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ATIVIDADE 3 A PRÁTICA DAS CONSTELAÇÕES FAMILIARES NO BRASIL: UMA BREVE REFLEXÃO À LUZ DO PENSAMENTO SISTÊMICO Por Suzi Mara Almeida Passos Nota-se, atualmente, uma notória expansão da prática da constelação familiar no Brasil, com grande repercussão em diferentes contextos, seja em atendimentos individuais ou em grupos, seja em ambientes privados ou públicos. E, merecendo amplo e profundo estudo, nesse espaço apenas se pretende estabelecer uma breve reflexão sob a perspectiva científica do Pensamento Sistêmico sobre a prática terapêutica da Constelação Familiar, também corriqueiramente designada como sistêmica, cuja organização é atribuída ao psicólogo alemão Bert Hellinger. Para tanto, primeiro é imprescindível contextualizar a origem de tal prática por meio da trajetória de seu autor. Nascido na Alemanha em 1925, entre as duas grandes maiores guerras mundiais, sua história pessoal é marcada tanto pela experiência da fé religiosa, quanto pela oposição ao nazismo, à guerra e suas consequências. Como sacerdote e com uma formação em Psicologia, trabalhou como missionário na África, onde conheceu a estruturação e os comportamentos das organizações familiares nativas. Após 25 anos, Hellinger deixou a congregação religiosa, voltou para a Alemanha, onde fez formação em Psicanálise e se casou. Tal conhecimento é aqui importante por possibilitar a análise das sutis nuances dessa prática terapêutica nos dias atuais, tendo em vista a perspectiva do Pensamento Sistêmico. Assim, tem-se que o modelo de Ciência, estabelecida na Modernidade como sendo a principal forma de conhecimento, concomitantemente à trajetória de Bert Hellinger, se via diante de mudança sem precedentes. Trata-se da quebra dos paradigmas da Ciência Tradicional, nascida em berço positivista, forjada pelo pensamento cartesiano e mecanicista. Portanto, de forma sucinta, informamos que ocorreu uma revolução epistemológica, onde profundas mudanças de visão ou concepção de mundo provocaram grandes transformações nos paradigmas da Ciência Tradicional, refletindo em todas as áreas da vida, desde a configuração teórico-metodológica das pesquisas no universo acadêmico, até as vivências práticas do cotidiano. De uma forma de pensar simples, linear e fragmentário sobre a realidade, passou- se a uma perspectiva sistêmica da vida, que é um modo de sentir/compreender/apreender a realidade através de uma forma de pensar que implica na ideia de complexidade, instabilidade e intersubjetividade. Essa é a síntese do Pensamento Sistêmico, que tem sido amplamente estudado desde a década de 1920, em várias áreas do conhecimento científico e, dessa forma, é possível dizer que essa nova epistemologia científica trabalha com a compreensão da existência de um mundo através de uma rede de relações e conexões. Assim, o conceito de sistema aqui discutido, vincula-se estreitamente com a ideia de uma unidade global complexa, organizada através de partes que interagem entre si de forma tal que ações e seus efeitos repercutem nas partes e no todo. Da mesma forma ressalta uma importante estudiosa no assunto quando afirma que: Pensar sistemicamente é pensar de maneira complexa, de maneira global, de maneira ecológica. [...], lembrando que toda ação individual é também influenciada pelos pensamentos, pelos sentimentos e ações do outro. Uma ação não envolve apenas a intenção daquele que atua, [...]. Toda ação envolve interação [...] (MORAES,2004, p. 82-83). Além de Moraes, no Brasil, outra importante referência nos estudos acerca do Pensamento Sistêmico deve ser considerada. Trata-se de Maria Esteves de Vasconcellos (2002), que ofereceu à comunidade acadêmica a denominação de “Ciência Novo- Paradigmática”, como significativa delimitação necessária para a realização de estudos e pesquisas sobre o referido tema em todas as áreas do saber científico. Assim, em decorrência das experiências sócio-históricas de Bert Hellinger, fica nítido a visão sistêmica na Constelação Familiar, enquanto abordagem terapêutica que considera o ser humano como parte (interconectada e interdependente) de uma totalidade (seu sistema familiar), cuja auto-organização faz com que todos afetem e sejam afetados. Todavia, conforme salientou Vasconcellos (2002), para que uma atividade seja considerada enquanto saber-fazer científico sistêmico há que se reconhecer a existência de três dimensões, a saber: a epistemologia, a teoria e a prática, conforme O quadro “O que pode ser tomado como sistêmico a seguir: Epistemologia sistêmica Teoria sistêmica Prática sistêmica Paradigma sistêmico Visão sistêmica Pensamento sistêmico Quadro de referência sistêmico Perspectiva sistêmica Concepção sistêmica Pressuposto sistêmico Percepção sistêmica Postura sistêmica Modelo sistêmico Movimento sistêmico Linha sistêmica Abordagem sistêmica Enfoque sistêmico Conhecimento sistêmico Ciência sistêmica Trabalho sistêmico Atuação sistêmica Intervenção sistêmica Efeito sistêmico Método sistêmico Técnica sistêmica Atendimento sistêmico Terapia sistêmica Prescrição sistêmica Equipe sistêmica Formação sistêmica Fonte: Vasconcellos (2002, p. 28) Portanto, considerando que nenhum conhecimento é definitivo, pronto e hermeticamente fechado em si mesmo, pois a vida é dinâmica, sendo a única certeza possível a mudança, passo a tecer alguns arremates necessários à tessitura reflexiva proposta nesse texto. Nesse sentido, é imprescindível apresentar o meu posicionamento paradigmático, pois me situando enquanto psicóloga (há mais de 20 anos), e há quase o mesmo tempo comecei a estranhar o que me era conhecido e comecei a percorrer a arquitessitura (PASSOS, 2010) epistemológica da Ciência Novo-Paradigmática, aí considerando a relevância de diferentes elaborações teórico-metodológicas que contribuem para favorecer um despertar do ser humano para a vida, no sentido de sentir-pensar sobre suas resistências e potencialidades para construir um (com)viver positivamente ecossistêmico. Assim, à guisa de arremate da tessitura reflexiva aqui empreendida, depreende-se a importância da perspectiva sistêmica da Constelação Familiar, quando possibilita o (re)conhecimento daquilo que se sabe sem supostamente ter consciência. Todavia, também é pertinente ponderar sobre o dimensionamento que a prática da Constelação Familiar tem sido apresentada, pelo menos no Brasil, no que se refere às dimensões teóricas e práticas. No que se refere à dimensão teórica, ainda há muito o que ser pesquisado e elaborado para que a Constelação Familiar possa ser sistêmica de fato, principalmente considerando as fortes marcas da trajetória pessoal de Bert Hellinger que se fazem notórias, tais como a estruturação familiar no modelo patriarcal; a confusão conceitual (considerada erroneamente como sistêmica) com mistura de saberes religiosos e da vida cotidiana. Já com relação à prática terapêutica, considerando que é a dimensão que afeta diretamente a vida das pessoas, o questionamento que se faz é sobre o perigo ético desse “boom” das Constelações no Brasil, sendo estabelecidas como panaceia para tudo, através de exercícios equivocados de uma prática meio “frankstein” do cruzamento de um psicodrama com um RPG, desrespeitando as três atividades de uma só vez, haja vista que cada uma tem o seu devido potencial e limitação. REFERÊNCIAS 1. CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 1996. 2. HELLINGER, Bert. Constelações Familiares. São Paulo: Ed. Cultrix, 2006. 3. MORAES, Maria Cândida. Pensamento eco-sistêmico: educação, aprendizagem e cidadania no século XXI. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. 4. MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2007. 5. _______. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008.6. PASSOS, Suzi Mara A. As inter-relações com as diferenças no tecido escolar: os sentidos da diversidade. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação. Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora , 2010. 7. VASCONCELOS, Maria José Esteves de. Pensamento sistêmico: O novo paradigma da ciência. Campinas, SP: Papirus, 2002.
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