial complementa a legislativa, pois esta não pode ser extremamente detalhista, nemé capaz de prever todas as situações da vida concreta que possam aumentar ou diminuir a sanção penal. É efetivada pelo juiz quando aplica a pena utilizando-se de todos os instrumentais fornecidos pelos autos da ação penal, em obediência ao sistema trifásico delineado pelo art. 68 do Código Penal (pena privativa de liberdade), ou ainda ao sistema bifásico inerente à sanção pecuniária (CP, art. 49).
Finalmente, a individualização administrativa é efetuada durante a execução da pena, quando o Estado deve zelar por cada condenado de forma singular, mediante tratamento penitenciário ou sistema alternativo no qual se afigure possível a integral realização das finalidades da pena.
32.4. TEORIAS E FINALIDADES
O estudo das teorias relaciona-se intimamente com as finalidades da pena. Podemos ir ainda mais longe. Na verdade, as teorias inerentes aos fins da pena relacionam-se com a própria origem do Direito Penal. Nas palavras de Jorge de Figueiredo Dias:
O problema do fins (rectius, das finalidades) da pena criminal é tão velho quanto a própria história do direito penal; e, no decurso desta já longa história, ele tem sido discutido, vivamente e sem soluções de continuidade, pela filosofia (tanto pela filosofia geral, como pela filosofia do direito), pela doutrina do Estado e pela ciência (global) do direito penal. A razão de um tal interesse e da sua persistência ao longo dos tempos está em que, à sombra dos problemas dos fins das penas, é no fundo toda a teoria do direito penal que se discute e, com particular incidência, as questões fulcrais da legitimação, fundamentação, justificação e função da intervenção penal estatal. Por isso se pode dizer, sem exagero, que a questão dos fins da pena constitui, no fundo, a questão do destino do direito penal e, na plena acepção do termo, do seu paradigma.7
Para a teoria absoluta, a finalidade da pena é retributiva. Por sua vez, para a teoria relativa, os fins da pena são estritamente preventivos. E, finalmente, para a teoria mista ou unificadora, a pena tem dupla finalidade: retributiva e preventiva.
32.4.1. Teoria absoluta e finalidade retributiva
A pena desponta como a retribuição estatal justa ao mal injusto provocado pelo condenado, consistente na prática de um crime ou de uma contravenção penal (punitur quia peccatum est).
É chamada de absoluta porque esgota-se em si mesma, ou seja, a pena independe de qualquer finalidade prática, não se vincula a nenhum fim, pois não se preocupa com a readaptação social do infrator da lei penal. Pune-se simplesmente como retribuição à prática do ilícito penal. Em outras palavras, a pena funciona meramente como um castigo, assumindo nítido caráter expiatório.
A pena atua como instrumento de vingança do Estado contra o criminoso, com a finalidade única de castigá-lo, fator esse que proporciona a justificação moral do condenado e o restabelecimento da ordem jurídica.8
A teoria absoluta e a finalidade retributiva da pena ganharam destaque com os estudos de Georg Wilhelm Friedrich Hegel e de Emmanuel Kant, que exemplificava:
O que se deve acrescer é que se a sociedade civil chega a dissolver-se por consentimento de todos os seus membros, como se, por exemplo, um povo que habitasse uma ilha se decidisse a abandoná-la e se dispersar, o último assassino preso deveria ser morto antes da dissolução a fim de que cada um sofresse a pena de seu crime e para que o crime de homicídio não recaísse sobre o povo que descuidasse da imposição dessa punição; porque então poderia ser considerada como cúmplice de tal violação pública da Justiça.9
32.4.2. Teoria relativa e finalidades preventivas
Para essa variante, a finalidade da pena consiste em prevenir, isto é, evitar a prática de novas infrações penais (punitur ne peccetur). É irrelevante a imposição de castigo ao condenado.
Adota-se uma posição absolutamente contrária à teoria absoluta. Destarte, a pena não está destinada à realização da justiça sobre a terra, servindo apenas para a proteção da sociedade. A pena não se esgota em si mesma, despontando como meio cuja finalidade é evitar futuras ações puníveis.10
A prevenção de novas infrações penais atende a um aspecto dúplice: geral e especial.
A prevenção geral é destinada ao controle da violência, na medida em que busca diminuí-la e evitá-la. Pode ser negativa ou positiva.
A prevenção geral negativa, idealizada por J. P. Anselm Feuerbach com arrimo em sua teoria da coação psicológica, tem o propósito de criar no espírito dos potenciais criminosos um contraestímulo suficientemente forte para afastá-los da prática do crime.11
Busca intimidar os membros da coletividade acerca da gravidade e da imperatividade da pena, retirando-lhes eventual incentivo quanto à prática de infrações penais. Demonstra-se que o crime não compensa, pois ao seu responsável será inevitavelmente imposta uma pena, assim como aconteceu em relação ao condenado punido. Nas palavras de Anabela Miranda Rodrigues:
Os motivos pelos quais a pena deve ser aplicada quia peccatum est são, pois, em Feuerbach, de duas ordens de razões: da exigência de tornar séria – isto é, portadoras de consequências efetivas – a ameaça contida na lei penal, de tornar operante a coação psicológica que deve ser o efeito daquela ameaça, e da exigência de garantir a legalidade e a certeza do direito.12
Atualmente, a finalidade de prevenção geral negativa manifesta-se rotineiramente pelo direito penal do terror. Instrumentaliza-se o condenado, na medida em que serve ele de exemplo para coagir outras pessoas do corpo social com a ameaça de uma pena grave, implacável e da qual não se pode escapar. Em verdade, o ponto de partida da prevenção geral possui normalmente uma tendência para o terror estatal. Quem pretende intimidar mediante a pena, tenderá a reforçar esse efeito, castigando tão duramente quanto possível.13
Prevenção geral positiva, de outro lado, consiste em demonstrar e reafirmar a existência, a validade e a eficiência do Direito Penal. Almeja-se demonstrar a vigência da lei penal. O efeito buscado com a pena é romper com a ideia de vigência de uma “lei particular” que permite a prática criminosa, demonstrando que a lei geral – que impede tal prática e a compreende como conduta indesejada – está em vigor.14
Em suma, o aspecto positivo da prevenção geral repousa na conservação e no reforço da confiança na firmeza e poder de execução do ordenamento jurídico. A pena tem a missão de demonstrar a inviolabilidade do Direito diante da comunidade jurídica e reforçar a confiança jurídica do povo.15
Mas não para por aí. A pena ainda é dotada de prevenção especial, direcionada exclusivamente à pessoa do condenado. Subdivide-se também a prevenção especial em negativa e positiva.
Para a prevenção especial negativa, o importante é intimidar o condenado para que ele não torne a ofender a lei penal. Busca, portanto, evitar a reincidência.
Finalmente, a prevenção especial positiva preocupa-se com a ressocialização do condenado, para que no futuro possa ele, com o integral cumprimento da pena, ou, se presentes os requisitos legais, com a obtenção do livramento condicional, retornar ao convívio social preparado para respeitar as regras a todos impostas pelo Direito. A pena é legítima somente quando é capaz de promover a ressocialização do criminoso.16
E, como tem se sustentado atualmente, antes de ser socializadora, a execução da pena de prisão deve ser não dessocializadora. Isto, num duplo sentido: por um lado, não se deve amputar o recluso dos direitos que a sua qualidade de cidadão lhe assegura; por outro lado, deve-se reduzir ao mínimo a marginalização de fato que a reclusão implica e os efeitos criminógenos que lhe estão associados. Só a incorporação da não dessocialização no conceito de socialização permitirá cumprir a Constituição e dissolver o paradoxo de se pretender preparar a reinserção social em um contexto, por definição, antissocial.17
32.4.3. Teoria mista ou unificadora e dupla finalidade: retribuição e prevenção
A pena deve, simultaneamente, castigar o condenado pelo mal praticado e evitar a práticade novos crimes, tanto em relação ao criminoso como no tocante à sociedade. Em síntese, fundem-se as teorias e finalidades anteriores. A pena assume um tríplice aspecto: retribuição, prevenção geral e prevenção especial.
Foi a teoria acolhida pelo art. 59, caput, do Código Penal, quando dispõe que a pena será estabelecida pelo juiz “conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”. É também chamada de teoria da união eclética, intermediária, conciliatória ou unitária.
E, se não bastasse, o direito penal brasileiro aponta, em diversos dispositivos, a sua opção pela teoria mista ou unificadora.
De fato, o Código Penal aponta o acolhimento da finalidade retributiva nos arts. 121, § 5.º, e 129, § 8.º, quando institui o perdão judicial para os crimes de homicídio culposo e lesões corporais culposas. Nesses casos, é possível a extinção da punibilidade quando as “consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária”. Fica claro, pois, ser cabível o perdão judicial quando o agente já foi punido, quando já foi castigado pelas consequências do crime por ele praticado. Já houve, portanto, a retribuição.
Por sua vez, em diversos dispositivos a Lei 7.210/1984 – Lei de Execução Penal – dá ênfase à finalidade preventiva da pena, em suas duas vertentes, geral e especial.
Nesse sentido, estabelece o seu art. 10, caput: “A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”. E, ainda, o art. 22: “A assistência social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los para o retorno à liberdade”. O trabalho do preso tem finalidade educativa (art. 28).
E, finalmente, a Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, incorporada ao direito pátrio pelo Decreto 678/1992, estatui em seu art. 5.º, item “6”, no tocante ao direito à integridade pessoal, que “as penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados”.
No sistema penal brasileiro as finalidades da pena devem ser buscadas pelo condenado e pelo Estado, com igual ênfase à retribuição e à prevenção. Na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
Se é assim – vale dizer, se a Constituição mesma parece conferir à execução das penalidades em foco uma paralela função de reabilitação individual, na perspectiva de um saneado retorno do apenado à vida societária –, esse mister reeducativo é de ser desempenhado pelo esforço conjunto da pessoa encarcerada e do Estado-carcereiro. Esforço conjunto que há de se dar segundo pautas adrede fixadas naquilo que é o próprio cerne do regime que a lei designa como de execuções penais. Um regime necessariamente concebido para fazer da efetiva constrição da liberdade topográfica de ir e vir um mecanismo tão eficiente no plano do castigo mesmo quanto no aspecto regenerador que a ela é consubstancial.18
32.4.4. Teoria agnóstica
A teoria agnóstica, também chamada de teoria negativa, coloca em destaque a descrença nas finalidades da pena e no poder punitivo do Estado, notadamente na ressocialização (prevenção especial positiva), a qual jamais pode ser efetivamente alcançada em nosso sistema penal. Essa teoria, portanto, sustenta que a única função efetivamente desempenhada pela pena seria a neutralização do condenado, especialmente quando a prisão acarreta em seu afastamento da sociedade.19
32.5. FUNÇÃO SOCIAL DA PENA
Fala-se atualmente em função social da pena, e, consequentemente, em função social do Direito Penal, direcionada eficazmente à sociedade a qual se destina, pois no tocante a ela a pena tem as tarefas de protegê-la e pacificar seus membros após a prática de uma infração penal.
Não basta a retribuição pura e simples, pois, nada obstante a finalidade mista acolhida pelo sistema penal brasileiro, a crise do sistema prisional transforma a pena em castigo e nada mais. A pena deve atender aos anseios da sociedade, consistentes na tutela dos bens jurídicos indispensáveis para a manutenção e o desenvolvimento do indivíduo e da coletividade, pois só assim será legítima e aceita por todos em um Estado Democrático de Direito, combatendo a impunidade e recuperando os condenados para o convívio social.
Em sua aplicação prática, a pena necessita passar pelo crivo da racionalidade contemporânea, impedindo se torne o delinquente instrumento de sentimentos ancestrais de represália e castigo. Só assim o Direito Penal poderá cumprir a sua função preventiva e socializadora, com resultados mais produtivos para a ordem social e para o próprio transgressor.20
32.6. FUNDAMENTOS DA PENA
Fundamentos da pena não se confundem com finalidades da pena. Aqueles se relacionam com os motivos que justificam a existência e a imposição de uma pena; estas dizem respeito ao objetivo que se busca alcançar com sua aplicação.
Apontam-se seis principais fundamentos da pena: retribuição, reparação, denúncia, incapacitação, reabilitação e dissuasão.
a) Retribuição: confere-se ao condenado uma pena proporcional e correspondente à infração penal na qual ele se envolveu. É a forma justa e humana que tem a sociedade para punir os criminosos, com proporção entre o ilícito penal e o castigo. O mal que a pena transmite ao condenado deve ser equivalente ao mal produzido por ele à coletividade. O crime deve ter a pena que merece (desvalor do criminoso), semelhante ao desvalor social da conduta.
b) Reparação: consiste em conferir algum tipo de recompensa à vítima do delito. Relaciona-se com a vitimologia, notadamente com a assistência à vítima e à reparação do dano, como forma de recompor o mal social causado pela infração penal.
c) Denúncia: é a reprovação social à prática do crime ou da contravenção penal. A necessidade de aplicação da pena justifica-se para exercer a prevenção geral por meio da intimidação coletiva, e não para desfazer o desequilíbrio causado pelo crime.
d) Incapacitação: priva-se a liberdade do condenado, retirando-o do convívio social, para a proteção das pessoas de bem. Para Garofalo, a pena é um mal necessário à reparação do dano provocado pela conduta criminosa. E, embora na aparência o fim da pena seja a vingança social ou o desejo de fazer sofrer ao culpado um mal análogo ao que ele produziu, na realidade o que se deseja é isto: em primeiro lugar, excluir do meio coletivo os delinquentes inassimiláveis; depois constranger o autor de um mal a repará-lo, tanto quanto possível.21
e) Reabilitação: deve recuperar-se o penalmente condenado. A pena precisa restaurar o criminoso, tornando-o útil à sociedade. Funciona como meio educativo, de reinserção social, e não punitivo.
f) Dissuasão: busca convencer as pessoas em geral, e também o condenado, de que o crime é uma tarefa desvantajosa e inadequada. A pena insere-se como atividade destinada a impedir o culpado de tornar-se nocivo à sociedade, bem como instrumento para afastar os demais indivíduos de práticas ilícitas perante o Direito Penal.
32.7. COMINAÇÃO DAS PENAS
Nos moldes do art. 53 do Código Penal: “As penas privativas de liberdade têm seus limites estabelecidos na sanção correspondente a cada tipo legal de crime”.
Esse dispositivo é desnecessário no tocante às penas privativas de liberdade, pois já são cominadas por cada tipo legal de crime ou contravenção penal nos limites mínimo e máximo. Exemplificativamente, o art. 155 do Código Penal prevê, para o furto simples, o limite mínimo de 1 (um) e máximo de 4 (quatro) anos de reclusão.
Entretanto, a função substitutiva atribuída às penas restritivas de direitos e a cominação indeterminada das penas de multa explicam a introdução no Código Penal dessas regras de cominação, evitando uma cansativa e indevida repetição em cada tipo legal.22
Em nosso sistema penal as penas podem ser cominadas (previstas em abstrato) por diversas modalidades:
a) isoladamente: cuida-se da cominação única de uma pena, prevista com exclusividade pelo preceito secundário do tipo incriminador.Exemplo: art. 121, caput, do Código Penal, com pena de reclusão.
b) cumulativamente: o tipo penal prevê, em conjunto, duas espécies de penas. Exemplo: art. 157, caput, do Código Penal, com penas de reclusão e multa.
c) paralelamente: cominam-se, alternativamente, duas modalidades da mesma pena. Exemplo: art. 235, § 1.º, do Código Penal, com penas de reclusão ou detenção, pois ambas são privativas de liberdade.
d) alternativamente: a lei coloca à disposição do magistrado a aplicação única de duas espécies de penas. Há duas opções, mas o julgador somente pode aplicar uma delas. Exemplo: art. 140, caput, do Código Penal, com penas de detenção ou multa.
32.8. CLASSIFICAÇÃO DAS PENAS
As penas podem ser classificadas com base em variados critérios: quanto ao bem jurídico do condenado atingido pela reação estatal (pena), quanto ao critério constitucional e quanto ao critério adotado pelo Código Penal.
32.8.1. Quanto ao bem jurídico do condenado atingido pela pena
A pena pode ser dividida em cinco espécies:
a) Pena privativa de liberdade: retira do condenado o seu direito de locomoção, em razão da prisão por tempo determinado. Não se admite a privação perpétua da liberdade (CF, art. 5.º, XLVII, “b”), mas somente a de natureza temporária, pelo período máximo de 30 (trinta) anos para crimes (CP, art. 75) ou de 5 (cinco) anos para contravenções penais (LCP, art. 10).
b) Pena restritiva de direitos: limita um ou mais direitos do condenado, em substituição à pena privativa de liberdade. Está prevista no art. 43 do Código Penal e por alguns dispositivos da legislação extravagante.
c) Pena de multa: incide sobre o patrimônio do condenado.
d) Pena restritiva da liberdade: restringe o direito de locomoção do condenado, sem privá-lo da liberdade, isto é, sem submetê-lo à prisão. É o caso da pena de banimento, consistente na expulsão de brasileiro do território nacional, vedada pelo art. 5.º, XLVII, “d”, da Constituição Federal. É possível a instituição, por lei, de pena restritiva da liberdade, em face de autorização constitucional (art. 5.º, XLVI, “a”). Exemplo: proibir o condenado por crime sexual de aproximar-se da residência da vítima. A deportação, a expulsão e a extradição de estrangeiros são admissíveis, uma vez que têm natureza administrativa, e não penal, e encontram-se previstas nos arts. 50 a 60 e 81 a 99 da Lei 13.445/2017 – Lei de Migração.
e) Pena corporal: viola a integridade física do condenado, tal como ocorre nas penas de açoite, de mutilações e de marcas de ferro quente. Essas penas são vedadas pelo art. 5.º, XLVII, “e”, da Constituição Federal, em face da crueldade de que se revestem. Admite-se, excepcionalmente, a pena de morte, em caso de guerra declarada contra agressão estrangeira (CF, art. 5.º, XLVII, “a”), nas hipóteses previstas no Decreto-lei 1.001/1969 – Código Penal Militar.
32.8.2. Quanto ao critério constitucional
Essa classificação das penas encontra-se no art. 5.º, XLVI e XLVII, da Constituição Federal.
No inc. XLVI, o art. 5.º contempla as penas permitidas. O rol é exemplificativo, pois se admitem, entre outras, as penas de privação ou restrição da liberdade, perda de bens, multa, prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos.
Por outro lado, o inc. XLVII do art. 5º enumera as penas proibidas, a saber: de morte, salvo em caso de guerra declarada, de caráter perpétuo,23 de trabalhos forçados, de banimento e cruéis.
32.8.3. Quanto ao critério adotado pelo Código Penal
As penas previstas no Código Penal, em seu art. 32, são: privativas de liberdade, restritivas de direitos e multa.
32.9. ABOLICIONISMO PENAL
O movimento abolicionista encontra sua origem na Holanda, nos estudos de Louk Hulsman, e na Noruega, nos pensamentos de Nils Christie e Thomas Mathiesen.
Consiste em uma nova forma de pensar o Direito Penal, mediante o debate crítico do fundamento das penas e das instituições responsáveis pela aplicação desse ramo do Direito. Para enfrentar a crise penitenciária que cresce a cada dia, nos mais variados cantos do mundo, propõe-se a descriminalização de determinadas condutas (o crime deixa de existir) e a despenalização de outros comportamentos (subsiste o crime, mas desaparece a pena). Em casos residuais, atenuam-se consideravelmente as sanções penais dirigidas às condutas ilícitas de maior gravidade.
O abolicionismo penal parte da seguinte reflexão: a forma atual de punição, escolhida pelo Direito Penal, é falha, pois a reincidência aumenta diariamente. Além disso, a sociedade não sucumbe à prática de infrações penais, mormente se forem consideradas as cifras negras da justiça penal, ou seja, os crimes efetivamente praticados, porém ignorados pelos operadores do Direito.24 E, dentre os apurados, somente alguns resultam em condenações, e, mesmo no grupo dos condenados, poucos indivíduos cumprem integralmente a pena imposta.
Portanto, a sociedade, ao contrário do que comumente se sustenta, tem capacidade para suportar a maioria das infrações penais, sem submeter-se a prejuízos irreparáveis. Para os defensores desse movimento, é o que já ocorre nos dias atuais, embora informalmente. Assim sendo, o problema penal poderia ser adequadamente solucionado por outros meios, notadamente com o atendimento prioritário à vítima, pois seria mais eficaz empregar os valores utilizados com a construção de prisões e manutenção de detentos para reparar os danos a ela proporcionados. Defende-se ainda a legalização das drogas e a mudança do tratamento do criminoso, que não pode ser marginalizado e encarado diversamente das demais pessoas.
É importante ressaltar que o abolicionismo penal possui variantes entre seus partidários.
Louk Hulsman apregoa um abolicionismo fenomenológico, e ampara suas ideias no entendimento de que o sistema penal constitui-se como um problema em si mesmo. Cuida-se de uma inutilidade, incapaz de resolver os problemas que se propõe a solucionar. Destarte, sustenta a sua abolição total, por tratar-se de um sistema que causa sofrimentos desnecessários, e, mais ainda, acarreta em uma distribuição de “justiça” socialmente injusta, pois produz inúmeros efeitos negativos nas pessoas a ele submetidas, apresentando completa ausência de controle por parte do Estado.
O penalista holandês prega, então, a abolição imediata do sistema penal, afastando o Poder Público de todo e qualquer conflito, solucionando-se os problemas sociais por instâncias intermediárias sem natureza penal.25 Além disso, propõe a eliminação de nomenclaturas utilizadas na justiça penal, eliminando, dentre outros, os termos “crime” e “criminoso”. Trata o fenômeno crime como um problema social, o que enseja a pacificação dos conflitos em um ambiente diverso do atualmente existente.
Já Thomas Mathiesen e Nils Christie compartilham de um abolicionismo fenomenológico-historicista. Vinculam o sistema penal à estrutura do sistema capitalista, razão pela qual, além da sua eliminação, defendem o fim de todo e qualquer método de repressão existente na sociedade. Destarte, a luta pelo direito deve se concentrar num esforço de limitação da dor.26
Em face de sua proposta central – eliminar o sistema penal, descriminalizar condutas e acabar com penas –, o abolicionismo penal é considerado uma utopia até mesmo pelos representantes do direito penal mínimo e do garantismo penal.27
Nada obstante, esse movimento recebeu na América Latina a simpatia de Eugenio Raúl Zaffaroni, levando-o inclusive a escrever toda uma obra sobre o assunto.28
32.10. JUSTIÇA RESTAURATIVA
Desde sua origem, o Direito Penal sempre se pautou pelo castigo da conduta criminosa praticada por alguém com a imposição de uma pena. Buscou-se e busca-se, incansavelmente, a retribuição do mal praticado com a aplicação concreta de outro mal, embora legítimo, representado pela pena. Daí falar-se que o Direito Penal enseja a configuração de uma justiça retributiva.
Atualmente, entretanto, surge uma nova proposta, consistente na justiça restaurativa, fundada basicamente na restauração do mal provocado pela infração penal. Essa vertente parte da seguintepremissa: o crime e a contravenção penal não necessariamente lesam interesses do Estado, difusos e indisponíveis. Tutela-se com maior intensidade a figura da vítima, historicamente relegada a um segundo plano no Direito Penal. Dessa forma, relativizam-se os interesses advindos com a prática da infração penal, que de difusos passam a ser tratados como individuais, e, consequentemente, disponíveis.
A partir daí, o litígio – antes entre a justiça pública e o responsável pelo ilícito penal – passa a ter como protagonistas o ofensor e o ofendido, e a punição deixa de ser o objetivo imediato da atuação do Direito Penal. Surge a possibilidade de conciliação entre os envolvidos (autor, coautor ou partícipe e vítima), mitigando-se a persecução penal, uma vez que não é mais obrigatório o exercício da ação penal.
A justiça restaurativa tem como principal finalidade, portanto, não a imposição da pena, mas o reequilíbrio das relações entre agressor e agredido, contando para tanto com o auxílio da comunidade, inicialmente atacada, mas posteriormente desempenhando papel decisivo na restauração da paz social. Nesse contexto, vislumbra-se a justiça com ênfase na reparação do mal proporcionado pelo crime, compreendido como uma violação às pessoas e aos relacionamentos coletivos, e não como uma ruptura com o Estado.
Em verdade, o crime deixa de constituir-se em ato contra o Estado para ser ato contra a comunidade, contra a vítima e ainda contra o seu próprio autor, pois ele também é agredido com a violação do ordenamento jurídico. E, se na justiça retributiva há interesse público na atuação do Direito Penal, na justiça restaurativa tal interesse pertence às pessoas envolvidas no episódio criminoso.29
Não mais se imputa a responsabilidade pelo crime pessoalmente ao seu autor, coautor ou partícipe. Ao contrário, todos os membros da sociedade são responsáveis pelo fato praticado, já que falharam na missão de viverem pacificamente em grupo. Os procedimentos formais e rígidos da justiça retributiva cedem espaço, na justiça restaurativa, a meios informais e flexíveis, prevalecendo a disponibilidade da ação penal.
Proporciona coragem ao agressor para responsabilizar-se pela conduta danosa, refletindo sobre as causas e os efeitos do seu comportamento em relação aos seus pares, para então modificar o seu modo de agir e ser posteriormente aceito de volta na comunidade. Como resultado, a justiça restaurativa pode acarretar em perdão recíproco entre os envolvidos, bem como em reparação à vítima, em dinheiro ou até mesmo com prestação de serviços em geral, a ela ou à sociedade.
Esse método tende a criar um ambiente seguro no qual o ofendido pode aproximar-se do autor da conduta ilícita. Além disso, a justiça restaurativa oferece à comunidade uma oportunidade de articular seus valores e expectativas acerca do entendimento das causas subjacentes do crime e determinar o que pode ser feito para reparar o mal provocado e restabelecer a tranquilidade outrora existente. Assim agindo, contribui para o bem coletivo e colabora potencialmente para a diminuição do índice de criminalidade.
E se a todos incumbe a restauração da paz pública, as penas privativas de liberdade abrem passagem para a reparação do dano e para as medidas substitutivas da pena privativa de liberdade, como decorrência da incessante atividade conciliatória característica da justiça restaurativa. Seu foco principal é a assistência à vítima.
Um primeiro passo no Brasil para a implantação da justiça restaurativa operou-se com a Lei 9.099/1995, notadamente quando se dispõe a evitar a aplicação da pena privativa de liberdade, seja com a composição dos danos civis, seja com o instituto da transação penal. Mas os seus partidários desejam ampliar seu raio de incidência, e a amoldam a alguns princípios básicos e regras procedimentais de segurança, quais sejam:
1. A participação da vítima e do agressor na justiça restaurativa depende do consentimento válido de ambas as partes, devendo cada uma delas receber explicações claras acerca da natureza do procedimento e de suas consequências. Em qualquer momento os envolvidos podem desistir da participação na justiça restaurativa.
2. A vítima e o agressor precisam aceitar como verdadeiro o episódio criminoso, e o agressor deve reconhecer sua responsabilidade pela prática do fato debatido.
3. As partes têm o direito de aconselharem-se juridicamente em todas as etapas do procedimento.
4. O encaminhamento de um caso iniciado na justiça retributiva à justiça restaurativa pode ocorrer em qualquer momento, desde a investigação criminal até o trânsito em julgado da condenação.
5. O trâmite do procedimento deve considerar as diferenças eventualmente existentes entre a vítima e o agressor, causadas por motivos de idade, de maturidade, de capacidade intelectual, situação econômica etc.
6. Todas as discussões, salvo as eminentemente públicas, devem ser confidenciais, exceto se as partes convencionarem de outro modo, ou se a publicidade para os agentes públicos responsáveis pela persecução penal for exigida por lei, ou se as discussões revelarem ameaça potencial ou real à segurança ou à vida de qualquer dos envolvidos.
7. A aceitação da responsabilidade penal pelo agressor não pode ser utilizada como prova contra ele em futuro e possível processo judicial.
8. Todos os acordos devem ser voluntários e livres de qualquer tipo de coação, e precisam conter apenas termos claros e facilmente compreensíveis por qualquer pessoa de inteligência mediana.
9. O descumprimento de um acordo alcançado na justiça restaurativa não pode ser usado em ação penal em juízo, seja para reconhecimento de culpa, seja para fundamentar punição mais severa ao ofensor.
10. O procedimento deve ser conduzido por pessoa preparada, aceita pela coletividade e revestida de imparcialidade.
11. Todo programa de justiça restaurativa deve ser constantemente avaliado e aperfeiçoado, visando satisfazer aos interesses sociais de restabelecimento do mal causado pelo crime e proporcionar o reequilíbrio da paz pública.
32.11. JUSTIÇA NEGOCIADA
Com origem no direito anglo-saxão, notadamente no sistema norte-americano da plea bargaining, esse modelo de justiça penal diferencia-se da tradicional justiça retributiva, na qual se busca a imposição da pena a quem violou a norma penal, sem qualquer espaço para transação entre as partes.
Na justiça negociada, por sua vez, o sujeito que ofendeu a norma penal e o órgão acusatório celebram acordo envolvendo as consequências jurídicas da conduta criminosa, com a imprescindível admissão de culpa.
Essa negociação pode recair tanto sobre a imputação formulada contra o réu como também sobre a pena a ser aplicada e os demais efeitos jurídicos do delito, a exemplo do perdimento de bens e da reparação dos danos causados pela conduta criminosa, ou ainda sobre ambas.
Uma importante manifestação desse modelo de justiça penal encontra-se no instituto da colaboração premiada, na forma definida pelos arts. 4º e seguintes da Lei 12.850/2013 – Lei do Crime Organizado, e também no acordo de não persecução penal, instituído no âmbito do Ministério Público pelo art. 18 da Resolução CNMP – Conselho Nacional do Ministério Público 181/2017.
32.12. TEORIA DAS JANELAS QUEBRADAS (“BROKEN WINDOWS THEORY”)
Em 1969, na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos da América, Phillip Zimbardo (acompanhado de sua equipe) realizou uma experiência inédita no campo da psicologia social. Seu estudo consistiu em abandonar dois automóveis idênticos em vias públicas, um no Bronx, zona pobre e problemática de New York, e outra em Palo Alto, local rico e tranquilo da Califórnia. Carros iguais, mas populações, culturas e realidades sociais diversas.
O automóvel abandonado no Bronx foi rapidamente destruído pela ação de vândalos, e subtraíram-se vários dos seus componentes. Por sua vez, o carro deixado em Palo Alto permaneceu intacto. Concluiu-se, em análise inicial, ser a pobreza um fator determinante da criminalidade.
Os pesquisadores, então, decidiram quebrar uma das janelas do automóvel quese encontrava íntegro. Rapidamente instalou-se idêntico processo ao ocorrido no Bronx, com a completa destruição do veículo. Logo percebeu-se não ser a pobreza, por si só, a causa fomentadora de infrações penais, e sim a sensação de impunidade. De fato, uma janela quebrada em um automóvel transmite o sentimento de desinteresse, de deterioração, de despreocupação com as regras de convivência, com a ausência do Estado. E cada novo ataque reafirma e multiplica essa ideia, até que a prática de atos ilícitos se torna incontrolável.
No ano de 1982, James Q. Wilson e George L. Kelling desenvolveram, agora no terreno da criminologia, a “teoria das janelas quebradas” (broken windows theory),30 sustentando a maior incidência de crimes e contravenções penais nos locais em que o descuido e a desordem são mais acentuados. Com efeito, quando se quebra a janela de uma casa e nada se faz, implicitamente se estimula a destruição do imóvel como um todo. De igual modo, se uma comunidade demonstra sinais de deterioração e isto parece não importar a ninguém, ali a criminalidade irá se instalar.
Nesse sentido, se são cometidos “pequenos” delitos (lesões corporais leves, furtos etc.), sem a imposição de sanções adequadas pelo Estado, abre-se espaço para o cometimento de crimes mais graves, tais como homicídios, roubos, latrocínios e tráfico de drogas.
A teoria das janelas quebradas foi inicialmente aplicada na década de 1980 no metrô de New York, que havia se convertido no ponto mais perigoso da cidade, mediante o combate às pequenas infrações, a exemplo das pichações deteriorando as paredes e os vagões, sujeira nas estações, consumo de álcool pelos usuários e não pagamento de passagens. A estratégia foi certeira e eficaz, e em pouco tempo constatou-se profunda melhora, convertendo-se o metrô em local limpo e seguro.
Em 1994, Rudolph Giuliani, então prefeito de New York, acolhendo as premissas da teoria das janelas quebradas e a experiência do metrô, implantou a política de “tolerância zero”, com a finalidade de vedar qualquer violação da lei, independentemente do seu grau. Os adeptos dessa linha de pensamento destacam que não se trata de tolerância zero no tocante à pessoa do responsável pelo delito, mas em relação ao próprio delito.
Na criminologia é frequente a relação da teoria das janelas quebradas com a teoria dos testículos quebrados, ou despedaçados (breaking balls theory). Essa linha de raciocínio origina-se da experiência policial, e parte da premissa de que os responsáveis pelos delitos de pouca gravidade, quando perseguidos com eficácia pela polícia, normalmente se dão por vencidos e fogem para locais distantes, para que possam violar a lei penal sem serem frequentemente molestados pelos agentes do Estado.

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