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¹ Acadêmico em Licenciatura Plena em Língua Portuguesa da Universidade Nilton Lins. E-mail: cleurique@gmail.com ² Graduada em Letras, Especialista em Metodologia e Didática do Ensino Superior, em Educação a Distância e em Gestão Universitária. E-mail: anamariad948@gmail.com A INFLUÊNCIA DA ORALIDADE NA ESCRITA: DESVIOS ORTOGRÁFICOS DECORRENTES DA INFLUÊNCIA DA ORALIDADE NO 6º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL Cleurique Memória Leite ¹ Ana Maria Oliveira de Araújo ² RESUMO Sabendo-se da importância que a escrita padrão exerce na atualidade, este trabalho objetiva esclarecer quais são os principais desvios ortográficos influenciados pela oralidade e como trabalha- los em sala de aula. Identificando a sistematização existente entre esses desvios será proposto métodos pedagógicas atuais direcionados para essa problemática. O embasamento científico foi elaborado através dos autores, Bortoni-Ricardo (2006), Garcia (2010), Mollica (2003), entre outros que também foram de fundamental importância. Para a análise da realidade no campo, foi realizada uma observação através da análise das produções textuais dos alunos do 6º ano do Ensino Fundamental de uma escola municipal e por meio de um questionário aplicado para 30 estudantes da mesma série. Os resultados encontrados em campo são semelhantes aos dados contidos nos livros de Bortoni-Ricardo (2006) e Mollica (2010), que relatam a realidade do Distrito Federal e do Rio de Janeiro. Analisando os dados obtidos em campo e comparando com as informações contidas nos livros, verificou-se que os mesmos desvios ortográficos decorrentes da oralidade que ocorrem no Centro Oeste e Sudeste do Brasil, também ocorrem aqui em Manaus, com uma porcentagem semelhante entre as três regiões, provando assim a sistemática dos desvios que devem ser combatidos com práticas pedagógicas especificas para a problemática. Palavras chave: escrita; desvios ortográficos; oralidade. ABSTRACT Knowing the importance that the standard written exercises at present, this paper aims to clarify which are the main spelling deviations influenced by orality and how to work them in the classroom. Identifying the existing systematization of these deviations will be proposed current pedagogical methods directed to this problem. The scientific basis was prepared by the authors, Bortoni-Ricardo (2006), Garcia (2010), Mollica (2003), among others who were also of fundamental importance. For the analysis of reality in the field, it was made an observation by analyzing the textual productions of the students of the 6th year of elementary school to a public school and through a questionnaire applied to 30 students of the same series. The results found in the field are similar to data contained in Bortoni-Ricardo books (2006) and Mollica (2010), reporting the reality of the Federal District and Rio de Janeiro. Analyzing the data obtained in the field and compared to the information contained in the books, it was found that the same spelling deviations arising from orality occurring in the Midwest and Southeast of Brazil, also occur here in Manaus, with a similar percentage among the three regions thus proving the systematic deviations which must be combated with specific pedagogical practices to the problem. Keywords: writing; deviations orthographic; orality. 2 1. INTRODUÇÃO Saber escrever no sentido de juntar letras ou palavras que expressem alguma ideia, já é uma habilidade encontrada na maioria da população brasileira, porém essa escrita que vem se tornando cada vez mais popular, apresenta alguns desacordos com o sistema responsável pela manutenção da mesma, a ortografia, ocasionando assim os desvios ortográficos. Inúmeros fatores podem ocasionar desvios ortográficos, porém neste artigo será trabalhado somente os desvios ortográficos decorrentes da oralidade no 6º ano do ensino fundamental, diante disso o objetivo deste trabalho é: Compreender a sistematização desses desvios ortográficos, pois este é um fator essencial para a intervenção nessa realidade. Os desvios ou erros ortográficos são facilmente encontrados na escrita dos alunos do Ensino Fundamental. Notou-se essa prática através da observação em sala de aula, por isso a necessidade do levantamento desse estudo. Entre os diversos fatores que ocasionam essa prática, a oralidade é a que mais exerce influência nesse fenômeno. Compreendendo essa influência e suas características, a elaboração de práticas pedagógicas que visem combater esse fenômeno serão prontamente elaboradas, contribuindo assim para uma melhoria no processo de ensino aprendizagem da língua materna. Vale ressaltar que, a escrita e a fala são modos diferentes de representação de nosso idioma, ambos são executados de acordo com regras tradicionais de nossa língua. Todo falante é um usuário competente de nosso idioma, mas existem regras que regem a escrita. Por mais que um falante seja competente no uso de seu próprio idioma, ele está sujeito ao uso de variantes de nossa fala, e essas variantes que muitas vezes passam despercebidas, exercem influência na escrita. A pesquisa bibliográfica apresentada aqui baseia-se principalmente nas obras de Bortoni-Ricardo e Mollica, ambas autoras renomadas na área do ensino da língua e da escrita. A pesquisa de campo foi realizada através da observação e da aplicação de um questionário aplicado para os alunos do 6º ano do ensino fundamental de uma escola municipal localizada na zuna urbana da cidade de Manaus. 3 2. AS RELAÇÕES ENTRE ORALIDADE E ESCRITA A oralidade é a mais antiga manifestação da linguagem. Até hoje o homem aprende primeiro a falar, depois a escrever. Saussure (2008, p.35) afirma; “A língua tem, pois, uma tradição oral independente da escrita e bem diversamente fixa”. A aquisição da escrita sempre vem depois da aquisição da oralidade, seja em uma criança, seja pelo fator histórico da humanidade, porém sua importância é tão grande que marca a história, a história de uma criança, de um adulto ou da humanidade em geral. Higounet (2003, p.10) explica: A história da humanidade se divide em duas imensas eras: antes e a partir da escrita. Talvez venha o dia de uma terceira era que será: depois da escrita. Vivemos os séculos da civilização escrita. Todas as nossas sociedades baseiam-se sobre o escrito. A lei escrita substitui a lei oral, o contrato escrito substitui a convenção verbal, a religião escrita se seguiu à tradição lendária. E sobretudo não existe história que não se funde sobre textos. Dessa forma, não se pode negar a importância da escrita na sociedade e as intervenções que ela exerce nas mais diversas práticas sociais que o sujeito desenvolve no cotidiano, como: preencher um formulário, passar um e-mail, escrever um bilhete etc. A escrita mudou a história da humanidade e todo dia muda a história de muitas pessoas, através da disseminação do conhecimento impresso em livros, revistas, internet etc. Mollica (2007, p.32) afirma que: “Encontram-se avançados os estudos que correlacionam variáveis sociais e fenômenos de uso na fala e na escrita.” Seria a escrita superior a oralidade ou a oralidade superior a escrita? Não. O homem aprende a falar primeiro do que escrever, e a escrita exerce papel importante na variável social, mas isso não gera nenhum status de superioridade para nenhuma das duas formas de representação do idioma. Marcuschi (2001, p.17) comenta: Não obstante isso, sob o ponto de vista mais central da realidade humana, seria possível definir o homem como um ser que fala e não como um ser que escreve. Entretanto, isto não significa que a oralidade seja superior à escrita,nem traduz a convicção, hoje tão generalizada quanto equivocada, de que a escrita é derivada e a fala é primaria. A escrita não pode ser tida como uma representação da fala, como se verá adiante. 4 A escrita e a oralidade são representações diferentes de um mesmo idioma, elas não representam uma a outra, mas possuem relações estreitas para a execução de tal tarefa. 2.1 Mas o que é Escrita, e o que é Oralidade? De acordo com Cegala (2008, p.368), a escrita é “arte ou técnica de gravar a fala por meio de símbolos visuais”. A oralidade de acordo com Mattos (2011, p.471) é “qualidade do que é oral”, e o que é oral? De acordo com Mattos (2011, p.471) é o “que se faz falando”. Esses são os significados, porém neste artigo vamos analisar o sentido e a relação entre ambos. A oralidade e a escrita são formas diferentes de expressão, ambas representam o mesmo idioma, mas cada modalidade possui suas particularidades, suas regras. Existe a oralidade considerada padrão ou culta e existe as chamadas variedades regionais, modos diferentes de falar. Na escrita existe o código linguístico e um conjunto de regras chamado ortografia, e o que for diferente disso é tachado como desvio ortográfico ou até mesmo, erro. Conforme Araújo (2009, p.23): Diversas pesquisas já demonstraram que a línguas variam em sua oralidade e em sua escrita e observaram que a fala de um gaúcho é diferente da fala de um nordestino, sendo que ambos falam a mesma língua, a língua portuguesa. Da mesma forma, encontram-se na oralidade modos de variação da norma padrão, dependendo da comunidade de fala onde o indivíduo está inserido. Deste modo, pode-se afirmar que existem variações de escrita e variações de oralidade, mas toda essa variedade representa um mesmo idioma, no nosso caso, a Língua Portuguesa, uma língua que no Brasil recebeu a influência de outras. Bagno (2006, p.19): “[...] aquilo que a gente chama por comodidade de português não é um bloco compacto, sólido e firme, mas sim um conjunto de “coisas” aparentadas entre si, mas com algumas diferenças. Essas “coisas” são chamadas variedades.” Um país tão grande e diverso quanto o Brasil mostra sua grandeza também na língua, nosso idioma é um, mas com variedades que vão de norte a sul e essas variedades do idioma são representadas através da oralidade e da escrita. É importante compreender que escrita não é uma representação da oralidade, ambas são representantes do idioma. Soares (2011, p.17) afirma: 5 Em primeiro lugar, a língua escrita não é uma mera representação da língua oral, como faz supor o primeiro conceito. Além de apenas em poucos casos haver total correspondência entre fonemas e grafemas, de modo que a língua escrita não é, de forma alguma um registro fiel dos fonemas da língua oral, há também uma especificidade morfológicas, sintática e semântica da língua escrita: não se escreve como se fala, mesmo quando se fala em situações formais; não se fala como se escreve, mesmo quando se escreve em contextos informais. Assim, pode-se afirmar que embora exista uma relação forte entre a escrita e a oralidade, ambas representam o idioma e as duas possuem o mesmo valor linguístico, como meios essenciais para a comunicação e que tanto a escrita como a oralidade estão sujeitas a variedades da norma tida como padrão. Matta (2009, p.52) comenta: [...] a fala e a escrita não podem ser colocadas em oposição, como dicotomias estanques, mas em relação entre si, como fato linguístico e prática social. Ademais, deve-se ter em conta que tanto a fala como a escrita podem variar, serem mais ou menos cuidadas em relação à norma- padrão, podem ser mais ou menos informais, já que ambas servem à interação verbal [...] É justamente essa variação presente na escrita e na oralidade que será estudada aqui, especificando nos desvios ortográficos decorrentes da influência da oralidade. Esses desvios que aqui serão expostos são a materialidade de uma variante da fala padrão, se refletindo na escrita, criando assim uma variante não padrão na ortografia. Embora isso seja um processo natural na língua, existe uma necessidade de ensinar a língua padrão, principalmente em sala de aula. 3. TRAÇOS DA ORALIDADE E SUA INFLUENCIA NOS DESVIOS ORTOGRÁFICOS Traços da oralidade ou simplesmente, traços fonológicos, são características da fala de cada indivíduo, é o som que sai de sua cavidade vocal. Esses traços são sistemáticos, e por acompanharem o aluno desde a aquisição da língua, exercem grandes influencia na escrita. Essas características dos traços fonológicos podem ocasionar uma grafia inadequada de diversas palavras, pois é o apoio mais confiável que um iniciante na escrita possui. Segundo Garcia (2010, p.34-35): 6 No processo inicial de alfabetização, é natural – e muitas vezes inevitável – que as crianças tentem representar a escrita através dos sons da fala. Entretanto, o código escrito não os representa fielmente, visto que desconsidera as variações características da língua falada (...) Todavia, o processo de aquisição da escrita é bastante complexo e exige que os estudantes reformulem a todo o momento suas hipóteses e adquiram, paulatinamente, as regras, muitas vezes arbitrárias, da língua que está sendo estudada. Esse processo, no entanto tem se mostrado persistente e tem acompanhado os estudantes no decorrer do ensino fundamental, do ensino médio, em alguns casos no ensino superior, e torna-se um problema para nossa escrita, pois apesar de muitas vezes não impedirem a compreensão do texto, não estão de acordo com a ortografia e são passíveis de penalidades. Esses traços fonológicos são sistemáticos, isto é, possuem certa ordem e padrão. Isso ocorre pois, geralmente são adquiridos pela influência da convivência e na maioria das vezes indica uma classe social a que o falante pertence. Garcia (2010, p.40) traz uma contribuição a esse respeito: A categoria (3) compreende os erros decorrentes da interferência de traços fonológicos graduais. Eles funcionam como indicadores de variedades sociais, mas também como marcadores de registro entre falantes na língua culta, ocorrendo com maior frequência nos registros não-monitorados, como por exemplo: a) Despalatalização das sonorantes palatais, como em ‘olhar’→ ‘ oliar’ b) Monotongação, como em ‘outro’ → ‘otro’ c) Queda do /r/ como marca de infinito, como em ‘andar’ → ‘anda’ Nessa citação a autora classifica três diferentes tipos de desvios ortográficos decorrentes da interferência que os traços fonológicos exercem sobre a escrita. Esses não são os únicos casos em que essa interferência ocorre, mas é o suficiente para demonstrar como esses desvios são sistemáticos, o que possibilita a elaboração de um método de ensino que vise combater essa prática. Outro tipo bem comum de interferência de traços fonológicos na escrita é a desnasalização de palavras, como por exemplo, as palavras “compraru” (compraram), “pegaru” (pegaram). Esse tipo de desvio também foi citado por Bortoni-Ricardo (2006, p.99) “ também temos que ficar alerta para a possibilidade de transportarem para a escrita a regra de desnasalização, realizando essas formas como: foru, fizeru, jogaru.”. 7 Uma vez compreendida a influência que essas características fonológicas exercem sobre a escrita, e como esses desvios ortográficos oriundos desse processo são sistemáticos, fica mais fácil para o professor elaborar um trabalho de ação que vise combater esse fenômeno. 3.1. A Supressão de Letras na Escrita A supressão de letras na escrita é uma tendência no mundo moderno. A agilidade das mensagens instantâneascontribui para o aumento dessa prática, porém serão destacados aqui somente os casos de supressão derivados da influência que a oralidade exerce sobre a escrita. Entre os desvios ortográficos decorrentes da supressão de letras, podemos destacar a monotongação e o apagamento do /r/ no final de palavras. A monotongação consiste na perda da semivogal nos ditongos como em ligou→ligo. Um exemplo para o apagamento do /r/ é a palavra ligar, que muitas vezes é falada ligá, e consequentemente transferida para a escrita da maneira em que é dita. O processo de monotongação é antigo e vem inclusive alterando idioma, é o que afirma Bortoni-Ricardo (2006, p.95). A perda da semivogal nos ditongos resulta em um processo denominado monotongação. No ditongo /ou/ a monotongação é um processo muito antigo na língua, desde a evolução do latim para o português. Veja os exemplos: paucum→pouco→poco aurum→ouro→oro Dessa maneira, pode-se observar que o que no passado foi considerado inadequado, alterou o idioma, deste modo o que consideramos hoje como um desvio da norma padrão, futuramente pode ser tolerado ou até mesmo incluído na categoria de norma culta da língua, porém não se pode definir que alterações do tipo ainda possam ocorrer em nossa língua. A monotongação está tão presente na oralidade do brasileiro que de acordo com Bortoni-Ricardo (2006, p.95): “A regra está tão avançada que, praticamente, não pronunciamos o ditongo /ou/. Até em sílabas tônicas finais, que são mais resistentes á mudança, reduzimos este ditongo.”. A alteração na fala é tanta que acaba se refletindo na escrita, principalmente de estudantes que não possuem uma prática considerável de leitura, e baseiam-se somente na oralidade para escrever. 8 A queda do /r/ em final de palavras na fala do brasileiro é outro fenômeno que se faz presente na escrita em decorrência da influência que a oralidade desempenha sobre a escrita. Quanto a isso, adverte Bortoni-Ricardo (2006, p.85): Em todas as regiões do Brasil, o /r/ pós-vacálico, independentemente da forma como é pronunciado, tende a ser suprimido, especialmente nos infinitivos verbais (correr→corrê; almoçar→almoçá; desenvolver→desenvolvê; sorrir→sorri). Quando o suprimimos, alongamos a vogal final e damos mais intensidade a ela. Esses dois casos apresentados são tendências naturais da língua que devem ser combatidos pelos professores, pois são considerados como erros quanto o aluno for participar de algum processo seletivo, seja para uma universidade ou para uma redação para emprego. 3. 2. A Dificuldade de Relacionar Diferentes Letras para um Mesmo Fonema Essa é sem dúvida umas das maiores dificuldades encontradas na escrita dos alunos do ensino fundamental. Os casos que mais confundem os alunos são a relação de som entre as letras s/z; u/l; u/o. Essas letras representam fonemas semelhantes, e algumas vezes o mesmo fonema é usado por uma letra diferente, variando muito de palavra para palavra. E como já foi dito aqui, o aluno ao iniciar sua prática de escrita se baseia na oralidade o que acaba ocasionando esses desvios ortográficos, pois a oralidade e a escrita são meios diferentes de representação de um mesmo idioma. Essa prática foi observada por Bortoni-Ricardo(2006, p.59): Ao ingressar na escola, a única experiência linguística que a criança tem é relativa à modalidade oral, portanto, no momento de produzir a escrita, muitas vezes, lhe falta a conscientização acerca das diferenças entre as duas modalidades da língua e ela tenta transpor para a escrita seu conhecimento sobre a oralidade. E ao transferir recursos da oralidade para a escrita os alunos cometem os desvios ortográficos, pois alguns deles acabam realizando quase que uma transcrição fonética, como afirma Bortoni-Ricardo (2006, p.37) É necessário lembrar que escrever não é apenas fazer a transcrição fonética da fala. Nem sempre se pode atribuir um único som para cada letra. Um exemplo claro disso é a palavra “casa” que escrevemos com “s” e pronunciamos com som de “z”. 9 Esse processo de “transcrição fonética” é esperado e até normal na aquisição da escrita, o que está em análise aqui é o prolongamento desse processo, o reflexo dessa característica no 6º ano do ensino fundamental, tornando-se uma problemática digna de estudo e de intervenção. Outras letras que os alunos possuem dificuldades para relacionar em diferentes palavras são /u/l/o. Essas três letras não possuem o som parecido, porém em algumas palavras representam o mesmo fonema, e isso é uma característica de nossa língua: uma mesma letra possuir sons diferentes dependendo da palavra em que se emprega. Bortoni-Ricardo (2006, p.94) realizou algumas observações acerca dessa prática: Para nós professores, o principal problema a observar no caso do /l/ pós vocálico é a neutralização entre o /l/ e o /u/ nesta posição, pois nossos alunos, ao aprender a escrever, têm de aprender a usar a letra U em palavras como berimbau, pau, chapéu etc, a letra O, em palavras como arrepio, macio, vazio e tio etc, e, finalmente, a letra L em palavras com avental, lençol, automóvel, anzol etc. Dessa maneira o aluno não consegue pensar na língua como uma prática social, mas como um conjunto de regras que devem ser decoradas o que o leva a pensar que o Português é uma língua difícil. A leitura e a análise de textos são excelentes métodos para o aperfeiçoamento da escrita, mas para esse tipo de dificuldade apresentado aqui, existem regras da gramática normativa que podem auxiliar e orientar os alunos quanto ao uso de determinadas letras. Mollica (2007, p.45) afirma: “Tomar conhecimento das adequações e inadequações de uso constitui condição ideal para o desenvolvimento pleno de habilidades de fala e de escrita”. Portanto o aluno deve tomar conhecimento das regras de nossa língua para que tenha êxodo na produção de textos. 4. PRÁTICAS DE ENSINO DA ESCRITA QUE CONTRIBUEM PARA A PERCEPÇÃO DE MARCAS DA ORALIDADE Existem diversas práticas de ensino da língua materna e muitas dedicadas ao ensino da escrita, mas neste capítulo estudaremos as práticas concernentes ao 10 combate dos desvios ortográficos influenciados pela oralidade. Existem práticas especificas e adequadas para essa problemática e a importância de saber escolhê- las é comentada por Franchi (2012, p,142): Um cuidado importante a tomar, no caso desses outros desvios em relação à convenção gráfica ou à norma urbana de prestígio, é que cada um seja tratado com estratégias adequadas à fonte do problema. Há os que decorrem de diferenças entre fala e escrita, de caráter puramente fonético [...] há os que derivam exclusivamente dos aspectos convencionais do sistema gráfico. Portanto o primeiro passo ao escolher uma prática de ensino é identificar o tipo de desvio ortográfico que irá combater. Nessa pesquisa serão citadas as práticas indicadas para os desvios decorrentes da influência da oralidade. O aprendizado da língua se inicia pouco depois do nascimento e nunca cessa, a escrita segue esse sentido didático junto com a oralidade. O aluno do ensino fundamental ainda tem a escrita como algo relativamente novo, e por isso empresta da oralidade meios que ele julga adequados para a escrita. Para Mollica (2007, p.45): “Tomar conhecimento das adequações e inadequações de uso constitui condição ideal para o desenvolvimento pleno de habilidades de fala e de escrita.”. Logo a maneira ideal para o combate aos desvios ortográficos é o conhecimento deles. O aluno que é devidamente conscientizadopelo professor sobre a diferença entre a fala e a escrita possui mais facilidade para aderir as regras ortográficas. Mollica (2003, p. 102) confirma que: Para efeito de orientação ao professor, na prática, sugerimos que [...] seja trabalhado levando-se em conta as seguintes recomendações: Conscientizar os alunos acerca da variação existente e da diferença muito grande, nesse caso, entre fala e a escrita no português do Brasil. [...]. O professor deve, portanto, evidenciar os desvios ortográficos na escrita dos alunos. Bortoni-Ricardo (2006, p.42), sugere a seguinte estratégia de intervenção: Da perspectiva de uma pedagogia culturalmente sensível aos saberes dos alunos, podemos dizer que, diante da realização de uma regra não padrão pelo aluno, a estratégia da professora deve incluir dois componentes: a identificação e a conscientização da diferença. 11 De acordo com o trecho acima, o professor deve primeiramente identificar os desvios ortográficos, e em seguida intervir na realidade do aluno através da conscientização do problema. O ponto chave desse processo é a conscientização, o professor capaz de intervir através da conscientização de forma que respeite os saberes do aluno, irá ocasionar um maior impacto no estudante, e após o aluno ser conscientizado ele irá com certeza se monitorar mais ao escrever. Garcia (2010, p.51), também contribui a esse respeito, “Cabe ao professor, portanto, avaliar os desvios ortográficos, pois eles nortearão as práticas pedagógicas.”. Isso ressalta o processo de identificação-conscientização citado acima. O professor irá agir de acordo com os desvios ortográficos encontrados em sala e de acordo com a intensidade dos mesmos, podendo assim elaborar estratégias pedagógicas eficientes, que visem a conscientização dos estudantes. Após a identificação dos desvios ortográficos decorrentes da influência da oralidade, o professor deve selecionar os mais frequentes, para que assim possa iniciar a conscientização. Mollica (2003, p.51) fornece um exemplo dessa seleção: Verifica-se que o índice de representação do segmento vibrante, na escrita, através da letra r (erre), é bem baixo em verbos, apresentando-se um pouco mais alto em substantivos e aumentando gradativamente nos adjetivos e advérbios. O trabalho deve iniciar-se enfaticamente pelas formas infinitivas. Desta maneira deve-se iniciar o trabalho de conscientização sempre pelo desvio mais frequente e gradativamente abrangendo os demais. Atualmente existem dois processos linguísticos quase unânimes na escrita do aluno do 6º ano do ensino fundamental, a monotongação e a supressão do /r/ em final de palavras. Esses processos são tão frequentes que podem inclusive mudar a língua, como explica Mollica (2003, p.26) “[...] há processos considerados como mudança na língua, como é o caso da monotongação de /aw/ e o cancelamento da vibrante pós-vocálica /R/ em final de palavra, [...]”. Esses dois casos são com certeza os primeiros que devem ser trabalhados em sala de aula. Atualmente as escolas não exercem trabalho significativo em relação aos dois processos citados acima e em relação a nenhum outro relacionado à oralidade. Isso ocorre, pois os métodos pedagógicos são baseados na gramática, desconsiderando a oralidade do aluno. De acordo com Mollica (2003, p.100): 12 Com base nas testagens, constata-se a importância de modificar-se a forma de trabalhar pedagogicamente fatos gramaticais. A escola vem se apoiando tão somente em critérios do tipo certo/errado e parece claro que se devem trabalhar fenômenos dinâmicos dos usos correntes com base em princípios imanentes à língua, descobertos a partir de pesquisas sobre o português falado atual. O professor deve mudar sua forma de trabalhar, se atualizar, se profissionalizar buscar novas maneiras e métodos de aprendizagem, somente dessa maneira ele poderá intervir nessa realidade e provocar a conscientização no aluno. Como o professor sabe se estar capacitado para combater essa problemática da oralidade na escrita? O professor deve ser portador de alguns saberes fundamentais para que assim possa intervir nessa realidade, saberes esses citados por Mollica (2003, p.137): (a) a consciência da relação fala/escrita é fundamental para o alfabetizador; (b) o conhecimento dos fatores que controlam o dinamismo da fala aplica-se em fatos da escrita dos alunos; (c) as questões de escrita não são problemas aleatórios e , portanto, as ações (suas soluções) pedagógicas também não são; (d) para cada fenômeno fonológico, gramatical ou discursivo, há condições de se utilizar nova metalinguagem; (e) o acesso ao saber científico não é inútil mas indispensável, desde que direcionado e adequado para um público alvo definido. O professor portador das habilidades citadas acima poderá aplicar o método do processo identificação-conscientização sem dificuldade, contribuindo assim para um melhor processo de ensino aprendizagem. 5. ANÁLISE DE DADOS O trabalho foi desenvolvido através de dois procedimentos metodológicos, uma pesquisa bibliográfica e a outra de campo. A pesquisa bibliográfica segundo Lakatos (2003, p.83), “abrange toda bibliografia tornada pública em relação ao tema de estudo, desde publicações avulsas [...] até meios de comunicação orais.”. A pesquisa de campo segundo Lakatos (2003, p.186), “Consiste na observação de fatos e fenômenos tal como ocorrem espontaneamente, na coleta de dados a eles referentes e no registro de variáveis que se presumem relevantes, para analisá-los.” Diversas bibliografias contribuíram para a produção desse estudo, no entanto dois autores se destacaram por sua linha de pesquisa ser semelhante ao panorama 13 debatido aqui. As principais obras analisadas foram: Bortoni-Ricardo (2006) e Mollica (2003). Apesar da contribuição de outras obras, esses dois livros são a base de toda pesquisa bibliográfica realizada aqui. Foi através da análise de Bortoni-Ricardo (2006) sobre a sociolinguística em sala de aula no Distrito Federal que notou-se uma semelhança entre os desvios ortográficos encontrados na capital do país e os encontrados em Manaus. Os principais desvios ortográficos decorrentes da oralidade citados na seção 3 deste trabalho baseiam-se no estudo elaborado pela autora. Analisando o livro de Mollica (2003) que fala sobre a transição da linguagem coloquial para a escrita padrão pode-se perceber os novos métodos usados para a intervenção na realidade dos desvios ortográficos. A seção 4 deste artigo foi fundamentado através de seus estudos pedagógicos. A pesquisa de campo foi realizada por meio de observação das produções textuais e através de um questionário aplicado para 30 alunos do 6º ano do ensino fundamental de uma escola municipal, sendo 14 do sexo masculino e 16 do feminino. Os alunos foram selecionados de forma aleatória, possuem idade entre 11 e 13 anos e moram na zona urbana. O questionário consiste em 14 figuras de significantes, com um espaço ao lado para que o aluno preencha com a escrita. Foram selecionadas figuras correspondentes a palavras que apresentam maior probabilidade de ocorrerem desvios ortográficos influenciados pela oralidade. As palavras escolhidas foram: anzol, avental, arrepio, chapéu, berimbau, caranguejo, peixe, flor, bandeja, vazio, amor, sorrir, queijo, maior e menor. A observação das produções textuais e a análise do questionário aplicado concluiu que a escrita dos alunos do 6º ano examinados, possui cerca de 28% de desvios ortográficos decorrentes da influência da oralidade. Resultado este semelhante aos encontrados nas zonas urbanas do Distrito Federale do Rio de Janeiro, podemos então deduzir que esta é uma realidade nacional, carente de intervenção pedagógica. Os desvios encontrados aqui são os mesmos encontrados em todo o Brasil, a monotongação, o apagamento do “r”, a dificuldade de relacionar fonemas para diferentes grafemas. Isso mostra que os desvios são sistemáticos e por isso as maneiras de combate-los também deve ser. 14 As pesquisas levantadas aqui revelam que a melhor maneira de interver nessa realidade é identificação-conscientização. O professor deve identificar a variedade na escrita do aluno e conscientizá-lo quanto ao uso da norma padrão na escrita. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS A necessidade de elaborar essa pesquisa surgiu através do estágio observatório com os alunos do 6º ano do Ensino Fundamental, onde pode perceber- se que a produção textual dos mesmos, encontrava-se carregada de desvios ortográficos, e foi ao analisar esses desvios ortográficos que surgiu a necessidade de elaborar uma pesquisa mais ampla e científica, que é esta que foi exposta aqui. A abordagem aqui elaborada, demostrou que existe uma sistematização nos desvios ortográficos decorrentes da influência da oralidade encontrados no 6º ano do Ensino Fundamental. Com base nos conhecimentos publicados o profissional empenhado em intervir na realidade exposta, poderá aplicar os métodos de ensino da língua, aqui divulgados, em sala de aula e com isso desenvolver ainda mais as práticas pedagógicas sugeridas. O estudo demonstrou que é possível compreender os desvios ortográficos e que se ocorrem com as mesmas características entre diferentes alunos e até regiões do país, é porque eles são sistemáticos e por isso é necessário elaborar praticas pedagógicas também sistemáticas para que essa problemática seja combatida. A relação da oralidade com a escrita é complexa, ocasionando assim diversas problemáticas no ensino da língua, a problemática abordada aqui foi apenas uma entre as mais de centenas que essa relação proporciona. É necessário que se façam mais estudos relacionados a essa questão, pois apesar de já existirem bastantes trabalhos da sociolinguística relacionados com o tema, ainda há dificuldade em encontrar teóricos que trabalhem a problemática do desvio ortográfico influenciado pela oralidade. 15 REFERÊNCIAS ARAÚJO, Karin E.F. Um estudo da manifestação da oralidade em produções escritas de alunos. Dissertação de Mestrado a Universidade de São Paulo. 2009. BAGNO, Marcos. A língua de Eulália: novela sociolinguística. 15º Ed. São Paulo: Contexto, 2006. BORTONI-RICARDO, S.M. Educação em língua materna – A sociolingüística na sala de aula. São Paulo, Parábola Editorial, 2006. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário escolar da língua portuguesa. São Paulo, Companhia Editora Nacional. 2008. FRANCHI, Eglê. Pedagogia do alfabetizador letrando : da oralidade à escrita. 9º Ed. São Paulo, Cortez, 2012. GARCIA, Daiani de Jesus. A influência da oralidade na escrita das séries iniciais: Uma análise a partir de erros ortográficos. Tese de Mestrado apresentada a Universidade Federal de Pelotas. Pelotas. Rio Grande do Sul. 2010. HUGOUNET, Charles. História concisa da escrita. 10º Ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. LAKATOS E. M. MARCONI, M. A. Fundamento de Metodologia Cientifica. 5ª Ed. São Paulo: Atlas, 2003. MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez, 2001. MATTA, Sozângela S. Português – Linguagem e Interação. Curitiba: Bolsa, 2009. MATTOS, Geraldo. Dicionário Junior da língua portuguesa. 4º Ed. São Paulo: FTD, 2011. MOLLICA, Maria Cecília. Fala, letramento e inclusão social. São Paulo: Contexto, 2007. MOLLICA, Maria Cecília. Da Linguagem Coloquial à Escrita Padrão. Rio de Janeiro:7Letras, 2003. PRODANOV, Cleber C. FREITAS, Ernani C. Metodologia do Trabalho Científico: Métodos e Técnicas da Pesquisa e do Trabalho Acadêmico. 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