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LOGICA Lukasiewicz A verdadeira forma do silogismo aristotélico

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A verdadeira forma do silogismo 
aristotélico 
Jan Lukasiewicz 
 
Em três obras filosóficas publicadas 
recentemente, aquilo que se segue é 
fornecido como um exemplo de um silogismo 
aristotélico1: 
 
 1) Todos os homens são mortais, 
 Sócrates é um homem, 
 logo 
 Sócrates é mortal. 
 
Este exemplo parece muito antigo. Com uma ligeira modificação — "animal" 
em vez de "mortal" — é citado já por Sexto Empírico como um silogismo 
"peripatético"2. Mas um silogismo peripatético não é necessariamente um 
silogismo aristotélico. De facto, o exemplo fornecido acima difere em dois 
aspectos logicamente importantes do silogismo aristotélico. Primeiro, a 
premissa "Sócrates é um homem" é uma proposição singular, visto que o seu 
sujeito "Sócrates" é um termo singular. Ora Aristóteles não introduz termos 
singulares nem premissas singulares no seu sistema. O seguinte silogismo 
seria então mais aristotélico: 
 
 2) Todos os homens são mortais, 
 Todos os gregos são homens, 
 logo 
 Todos os gregos são mortais3. 
 
Este silogismo, contudo, ainda não é aristotélico. É uma inferência na qual, de 
duas premissas aceites como verdadeiras, "Todos os homens são mortais" e 
"Todos os gregos são homens", se extrai a conclusão "Todos os gregos são 
mortais". O sinal característico de uma inferência é a palavra "logo" (ára). 
Ora, e esta é a segunda diferença, nenhum silogismo é formulado por 
Aristóteles primariamente como uma inferência. Todos os silogismos são 
condicionais que têm como antecedente a conjunção das premissas e como 
consequente a conclusão. Um verdadeiro exemplo de um silogismo 
aristotélico seria assim a seguinte condicional: 
 
 3) Se todos os homens são mortais 
 e todos os gregos são homens, 
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 então todos os gregos são mortais. 
 
Esta condicional é apenas um exemplo moderno de um silogismo aristotélico 
e não existe nas obras de Aristóteles. Seria preferível, claro, ter um exemplo 
de um silogismo fornecido pelo próprio Aristóteles. Infelizmente, nenhum 
silogismo com termos concretos se encontra nos Analíticos Anteriores. Mas 
há algumas passagens dos Analíticos Posteriores das quais se podem extrair 
alguns exemplos de tais silogismos. O mais simples deles é este: 
 
 4) Se todas as plantas com folhas largas são efémeras 
 e todas as videiras são plantas com folhas largas, 
 então todas as videiras são efémeras4. 
 
Todos estes silogismos, aristotélicos ou não, são apenas exemplos de 
algumas formas lógicas, mas não pertencem à lógica, pois contêm termos que 
não fazem parte dela, como "homem" ou "videira". A lógica não é uma ciência 
acerca dos homens ou das plantas, é apenas algo que é aplicável a esses 
objectos, tais como a quaisquer outros objectos. De forma a obter um 
silogismo pertencente à esfera da pura lógica, temos de remover do silogismo 
aquilo a que poderíamos chamar o seu conteúdo, mantendo apenas a sua 
forma. Isto foi feito por Aristóteles, que introduziu letras em vez de sujeitos 
e predicados concretos. Colocando em 4 a letra A em vez de "efémero", a letra 
B em vez de "planta com folhas largas" e a letra C em vez de "videira", e 
utilizando, tal como faz Aristóteles, todos estes termos no singular, obtemos 
a seguinte forma silogística: 
 
 5) Se todo o B é A 
 e todo o C é B, 
 então todo o C é A. 
 
Este silogismo é um dos teoremas lógicos inventados por Aristóteles, mas 
mesmo ele ainda difere em estilo do genuíno silogismo aristotélico. Ao 
formular silogismos com a ajuda de letras, Aristóteles coloca sempre o 
predicado em primeiro lugar e o sujeito em segundo. Ele nunca diz "Todo o 
B é A", usando antes a expressão "A é predicado de todo o B", ou mais 
frequentemente "A pertence a qualquer B"5. Apliquemos a primeira destas 
expressões à forma 5; obteremos uma tradução exacta do mais importante 
silogismo aristotélico, posteriormente chamado "Barbara": 
 
 6) Se A é predicado de todo o B 
 e B é predicado de todo o C, 
 então A é predicado de todo o C6. 
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A partir do exemplo inautêntico 1, chegámos através de uma transição passo 
a passo ao genuíno silogismo aristotélico 6. 
 
Jan Lukasiewicz 
 
 
Notas 
 
1. Veja-se Ernst Kapp, Greek Foundations of Traditional Logic, New York 
(1942), p. 11; Frederick Copleston, S.J., A History of Philosophy, vol. I: Greece 
and Rome (1946), p. 277; Bertrand Russell, History of Western Philosophy, 
London (1946), p. 218. 
2. Sexto Empírico, Hipóteses Pirrónicas, ii, 164 [no original segue-se o 
excerto relevante em grego]. Umas linhas antes, Sexto afirma que se referirá 
aos chamados silogismos categóricos, utilizados principalmente pelos 
Peripatéticos [no original segue-se o excerto relevante em grego]. Veja-se 
também ibidem, ii , 196, onde o mesmo silogismo é citado com as premissas 
transpostas. 
 3. B. Russell, op. cit., p. 219, fornece a forma 2 imediatamente a seguir à 
forma 1, acrescentando dentro de parênteses a seguinte observação: 
"Aristóteles não distingue entre estas duas formas; como veremos depois, 
isto é um erro". Russell tem razão quando diz que estas duas formas devem 
ser distinguidas, mas a sua crítica não deve ser aplicada a Aristóteles. 4. 
Analíticos Posteriores, ii, 16, 98b5 [no original segue-se o excerto relevante 
em grego]. 
5. [No original segue-se o excerto relevante em grego] 
6. [no original segue-se o excerto relevante em grego]. A palavra ananké 
omitida nesta tradução será explicada mais tarde. 
 
 
Retirado de Aristotle's Syllogistic From the Standpoint 
of Modern Logic, de Jan Lukasiewicz (Oxford, 
Clarendon Press, 1951), pp. 1-3. 
 
Tradução de Rui Daniel Cunha 
Gabinete de Filosofia da Educação 
Faculdade de Letras da Universidade do Porto

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