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A Psicologia e o Serviço Social em Interface com a Justiça Notas sobre uma Prática Profissional1(1)

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A PSICOLOGIA E O SERVIÇO SOCIAL EM INTERFACE COM A 
JUSTIÇA: NOTAS SOBRE UMA PRÁTICA PROFISSIONAL 
Sérgio Alberto Bitencourt Maciel 
Cada vez mais convocado a intervir na organização da vida social, o 
Direito, na forma do sistema judicial, enfrenta no seu cotidiano a tarefa de ter 
que lidar com dilemas que desafiam seus pressupostos. Quando essa regulação 
social incide sobre as relações íntimas, as múltiplas facetas da condição humana 
deixam sua marca indelével na letra fria da lei. Em seu trabalho cotidiano, o 
Direito depara-se insistentemente com a singularidade humana que questiona a 
consistência de seus dogmas, fazendo um contraponto ao seu discurso universal 
(BARROS, 2005). 
O grupo familiar, outrora tido como uma esfera de natureza estritamente 
privada, convive cada vez mais com a possibilidade de estar sob a intervenção 
do sistema judicial. Novas leis ampliam e aprofundam o olhar do Estado sobre 
essas relações. Criam novas realidades jurídicas, tipificam atos, estipulam 
procedimentos e prevêem punições. 
Na mesma proporção em que se amplia a judicialização das relações sociais 
(DEBERT e GREGORI, 2008), cresce a busca por parte dos operadores do Direito 
pelo auxilio de profissionais de outras áreas. A atuação da chamada equipe 
multidisciplinar vem sendo prevista no corpo da própria lei, como no caso da 
11.340/06 (Lei Maria da Penha) e da 12.318/2010, que dispõe sobre a alienação 
parental. Na prática, sabe- -se que o termo multidisciplinar tem sido usado para 
designar profissionais de áreas distintas a do Direito, como assistentes sociais, 
médicos, psicólogos e pedagogos. 
Percebe-se, nos textos das mencionadas leis, que na forma como está 
prevista a atuação da referida equipe multidisciplinar predomina o caráter 
avaliativo de sua atuação. Isso resulta, em diversas situações, 
I il 
em pedidos judiciais que contrastam com os princípios que norteiam a atuação 
desses profissionais, quando não colocam em risco também os seus preceitos 
éticos. 
Na Subsecretaria Especializada em Violência e Família - SUAF, da 
Secretaria Psicossocial do TJDFT, a equipe multidisciplinar é composta por 
profissionais da Psicologia e do Serviço Social. Os dois Serviços que compõem a 
SUAF têm como missão precípua o assessoramento psicossocial aos magistrados 
desse Tribunal. Observa-se, contudo, que essa atuação psicossocial vai além da 
elaboração de relatórios e pareceres para subsidiarem as decisões judiciais. 
O assessoramento psicossocial que prestam psicólogos e assistentes sociais 
da SUAF, mesmo em Serviços distintos, revela que esse fazer não se restringe 
apenas a uma atividade avaliativa de sujeitos ou de grupos familiares. Nesse, e 
em outros aspectos de natureza teórica e metodológica, difere a atuação dessa 
equipe do que se consolidou historicamente como uma prática desses saberes 
dentro do contexto judicial. 
Na obra que retrata o papel do Serviço Social e da Psicologia no Judiciário 
do Estado de São Paulo, Fávero, Melão e Jorge (2005) apontam os lugares 
distintos ocupados por psicólogos e assistentes sociais no exercício da prestação 
jurisdicional. Em que pese o fato de algumas atividades constarem como tarefas 
de ambas as profissões (aconselhamento e encaminhamento, por exemplo), 
pode-se depreender que os aspectos da singularidade e os de contexto são 
fracionados e definidos como objetos de intervenção de áreas distintas. Assim, 
reserva-se à Psicologia lidar com todo o conteúdo que concerne aos estados 
mentais, psicológicos e individuais. Em contrapartida, os fatores sociais, comu-
nitários e institucionais figuram como objeto de intervenção do Serviço Social. 
Essa divisão pode ser observada claramente na forma como as tarefas se 
encontram distribuídas entres esses dois grupos de profissionais, assim como 
nos relatórios técnicos encaminhados ao processo, denominados distintamente 
de parecer social e parecer psicológico. 
Mesmo diante da constatação de que, em nosso país, a atuação de 
assistentes sociais e psicólogos no âmbito judicial se assemelha à experiência do 
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sabe-se que não há um padrão de 
assessoramento psicossocial no Judiciário brasileiro. A pluralidade contida nessa 
experiência nos autoriza também afirmar que esse fazer profissional se reveste 
de uma historicidade, pois vai se delineando ao longo de um processo que está 
sujeito a fatores de ordem institucional, administrativa, cultural, legal e até 
mesmo política. 
I 2 I Sérgio Alberto Bitencourt Maciel 
 
 
 
No caso do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, observa-se, 
a partir de normativas internas que regulam a atuação da equipe psicossocial, 
que termos como laudo e perícia foram sendo substituídos por estudo e parecer 
psicossocial, reforçando o caráter interdisciplinar dessa atuação. Esse 
movimento indica dois aspectos interessantes: 
Por um lado vai se delineando como um estudo que tem uma conotação 
mais compreensiva e discursiva do que a contida em expressões como 
perícia ou parecer. Por outro lado, o estudo é de ordem psicossocial, não 
somente da ordem do psicológico ou do psicopatológico, o que traz 
implícita uma diferença que é o reconhecimento de que as questões a 
serem mediadas no judiciário possuem uma dimensão que é da ordem 
do social, ampliando muito o escopo de compreensão da configuração 
dos crimes e dos conflitos, cerne da decisão dos juizes. (Costa, Penso, 
Legnani e Sudbrack, 2009, p.236) 
A visão das autoras descreve de forma significativa a trajetória que vem 
sendo delineada pelas equipes psicossociais que compõem a SUAF. Da 
concepção do trabalho até a sua execução, passando pela distribuição das tarefas, 
definição de procedimentos e formas de intervenção e elaboração de relatórios, 
todas as etapas contam com a atuação conjunta do Serviço Social e da Psicologia. 
O presente artigo tem o propósito de dar uma maior visibilidade às 
especificidades do assessoramento psicossocial prestado pelos Serviços que 
compõem a Subsecretaria de Atendimento a Famílias Judicialmente Assistidas: o 
Serviço de Assessoramento às Varas Cíveis e de Família - SERAF e o Serviço de 
Assessoramento aos Juízos Criminais - SERAV. Os princípios norteadores dessa 
atuação serão salientados a partir de dois temas que tem sido o foco de atenção 
de cada uma das equipes, e que também ganharam destaque a partir de leis 
promulgadas recentemente: a violência de gênero e a alienação parental. O 
assessoramento psicossocial em processos que tratam dessas temáticas revela 
como os pressupostos teóricos e metodológicos de ambos os Serviços encontram-
se consubstanciados. 
A Psicologia e o Serviço Social em Interface com a Justiça: Notas sobre uma Prática Profissional I 3 I
O SERAF E AS DINÂMICAS DO DIVORCIO LITIGIOSO 
 
Dei pra maldizer o nosso lar Pra sujar teu nome, te humilhar E me vingar a 
qualquer preço Te adorando pelo avesso Francis Hime e Chico Buarque 
O Serviço de Assessoramento às Varas Cíveis e de Família - SERAF 
assessora as Varas de Família, Cíveis e de Precatórias do Tribunal de Justiça 
do Distrito Federal e dos Territórios. As ações de Guarda e Responsabilidade 
e de Regulamentação de Visitas representam a maioria dentre as demais que 
chegam ao Serviço (Tutela, Curatela, Divórcio, entre outras). 
Além de oferecer aos magistrados dessa Egrégia Corte, por meio do 
parecer psicossocial, subsídios para a decisão judicial, psicólogos e 
assistentes sociais do SERAF também almejam que suas intervenções 
resultem em mudanças no sistema familiar. Castro e Santos (2010) ressaltam, 
nesse sentido, que um outro objetivo do trabalho do SERAF é promover 
intervenções que minimizem osofrimento da família e auxiliem seus 
membros a retomar a capacidade de resolução dos conflitos, como foco no 
bem-estar dos filhos. 
O estudo psicossocial imbui-se, portanto, de uma "dimensão in- 
terventiva" (COSTA, PENSO, LEGNANI e SUDBRACK, 2009). Como afirma 
Ribeiro (2010, p.275): "Considera-se não só a avaliação familiar como parte 
do estudo, mas também as possíveis, e muitas vezes necessárias, 
intervenções com o núcleo familiar e seus membros". 
A atuação com base nos pressupostos da teoria sistêmica desloca 
0 foco de análise e intervenção do SERAF para as dinâmicas relacionais que 
subjazem aos processos judiciais, em contraposição a uma avaliação de 
caracteres individuais ou conteúdos intrapsíquicos dos sujeitos. Com efeito, 
a situação de crianças e adolescentes envolvidos em processos litigiosos é 
vista dentro de num padrão relacional construído historicamente pelas 
partes litigantes, padrão esse que se mantém e se acirra quando adentra os 
meandros do sistema judicial. As intervenções promovidas pelos 
profissionais da equipe se dão no sentido de clarificar esses padrões para os 
sujeitos envolvidos nessas dinâmicas, alertando-os quanto aos prejuízos que 
isso acarreta aos filhos e sensibilizando-os para a busca de caminhos 
alternativos. 
1 4 I Sérgio Alberto Bitencourt Maciel
Outro ponto a ser destacado no trabalho dos psicólogos e assistentes 
sociais do SERAF é a atuação pautada na doutrina da proteção integral da 
criança e do adolescente, a fim de garantir os seus direitos constitucionais e 
aqueles previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente. Essa atuação 
exige a parceria com outros atores do Sistema de Garantia de Direitos 
(CRAS, CREAS, Conselho Tutelar, Vara da Infância e da Juventude, entre 
outros), além de privilegiar o trabalho em rede como forma de promoção da 
A Psicologia e o Serviço Social em Interface com a Justiça: Notas sobre uma Prática Profissional I 5 I 
 
cidadania desses jurisdicionados. 
Segundo Barbosa e Juras (2010), desde 2006, observa-se um aumento na 
aparição dos termos alienação parental e síndrome de alienação parental 
(SAP) nos processos que envolvem divórcio litigioso encaminhados ao 
SERAF para estudo psicossocial. Em paralelo, a discussão acerca do tema 
esteve presente em diversos espaços sociais. No entanto, em nenhum deles 
alcançou tanto relevo quando no Legislativo brasileiro. Isso resultou na 
promulgação, em 2010, da Lei 12.318, que dispõe sobre o tema. Sousa (2010), 
ao discorrer acerca desse momento, suscita uma importante reflexão para os 
profissionais que prestam o assessoramento psicossocial no contexto judicial 
ao questionar o que teria feito com que essa síndrome ganhasse tanta 
notoriedade no sistema de Justiça. Na visão da autora, a expansão no meio 
jurídico do conceito de síndrome de alienação parental "ocorre, pro-
vavelmente, por conta da associação, há muito existente, entre Justiça e o 
saber psiquiátrico, que colocou ao dispor das ciências jurídicas o seu 
instrumental" (SOUSA, 2010, p. 114) 
Em verdade, os psicólogos e assistentes sociais que prestam as-
sessoramento no âmbito jurídico não podem ignorar as implicações que esse 
movimento trouxe (e traz) para a sua prática profissional. Diante dos 
pressupostos que dão sustentação à lei 12.318, caberia nos indagarmos: o que 
se espera da atuação de psicólogos e assistentes sociais judiciários mediante 
as limitações presentes no texto da lei? 
A atuação da "equipe multidisciplinar" está prevista no artigo 5e da 
referida lei. Como já foi apontado acima, a lei acaba por reforçar o caráter 
avaliativo do trabalho dos profissionais que compõem essa equipe, 
definindo, inclusive, a estrutura do laudo pericial. Quanto a esse último 
aspecto, segundo Arantes (2007) há uma tendência de parte do judiciário de 
interferir no espaço que antes era considerado da atividade do psicólogo e 
demais profissionais da área da saúde que coloca em questão se restaria ao 
judiciário, diante da crescente colonização do Direito pela norma, legislar 
sobre os procedimentos de normalização ou impor que a norma se realize 
como regra jurídica. 
A ênfase dada pela lei na "avaliação da personalidade dos envolvidos" 
se coaduna com a visão do psiquiatra norte-americano Richard Gardner, 
criador da teoria da Síndrome de Alienação Parental (SAP), que segundo 
Sousa (2010, p. 111): 
busca na pessoa avaliada, e somente nela, as condições que fazem com 
que se comporte de determinada maneira. Entende-se que, dessa 
forma, os sujeitos aparecem como dado definitivo, o trabalho do pro-
1 6 1 Sérgio Alberto Bitencourt Maciel 
 
fissional, como já referido, seria apenas o de desvelar por meio das 
técnicas de exame uma verdade interna, ou psíquica dos primeiros. 
A visão linear, patologizante e dicotômica que subjaz ao texto da lei 
tem sido alvo de constantes questionamentos por parte de psicólogos e 
assistentes sociais do SERAF. Interroga-se se isso não representaria um 
retrocesso em meio aos avanços que vem sendo feitos na compreensão de 
um fenômeno tão complexo quanto o das relações familiares judicializadas, 
na medida em que estaríamos retornando àquele modelo reducionista e 
descontextualizado que marcou a inserção da Psicologia no Judiciário, 
tempo em que se buscava a resolução dos conflitos sociais por meio da 
categorização de sujeitos, da crimina- lização de seus atos e da penalização. 
Conforme os seus pressupostos teóricos, o SERAF concebe o padrão 
relacional que se definiu como alienação parental a partir de uma 
perspectiva sistêmico-relacional, que leva em conta a complexidade, a 
circularidade e a recursividade próprias das dinâmicas do grupo familiar. 
Ao detalharem a prática do SERAF, Barbosa e Juras (2010) ressaltam que 
mesmo nos processos que fazem menção à Síndrome de Alienação Parental, 
os profissionais mantém a preocupação, inclusive nos pareceres, de 
esclarecer a dinâmica relacional parental, realizar a análise ampliada do 
sistema e/ou as dificuldades de uma atuação de maior qualidade no genitor 
que supostamente está sofrendo a alienação. 
De forma a manter o seu posicionamento crítico sobre o tema em 
questão, o SERAF deu início em 2010 a uma pesquisa sobre alienação 
parental em processos em que se realizaram estudos psicossociais. Espera-se 
que o resultado dessa pesquisa possa conferir maior visibilidade à forma 
como essas situações surgem e são tratadas no Judiciário do Distrito Federal. 
Em verdade, essa nova empreitada do SERAF poderá também consolidar a 
sua proposta metodológica no assesso- ramento às Varas de Famílias, e 
legitimar mais uma possibilidade de atuação de psicólogos e assistentes 
sociais dentro do Poder Judiciário. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
0 SERAV E OS PARADOXOS DO AFETO 
A Psicologia e o Serviço Social em Interface com a Justiça: Notas sobre uma Prática Profissional I 7 I 
 
 
Quando a noite enfim lhe cansa, você 
vem feito criança Pr a chorar o meu 
perdão, qual o quê! Diz pra eu não 
ficar sentida, diz que vai mudar de 
vida Pra agradar meu coração E ao lhe 
ver assim cansado, maltrapilho e 
maltratado Como vou me aborrecer? 
Qual o quê! 
Logo vou esquentar seu prato, dou um 
beijo em seu retrato E abro os meus 
braços pra você. 
Chico Buarque 
A Lei 11.340, sancionada em 2006, cria mecanismos para coibir a 
violência doméstica e familiar contra a mulher. Resultado de uma luta 
história travada pelos movimentos feministas e de mulheres por re-
conhecimento social, a Lei Maria da Penha, além de definir o sistema judicial 
como um caminho privilegiado de combate à violência contra a mulher, 
também se propõe a dar uma maior visibilidade às desigualdadesde gênero 
imbricadas no processo de estruturação social que conferem lugares e 
privilégios distintos a homens e mulheres. 
A Lei Maria da Penha escancara os limites das relações privadas ao 
denunciar o espaço de convivência familiar como aquele que pode acobertar 
as mais diversas formas de dominação e violência contra a mulher, e passa a 
tipificá-las como um crime de violação de direitos humanos. Segundo 
Cortizo e Goyneche (2010), a ampliação da proteção social e o 
reconhecimento de direitos nesta área acontece a partir de uma nova 
concepção da vida social, sobretudo, da vida privada e da família, trazendo 
para o espaço público as relações íntimas. Além disso, a referida lei 
estabelece para o Estado a adoção de políticas públicas de proteção, 
assistência e repressão da violência, como forma de reduzir as 
desigualdades entre os sexos. 
No que concerne ao atendimento pela equipe multidisciplinar, este já se 
encontra previsto no texto da Lei, de formas variadas. Em conformidade 
com os artigos 30 e 31, a prestação do atendimento multidisciplinar nos 
casos de violência contra a mulher no âmbito do Tri-
bunal de Justiça do DF e Territórios é feita pelo Serviço de Assessora- mento 
1 8 1 Sérgio Alberto Bitencourt Maciel 
 
aos Juízos Criminais - SERAV. 
O artigo 5Q da Lei 11.340 conceitua como violência doméstica e familiar 
contra a mulher "qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause 
morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou 
patrimonial". O conceito de gênero engendra uma discussão que extrapola 
os meios acadêmico e social e passa também a ocupar o cenário jurídico. 
Para os fins deste artigo, tomar-se-á o conceito de violência de gênero como 
forma de clarificar o entendimento do SERAV acerca das situações de 
violência doméstica e familiar contra a mulher, e como isso se reflete em sua 
prática de assessoramento psicossocial. 
Enquanto categoria de análise, a noção de gênero aponta para um 
processo sócio histórico que transforma as diferenças entre os sexos em 
desigualdades sociais. A violência seria uma dentre as várias formas 
discriminatórias presentes na relação entre homens e mulheres. Ao mesmo 
tempo, vale ressaltar que dessimetrias de poder relativas a gênero se 
articulam com outras categorias capazes de promover relações desiguais de 
poder. Conforme enfatizam Debert e Gregori (2008), gênero é uma dimensão 
que se articula a outras dimensões recortadas por relações de poder, como 
classe, raça e idade. 
Desta feita, o SERAV emprega tanto na análise quanto na intervenção 
nos casos de violência contra a mulher a noção de desigualdade social, que 
se expressa por meio das dessimetrias nas relações de gênero e no acesso ao 
sistema de garantia de direitos. Entretanto, no assessoramento aos casos 
encaminhados pelos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a 
Mulher, os profissionais do SERAV constantemente se deparam como 
solicitações de intervenções que revelam que ainda persiste entre os 
operadores do Direito a tendência de oferecer a "psicologização" e a 
"assistencialização" como principais respostas às situações de violência de 
gênero (POUGY, 2010). A idéia de que a denúncia feita pela mulher, ao 
adentrar o contexto judicial, acaba se transformando em queixa quanto às 
insatisfações conjugais desta, acaba por reduzir uma situação de violação de 
direitos a um conflito de ordem familiar e conjugal. Assim, aumenta cada 
vez mais por parte dos operadores do Direito a busca por recursos que 
venham a restaurar os vínculos e garantir a retomada da harmonia familiar, 
como por exemplo, os grupos de casais e a psicoterapia conjugal. 
Nesse sentido, o enfrentamento da violência de gênero não se restringe 
ao tratamento dos sujeitos nela implicados, direta ou indiretamente, o que 
estigmatiza comportamentos exacerbados. Antes, deve ser compreendida 
como uma das expressões das desigualdades sociais que fecundam também 
A Psicologia e o Serviço Social em Interface com a Justiça: Notas sobre uma Prática Profissional I 9 I 
 
diversamente a classe social, o gênero e a etnia". (ALMEIDA, 1998 citado por 
POUGY, 2010). 
Apoiado em sua perspectiva teórica acerca do tema, o SERAV atua no 
sentido de problematizar esses reducionismos, apontando os riscos que tal 
postura pode representar no processo de garantia de direitos das mulheres. 
Um deles é o de reprivatizar esse tipo de violência, de- volvendo-a ao espaço 
exclusivo das relações privadas e corroborando velhos mitos como "roupa 
suja se lava em casa" e "em briga de marido e mulher ninguém mete a 
colher". 
Outro corolário dessa mesma suposição é o deslocamento da defesa da 
mulher para a defesa da família (DEBERT e GREGORI, 2008). Esse 
deslocamento é claramente apontado no trabalho de Debert e Be- raldo de 
Oliveira (2007), ao tratarem dos modelos conciliatórios de solução de 
conflitos e a violência doméstica, afirmam que os Juizados Especiais 
Criminais realizam a defesa da família porque a define como uma instituição 
baseada em relações de afeto e complementaridade de deveres e obrigações 
diferenciados de acordo com o gênero e a geração de seus membros e, 
portanto, orienta os procedimentos conciliatórios, reproduzindo as 
hierarquias e os conflitos próprios desta instituição. 
Dada a complexidade das situações de violência presentes nos casos 
atendidos no SERAV, fez-se necessário ampliar a concepção dos psicólogos e 
assistentes sociais desse Serviço acerca do tema para incluir em suas 
intervenções as dimensões sócio-histórica, cultural, e política das relações 
sociais entre homens e mulheres, de forma não apenas a contribuir para uma 
prestação jurisdicional mais ampla e efetiva, como também para contemplar 
a dimensão da cidadania de homens e mulheres. Refaz-se, dessa forma, a 
visão dicotômica imposta pelo sistema judicial que transforma homens e 
mulheres em autores e vítimas, enfatizando-se o caráter sócio-histórico e 
relacional presente nas situações de violência doméstica e familiar contra a 
mulher. 
Isso implicou, na prática, em incluir em sua análise e forma de 
intervenção a compreensão de como os estereótipos de gênero e as as-
simetrias de poder se organizam para estruturar as relações privadas, mas 
também como estas se fazem presentes nas instituições jurídicas, nos ritos 
processuais, na aplicação da lei e na distribuição da justiça. 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
Face ao exposto sobre a atuação dos assistentes sociais e psicólogos nos 
Serviços que integram a SUAF, é possível depreender os pressupostos 
1 10 1 Sérgio Alberto Bitencourt Maciel 
 
teóricos que fundamentam esse fazer profissional. 
A interdisciplinaridade propicia que esses saberes convirjam para 
ponto comum, de onde partem a concepção do trabalho e a escolha dos 
procedimentos de intervenção, ressalvadas as especificidades de cada uma 
das áreas. 
O paradigma da complexidade elege a dimensão sócio-relacio- nal 
como foco de análise. Tal dimensão, contudo, não figura como um mero 
objeto de estudo externo, à mercê do olhar do profissional. Entende-se que o 
psicólogo e o assistente social (e os demais atores do sistema judicial) 
também são partícipes dessa relação, produtores de significados, co-
construtores das histórias que desfilam pelo sistema judicial. 
O foco na garantia de direitos faz emergir a dimensão da cidadania dos 
sujeitos atendidos pela Justiça. À noção de sujeito psicológico, de sujeito 
social e de sujeito jurídico, acrescenta-se a de sujeito de direitos, 
privilegiando-se o protagonismo social como estratégica de mudança. 
Toda essa prática profissional restaria ineficaz se o trabalho de 
assistentes sociais e psicólogosda SUAF não estivesse assentado na análise e 
intervenção em rede dos casos atendidos no contexto judicial. Reconhecer-se 
como um dos atores desse Sistema de Garantia de Direitos é, antes de tudo, 
passar a entender esse fazer profissional como parte de um conjunto de 
ações que se desenrolam em diversas instituições e setores públicos e 
privados da sociedade no qual, a prestação jurisdicional, mesmo revestida 
de seu caráter ordenador, é apenas mais uma delas. 
Esses pressupostos particularizam esse lugar conquistado pelos 
profissionais em sua trajetória dentro do Tribunal de Justiça do Distrito 
Federal. Contudo, em que pese a consolidação do trabalho de ambas as 
equipes e o seu reconhecimento institucional, as inquietações próprias da 
interface entre a Psicologia, o Serviço Social e o Direito, que têm sido a força-
motriz de várias mudanças no trabalho de psicólogos e assistentes sociais da 
SUAF, dificilmente cessarão. 
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