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UNIDADE II 2.1 - Interpretações Acerca do Lazer Conhecer e entender o significado das coisas e do mundo que nos cerca tem sido uma busca incessante do ser humano. Da mesma maneira podemos dizer que para nós, que dedicamos tempo e esforços no sentido de melhor compreender os fenômenos do lazer, conhecer a sua fundamentação e sua conceituação é uma condição basilar para os aprofundamentos dos estudos em questão. Para tanto, veremos sob quais dimensões são entendidas as bases conceituais do lazer e suas varias acepções decorrentes de usos sem uniformidade, por vezes marcados por abusos de linguagem. Marcado como um fenômeno ascendente e importante socioeconomicamente, o termo precisa ser considerado com rigor em seu sentido essencial, pois é a expressão vinculada à realidade de quase todos os indivíduos dos diversos grupamentos sociais (Andrade, 2001). O esclarecimento terminológico, apesar da complexidade, deve respeitar as dimensões da Filosofia, da Ética, das Ciências Humanas e das diferentes culturas e crenças, considerando as rubricas que se tornaram comuns e frequentes, tanto na falação erudita quanto nas formas simplificadas de expressão popular. Vejamos então algumas definições encontradas nos dicionários de língua portuguesa. O dicionário Michaelis da língua portuguesa define lazer, do latim licere (o que é lícito, permitido), como tempo livre, vagar, ócio. Já o dicionário online Priberan coloca o significado de lazer como um tempo, da seguinte maneira: 1- Tempo de que se dispõe livremente para repouso ou distração... = ÓCIO; 2- Atividade que se realiza nesse tempo. Também o dicionário Aulete apresenta definição semelhante: 1. Tempo de folga, de descanso ou entretenimento; 2. Atividade praticada nesse tempo; DISTRAÇÃO; DIVERTIMENTO. A título de comparação, vejamos também a definição de lazer em outras culturas e línguas: Inglês britânico – leisure - the time when you are not working or doing other duties (o tempo em que você não está trabalhando ou fazendo outras obrigações). Cabe aqui uma observação do que venha a ser duties (obrigações) também do dicionário britânico: duty - something that you have to do because it is part of your job, or something that you feel is the right thing to do. (alguma coisa que você tem que fazer porque isto é parte do seu trabalho, ou alguma coisa que que você sente que é a coisa certa a fazer) Cambridge Dictionary Inglês americano – Leisure - the time when you are free from work or other duties and can relax. (o tempo quando você está livre do trabalho ou de outras obrigações e pode relaxar) A tradução do significado é o mesmo do inglês britânico porém com o acréscimo da questão do relaxamento. Cambridge Dictionary Frances - loisir – temps libre: hueres de loisir (tempo livre, hora de lazer) Dictionnaire Larousse Como se pode perceber, ao mesmo tempo em que o significado do lazer, segundo os dicionários linguísticos, apresentam características semelhantes, por outro lado nota-se também alguns traços culturais nacionais nas definições como por exemplo as definições inglesa e americana, na qual o contexto americano além do significado similar inglês, acrescenta a questão do relaxamento. Condição sine qua non parece ser a de que em todos os casos, além de definirem como tempo de não trabalho onde o indivíduo deve fazer algo em função de sí mesmo. O que não podemos perder de vista até aqui é que estamos tratando até então de significados linguísticos, que se fundam nos saberes sociológicos e filosóficos da questão, mas sem se aprofundar na temática. Isto porque sob este viés, a abordagem é bem mais complexa em suas definições. Algumas definições sociológicas apontam as definições de lazer nas seguintes linhas: 1ª o lazer não é uma categoria, porém um estilo, podendo se encontrado em qualquer atividade, inclusive a profissional, podendo toda atividade vir a ser um lazer. Sob este prisma, ele tende a penetrar em todas as atividades podendo originar um modelo que tende a mudar a qualidade de vida. A argumentação contrária aponta que está forma de lazer é mais psicológica que sociológica, pois ela diz respeito à atitude de alguns diante de comportamentos comuns a todos e ainda, segundo Dumazedier, cria uma confusão ao não considerar uma condição tida como capital na dinâmica produtora do lazer que é a redução do tempo das obrigações institucionais e o aumento do tempo librado para as atividades pessoais nas novas normas sociais. 2ª sociólogos do trabalho situam o lazer somente com respeito ao trabalho profissional como uma oposição, como se fosse inteiramente o não-trabalho. As críticas a essas definições se dão pelo fato de ela pouco permitir se tratar os problemas específicos das sociedades industriais avançadas. Questiona também o fato de que a liberação das atividades profissionais propiciem um tempo de lazer, mas não consideram a sobrecarga de obrigações familiares, especialmente das mulheres e que a liberação também deste tempo desconsiderado poderia possibilitar atividades de lazer para as donas de casa e mães de família. 3ª outra forma de definir lazer, exclui as atividades do lar e da família e passa a incluir as obrigações sócio-políticas e sócio- espirituais sob a égide do lazer. A crítica que se faz é de que não é a sociologia do lazer não é competente para analisar tais questões tão heterogêneas. 4ª nesta definição, o lazer seria um conteúdo do tempo orientado para a realização da pessoa como um fim último. Segundo Dumazedier (1999), “Este tempo é outorgado ao indivíduo pela sociedade quando este se desempenhou, segundo as normas sociais do momento, de suas obrigações profissionais, familiais, sócio- espirituais e sócio-politicas. É um tempo que a redução da duração do trabalho e das obrigações familiais, a regressão das obrigações sócio-espitiruais e a libração sócio-politicas tornam disponível; o indivíduo se liberta a seu gosto da fadiga descansando, do tédio divertindo-se, da especialização funcional desenvolvendo da maneira interessada as capacidades de seu corpo ou de seu espírito. Este tempo disponível não é o resultado de uma decisão do indivíduo; é, primeiramente, o resultado de uma evolução da economia e da sociedade.[...]é um novo valor social da pessoa que se traduz por um novo direito social, o direito dela dispor de um tempo cuja finalidade é, antas, a auto- satisfação. (Dumazedier, 1999)” Ainda em face da complexidade das definições de lazer, existem algumas características a serem consideradas no tocante ao que venha ser considerado como tal, que deverão estar presentes em sua conformação. O caráter liberatório das obrigações, mas não dos determinismos da sociedade, dependendo, como toda atividade, das relações pessoais e interpessoais, sujeitos ainda às obrigações que nascem dos grupos e/ou organismos necessários à sua prática. Caráter hedonístico, marcados pela busca de um estado de satisfação com um fim em sí. Caráter pessoal, onde todas as ações manifestas pelo indivíduo respondem à suas necessidades. As diferenças acentuadas em relação ao significado da palavra lazer se acentuam ainda mais quando se passa a observar o tratamento que lhe é dado nas conversas informais. Para Marcellino (2002), grande parte desta confusão se dá pela falta de critérios a descontextualização na utilização da palavra. “Grande parte da população ainda associa o lazer às atividades recreativas, ou eventos de massa, talvez pelo fato de que a palavra tenha sido largamente utilizada nas promoções de instituiçõescom atuação dirigida ao grande público. Esta tendência é reforçada pelos meios de comunicação de massa que, na sua maioria, divulgam as atividades separadamente, sob verbetes consagrados como teatro, cinema, exposições. Esportes, etc., e só mais recentemente, lazer quase sempre ligados a manifestação de massa, ao ar livre e de conteúdo recreativo. Até mesmo na denominação de órgãos públicos, a utilização da palavra lazer não obedece a critérios definidos. Nesses casos, o que se verifica é o simples acréscimo a outras já tradicionalmente utilizadas: são Secretarias ou Departamentos de Esporte e Lazer, ou Turismo e Lazer, ou Cultura e Lazer etc. Tudo isso contribui para que se acabe tendo uma visão parcial e limitada das atividades, restringindo seu âmbito e dificultando seu entendimento. (idem, 2002)” O que se viu é que não é possível entender o lazer isoladamente. Ele influencia assim como sofre influências. Para que não se cometa equívocos, torna-se necessário entender esses processos. 2.2 - O Lazer Contemporâneo Vimos anteriormente que a diminuição do tempo de trabalho possibilitou o surgimento das atividades de lazer. Essa liberação das obrigações formais foi e continua uma luta cotidiana, mas que sempre encontra novos obstáculos em razão da velocidade das dinâmicas sociais contemporâneas. Segundo De Grazia (apud Bruhns, 2002), o tempo livre se converteu numa obsessão, o que levou a alguns escritores a definir o lazer como tempo disponível. O autor segue afirmando que ao se igualar o lazer com o tempo livre, debilita-se o ideal de lazer, levando os indivíduos à falsa ilusão de atingirem, ou pelo menos de se aproximarem da plenitude ensejada na atividade de lazer. “A palavra lazer , como demonstra, tem se convertido na frase tempo livre, e ambas agora são intercambiáveis. Questionado a causa dessa confusão e seus benefícios, responde sobre todos nós nos beneficiarmos, pois essa confusão ajuda a considerar nossa vida como a melhor dos mundos existentes ou futuros. A industrialização não somente nos dá trabalho e outras coisas boas, nos dá o dom do lazer, isto é, do tempo livre, de um tempo livre até hoje não alcançado. Um mito não é uma mentira, porém, algo em que todos querem crer. Ao crerem aceitam a cifra com excessivo entusiasmo. (Bruhns, 2002)” Essa dificuldade de entendimento pelo cidadão é notória e muitas das vezes extremamente rasa, o que o impossibilita de questionar, tantos as atividades de lazer quanto sua postura diante delas. Apesar de vivermos hoje na era da informação e da globalização, certas regras sempre foram universais em função de valores adotados na condução das diversas sociedades, calcadas politicamente na valorização social do trabalho. O tempo livre é definido politicamente, tanto capitalismo como no socialismo, como um prêmio aos que trabalham. Quem não trabalha não o terá, sendo que ninguém terá o direito além dos demais e essa premissa não muda sem a alteração da doutrina político-trabalhista, cabendo a ressalva de que nas estratificações sociais, essa cota de tempo livre aumenta em razão da aproximação do topo da pirâmide. Essa alienação, segundo Marcellino (1999), faz com que o lazer repita, mesmo nessa era de modernização, os papéis que tinha desde i início até meados do século passado, ou seja, um momento compensatório e recuperador do trabalhador. Em face das constantes mutações sócias da modernidade e de sua complexidade, o lazer contemporâneo irá agregar à sua definição tradicional, “enquanto busca pessoal e não produtiva do prazer no tempo livre, todas as características do mundo atual” (Gutierrez, 2000), por exemplo: ênfase na competição, na aparência, na falência de princípios de natureza ética entre outras questões, todas elas potencialidade pela facilidade de penetração sociais das variadas formas mediáticas. Outra vertente da busca pelo lazer na atualidade está focada na qualidade de vida, tanto do trabalhador quanto dos demais membros da família. Este tema se encontra bastante em voga, mas assim como boa parte das teorias acerca do lazer, também está abarcada pela subjetividade e complexidade. A Organização Mundial de Saúde define qualidade de vida com base em 6 critérios que são aplicados em questionários para sua aferição: o do nível de independência, o das relações sociais, o do meio ambiente e o dos aspectos religiosos, o físico e o psicológico. Um indicador bastante conhecido e utilizado é o Índice de Desenvolvimento Humano – IDH - modo de medir a qualidade de vida nos países, tomando como referências os níveis de riqueza, alfabetização, educação, esperança média de vida, natalidade e outros fatores, no intuito de identificar o nível de bem-estar de uma população. De uma maneira geral, em qualquer discussão sobre a vida moderna, as pessoas estão sempre prontas a apontar o valor e o significado da qualidade de vida, mesmo que intuitivamente. Ao longo das últimas décadas, estudiosos da educação física e de outras áreas sociais tem se debruçado sobre este tema buscando uma melhor compreensão dos fatores correlacionados com a qualidade de vida e o lazer. Para Go Tani (2002), “qualidade de vida tornou-se, em muitas circunstâncias, um jargão útil de promessas fáceis e propagandas enganosas. Na tentativa de dar uma definição que abrangesse da melhor forma a integralidade questões inerentes à qualidade de vida, Nahas (2002) faz a seguinte explicação: “...condição humana resultante de um conjunto de parâmetros individuais e socioambientais, modificáveis ou não, que caracterizam as condições em que vive o ser humano”. Como se percebe, exatamente pela sua grande abrangência, torna-se difícil a definição de qualidade vida pois ela pode apresentar variantes em função das pessoalidades de cada indivíduo, o que não invalida a tentativa de uma definição coletiva. Há então que se observar o contexto sobre o qual se debruça para compreender suas nuances. Neste sentido, “o que pode ser dito é que a qualidade de vida não é a simples soma de fatores[...]aplicando-se muito bem à sua compreensão aquele princípio sistêmico de que o todo é maior que a parte” (Go Tani, 2002). Nas discussões cotidianas sobre lazer e qualidade de vida, uma questão parece ser unânime, a de que a melhora pela qualidade vida gira em torno da melhora das condições e das relações de trabalho. Parece haver um senso comum coletivo de que esse conquista passa também pela melhora nas remunerações, fruto do trabalho, uma vez que grande parte das chamadas opções de lazer pela mídia está focada no consumismo em massa destes tipos de produtos e serviços. A essa grande influência sobre os modelos e costumes de lazer contemporâneos os estudiosos dão o nome de indústria cultural. Essa expressão surgiu com estudos dos filósofos da Escola de Frankfurt Max Horkheimer e Theodor Adorno, publicada pela primeira vez no final da década de 40 do século passado (Puterman, 1994). O termo indústria cultural foi utilizado como forma de interpretação dos movimentos da cultura como se os mesmos fossem oriundos das próprias massas. Contrariamente à cultura popular, onde os traços das manifestações são peculiares à uma cultura em específico, a indústria cultural seria a estandartização dos modelos culturais, e de sua racionalização distributiva. Referências bibliográficas: ANDRADE, José Vicente de: Lazer – princípios, tipos e formas na vida e no trabalho. Belo Horizonte. Autêntica, 2001. BRUHNS, Heloisa Turini (Org): Lazer e Ciências Sociais, diálogospertinentes. São Paulo, Chronos, 2002. DUMAZEDIER, Joffre: Sociologia Empírica do Lazer. São Paulo. Perspecitva. SESC, 1999. GUTIERREZ, Gustavo Luis: “Lazer, exclusão social e militância política: um ensaio a partir de aspectos contemporâneos.”: In: BRUHNS, Heloisa Turini (Org.): Temas Sobre Lazer. Campinas, SP. Autores Associados, 2000. MARCELLINO, Nelson Carvalho: Para tirar os pés do chão: corrida e associativismo. São Paulo. Hucitec, 1999. MARCELLINO, Nelson Carvalho: Estudos do Lazer: uma introdução. Campinas, SP. Autores Associados, 2002. NAHAS, Markus V. : Atividade Física, Saúde e Qualidade de Vida. Londrina, PR. Midiograf, 2001. PUTERMAN, Paulo: Indústria Cultural: a agonia de um conceito. São Paulo. Editora Perspectiva, 1994. TANI, Go: “Esporte, Educação e Qualidade de Vida” :In: MOREIRA, Wagner Wey & SIMÕES, Regina (Org.): Esporte como Fator de Qualidade de Vida. Piracicaba, SP. Editora Unimep, 2002. Dicionários: Cambridge Dictionary Dicionário Caldas Aulete Dicionário Larousse Dicionário Michaelis Dicionário Priberam da Língua Portuguesa
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