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CONTRATUALISMO As teorias contratualistas atendem a um conjunto de expectativas formativas do Estado que se afastam em fundamento daquelas expostas pelas teorias naturalistas. Uma das principais distinções diz respeito aos modelos originais advém do que possa ser considerado o conjunto de relações entre natureza e cultura. No caso das relações travadas no campo das teorias naturalistas, há uma presença forte das estruturas inferiores (zoé) e das constituições familiares para a formação do pensamento político. Nesses casos, a família representa a formação da primeira unidade política, partindo-se do pressuposto de que a família ainda constitui o modelo fundamental de estruturação do Direito e das relações de poder. O patriarca representava a força capaz de exercer traços de subjetividade jurídica genuína, participando da vida comum e estabelecendo regimes decisores máximos no campo privado. Com o contratualismo, contudo, as relações em questão são restabelecidas. Na percepção de Rousseau, é possível por exemplo estabelecer a família como condição específica da reprodução da espécie, tendo ela uma relação hierárquica definida exclusivamente pela necessidade, a qual será abandonada quando se alcançar a possibilidade de uma vida comum em sociedade. Em outras palavras, o pressuposto aristotélico de que o homem é um “animal político” deixa de ter força, já que as qualidades generativas nas relações contratualistas são abandonadas em benefício de divisões visíveis entre o estado de natureza e a condição cultural do homem. Mesmo que essa premissa seja considerada constante entre os autores mais notáveis do contratualismo, ainda assim existem entre eles consideráveis distinções, as quais reforçam um distanciamento geral de modelos de produção política. Nesse caso, entende-se que entre Hobbes, Locke e Rousseau as distinções a respeito das posições adequadas nas relações de poder se modificam em virtude de contrastes maciços, os quais representam a distância entre as perspectivas do absolutismo e do pensamento pré-revolucionário. HOBBES O contratualismo de Hobbes é peculiar. Parte de dois pressupostos teóricos fundamentais, quais sejam, o de que a constituição do Estado depende de um encontro formatado por acordo de linguagem (nominalismo em Hobbes) e a noção de poder total para a figura do monarca (Absolutismo). A primeira premissa, fundamental para a determinação do processo de constituição política em Hobbes, representa uma maciça crítica à composição do nominalismo medieval, o qual integrava a suas reflexões um número de nomes estranhos às condições gerais de experiência material devido a seus traços metafísicos elevados (traços esses herdados da teologia). Hobbes propôs uma feroz crítica a esse modelo, alegando que, de fato, nomes representavam a totalidade de fundamentos unitários da linguagem, sem contudo acrescer ao elenco de nomes aceitáveis qualquer termo que estabelecesse ideias de caráter abstrato. Com isso, Hobbes pretendia implantar as bases de seu empirismo, o qual definiria o comportamento humano desde uma nomeação precisa das emoções individuais, as quais conduziriam em estado de natureza as reações humanas mais primordiais. Entendia o autor que poderia propor, com isso, caracteres íntimos de observação designados para a realização de seus estudos, tendentes a uma suposta precisão metodológica, desejada por ele. A partir desse modelo, entende o pensador que todo ser humano pode ter inclinações individuais ou coletivas, boas ou más. Pode, por isso, querer o seu bem e o bem de todos ao mesmo tempo, representando virtude e consciência, ou pode desejar o bem alheio, aceitando sofrer um mal, o que o torna um mártir; pode ainda sobrepor seu bem ao alheio, aceitando o mal dos outros para obter seu próprio bem. Nesse caso, torna-se egoísta, coisa que Hobbes, por experiência, entende ser mais comum entre todos. Sendo naturalmente egoísta (eis que todo homem anseia instintivamente pela sua própria sobrevivência) é a partir desse sentimento que as fundações do Direito Natural terminarão sendo estabelecidas. Aqui, portanto, entende-se que todo homem procura, como princípio, seu próprio bem. Contudo, compreende que seu bem será mais facilmente atingível se buscar uma aliança com outros homens, o que faz com que procure estabelecer pactos para conseguir o que precisa (primeira lei de Direito Natural de Hobbes); em seguida, percebe que deve haver certa perenidade nessas alianças; do contrário, serão supérfluas, pois as alianças se desmancharão tão logo uns e outros tenham interesse em combater para obter maior benefício. Estabelece-se então o valor do juramento (segunda lei) que, em rede, forma genuínos contratos. Essas são as três primeiras leis de um corpo de dezesseis delas, leis que formulam o chamado contrato social em Hobbes. O contrato social seria, então, realizado por membros de uma determinada sociedade, estruturada em cima de pactos não escritos e nunca assinados, os quais representariam essa aliança fundamental. O vigia desse pacto, protetor de sua regularidade e de suas virtudes éticas, seria o monarca. Ele não participaria do contrato social, estando alheio a ele e estabelecendo uma vigilância externa e desinteressada. Isso porque todos os participantes do contrato, membros da sociedade civil, estariam em constante disputa, tentando atender aos seus próprios interesses dentro das limitações de Direito postas pelo governo. Qualquer um que integrasse o acordo poderia ser considerado como portador de interesses particulares, suspeitando-se então de suas supostas decisões abnegadas e imparciais. O monarca preservaria, então, poder absoluto sobre todos os súditos. Rebelião seria impossível, agredir o rei, impensável. Seu poder adviria de qualidades divinas análogas às atribuídas a Deus no campo metafísico- teológico. Contudo, o rei seria considerado um deus material, capaz de concentrar com exclusividade em suas mãos todo o poder e todo o emprego da violência. Somente ele poderia determinar a vida e a morte, sendo portanto a força viva do estado de exceção. Por seus ditames, homens poderiam ser expulsos, excluídos e mortos. Criminosos seriam considerados como aqueles que rejeitavam a lei e, como castigo, teriam a proteção da lei removida de suas vidas, tornando-se outlaws. Quanto à existência de outras nações, o monarca sofreria pela presença constante, fora das fronteiras e das condições organizadas da sociedade, uma reprodução titânica do estado natural de guerra de todos contra todos, que persistiria na ausência do monarca. Aqui, contudo, a presença de múltiplas coroas eliminaria a possibilidade de poder total do monarca, contemplada na figura semidivina do Leviatã (note o tom herético da leitura de Hobbes, que lhe renderia fama de ateu). Somente pela submissão de todas as nações a um rei apenas seria possível encerrar a pauta pacificadora total da tese de Hobbes, através do contraditório uso da violência. LOCKE Superou politicamente seu antecessor, Hobbes, por ter-se alinhado com as novas tendências políticas presentes em seu tempo. Um aliado da coroa no exílio, o britânico defendeu que o poder monárquico deveria ser mitigado para oferecer mais espaço e participação ao parlamento britânico. Nesse caso, a revolução parlamentarista teve papel sólido para a construção da carreira do pensador, que mais tarde passaria a integrar a Real Academia como intelectual respeitado. Locke teve como característica central de seu pensamento uma forma de empirismo que destoava daquela experimentada em Hobbes. Para ele, mesmo as leituras pretensamente metafísicas tinham lugar entre as observações humanas, notadamente aquelas que apresentavam a possibilidade de dissenso entre a natureza íntima de algo, a sua natureza observada e a qualidade relacional das coisas observadas com o mundo e com o homem. Para ele, as certezas experienciaiseram todas herdadas da força criadora de Deus, sendo consequências imediatas de uma experiência constatada com Deus (que para o autor era universal e, portanto, tinha valor empírico máximo). Locke procurou estabelecer as bases da experiência humana como fundamentos de seu Estado-Nação. Considerou que a constituição moral do homem, ao contrário do que dizia Hobbes, precisava ser aprendida com o passar do tempo, o que o colocava no polo oposto àquele das teorias inatistas (que afirmavam ter o homem conhecimento inerente de questões morais ou mesmo conceituais). Assim, cada indivíduo seria um quadro em branco (tabula rasa), que precisaria ser preenchido por conhecimento, ofertado por educadores em momentos apropriados (Locke ganhara a vida como professor e tutor). Suas digressões permitiram dessa maneira descartar as teses sobre o egoísmo e o estado natural de guerra de Hobbes. Ao contrário, Locke entendeu que as necessidades humanas permitiriam, caso não fossem de alguma forma reguladas, uma expansão de ações violentas e desmedidas para o acúmulo de propriedade, elemento crucial para a vida humana e para a composição da vida comum, segundo o pensador. Nesse caso, a figura do Estado-Nação surgia como protetora dos cidadãos, devendo atender a seus interesses. Por ter visto o desenrolar da revolução parlamentarista, Locke entendia contudo que um governo incapaz de ouvir seus súditos poderia terminar por convidá-los a uma rebelião, razão pela qual deveria manter uma relação saudável com o seu corpo de representantes, ou seja, com um parlamento. O papel do governo seria, então, coordenar esforços para o florescimento da sociedade civil, enquanto a protegesse de atos de violência, sem contudo desrespeitar seus direitos mais relevantes: vida, liberdade e propriedade. Note-se, contudo, que as inclinações de Locke estavam sedimentadas sobre o modelo de uma relação constituída para a proteção de uma vida produtiva e uma liberdade de ter, consolidando-se tais regimes na formalização do direito de propriedade propriamente dito. ROUSSEAU O autor do período pré-revolucionário escreveu o seu Contrato Social a partir da própria obra de Hobbes, estabelecendo críticas ferozes a suas premissas. Para Rousseau, o homem não encontraria razão para disputa em meio às esferas primordiais da natureza, vivendo apenas segundo condições generativas e de acordo com um modelo fundamental de inocência. Apenas pela delimitação da propriedade seria o homem tentado pelo conflito, notadamente a partir do estabelecimento de desigualdades agudas no meio social, as quais seriam dirimidas por meio do enfrentamento. Esse é o chamado mito do bom selvagem, que passa a exigir na obra de Rousseau uma recuperação do contrato social. O autor alega que, sob a forma em que se encontra, o contrato social está viciado, o que nos obrigaria a procurar pela criação de um novo contrato social, melhor que o primeiro. Nele, por exemplo, as diferenças entre indivíduos (notadamente patrimoniais e intelectuais) deveriam ser reduzidas ou eliminadas, de modo a evitar a formação de conflitos. Assim, a promessa de pacificação poderia ser atingida. Longa discussão é travada pelo autor a esse respeito, não apenas no Contrato Social, mas também no Discurso sobre os fundamentos da desigualdade entre os homens. No caso, a primeira obra inaugura a discussão tentando demonstrar a impossibilidade de uma pacificação por meio da rendição absoluta do homem, eis que isso o tornaria escravo, eliminando o uso da razão e, por conseguinte, de sua liberdade consciente. Dessa maneira, entendia analogamente que um Estado não poderia controlar em termos próprios a harmonia social através do uso da violência, alegando sua incoerência fundamental e determinando que um genuíno Estado- Nação só poderia exercer influências afirmativas sobre seu povo se determinasse a relação pacificadora entre cidadãos através de uma demonstração coerente dos valores que pretendia defender. Ainda assim, conseguia compreender a necessidade de normas civis e penais, colocando-as contudo abaixo das relações de Direito que organizariam o Estado. Sua crença em fundamentos de Direito Natural era inexistente, alegando que o contrato social existiria, a exemplo do estado, a partir de esferas puramente convencionais, representativas máximas da expressão da racionalidade humana.
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