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Eugene Boylan A Dificuldade de Orar

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EUGENE BOYLAN 
A DIFICULDADE 
DE ORAR 
EDITORIAL ASTER 
LISBOA 
http://alexandriacatolica.blogspot.com.br
A D I F I C U L DAD E 
D E ORAR 
EUGENE BOYLAN, neste livro, dirige-se 
sobretudo àquelas pessoas que encontram 
dificuldades nos métodos usuais de meditação. 
Fala de oração àquelas almas que sentem 
a necessidade de falar com Deus, porque 
sabem que é Pai, e dá-nos uma lição prorunda 
e simples: sendo a oração absolutamente 
necessária para a vida cristã, não pode estar 
obrigatoriamente ligada a processos compli­
�dos, diriceis para a mentalidade normal. 
A oração tem de ser natural e constante, 
como a respiração para a vida rlsica. 
O autor dirige-se, portanto, a todos os 
cristãos, mostrando-nos como a todos é aces­
sfvel a oração - tanto ao religioso arastado 
do mundo, como ao sacerdote secular, ou 
ao simples cristão na sua vida corrente -, 
porque a oração é afinal o resultado da ami­
zade que se possuir com Deus, sendo, ao 
mesmo tempo, causa duma progressiva inti­
midade com Ele. 
' 
p R E F A c I o 
H á um processo para imprimir desenhos a cores que 
requer a elaboração de chapas separadas para cada 
cor elementar que compõe o desenho. As impressões 
de cada uma destas chapas são sobrepostas umas às 
outras e, se a intensidade relativa de cada cor é correcta, 
o resultado é bastante natural. Se, no entanto, qual­
quer dos tons é demasiado fraco, então haverá um 
defeito correspondente na reprodução final da cor 
autêntica, que pode talvez corrigir-se com uma impres­
são suplementar do elemento enfraquecido. 
Ora a finalidade destas páginas é algo parecido com 
essa impressão suplementar. Não é que a apresen­
tação corrente da oração mental seja defeituosa, mas 
a ideia que muitas almas receberam da oração mental 
precisa de ser reforçada em algumas «cores». Esta 
finalidade expiica a extensão Irregular em certas maté­
rias, que o leitor notará nestas páginas. O assunto da 
meditação metódica é apenas esboçado, já que há 
tantos livros excelentes que a tratam elft pormenor. 
Além disso, as almas a quem este livro é primeiramente 
dedicado, são aquelas que não conseguem aproveitar 
com os métodos usuais de meditação, e também aquelas 
que em tempos foram capazes de meditar, mas que agora 
acham que se lhes tornou impossível fazê-lo. 
9 
PREFÁCIO 
Para enquadrar esta impressão suplementar no 
quadro geral da oração esboçou-se pelo menos o assunto 
na generalidade, abordando-se mais largamente algu­
mas faces que parece necessitarem de um tratamento 
mais minucioso. Mas há outro motivo para que insis­
tíssemos em incluir uma análise de estados de oração 
como aquela a que chamamos a oração de fé, e para 
que peçamos ao leitor, seja qual for a sua posição na 
escada da oração, que leia a obra toda. Diga-se o 
que se disser àcerca da lei geral do desenvolvimento 
da oração, quando se observa e se tira a média entre 
um grande número de almas diferentes, a maior parte 
dos indivíduos acha que a sua trajectória de progresso 
é extremamente sinuosa e revela variações rápidas e 
amplas. Parece, portanto, que, excepto talvez mesmo 
ao principio, uma familiarização com a natureza e a 
técnica de todos os estados de oração é não só vantajosa 
em qualquer estado, mas até necessária em todos eles. 
Esta obra, apesar do título, não é uma análise cien­
tífica ou um catálogo classificado das várias dificul­
dades que podem surgir na oração, como uma solução 
prática completa para cada um, colocada no lugar 
devido. O seu objectivo é, antes, discutir a natureza 
e os modos de oração, não com objectividade cienti-
lO 
PREfÁCIO 
fica, mas do ponto de vista individual, encarando-a 
como ela aparece a cada um. Deste modo espera-se 
colocar a alma em cpndições de lutar com a maior 
parte das suas dificullades. Além disso, o objectivo 
principal não é tanto instruir o leitor como animá-lo a 
insistir na oração e levá-lo a procurar novos esclareci­
mentos nos trabalhos de penas mais competentes. 
Por isso é que o tratamento do assunto é tão conden­
sado; e tanto é assim que será necessária uma segunda 
leitura para extrair dele tudo quanto tentámos dizer. 
Esta segunda leitura é ainda mais aconselhável pelo 
facto de que os capítulos iniciais serão mais fàcilmente 
entendidos à luz dos seguintes. 
Por ser ponto tão bem tratado em muUas outras 
obras, supõe-se que o leitor tem consciência da neces­
sidade da oração mental. Um cristão que não ora, é 
como um homem que nem pensa nem quer �·um sim­
ples animal na vida espiritual. A busca da perfeição 
é completamente impossível sem a oração mental que 
pode, é claro, fazer-se com bastante inconsciência. 
De facto, pode dizer-se que se um homem não ora, não 
pode salvar a sua alma. 
E nem mesmo nos é lícito pensar que os próprios 
leigos estão, pela sua vida, excluídos de aspirar a um 
11 
PREFÁCIO 
progresso na oração como o que se indica neste livro. 
Qualquer pessoa que esteja preparada para servir a 
Deus com boa vontade e dedique diàriamente tempo 
bastante à leitura espiritual e à oração pode com fun­
damento esperar crescer em amizade com Deus, isto 
é, progredir na oração. As dificuldades dos leigos na 
vida interior requerem uma análise mais detalhada do 
que se pode fazer neste livro, mas não são insuperáveis 
e não podem impedir que nenhum leigo de boa vontade 
tenha uma vida interior de oração mesmo no mundo. 
Somos, além disso, completamente contrários à teo­
ria de que não há nenhum estado de oração entre a 
meditação metódica ordinária e a contemplação pas­
siva. Como, segundo esperamos, se tornará evidente 
nestas páginas, a oração parece-nos ser o resultado de 
uma progressiva intimidade e amizade com Deus. 
Se a oração não pode progredir, então tão-pouco pode 
progredir a amizade. 
Este ponto é de grande importância prática, porque 
as falsas noções a este respeito podem fazer com que 
a alma perca todas as esperanças de alcançar a união 
com Deus. Ao longo do que se segue, tentaremos 
mostrar como esta união pode ser procurada e encon­
trada por uma intimidade sempre crescente com Jesus 
12 
PREFÁCIO 
na oração e no trabalho. Isto conduz a encarar cada 
exercício da vida religiosa como um ponto de encon­
tro onde o cristão tem a certeza, não só de achar Jesus, 
mas também de poder e.f_tar unido com Ele. 
Notar-se-á ainda que se evitou, em grande parte, 
dividir a oração em estados de desenho e recorte nítidos. 
As definições, quando de todo se dão, são frequente­
mente amplas e algumas vezes vagas. Isto, no entanto 
é propositado. Não vale a pena querermos ser mais 
precisos nem mais rigorosos nas nossas noções do que 
o é a própria realidade da oração. Ora a oração, em 
especial do ponto de vista individual, pode muitas vezes 
ser muito imprecisa e inclassificável. E ainda mesmo 
se existe uma escada de oração bem marcada para cada 
individuo, não é de modo algum necessário, pelo menos 
como regra geral, saber em que degrau se encontra. 
O importante é evitar parar, e subir sempre. 
O facto de a mesma dificuldade reaparecer com fre­
quência em diferentes estados do progresso na oração, 
e de o mesmo principio ter muitas aplicações ao longo 
da vida espiritual conduziu a algumas repetições no 
texto. Num livro escrito para ir ao encontro das neces­
sidades de almas isoladas e que foca o seu assunto de 
diferentes pontos de vista e tenta tratar os muitos mal 
13 
PREFÁCIO 
entendidos e noções erradas com que se pode topar, 
tal repetição parece justificada e será, segundo cremos, 
perdoada de bom grado. 
Não nos desculpamos de fazer o que só pode ser uma 
tentativa imperfeita na difícil tarefa de esboçar a dou­
trina de S. Paulo sobre a habitação das pessoas divi­
nas na alma baptizada e a incorporação da alma em 
Cristo. Esta doutrina foi o alicerce do ensinamento 
doapóstolo. É ainda um fundamento sem rival para 
uma vida de oração, parecia-nos que é não só o melhor 
encorajamento para ela, mas também o mais seguro 
apoio para a esperança de levá-la a bom termo. Em 
particular, o próprio S. Paulo dá testemunho de que o 
Espírito Santo auxilia a incapacidade da nossa oração, 
e muitos teólogos vêe11J uma estreita relação entre a 
operação dos dons do Espírito Santo e o desenvolvi­
mento da oração. 
O facto da busca da oração implicar a busca da san­
tidade, não há-de causar alguma dúvida a ninguém 
quanto à possibilidade de a alcançar. Quando o nosso 
Salvador se lavantou de entre os mortos, tinha tomado 
sobre si mesmo e triunfado de todos os possíveis 
obstáculos do nosso passado, do futuro de nós mes­
mos ou da nossa volta, que pudessem interferir na 
14 
PREFÁCIO 
nossa santidade. A agonia que despedaçou o seu 
sagrado Coração no Horto, foi o pensamento de que 
depois de ter feito e sofrido tanto - muito mais do 
que seria porventura necessário - pela nossa santidade, 
nós havíamos de tornar o seu sangue inútil pela nossa 
cobardia e pela nossa ausência de fé e de confiança 
n' Ele. O maio� valor que nós podemos dar aos sofri­
mentos de Cristo, é acreditar que podem santificar até 
mesmo os que são como nós. 
Temos de facto de completar em nós mesmos aquilo 
que falta à ressurreição de Cristo no seu Corpo, dei­
xando-o ressuscitar em nós pela nossa santidade. 
Se se desprender destas páginas alguma graça, algum 
bem, algum proveito, isso deve-se à intercessão de 
Maria- Mãe de Cristo-, deve-se à graça do Espf­
riU) Santo que opera no mais indigno sacerdote, deve-se 
aos sofrimentos de Cristo, que mereceu todas as 
graças para os homens, deve-se à misericórdia do Pai 
do Céu, que quer restaurar todas as coisas em Cristo, 
no qual, na unidade do Espfrito Santo, reside toda a 
sua glória. 
15 http://alexandriacatolica.blogspot.com.br
IN T R O D U Ç Ã O 
Perante a dificuldade sempre crescente de levar 
uma vida santa em contacto com um mundo que se 
torna cada vez mais flagrantemente pagão, impelidas 
muitas vezes pelo sentimento mais ou menos cons­
ciente das necessidades de um dos momentos mais 
críticos da história da cristandade, muitas almas 
começaram a examinar o estado da sua saúde espi­
ritual e a procurar meios de progredir. A necessi­
dade de maior energia interior levou-as a considerar 
em especial a sua oração, pois foi-lhes dado chegar 
a compreen der que a oração é a fonte do seu vigor 
e o centro da sua vida espiritual. 
O resultado da investigação é, em muitas casos; 
insatisfatório e desanimador. Muitos acham que 
alguma coisa está mal na sua oração ; notam uma 
falta de progresso, uma dificuldade cada vez maior 
e mesmo uma crescente falta de gosto nesc:e exercício. 
Alguns concluem que para eles é uma pura perda 
de tempo continuar a «oram como t�m feito ; 
outros acham o tempo dedicado à oração uma carga 
que se está a tornar quase intolerável. É na espe­
rança de fazer alguma coisa para aliviar estas difi­
culdades que estas páginas foram escritas. 
Não há razão nenhuma para que os seculares, no 
mundo, não encontrem proveito na discussão destes 
dramas. Mesmo os principiantes podem cobrar 
17 
A DIFICULDADE DE ORAR 
coragem se as possibilidades da oração lhes são 
postas diante, e uma vez que se corrijam os seus 
mal-entendidos sobre a natureza da oração, tentarão 
a sua prática regular com renovado propósito. Mas 
só depois de se ter feito uma tentativa continuada 
na oração regular, é que estas linhas encontram por 
completo a aplicação pretendida. 
Não se pretende fornecer um catálogo exacto das 
dificuldades da oração, com um remédio determinado 
para cada uma; antes esperamos, que examinando 
as origens donde procedem as dificuldades, o leitor se 
tomará capaz, talvez depois de algumas experiências, 
de encontrar uma solução para os seus problemas. 
Visto que muitas das dificuldades surgem de noções 
erradas da sua natureza, vamos em primeiro lugar 
passar uma breve revista ao desenvolvimento da 
oração, de modo a fixar a nossa perspectiva, para 
então voltarmos a uma análise mais detalhada dos 
seus vários elementos e estados. 
Falando tecnicamente, a oração é uma elevação 
do espírito e do coração para Deus, para o adorar, 
para o louvar, para lhe agradecer os seus benefícios 
e lhe pedir graça e misericórdia. Num sentido mais 
restrito, a palavra restringe-se à oração de petição, 
isto é, ao pedir a Deus coisas convenientes. Os seus 
principais efeitos são fazer-ncs amar a Deus mais 
e mais, conformar a., nossas vontades com a sua, 
fazer-nos verdadeiramente humildes e levar-nos a 
estar mais intimamente unidos a Ele. 
Pode com acerto descrever-se como uma conversa 
amorosa com Deus, especialmente se se recorda 
que a conversa abrange tanto o ouvir como o falar, 
e que os grandes amigos podem com frequência 
conversar sem palavras. Quando com os lábios 
utilizamos uma dada fórmula e procuramos confor­
mar de algum modo os nossos pensamentos e dese-
18 
INTRODUÇÃO 
1os com us nossas palavras, temos o que vulgarmente 
HC chnmu oração vocal. Mas, é claro, para que che­
�uc a ser oração, o espirito tem de tomar nela alguma 
pnrtc. Naquilo que se chama oração mental pro­
curamos fazer surgir estes pensamentos e desejos 
em nós, por alguma reflexão e então dar-lhes expressão 
por palavras- palavras nossas, em geral- ou 
mesmo por aquele eloquente silêncio em que o cora­
ção fala a Deus e lhe dá o louvor adequado sem o 
ruldo das palavras. Mas ainda que articulemos 
palavras, ou pronunciemos esses actos e desejos, a 
nossa oração não deixa por isso de ser oração men­
tal. É este, um erro que algumas pessoaf corr.etem, 
pensando que devem reprimir qualquer expressão 
articulada ou discurso, na oração mental. Pelo 
contrário, se, como é frequentemente o caso, a arti­
culação com os lábios contribui para tornar os nossos 
actos mais ferverosos ou mais reais, pode perfeita­
mente usar-se. Mas não é essencial. Nisto, como 
em assuntos semelhantes deve prevalecer uma santa 
l iberdade de espírito. 
Os «actos» que fazemos na oração, chamam-se 
afectos. O significado corrente desta palavra é 
inteiramente diverso do que se lhe dá aqui. Os 
afectos na oração são essencialmente actos de von­
tade pelos quais ela se dirige para Deus, e suscita 
outros actos das diversas virtudes, tais como fé, 
esperança e amor, arrependimento, humildade, gra­
tidão ou louvor. Nos primeiros estados da vida 
espiritual, estes afectos não podem, geralmente, ser 
produzidos sem uma consideração laboriosa e um 
e.:;forço fatigante. As coisas desta vida, o afogadilho 
da actividade humana, a experiência diária dos sen­
tidos, de tal modo inundam li imaginação e excitam 
as emoções que as verdades mais abstractas da fé 
e os mistérios da vida de Cristo, a dezanove séculos 
19 
A DIFICULDADE DE ORAR 
de distância, pouco cabimento têm no espirito. Temos, 
portanto de gastar algum tempo da oração a passar 
em revista estes pensamentos e a estimular o coração 
para que actue e dê expressão aos seus desejos. 
A palavra meditação, no seu sentido estrito, denota 
este trabalho preparatório da reflexão e considera­
ção, que ainda não é realmente oração ; é apenas um 
prelúdio para a oração. Os afectos e petições cons­
tituem a verdadeira oração. 
Por este motivo é pouco feliz o costume de aplicar 
a palavra meditação ao conjunto de exercícios da 
oração mental. Apesar de reservarmos este ponto 
para uma análise mais completa num capítulo pos­
terior, diga-se desde já que a palavra meditação, 
no seu sentido mais lato, quando aplicada ao exer­
cício da oração mental em conjunto, abrange muito 
mais que o sentido estrito da palavra. Para que 
possa chegar a ser oração, tem de incluir algumas 
petições ou actos. 
À medida que se avança na vidaespiritual, desen­
volvem-se convicções que fàcilmente se revivem no 
momento da oração ; a leitura e a reflexão, dois ali­
mentos essenciais da vida espiritual, aprofundam o 
conhecimento de Cristo e da sua doutrina, e 
fazem-nos crescer no seu amor; a realidade das coi­
sas do espirito toma-se mais intensa. O resultado 
é que o tempo necessário para a consideração preli­
minar se reduz cada vez mais e os afectos apresen­
tam-se mais fàcilmente e ocupam gradualmente a 
maior parte do tempo da oração. Uma tal oração 
chama-se «oração afectiva». 
Nessa altura, exactamente como quando se esta­
belece a amizade entre dois homens, amadurecem 
a mútua compreensão e a comunhão de objec­
tivos e as palavras começam a ganhar toda uma 
riqueza de significado, assim também, à medida 
20 
INTRODUÇÃO 
que cresce a intimidade com Deus, a virtude progride 
paralelamente, podemos descobrir que os nossos 
afectos - isto é, os nossos actos de vontade e das 
outras virtudes - necessitam cada vez de menos 
palavras para se exprimirem, e pode algumas vezes 
acontecer que nos contentemos com ajoelhar em 
adoração silenciosa, ou em mudo arrependimento, 
ou com qualquer outro «afecto» semelhante, sem usar 
pa1avras. Assim, a nossa oração simplifica-se. 
A esta oração simplificada chama-se frequente­
mente <<Oração de simplicidade», mas embora os 
autores estejam de acordo quanto à definição do 
termo, poderia parecer que a aplicam a coisas muito 
diferentes, e por isso, para evitar mal-entendidos, 
parece-nos preferível evitar nestas páginas, o uso 
daquela express�o. A oração a que acabámos Je 
nos referir pode ser chamada oração dos afectos 
simplificados. 
Em tudo isto, � claro, a graça de Deus tem estado 
a trabalhar. Algumas vezes, no entanto, no caso 
duma alma que é generosa e humilde, e que se recusa 
a pactuar e a assinar a paz com o amor próprio 
- não importa quantas vitórias ocasionais possa ter 
ganho o inimigo - acontece que Deus começa a 
desempenhar um papel ainda maior na sua oração 
A sua acção é dum tipo novo e pode de im­
cio passar desp�cebida. Opera nas profundidades 
da alma e serve-se muito pouco, ou nada, da imagi­
nação ou das emoções ou mesmo da actividade ordi­
nária da inteligência. Este estado de oração, que 
aqui chamaremos uma oração de fé - sem, no 
entanto, insistir demasiado na exactidão do termo -
é urna oração de grande valor e muito eficaz para 
unir a alma a Deus. Tem as suas dificuldades e 
embaraços próprios e pode requerer o exercício de 
muita paciência e um esforço decidido. Se, no 
21 
A DIFICULDADE DE ORAR 
entanto, se persevera com generosidade e confiança 
em Deus, conduz a grandes graças de oração e san­
tidade. Não será exagero chamar-lhe um atalho 
para a santidade. 
Antes de deixar este capítulo para considerar 
com maior detalhe as diferentes fases da oração, 
que acabámos de esboçar, antecipando uma análise 
futura do assunto, pode dizer-se, que ainda que 
os autores dividam a vida espiritual em «estádios» 
correspondentes aos diferentes graus de oração, que 
se encontram de modo característico nas a1mas, 
não há uma fronteira nítida de demarcação, nem 
tão-pouco nenhuma uniformidade estreita em cada 
um dos graus. A1gumas vezes, por exemplo, em 
especial durante ocasiões de grande alegria ou pesar, 
mesmo o principiante pode encontrar-se a orar dum 
modo muito simplificado, ao passo que, por outro 
lado, a alma adiantada pode ter de regressar à técnica 
da meditação para ultrapassar alguma dificuldade 
temporária. Em todas estas matérias há muitos 
mal-entendidos, e como muitas das dificuldades na 
oração mental, provêm destas noções erradas, os 
capítulos seguintes darão, antes de mais nada, um 
breve resumo das diferentes faculdades que a alma 
usa nas suas operações, para depois tratar com mais 
pormenor das várias fases de oração aqui esboçadas. 
22 
http://alexandriacatolica.blogspot.com.br
AS POTÊNCIAS DA ALM A 
Falando tecnicamente, o homem é um animal 
racional. Como os animais brutos, participa da 
faculdade da sensação e do apetite sensível, enquanto 
que, do mesmo JI!.Odo que os anjos, tem inteligência e 
vontade. 
No estado de graça torna-se participante da 
natureza divina e é enriquecido com o poder de 
conhecer e amar a Deus pela fé, esperança e caridade. 
Todo o seu conhecimento natural depende do tra­
balho dos seus cinco sentidos externos. Tem, no 
entanto, sentidos internos, dois dos quais, a ima­
ginação e a memória, nos interessam aqui. Por 
meio destas faculdades, pode recordar e reproduzir 
as imagens obtidas pelos sentidos externos, por meio 
duma espécie de quadro falante. Pode mesmo 
reconstruir quadros novos - ou «fantasmas)), corno 
se lhes chama - com o material fornecido pela expe­
riência anterior 
Além destas faculdades de conhecimento sensi­
tivo há também a importantíssima faculdade de 
desejo sensível, chamada apetite sensível, a qual 
deseja qualquer objecto bom ou atractivo que os 
sentidos apresentam ao sujeito, quer duma forma 
real, quer na imaginação. Esta faculdade é auto­
mática, isto é, actua imediatamente assim que se 
lhe apresenta o objecto, e a sua acção é , muitas vezes, 
23 
A DIFICULDADI! DI! ORAR 
acompanhada por aquilo a que os filósofos chamam 
uma paixão, a qual produz um certo efeito corporal. 
Podemos ver este apetite actuar - a palavra tem 
aqui um sentido muito mais vasto do que na lin­
guagem corrente, porque engloba todos os impul­
sos que se dirigem ao bem de qualquer sentido ­
nos nossos momentos de ira ou, por exemplo, no 
desejo dos alimentos proíbidos nos dias de absti­
nência. Note-se de passagcm que, por ser auto­
mático e estar portanto fora do controle da vontade, 
este desejo não pode ser nunca um pecado em si 
mesmo. Se isto se entendesse claramente, evitar­
-se-ia muita preocupação sobre o suposto consenti­
mento a maus pensamentos e à ira, e quejandos. 
Há desejo, mas só no apetite sensível ; não pode 
haver pecado até que a inteligência reconheça a natu­
reza pecaminosa do objecto e a vontade o deseje. 
Deste modo, numa sexta-feira, por muito que o 
«apetite» do homem deseje a carne, desde que a 
sua vontade recuse o consentimento, não só ele não 
peca, como ainda pode tirar daí méritos. 
Esta digressão, que introduzimos por causa da 
sua importância em outras circunstâncias, faz-nos 
reparar nas faculdades mais elevadas da inteligência 
e da vontade. A inteligência é a faculdade pela qual 
o homem conhece a verdade ; o seu âmbito é indi­
cado pela sua capacidade de conhecer verdades 
abstractas, relações, ideias universais, etc.. Nesta 
vida - pelo menos enquanto opera segundo o seu 
modo actual - a inteligência actua abstraindo o 
seu conhecimento dos objectos individuais concretos 
representados na imaginação. Mas, mesmo depois 
de a inteligência ter obtido matéria para o pensa­
mento, a imaginação ainda continua a tentar elaborar 
alguma imagem que represente as ideias com as 
quais a inteligência está a trabalhar. É por isso 
24 
AS PO'rtNCIAS DA ALMA 
que o pensamento abstracto é tão fatigante, porque 
a imaginação não pode nunca atingir completa­
mente o seu objectivo ; tem muitas vezes de conten­
tar-se com imaginar uma palavra, ou alguma imagem 
vaga, que se adapte à ideia. Os seus esforços podem 
ser exemplificados tentando ver que «imagem» forma­
mos de Deus. As suas limitações podem exemplifi­
car-se, se tentamos representar as noções de «depen­
dência>>, de «casualidade» ou de «honestidade», ou 
qualquer outra ideia abstracta semelhante. 
A vontade é o apetite intelectivo, é a potência 
pela qual desejamos ou «amamos» objectos que a 
inteligência afirma como bons. Tudo pode ser 
olhado como bom sob algum aspecto ; mesmo o 
pecado é desejado como um bem - um bem dos 
sentidos. Em última análise, o mérito pertence só 
aos actos da vontade,e o pecado só pode come­
ter-se através dela. Da actuação da vontade depende 
toda a vida espiritual. A vontade é uma faculdade 
livre, cuja actividade nos está de tal modo sujeita que 
nenhum objecto criado pode forçá-la a actuar. 
Por causa desta dúplice natureza do homem, surge 
um certo número de reacções às quais está SUJeito 
e que designaremos, de um modo geral, por emo­
ções ou paixões. Estas radicam-se na sua natureza 
sensível ou animal. A alegria, com a respectiva 
expressão corporal, que um rapaz tem por ser clas­
sificado em primeiro lugar num exame, é, na sua 
origem. talvez mais racional do que sensível; a vio­
lência com que o mesmo rapaz riposta quando é 
atacado, vem mais da sua natureza sensível do que 
da acção do entendimento. A este último tipo de 
reacções pertencem muitos daqueles «sentimentos» 
que se encontram na oração: consolação, aridez, 
pesar, alegria, etc.. Por isso se apresentou aqui o 
assunto, pois é óbvio que, enquanto procedem 
25 
A DIFICULDADE DE ORAR 
dos sentidos, tais movimentos não são, em si mes­
mos, meritórios nem mesmo sinais de verdadeira 
devoção, que consiste na prontidão da vontade 
para servir a Deu-;. São, no entanto, um enorme 
auxílio para vencer a resi.,tência da «carne» a servir 
o espírito, e ajudam-nos a dedicar todas as nossas 
energias ao serviço de Deus. 
Na prática, nenhum ser humano poderia servir 
a Deus com todo o seu coração, a não ser que a 
sua natureza sensível encontrasse algum prazer em 
entregá-lo a Deus ; porque nós somos homens, e não 
anjos. Mas há urna diferença enorme eritre os 
«sentimentos» que se originam nas faculdades supe­
riores e transbordam para os sentidos, como por 
vezes acontece, em especial nos mais altos voos da 
vida espiritu&l, e os «sentimentos» procedentes dos 
sentidos que tendem, por si próprios, a arrastar as 
potências superiores atrás deles. Muita da «devo­
ção» que se experimenta no inicio da vida espiritual, 
contém urna boa dose deste último «Sentimento». 
Deus nos livre, no entanto, de o desprezarmos, por­
que com frequência esta consolação pode vir de 
Deus. É urna grande ajuda para desapegar os nossos 
corações das consolações das criaturas e para mover 
todo o coração na busca de Deus. Mas ima­
ginar que a verdadeira devoção consiste em tais sen­
timentos é um erro fatal. 
Há outros pontos de importância, relacionados 
com isto, mas, desde que o que fica acima é bastante 
para a nossa finalidade imediata, podem ser deixados 
para mais tarde, e podemos prosseguir no estudo 
dos primeiros estados na oração. 
26 
O RA Ç Ã O D I S CU R S I VA 
Entende-se por oração discursiva, uma oração 
na qual predomina a reflexão ou consideração de 
algum mistério ou de alguma verdade da fé. «Dis­
curso» era o vocábulo antigamente usado para desig­
nar o processo de raciocínio pelo qual se chega à 
verdade gradualmente - passo a passo -, como em 
qualquer demonstração euclidiana. 
Poderia chamar-se «intuição», à acção oposta 
do entendimento através da qual o espírito apreende 
uma verdade de relance ou porque é evidente por si 
mesma - «o todo é maior do que a parte», por 
exemplo- ou, num sentido menor e restrito, porque 
uma longa experiência lhe tornou muito familiares 
todos os passos da argumentação que a ela conduz. 
Todos, por exemplo, vêem os «axiomas» de Euclides 
por intuição, enquanto muitos dos «teoremas>> são 
tão familiares para o professor que se pode já dizer 
que os vê por intuição. 
Introduz-se aqui o termo «oração discursiva» 
propositadamente. No sentido estrito da palavra, 
<aneditação» aplica-se ao discurso do espírito, 
com actuação concomitante da imaginação e da 
memória, e apenas a isto. Como, no entanto, em 
muitos ambientes religiosos se dá o nome de medi­
tação ao exercício em que um determinado tempo 
do programa do dia se destina à oração mental, a 
27 
A DIFICULDADE DE ORAR 
palavra é com frequência aplicada a qualquer forma 
de oração mental. Mesmo que uma pessoa se eleve 
aos cumes da contemplação, diz-se que está a fazer 
a «sua meditação)). Este costume tem as suas 
desvantagens ; apropria-se duma palavra muito útil 
que há-de ser aqui substituída por «reflexão» ou 
«consideração)), e leva os que tomam o termo à letra, 
a julgar que a essência do exercício da oração 
mental reside nas considerações. 
Ora, na verdade, o facto é que não há oração de 
verdade até que a alma comece a produzir «actos» 
ou afectos». Nunca se insistirá bastante nisso. 
A finalidade da consideração, reflexão ou «medita­
ção», no seu sentido estrito, é apenas conduzir a 
alma a produzir actos. Tem ainda outros efeitos, 
que consideraremos mais adiante, mas logo que 
surgem os actos, a sua função está cumprida e deve 
por-se de parte até que a alma não possa já continuar 
a fazer actos ou, por outras palavras, não possa já 
continuar, de um ou outro modo, a falar com Deus, 
porque nisto é que consiste realmente a oração. Se 
se verifica que esta conversa com Deus é possível 
logo ao princípio do tempo de oração, não devem 
tentar-se considerações enquanto subsiste o nosso 
diálogo com Deus, mesmo que implique o fim da 
reflexão (1). 
Como, no entanto, não é este o caso corrente, 
pelo menos no princ1p10, qualquer método de 
reflexão poderá ser muito útil. 
A bibliografia sobre este assunto é abundante e a 
(1) Pelo menos esta é a nossa opinião, mas nem todos 
concordariam completamente com ela. Sobre este ponto, e 
sobre a matéria deste capitulo e do seauinte, vide o Apên­
dice I. 
28 
ORAÇÃO DISCURSIVA 
maioria das pessoas estão a par da doutrina comum, 
pelo menos até certo ponto. Numerosos autores 
esboçaram, expuseram e desenvolveram com mais 
ou menos detalhe um «método» que, nas suas linhas 
essenciais, está em geral ligado estreitamente com o 
usado por Santo Inácio nos seus célebres «Exercí­
cios Espirituais». O tema da meditação, dividido 
em «pontos», é preparado na noite anterior, e deter­
minam-se as conclusões principais, actos, petições 
e resoluções a que se há-de chegar. Quando chega 
o tempo da oração, começa-se o exercício pondo-nos 
na presença de Deus; há alguns prelúdios para fixar 
as faculdades por meio duma «composição do lugar», 
etc. e algumas petições iniciais ; toma-se o primeiro 
ponto, e a imaginação e a inteligência aplicam-se-lhe 
metàdicamente ; formulam-se certos actos ; depois 
procede-se de forma idêntica com um segundo ponto 
e, talvez, com um terceiro. Uma vez feitos os actos, 
as petições e as resoluções determinadas com antece­
dência, bem como outras que se tenham apresentado no 
decorrer do exercício, a oração termina com um 
«colóquio» ou numa conversa com Deus ou com algum 
dos seus santos e uma curta acção de graças, à qual 
se acrescenta um exame do modo como se procedeu 
no exercJCIO. Pode recolher-se algum pensamento 
para tê-lo à mão durante o dia, a fim de renovar 
na alma os efeitos da meditação. 
Para quem tenha usado um destes manuais de 
oração, que por vezes estabelecem o plano com grande 
detalhe, todo este esquema é familiar, e não vale a 
pena tratá-lo aqui mais detidamente. 
Quando se segue um método deste género, por 
certo há-de dar resultado, e constitui um modo muito 
útil de ajudar o principiante nas suas primeiras ten­
tativas de oração mental. As numerosas almas 
que podem segui-lo, não precisam dos nossos remé-
29 
A DIFICULDADE DE ORAR 
dios, mas é aconselhável preveni-las de que devem 
estar prontas a modificar o método, caso deixe 
de ser-lhes proveitoso, e pô-las em guarda contra 
o erro que se pode cometer com uma noção errada 
da natureza essencial da oração, de julgar que a 
reflexão é a oração, e, consequentemente, de não 
guardar tempo bastante para formular actos e 
conversar com Deus. Talvez encontrem um novo 
alento na sugestão de que podem ainda ter outras 
possibilidades diantede si. Há muitas almas que 
alcançaram um elevado grau de santidade e que 
parece nunca terem usado outro modo de orar. 
Dizemos «parece». porque, como se verá mais tarde, 
pode acontecer que, enquanto «meditam» com a 
parte inferior do espírito, estão, sem que o saibam, a 
contemplar a Deus de modo especial com as suas 
faculdades superiores. Isto mesmo pode acontecer 
até com a oração vocal, especialmente com a recita­
ção coral do Oficio Divino. Seja como for, há 
muitas veredas que conduzem à santidade e, se bem 
que as graças duma oração proficiente são uma pode­
rosa ajuda, senão a maior, para progredir, estas 
não constituem por si mesmas a santidade. 
Se um homem ama a Deus com todo o seu coração 
e com toda a sua alma, com todo o seu espírito e 
com todas as suas forças, cumpriu a lei por inteiro e 
é perfeito, seja qual for o seu modo de orar. 
Parece, no entanto, que há um certo número de 
pessoas que, apesar de reiterados esforços e duma 
indubitável boa vontade, não só não encontram 
nenhum proveito no uso destes métodos de oração, 
mas até se vêem embaraçados por eles, às vezes de 
tal modo que toda a oração se torna, em si mesma, 
um fardo insuportável. Como consequência disto, 
o que devia ser fonte da sua vida espiritual, seca; 
a perseverança toma-se difícil, e só se consegue 
30 
ORAÇÃO DISCURSIVA 
progredir através de esforços heróicos. A alma 
pode mesmo desistir de toda e qualquer tentativa 
para orar, e acabar num desastre espiritual. 
E há também aqueles que, em tempos, foram 
proficientes na oração, mas que, à medida que passou 
o tempo, verificaram que não podiam continuar a 
orar como costumavam e foram reduzidos a um 
estado de completa impotência na meditação, sem 
conhecerem nenhum outro modo de orar. 
Todas estas almas podem, esperamos, encontrar 
o princípio da soluçãc;> dos seus problemas na aná­
lise da oração mental que se segue. Os leigos não 
devem desanimar lá porque, às vezes, é o caso de 
sacerdotes e religiosos que nós consideramos. A maior 
parte dos pontos que se focam, e todos os princí­
pios indicados, podem aplicar-se aos que, no mundo, 
querem levar uma vida de oração e santificar o seu 
trabalho quotidiano. 
31 
MU D A N Ç A D E MÉTO DO 
Os métodos da oração discursiva detalhados em 
tantos manuais, e que constituem uma dificuldade 
para o tipo de almas que agora consideramos, desen­
volveram-se há relativamente pouco tempo; a sua 
difusão data de cerca do séc. XVI. Nos velhos tempos, 
quando a vida religiosa era de forma mais monás­
tica e a fé talvez mais viva, não era tão geralmente 
sentida a falta dum plano com tanto detalhe. Os 
espíritos da época eram totalmente alheios à ideia 
da oração limitada a um período curto e especialmente 
delicado a ela. 
Não se sabe até que ponto os antigos monges 
faziam a sua oração privada em comum. Este exer­
cício seria antes um meio de atiçar o fogo da oração, 
para que pudesse arder firmemente durante o resto 
do dia, pois se considerava todo o dia como tempo 
de oração. 
O papel da meditação, no sentido de reflexão e 
consideração, era desempenhado pela leitura espi­
ritual - que se fazia devagar e atentamente - e pro­
longava-se por uina autêntica reflexão e ponderação 
sobre as verdades da fé ou sobre os mistérios de Cristo, 
durante o tempo de trabalho manual ou nos tempos 
livres do dia. Orações, jaculatórias, ao longo do 
dia, ajudavam a voltar o coração continuamente 
para Deus, e o Ofício Divino dava expressão, duma 
33 
A DIF1CULDADE DE ORAR 
forma concreta e inspirada, aos sentimentos e neces­
sidades não só de cada alma, mas também de toda a 
Igreja, Corpo de Cristo. Assim, quando um reli­
gioso se consagrava à oração privada, todo o tra­
balho preparatório estava feito, e ia direito propria­
mente à tarefa de orar. 
Com o correr dos tempos, a evolução do estado 
religioso introduziu muitas actividades dispersivas 
na vida dos seus membros, e tornou impraticável, 
na maior parte dos casos, a recitação pública do 
Ofício Divino. Verificou-se então que era conve­
niente generalizar o costume de reservar um tempo 
determinado para a oração mental, convertê-la num 
dos principais exercícios do dia, não para limitar a 
sua prática, mas para lhe assegurar pelo menos um 
mínimo. 
Esta evolução foi talvez acelerada pelos efeitos 
do Renascimento que assistiu ao declínio do espírito 
de fé medieval que tinha impregnado até mesmo a 
vida dos leigos. Actualmente todas as casas de 
rd;giosos, mesmo as das Ordens monásticas, desti­
nam um tempo fixo para a oração mental, e o Código 
de Direito Canónico recomenda uma prática seme­
lhante para o clero secular. Para resumir o efeito 
desta mudança, poderia dizer-se que o dia inteiro 
do monge foi concentrado no espaço de cerca de 
uma hora e inserido na vida do sacerdote ou 'do reli­
gioso moderno, para se ter a certeza de que pelo 
menos durante uma certa parte do dia, se hão-de 
elevar acima dos seus cuidados e preocupações, e 
conversar com Deus. 
Desde que o objecto desta modificação não é 
limitar a oração mas apenas insistir pelo menos num 
mínimo, concluímos que se em determinado local 
ou para determinada pessoa se pode inverter este 
processo de compressão e restaurar parte do antigo 
34 
MUDANÇA DE MÉTODO 
espírito, de tal modo que a oração se espraie pelas 
outras horas do dia, é muito desejável que assim se 
faça. Para isto, a leitura espiritual que é de tanta 
importância na vida espiritual, poderia tornar-se mais 
ou menos uma meditação. 
A leitura espiritual e a oração mental são tão 
necessárias para a vida da alma como o alimento 
diário para a do corpo. Sem urna leitura espiritual 
constante, não só não pode haver progresso na ora­
ção mas nem sequer há nenhuma esperança de per­
severar na vida espiritual. Seria demasiado deli­
cado tentar demarcar o tempo mínimo para esta 
prática. A graça de Deus pode sempre adaptar-se 
às circunstâncias, e as circunstâncias de cada ambiente 
religioso são uma parte muito especial do plano 
de Deus. No entanto, quando se dispõe de tempo 
suficiente, pode dizer-se que reduzir o tempo da 
leitura espiritual, sem causa fundada, a menos de 
três horas por semana, é subalimentar a alma, e 
acarretar as consequências dessa subalimentação. 
E cremos que a leitura deveria ser feita pessoalmente 
durante pelo menos metade deste tempo. Uma dieta 
exclusiva de leitura pública dificilmente poderia ser 
suficiente para satisfazer as necessidade de cada 
indivíduo. 
Em algumas casas religiosas, devido a circuns­
tânci� especiais, talvez nem sempre seja possível 
empregar meia hora por dia nesta prática, mesmo 
por períodos parciais. Nestes casos há-de ter-se o 
cuidado de aproveitar as ocasiões que surjam, como 
nos domingos ou feriados, ou durante o tempo de 
férias, para nutrir a alma com uma leitura adequada. 
Nas casas em que se têm os livros em comum, deve 
cada qual completar a prática geral com uma leitura 
pessoal dos assuntos mais adequados às suas neces­
sidades especiais. Todos deveriam familiarizar-se 
35 
A DIFICULDADE DE ORAR 
com os actos e palavras de Jesus Cristo, porque estes 
são a revelação da palavra de Deus. A elaboração 
duma lembrança viva do Senhor, por meio duma 
leitura frequente, é de grande importância. Devía­
mos, além disso, familiarizar-nos com o esquema 
genérico da vida espiritual e, em particular, com a 
doutrina da oração, mesmo nos graus mais elevados. 
Todo este equipamento é necessário para se poder 
colaborar nas fases evolutivas da acção de Deus ; 
e também nos ajudará a tirar o melhor partido de 
uma possível direcção espiritual. 
Uma vez que se adquiriram estes conhecimen­
tos espirituais, a leitura deveria ser feita sem 
pressa, digerindo e saboreando o que se leu e oca­
sionalmente fazendo aqueles actos de oração que se 
apresentem. A leitura,que nunca se deveria come­
çar sem uma curta mas ferverosa oração a pedir 
ajuda, deveria sempre ser olhada com espírito de 
fé como comendo algures, nas linhas ou entrelinhas 
do que se leu, urna mensagem do próprio Deus, que 
a oração, a fé e a confiança tornarão perceptível. 
Esta leitura espiritual é o fundamento - poderia 
dizer-se o fundamento essencial - duma vida de 
oração e é a melhor preparação para esse exercício. 
Se se pratica fielmente, a necessidade duma longa 
e metódica consideração durante a oração, será 
ràpidamente reduzida ; de facto, isto pode até tor­
nar-se bastante impossível. 
Como consequência, os métodos vulgares de ora­
ção devem então ser modificados para se adapta­
rem às necessidades duma destas almas. À medida 
que se faz mais progresso no conhecimento e em 
especial na prática da vida espiritual, não só as con­
siderações serão reduzidas, mas os actos ou afectos 
tornar-se-ão muito mais simples. De facto, um 
acto determinado chegará a abranger muito� dos 
36 
MUDANÇA DE MÉTODO 
outros usualmente indicados no método ; e além 
disso a natureza dos actos pode mudar de tal maneira 
que seja difícil observá-los, porque há muitos impul­
sos num coração amante que escapam à obser­
vação humana. Quem pode contar os <<actos» de 
amor que a mãe faz junto do filho adormecido? 
O método de oração necessitará de uma nova modi­
ficação e, em verdade, neste ponto, os métodos devem 
ser postos de parte. 
Desde que a finalidade da consideração prescrita 
nos métodos de oração mental é, sobretudo, condu­
zir a actos ou afectos, tal consideração pode e de 
facto deve cessar assim que os actos chegam. Quando 
se atinge aquele ponto em que se pode «orar» - isto 
é, fazer attos - logo desde o principio da oração, 
estas considerações, aparte um recolhimento de 
poucos momentos no início para fixarmos a atenção, 
J>Odem ser afastados completamente da oração. 
F claro que, se a facilidade de oração cessa, pode 
ter de se voltar à reflexão para recomeçar de 
novo. Mas devemos pôr-nos em guarda contra 
o erro de pensar que as considerações são uma parte 
çssencial da oração mental. 
· Há, no entanto, um outro ponto valioso destas 
considerações : aquelas fortes convicções sobre os 
principias da vida espiritual, a realidade do sobre­
natural, etc., que se desenvolvem e aprofundam atra­
vés de uma reflexão frequente. Deve-se ter cuidado 
em sustentar estas convicções quando a reflexão 
já não é usada no tempo de oração. Isto pode 
fazer-se por meio da leitura espiritual, especialmente 
quando feita à maneira de meditação, ou por refle­
xão frequente, quase inconsciente, durante as várias 
partes do dia. 
Pode fàcilmente avaliar-se como um homem de 
negócios ou um profissional está sempre a pensar 
37 
A DIFICULDADE DE ORAR 
nos seus negócios, <<Illeditando» neles continuamente, 
e buscando aperfeiçoamentos e entrevendo novos 
meios de avançar. Se uma alma toma a sua vida 
espiritual a sério, há-de ser assídua na sua conside­
ração dos modos e meios, na sua busca da verdade, 
e no seu esforço por seguir a verdade quando conhe­
cida. Assim, sem determinação expressa, dedicará 
bastante reflexão à sua vida espiritual durante os 
momentos vagos do dia. A meditação neste sen­
tido, não deveria nunca ser posta de parte ; porque 
se um homem não pensa no seu coração, toda a 
sua vida espiritual pode ficar em breve desfeita. 
Também as resoluções que são em geral indicadas 
no método, não devem ser descuradas. Pode acon­
tecer que se não façam durante a oração mental. 
Então deveriam ser feitas ou renovadas durante o 
exame de consciência; tornar-se-ão provàvelmente 
mais simples e mais gerais à medida que passar o 
tempo. Mas desde que haja defeitos a vencer em 
particular, especialmente se são habituais, há neces­
sidade de resoluções especiais para combatê-los. 
Então, dado que a alma ache que pode orar sem 
ter de reflectir detidamente sobre diversos pontos, 
e que se dedique à reflexão e à renovação dos pro­
pósitos durante qualquer outra parte do dia, não 
há razão para não omitir a meditação metódica a 
favor duma conversa mais livre e mais plena com 
Deus, pelo menos enquanto se mantiver um tal 
estado de coisas. Porque, bem vistas as coisas, 
a meditação é apenas «pensar em Deus», enquanto 
que a oração é «falar co:in Deus», uma conversação 
que pode converter-se em «olhar para Deus e amá-lo». 
38 
O R I G E N 
D I F I C U L 
S D A S 
D A D E S 
Não só é desnecessário, para uma alma que fez 
algum progresso na vida espiritual e que vai colher 
o assunto e as convicções que conduzem à oração 
mental na leitura espiritual reflectida, fazer uma 
meditação ponto por ponto quando chega o tempo 
da oração, como ainda por cima se veria embaraçada 
com dificuldades. Isto é especialmente verdade 
quando se está pronto para o tipo de oração seguinte, 
no qual a ref lexão é reduzida a um mínimo e predo­
minam os actos e afectos, onde toda a oração é de 
facto um amável colóquio ou conversa com Deus. 
Impor a uma destas almas o uso de um <anétodo», 
é tentar obrigar um corredor a usar muletas. Não 
admira que uma alma nestas circuustâncias, ache a 
meditação uma carga intolerável. Mas, antes de 
considerar o tipo seguinte de oração, vamos ver 
primeiro se não pode haver outras razões pelas 
9uais o uso dum método determinado seja pertur­
bador e constitua um obstáculo ao êxito, mesmo 
que o indivíduo não esteja ainda no estado de apro­
veitamento na vida espiritual e tenha ainda muito 
de novato. 
Dá a impressão de que muitos autores, ao con­
siderar a subida da encosta da vida espiritual, come­
çam com a condição dum pecador habitual, para 
quem os ensinamentos de fé foram mais ou menos 
39 
A DiFICULDADE DE ORAR 
descurados, e que deu muita rédea livre ao amor 
próprio e aos desejos da natureza inferior. Pode 
pôr-se a questão de saber se um tal plano, com as 
consequentes prescrições de assunto e de método 
para a oração, pode ser aplicado ao género de almas 
que se encontram nos seminários e noviciados. 
A maior parte dos rapazes e raparigas que entram 
aqui em religião, ou que começam seriamente a 
encarar a prática da vida espiritual no mundo, já, 
por assim dizer, se embeberam das convicções da 
fé, mesmo na infância e viveram, pelo menos nos pri­
meiros tempos, numa atmosfera de fé. É verdade 
que podem não ter tido consciência disso e nunca 
terem considerado o significado real da sua religião, 
mas pelo menos tiveram a convicção suficiente para 
os levar a entrar no seminário ou no estado religioso 
e, isto com frequência, logo depois do tempo escolar. 
Em geral, também, o pecado habitual de qualquer 
tipo grave, é raro entre tais pessoas e há muitos que 
ainda conservam a sua inocência baptismal. Por 
certo que uma tal alma não tem necessidade nem 
pode encarar o longo e fastidioso arrastar dum 
plano de meditação de «prelúdio e ponto» durante 
muitos anos. É verdade que terá de ser educada 
na vida espiritual, e que os novos conhecimentos 
terão de ser assimilados pela reflexão. Mas isto 
faz-se muitas vezes, bastante espontâneamente, na 
leitura espiritual, e dificilmente necessita de um tão 
detalhado plano de ataque como o requerido, no 
caso de quem tenta converter-se duma vida de pecado. 
Fazer «meditar» estas almas sem algumas alterações 
no método é, muitas vezes, pô-las a construir urna 
casa já acabada. 
Uma leitura espiritual adequada produzirá as 
convicções necessárias em vista das novas verdades 
que apreendem, se é que a docilidade da sua fé e a 
40 
ORIGENS DAS DIFICULDADES 
prontidão do seu fervor o não fazem espontânea­
mente. Os propósitos firmes que são um dos frutos 
da meditação, surgirão, em geral, espontâneos na 
oração afectiva; e, se não, o exame de consciência 
os produzirá. Portanto, pareceria que tais almas 
estão muitasvezes realmente prontas para alguma 
espécie de oração afectiva, mesmo que depois possa 
ser-lhes necessário fazer uso da meditação durante 
algum tempo. A sua direcção requer prudência, 
mas parece um erro insistir que todos devam adop­
tar a meditação metódica. Seria muito mais eficaz 
pô-las em contacto com a pessoa do Senhor, e 
deixá-las tornarem-se íntimas com Ele em conversa 
amorosa. Um tal trato com o Senhor é um excelente 
correctivo para os seus hábitos defeituosos e moldá­
-las-á ràpidamente conforme o seu coração. 
Há outra razão que toma aconselhável este pro­
cedimento. As exigências impostas ao tempo de 
que dispõe um sacerdote ou religioso moderno pela 
preparação e depois pelo exercício das suas activi­
dades, deixam-lhe um mínimo para os exercícios 
interiores da vida espiritual e para o desenvolvi­
mento da vida de oração. Se uma pessoa nestas 
circunstâncias não entra em contacto com o Senhor, 
antes que todo o peso da actividade intensa se 
descarregue sobre ela, então não lhe será tão fácil 
desenvolver um tipo de oração que possa fàcilmente 
adaptar-se ao seu trabalho diário; enquanto que, se 
já anteriormente teve a1guma experiência da oração 
afectiva, pode em breve adquirir o hábito de con­
versar com Cristo durante o trabalho. Mesmo que 
depois de algum tempo lhe seja necessário voltar 
à oração meditada durante o tempo reservado para 
esse exercício, de modo a poder completar a sua 
formação espiritual, apesar disso adquiriu um hábito 
de oração jaculatória que é de um valor inapreciável, 
41 
A DIFICULDADE DE ORAR 
e deu o primeiro passo no. caminho da transformação 
de todas as suas actividades, em oração verdadeira. 
Há outro género de temperamento que encontra 
grande dificuldade na meditação discursiva. Alguns 
espíritos tiram as suas conclusões mais por uma 
espécie de intuição do que por um longo raciocínio 
discursivo. Quando se lhes apresenta um assunto, 
tiram dele ràpidamente todo o fruto possível de 
momento, e a colheita não será aumentada por uma 
consideração prolongada. Só mais tarde, à luz de 
novos conhecimentos e da experiência, é que as suas 
convicções se aprofundam e alargam. 
Tais almas têm pouco a lucrar em conservar o 
espírito fixado demoradamente nos pontos duma 
meditação. É melhor para elas adiantar-se para 
os actos e tentar falar com o Senhor ou, se isto 
não resulta, repetir frases de alguma oração preferida, 
devagar e atentamente. Esta dificuldade pode fàcil­
mente surgir quando, em algumas comunidades reli­
giosas, o assunto e os pontos de meditação se lêem 
na noite anterior e de novo de manhã, durante 
o tempo da oração. Ao ouvi-lo a primeira vez, 
a inteligência pode, com frequência, extrair do 
assunto, ali mesmo e nesse instante, tudo quanto 
lhe é possível, ficando pronta a iniciar a ora­
ção imediatamente. A repetição da leitura pela 
manhã, é então bastante perturbadora, já que se não 
precisa de retomar o assunto ponto por ponto. Em 
tais casos deve-se tentar falar com Deus, ou então 
retomar um assunto novo. É sempre bom ter 
qualquer alternativa determinada com antecedência. 
Os quinze mistérios do rosário constituem programa 
de oração para muitas almas. Outros fazem uso 
semelhante das estações da Via-Sacra. Outra variante 
é recordar que algures está, nesse instante, a começar 
a missa. Se se segue essa missa em espírito e ima-
42 
ORIGENS DAS DIFICULDADES 
ginação, pode fornecer assunto adequado para a 
oração. 
Outra fonte de dificuldades na oração, reside na 
escolha dum tema. Neste campo deve ter-se em 
conta as necessidades e predilecções de cada indi­
víduo. Quando se nos deixa a escolha, as regras 
ordinárias de prudência - em especial se se procura 
conselho de alguma autoridade competente - resol­
verão o assunto. Mas que fazer quando o tema é 
lido para uma comunidade na noite anterior. e repe­
tido ponto por ponto na manhã seguinte ? Esta­
mos perante uma questão delicada que requer um 
compromisso. 
É preciso evitar dois extremos. Em primeiro 
lugar, todo religioso, sejam quais forem as necessi­
dades da sua alma ou seja qual for o seu adiantamento 
nos caminhos da oração, deverá estar sempre em 
guarda, não vá menosprezar ou desdenhar de algum 
modo um alimento espiritual que lhe vem de fontes 
autorizadas. As disposições tomadas pelos supe­
riores são uma parte muito especial da providência 
divina e vêm repletas de graças. Qualquer que atenda 
a essa leitura com espírito de fé, dizendo no seu 
coração : «Fala, Senhor, que o teu servo escuta)), 
verificará que Deus se serve dela para iluminar e 
fortalecer a sua alma. Pode ser apenas um pequeno 
ponto - uma única palavra, talvez, que Ele usa ­
mas encaixará num outro contexto, o das demais 
relações de Deus com a alma, e será uma fonte de 
graça. Cumprir-se-á em nós como acreditamos. 
É questão de muita importância que as almas espe­
cialmente as mais adiantadas, sejam muito cuida­
dosas na sua atitude em tais circunstâncias. 
Por outro lado, não parece razoável querer que 
todas as almas façam a sua oração nos moldes da 
meditação lida para todos, e negar a cada um o 
43 
A D�CULDADE DE ORAR 
direito de seguir as atracções da graça. Evitando 
estes dois extremos, cada alma de boa vontade, 
embora mantendo a sua liberdade de espírito, deve 
dar preferência, em idênticas circunstâncias, ao 
tema designado por aqueles que têm o encargo de 
governá-la. Se se pode fazer uso deste tema para 
oração, mesmo que s�ja apenas como ponto de 
partida para um colóquio com Deus, deve fazer-se. 
Se, no entanto, não se adapta às necessidades 
da nlma e à actuação da graça divina, pode ser serena 
e respeitosamente posto de lado. Acontece com 
frequência que entre os pontos lidos há uma lem­
brança dh,ina para a alma se familiarizar com alguma 
verdade determinada ou algo semelhante, por refle­
xão ou leitura em qualquer outra ocasião sem que 
se torne necessário para a alma abandonar o seu 
próprio modo de orar no momento. Em toda esta 
questão há claramente necessidade de discernimento 
e prudência, e seria bom que aqueles que acham 
necessário desenvolver a sua oração em moldes 
próprios, aceitem opinião com algum conselheiro 
competente, quer ele seja superior, sacerdote, ou 
mesmo um colega prudente. 
Nas presentes circunstâncias acontece muitas vezes 
que para muitas almas nem sempre está à mão 
um guia adequado; mas, entre os retiros anuais 
e as diversas viagens que as férias ou a falta de saúde 
requerem, em geral será possível consultar algum 
«especialista» e estabelecer relações com ele. Uma 
vez que se encontrou um guia competente a quem 
se possa abrir a alma, e que se familiarizou com as 
nossas circunstâncias, uma carta eventual será o bas­
tante para prover a todas as incertezas da trajectória 
espiritual. Também neste assunto Deus adaptará 
sempre a sua graça às circunstâncias, de modo que, 
onde uma tal direcção se não possa conseguir, Ele 
44 
ORIGENS DAS DIDCULDADES 
providenciará doutro modo. Mas, onde possa conse­
guir-se um conselho competente, seria erro rejeitá-lo. 
No caso que agora consideramos, acusar de sin­
gularidade ou de soberba quem quer que não siga o 
assunto lido e sinta necessidade dum livro para 
fixar os seus pensamentos, especialmente numa comu­
nidade que englobe membros de todas as idades 
e de vários graus de vivência religiosa, parece 
bastante arbitrário. É impossível esperar que numa 
tal comunidade o mesmo alimento espiritual seja 
adequado para as necessidades de todos. É claro 
que os caprichos de cada qual não podem e não 
devem ser favorecidos. Mas é preciso um discerni­
mento prudente e urna santa liberdade de espírito. 
No entanto, onde o costume já tenha estabelecido 
uma regra nestes assuntos, o religioso deve estar 
preparado para aceitar as limitações impostas pelas 
circunstâncias - tais comoa falta duma luz - ou 
por disposição directa dos superiores. A graça 
de Deus pode sempre adaptar-se a semelhantes cir­
cunstâncias providenciais, e uma confiança resignada 
no cuidado paternal de Deus assegurará sempre a 
sua ajuda especial. Podemos estar bastante certos 
de que aqueles que se resignam alegre e confiada­
mente neste e em outros assuntos semelhantes, pro­
gredirão muito mais ràpidamente e com muito mais 
firmeza, do que se procurassem insistir em progre­
dir a seu modo. 
Note-se que Deus dá muitas vezes durante o dia 
as graças que suspendeu durante o tempo da oração. 
De facto, para uma alma que tem cuidado em aceitar 
e em se adaptar a todas as actuações da providência, 
especialmente quando Ela parece erguer obstáculos, os 
seus caminhos, por muito incompreensíveis que pare­
çam à primeira vista, estão no entanto cheios duma ter­
nura maravilhosa e duma bondade misericordiosa. 
45 
o 
DA 
C A M 
ORAÇ ÃO 
I N H o 
A F E C TIVA 
Até agora temos estado a considerar as dificuldades 
que surgem na oração, em virtude do uso . de um 
método que é inadequado ao nosso estado ou tem­
peramento. A prova geral da adequação neste 
aspecto, é dupla: facilidade no exercício e eficácia 
no resultado. Das duas, a segunda é a mais segura 
e é por vezes o único sinal dum modo apropriado 
de oração ; porque se uma alma faz oração do modo 
mais adaptado ao seu estado, o resultado manifestar­
-se-á na bondade e fervor da sua vida. 
Quem procura adoptar um modo de orar que 
ultrapasse as suas força� ou idade espiritual, depressa 
se encontrará rodeado de dificuldades, e começará 
a perder em regularidade e a abandonar o fervor 
inicial. Mas se, por exemplo, uma alma acha que 
pode passar o tempo da oração em amoroso trato 
com Deus, mesmo que use poucas palavras, e se, 
ao mesmo tempo, não começa a decair no fervC'r 
e nas outras actividades da sua vida espiritual, nem 
tão pouco começa a adquirir aquela sensibilidade 
da soberba que se recusa a aceitar mesmo a mais 
pequena humilhação ou desprezo, então pode, e 
seguramente deve, ser autorizada a orar deste modo. 
Esta é a oração afectiva, que será tratada num pró­
ximo capítulo. 
47 
A DIFICULDADE DE ORAR 
Mas que fazer com a alma que não está ainda pre­
parada para uma tal oração e que, apesar de boa 
vontade e de esforços tetJ.azes, não encontra ajuda 
no método ordinário de meditação ? Aqui, urna 
vez que as necessidades individuais diferem, temos 
de contentar-nos em fazer sugestões que possam 
indicar uma linha de conduta que há-de levar à 
solução desta dificuldade. 
Nos nossos dias, graçi:is a Deus, a comunhão diária 
é uma prática corrente, não só em casas religiosas, 
mas também para muitas almas fora do estado reli­
gioso. Enquanto que há algumas que usam um 
livro para fazer a sua acção de graças, há muitas 
almas que são capazes de manter-se em oração 
durante os habituais quinze minutos sem uma tal 
ajuda. De facto, muitos mais o fariam, se não 
tivessem uma ideia errada do modo como o Senhor 
deseja ser recebido, pois pensam que devemos 
usar os termos formais dum livro de orações em 
vez de lhe falar com as nossas próprias palavras 
incoerentes. Esta acção de graças parece fornecer 
um caminho de aproximação à oração mental, por­
que, bem entendida, a não ser que fosse uma reci­
tação meramente formal duma longa lista de ora­
ções vocais, deve ser oração mental de verdade. 
Supunhamos então que começamos a nossa oração 
com uma comunhão espiritual - bastante infor­
mal - sem nos preocuparmos muito como havemos 
de expressar o convite a Deus para que venha aos 
nossos corações (porque temos de evitar os «belos 
discursos» como uma praga na oração mental, 
mas prestando toda a atenção Àquele cuja presença 
é a causa da nossa oração, porque Ele já se encontra 
nas nossas almas desde a data do baptismo, uma 
vez que estejamos em estado de graça. Então 
podemos prosseguir exactamente como fazemos 
48 
A CAMINHO DA ORAÇÃO AFECI'IVA 
depois da comunhão sacramental. Muitas almas já 
ordenaram programas para este tempo, de forma 
a adaptar-se às suas próprias necessidades. 
Os quatro fins pelos quais a missa é oferecida, 
por exemplo, podem fornecer temas para a oraÇão, 
que pode ser desenvolvida em conversa familiar 
com o Senhor. Estas são : adorar a Deus, lou­
vá-lo e agradecer-lhe todos os seus dons, repara­
ção pelos nossos pecados e pedir-lhe graça e mise­
ricórdia. Este colóquio ou conversa com Deus 
pode ser modificado para introduzir o ponto ou 
pontos que são assunto da nossa oração. Com 
muita frequência os pontos duma meditação que 
acabam de ser lidos, podem usar-se deste modo. 
Assim, por exemplo, �e o assunto é a vida oculta 
de Cristo, podemos falar-lhe dos seus dias em Nazaré, 
familiarmente, intima'!lente, como um homem tem 
o dever de falar com o seu amigo. Podemos inter­
rogar o Senhor àcerca desses dias, podemos escutar 
o que Ele tem para nos dizer deles. Podemos 
falar-lhe do nosso trabalho diário e trocar impres­
sões com Ele : «Acharás tu o trabalho tão fati­
gante ? Os teus fregueses eram exigentes e difí­
ceis de satisfazer ? Doíam-te as costas depois de 
estar continuamente curvado sobre o banco de car­
pinteiro ? Não é verdade que sabias fazer as coisas 
muito melhor que S. José ? Tu fizeste todo o mundo! 
Como te forçaste a passar desta maneira trinta anos 
da tua curta vida, com todo o mundo à espera da 
tua doutrina e da tua salvação ?», etc. , etc.. E deve­
mos então falar-lhe da nossa própria vida, das nossas 
dificuldades, das nossas quedas, das nossas imper­
feições, dos nossos pecados. Especialmente dos 
nossos pecados! . . . porque este Homem recebe os 
pecadores e salvará o seu povo dos seus pecados. 
Os pecados dos quais estamos verdadeiramente con-
49 
A DIFICULDADE DE ORAR 
tritos, podem ligar-nos ao Salvador e o grande 
segredo de todo o trato e estreita sociedade com Jesus, 
é dar-lhe uma oportunidade para que seja para nós 
um salvador. 
Se há alguma dificuldade particular na nossa vida, 
se há algo desagradável que tenhamos de enfrentar 
nesse mesmo dia, falemos-lhe disso. Se há alguma 
coisa que insiste em aparecer como distracção, 
transformemo-la em oração falando dela a Deus. 
Falemos-lhe das coisas que nos perturbam tanto, no 
nosso trabalho diário ; falemos-lhe daquele apegamento 
que não podemos, ou mesmo que não queremos, 
quebrar. O grande meio para converter as distracções 
em oração, e transformar um desejo mau ou imper­
feito num santo propósito, é falar dele a Cristo 
exactamente como falamos a um amigo, lembrando­
-nos que Ele foi destinado por Deus para nos salvar 
dos nossos pecados e de tudo o que conduz ao pecado 
ou à negligência. Não podemos esquecer nunca 
que, porque é Deus, Ele é omnipotente e por­
tanto, não há absolutamente nenhum abismo do 
pecado ou da fraqueza, da escuridão ou du deses­
pero, da quaJ não possa ou não deseje liber­
tar-nos. 
Portanto não há ninguém que precise de ter receio, 
ninguém que não tenha o direito de aproximar-se 
d'Ele, de falar-lhe, de lhe mostrar os seus pecados, 
de falar-lhe da sua vida espiritual em qualquer dos 
seus aspectos, como falamos com o médico, da doença, 
com um amigo, dos nossos negócios, ou à namorada, 
da nossa vida, com as suas penas e alegrias, as suas 
esperanças e receios. 
O princípio básico deste modo de fazer actos é 
tal que precisa de ser posto em relevo como de impor­
tância capital em todas as fases da vida espiritual. 
E é este : o ponto essencial é entrar em contacto 
50 
A CAMINHO DA ORAÇÃO AFECTIVA 
com Cristo o mais cedo possível, na vida espiritual, 
em cada um dos seus exercícios, em especial no da 
oração e manter-se em contacto com Ele por todos 
os meios possíveis e a todo o custo. Este modo 
de actuar fará desaparecer da oração os elementos 
que a tornam desagradávele difícil a certas espécies 
de almas. É também um remédio para um engano 
muito corrente sobre a natureza da oração mental, 
porque muita gente tem a noção de que esta é pura­
mente um exercício mental, um trabalho da inteli­
gência e das suas faculdades auxiliares, para des­
cobrir a verdade, para compreendê-la, para formar 
convicções e conduzir a propósitos - um trabalho 
da cabeça, mas absolutamente alheio ao coração. 
Na realidade, tudo isto é um mero prelúdio para a 
oração, se não oração em si mesma. 
É preciso ainda insistir em uma outra consideração 
a este respeito. Para muitas almas, uma visão 
impessoal ou abstracta da virtude, da perfeição, da 
alegria do Céu, ou qualquer outra consideração 
análoga, deixa em geral o coração intacto e não 
excita desejos. Nem produz oração nem nos impele 
à prática de virtude. 
O contacto pessoal com Deus, mostra todo o 
conjunto da vida espiritual a uma luz totalmente 
diferente e, muitas vezes sem muita consideração 
explicita ou sem resoluções particulares, conduz a 
alma inconscientemente à prática de muitas virtudes 
e introduz novas energias no seu caminho espiritual. 
Nota-se um efeito análogo nos negócios humanos, 
em que somos guiados e encorajados pelos exemplos 
dos nossos amigos, do mesmo modo que é já pro­
verbial a capacidade dJm homem apaixonado para 
mudar os seus traços mais característicos e esquecer 
o seu egoísmo. Este ponto poderia ser extensa­
mente desenvolvido, porque a vida espiritual é um 
51 
A DIFICULDADE DB ORAR 
enamorar-se de Cristo, mas o espaço impede-o. 
Contentemo-nos em dizer que este é um princípio 
que reso!verá muita , senão todas as dificuldades 
da vida da alma, porque Cristo é o caminho, a ver­
dade e a vida. Mesmo nos estádios áridos da oração 
contemplativa, quando a alma parece incapaz dum 
bom pensamento ou afecto, quando Deus parece 
não ser nada mais que uma palavra de quatro 
letras, ainda podemos manter-nos em contacto com 
Jesus. 
O contacto real com Ele é estabelecido através 
da fé - fé no seu amor e na sua misericórdia. 
Alcançamo-lo pela esperança e agarramo-nos a ele 
pelo amor, não importa a aridez do nosso acto de 
amor, desde que seja um acto de vontade a acei­
tar a vontade de Deus. Mas uma discussão mais 
detida de-.te ponto tem de aguardar um capítulo 
posterior. 
Há um abuso da oração mental que poderia ser 
bom indicar aqui, no qual estão sujeitos a cair todos 
aqueles que pregam ou ensinam. Consiste em fazer 
da sua oração mental uma preparação para o tra­
balho, mais do que um despertar da vontade para 
orar e para amar. Alguns, também, passam o 
tempo da meditação «pregando» a si mesmos, interes­
sando-se especialmente em encontrar belos pensa­
mentos e palavras para o fazer a seu gosto. Falar 
ao Senhor «com as nossas próprias palavras» pode 
ser o remédio desta doença. 
Algumas vezes a lista dos actos prescritos no livro 
que usamos, aparece-nos como uma droga intra­
gável. Pode ter-se como princípio geral de con­
duta, que ninguém deve sentir-se alguma vez obri­
gado a esgotar todos os actos da lista. Se um acto 
basta para nos manter ocupados, não deve ser posto 
de parte a pretexto de passar ao seguinte. Desde 
52 
A CAMINHO DA ORAÇÃO AFECITVA 
que o coração está ocupado com Deus, falando ou 
em silêncio, isso basta. 
Mais uma vez a demasiada atenção a um método 
pode criar obstáculo ao nosso proveito na oração 
e dar em resultado que todos os nossos actos se 
tornem «reflexos». Não fazemos apenas um acto, 
digamos, de fé, mas «observamo-nos» ao fazê-lo, e 
isto seria bastante como critica, tornando nota, todo o 
tempo, de tudo quanto fazemos. Além de não ser 
pequena carga, tal acto pode fazer com que nos preo­
cupemos mais connosco próprios do que com Deus. 
Esta é a ruína de qualquer oração, porque a oração é 
uma preocupação com Deus, e os estados mais ele­
vados de oração são absolutamente impossíveis, se 
uma alma se recusa a perder-se de vista a si mesma 
e aos seus esforços. De modo idêntico, uma con­
templação contínua dos insucessos c esforços esté­
reis do homem, apenas pode conduzir ao desânimo, 
a não ser que ao mesmo tempo conservemos diante 
dos olhos, Deus e a sua amorosa misericórdia. 
O remédio par4 todas as doenças semelhantes é o 
trato familiar com Jesus Cristo. 
Poderia parecer que, ao pormos a alma deste 
modo, em contacto com Cristo, e ao colocá-la em 
conversa com Ele sobre o assunto da meditação, 
estamos apenas a voltar à «composição de lugar». 
e à «aplicação dos sentidos» prescritos no método. 
Na verdade, não há razão pela qual o não devêssemos 
fazer, pelo menos até certo ponto, porque se não 
serenamos as faculdades dos sentidos por qualquer 
modo análogo, podem estorvar i:oda a oração com 
as suas divagações. 
Mas há aqui uma diferença de perspectiva que 
parece ser de importância. Àparte o facto de que 
este método de aproximação é mais espontâneo e 
se addpta automàticamente ao grau de oração que 
53 
A DIFICULOADB DB ORAR 
cada alma alcançou, tem esta característica parti­
cular : põe-nos em contacto com o Senhor como 
mestre, modelo e amante, vivo, presente à alma 
aqui e agora. A importância deste facto parece 
que é capital, e deve fazer urna grande diferença 
para a oração e para o fervor de muitas almas. 
S4 
O R A Ç Ã O A F E C T I V A 
Já têm sido feitas frequentes referências à oração 
«afectiva>> e a sua natureza já foi mesmo indicada, 
se bem que apenas de passagem. O assunto, no 
entanto, requer mais alguma atenção. 
Os que estão familil'lrizados com o plano metódico 
para a oração mental, hão-de recordar que a consi­
deração de cada ponto deveria ser segui ia de deter­
minados «actos», e que a oração em conjunto deve­
ria terminar com um «colóquio» ou conversa com 
Deus ou algum dos seus santos. Quando estes 
actos e o colóquio se alargam pd.ra ocupar a maior 
parte do tempo da oração, a oração chama-se : «ora­
ção afectiva>>. É, portanto, um desenvolvimento 
natural da meditação, e de facto, se a meditação não 
incluir alguma oração afectiva, não chega sequer a 
ser oração. 
Não há, por consequência, nenhuma separação 
rígida e ajustada entre as duas formas. Na oração 
afectiva as considerações, seja devido a uma longa 
familialidade com o assunto ou a uma leitura espi­
ritual adequada, feita atentamente, ocupam um lugar 
pequeno e muito secundário, se é que de todo se 
fazem. Num relance, uma reflexão momentânea 
é bastante para relembrar e extrair tudo o que o 
assunto da oração significa para nós, e o coração 
começa imediatamente a exprimir-se em actos, 
55 
A DIFICULDADE DE ORAR 
petições, louvor ou qualquer outra manifestação da 
oração. A todas estas acções se dá o nome de 
«afectos». 
Para entender este termo correctamente, temos 
de esquecer por completo a associação com a pala­
vra afectivo porque, como já frisámos, este nome 
aplica-se aqui a todos aqueles movimentos da von­
tade para com Deus, que se manifestam em geral em 
actos das várias virtudes. É por esta razão que o termo 
«afectivo» se aplica a uma oração na qual predomi­
nam estes actos. No entanto, isto não quer significar 
nenhuma intensidade de sentimento ou emoção. 
Uma vez que este tipo de oração é uma audiência 
pessoal ou uma conversa amorosa com Deus, é 
susceptível de tantas variações quantas as pessoas 
que existem. Por isso mesmo não podemos esta­
belecer-lhe regras rígidas e estreitas. A grande coisa 
é falar com o Senhor com as nossas próprias 
palavras, com bastante simplicidade, acerca de qual­
quer assunto que seja de interesse mútuo. Nunca 
deveríamos enveredar pelas palavras ou frases boni­
tas. Não só o Senhor não procura lindos discursos 
como nem sequer nos pede uma boa gramática. 
De facto, a oração afectiva é muitas vezes bastante 
incoerente, usando-se uma palavra para exprimir 
urna multidãode sentimentos. 
Para algumas almas cujos espíritos estão cheios 
dos significados que encerra, o santo nome de 
Jesus é oração bastante. Aquela única palavra 
maravilhosa diz mais do que nós poderíamos alguma 
vez imaginar. Outras almas não podem encontrar 
palavras para dar expressão aos seus desejos. Rezam 
um tanto ou quanto assim : «Eu quero . . . Não sei 
que quero . . . Quero, apenas . . . » E o Senhor entende. 
Ele sabe que o que querem é Ele mesmo, tenham ou 
não consciência disso. 
56 
ORAÇÃO AFECITV A 
Tomando na devida conta o facto de que diferen­
tes temperamentos rezarão de modos bastante dife­
rentes, pode dizer-se que, pará muitos, a oração 
afectiva consistirá em enamorar-se de Cristo. 
A linguagem do amor humano despojada do seu 
sentido grosseiro, é o único modo de expressão que 
pode satisfazer a necessidade de articular o que sen­
tem algumas almas. Nem todos hão-de orar deste 
modo mas, para aqueles em que isso é natural, as 
mais delicadas formas de expressão do amor humano, 
são modelos excelentes para a nossa conversa com 
Deus. 
Ele quer possuir o nosso coração e quer dar-nos 
o seu coração, e quaisquer palavras que possam 
ajudar-nos nessa transacção, constituem urna oração 
perfeita. Este exemplo do amor humano pode 
ainda ajudar-nos doutro modo a compreender até 
onde podemos entender esta oração. Frequentemente 
a conversa dos namorados versa apenas sobre coisas 
vulgares e, no entanto, podem estar unidos um ao 
outro! Também na oração, as nossas palavras e 
mesmo o nosso assunto pode ser bastante vulgar e, 
no entanto, pode ser muito grande o amor que damos 
e demonstramos a Cristo. 
Outras almas, de diferente temperamento, servir­
-se-ão de palavras de orações que lhe são familiares, 
de versículos dos Salmos, de petições extraídas do mis­
sal, etc.. Se o estilo da oração pública da Igreja nos 
ocorre naturalmente, muito bem : se assim não é, 
então não deve tentar-se encaixar a oração de cada 
t}ual em estilo semelhante. «Dignai-vos» e outras 
palavras no género é preferível que se não usem. 
Um outro modo, que pode ajudar os que têm difi­
culdade de expressão, é o que sugere Santo Inácio, 
e consiste em repetir lentamente alguma oração vocal : 
o «Pai Nosso», a «Avé Maria», a «Alma de Cristo», 
57 
A DIFICULDADE DB ORAR 
a «Ladainha da Santíssima Virgem», etc. Para os 
que usam o Breviário, um único Salmo pode ser 
usado deste modo com grande êxito. Podemos sobre 
ele improvisar e desenvolver algumas das súplicas, 
ou podemos apenas escapar-nos, por assim dizer, por 
entre as frases, deixando que o coração se mostre a 
Deus sem palavras. Em capítulos anteriores se indi­
caram outros modos de entrar em contacto com o 
Senhor, e a devoção de cada um, há-de decerto 
encontrar aquele que melhor lhe quadrará a si. 
Há alguns erros que devem ser evitados. Um muito 
vulgar é esforçar-nos por enchermos nós toda a con­
versa. A alma deveria parar de vez em quando 
e escutar Deus. Ele responde-nos, na nossa cons­
ciência, no nosso coração, muitas vezes inconfundi­
velmente. É claro que nesta matéria, devemos estar 
em guarda contra a desilusão causada por imagi­
nações vãs e frfvolas, corno se diz rnodernamente. 
Um erro muito semelhante é julgar que devemos 
manter uma torrente continua de palavras quando 
não estamos a escutar o Senhor. Como ainda há 
pouco dissemos, deveríamos usar de uma certa elas­
ticidade nos intervalos dos actos. 
A capacidade para assim proceder, é muitas vezes 
a pedra de toque da nossa sinceridade. Assim, no 
momento em que acabámos de dizer a Jesus que o 
amamos com todo o nosso coração, só se formos 
sinceros, seremos capazes de permanecer silenciosa­
mente nesse sentimento. De outro modo sentir-nos­
-ernos obrigados a prosseguir dizendo qualquer outra 
coisa, para que não aconteça que o ouçamos dizer: 
«Se tu realmente me amasses, não farias isto e isto!» 
Esta é uma das maneiras que o Senhor utiliza para 
nos moldar segundo os desejos do seu coração. 
Um erro diverso é o de tentar sentir os nossos 
actos. O acto essencial do amor de Deus é feito 
58 
ORAÇÃO AFECTIVA 
com a vontade e, portanto, a não ser que ele se der­
rame por sobre as emoções, não pode ser sentido. 
A este respeito deveria ter-se bem presente a conhe­
cida doutrina da verdadeira contrição. O verda­
deiro arrependimento do pecado, é o afastamento 
da vontade de pecar e manifesta-se numa reso­
lução da vontade de evitá-lo no futuro. É bastante 
compatível com uma forte atracção animal para o 
prazer pecaminoso, sentida no apetite inferior, e com 
a consequente pena de abandoná-lo. 
Assim também, na oração, se os nossos actos pro­
cedem da vontade, não importa se afectam ou não o 
nosso sentimento. Uma vez que queremos amar 
a Deus, por essa mesma razão, com a ajuda da 
graça, amamo-lo realmente. 
Fora daquelas alturas em que o coração está 
árido e não pode produzir nem um bom pensa­
mento nem uma palavra boa, as mais importantes 
dificuldades da oração têm as suas raízes fora 
dela. 
Esta relação que existe entre toda a oração e o 
estado geral da vida espiritual, ainda não foi tratada. 
Um ponto podemos mencionar, já relacionado com 
a oração afectiva, porque esta espécie de oração é 
particularmente sensível às desordens na nossa vida 
espiritual. Levadas por uma noção errada de Deus 
e da atitude correcta a adoptar para com Ele, algumas 
almas têm grande dificuldade em «abandonar-se» 
e em falar com Ele naturalmente, quando em oração. 
Ora é verdade que a reverência é essencial a toda a 
oração. Mas na oração privada, estamos em con­
versa com um Deus que está enamorado de nós, 
e que procura uma grande intimidade connosco, e 
isto com tal ardor que nos dá o seu próprio corpo 
e sangue como alimento, mostrando assim quão inten­
samente deseja o nosso coração. 
59 
A DIFICULDADE DE ORAR 
Ele quer que lhe falemos livremente, e há-de dar­
-nos o desconto se a nossa atenção para com Ele 
nos leva a ser pouco cerimoniosos. Além disso, 
Ele próprio é o remédio para todas as nossas doen­
ças e, se há alguma coisa errada na nossa oração, 
tal como a falta da reverência devida, depressa Ele 
a pode corrigir. Mesmo correndo o risco de nos 
faltar reverência ou de estar imperfeitamente dis­
postos, é melhor entrar num estreito contacto com 
Aquele que veio para curar as nossas doenças, 
do que manter-se afastado d'Eie por um excesso 
de respeito. Os últimos traços do jansenismo estão 
longe de estar extintos nas nossas noções de piedade. 
60 
N O V O S P R O G R:E S S O S 
A partir deste ponto da subida dessa montanha 
que é a oração, há dois caminhos pelos quais podemos 
fazer novos progressos. Um é pela simplificação 
da oração propriamente dita, durante o tempo 
determinado para esse exercício. O outro é desen­
volvê-la em extensão, de modo a entretecer com ela 
o torvelinho do trabalho de todo o dia. 
Estes dois caminhos estão tão intimamente rela­
cionados um com o outro, que o melhor é tratá-los 
em conjunto. 
Uma vez que a oração se tomou afectiva - isto é, 
composta de actos, enquanto estes são distintos da 
reflexão - pode e deve com frequência ser renovada 
ao longo do dia, por insistentes aspirações que deve­
rão ser sempre curtas, muitas vezes originais e, em 
geral, com palavras nossas. 
Podem mesmo ser isentas de palavras; um sorriso, 
um olhar, um suspiro, um movimento de coração 
que nós próprios mal percebemos, podem dizer 
tanto como volumes e mais volumes a um amigo 
tão íntimo como Cristo. Se se desenvolve este hábito, 
a oração pode manter-se perfeitamente através das 
nossas ocupações mais absorventes, especialmente 
se a nossa oração brota do trabalho que temos entre 
mãos, num pedido de ajuda, de paciência nas difi-
61 
A DIFICULDADE DE ORAR 
culdades, numa palavra de louvor por alguma dis­
posição

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