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APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO NA PRIMEIRA INFÂNCIA: DESTAQUE PARA OS INSTRUMENTOS CULTURAIS LAZARETTI, Lucinéia Maria – PPGE-UFSCar lucylazaretti@gmail.com Eixo temático: Educação Infantil Agência Financiadora: CAPES Resumo Este texto resulta de pesquisa bibliográfica conceitual concluída (2006-2008), sob o norte teórico-metodológico da Psicologia Histórico-Cultural, no qual objetivamos discutir aspectos teóricos referentes à aprendizagem e desenvolvimento na primeira infância, ressaltando a importância da mediação dos instrumentos culturais nesse processo. Esses instrumentos criados ao longo da história humana estão objetivados na cultura (material e não-material). Para a Psicologia Histórico-Cultural, o ser humano para superar sua condição de hominização, enquanto estado natural e biológico dado pela natureza, precisa humanizar-se, ou seja, apropriar-se da cultura humana que está objetivada nos objetos criados pelo e para o homem. Nesse sentido, questionamos: como se processa aprendizagem desses instrumentos culturais na primeira infância? Com vista a responder essa questão, este texto discute como ocorre, na criança, a aprendizagem a ação com os objetos, sua função e destino social. Para isso, tomamos como premissa que essa função e esse destino não se encontram na ação objetal tomada de forma isolada, não está escrito no objeto para que se realiza, qual é seu sentido social, e por isso só é possível apropriar-se desse sentido quando a ação objetal se inclui no sistema das relações humanas, ou seja, toda a aprendizagem com esses objetos são mediados pela ação dos adultos e da intencionalidade dessa ação. De posse dos estudos realizados, concluímos que o processo de aprendizagem e desenvolvimento nos primeiros anos de vida conduz a superação dos condicionantes biológicos aos culturais por meio da apropriação dos instrumentos da cultura. Esse processo só é possível, por meio de ações intencionais do adulto. Palavras-chave: Psicologia Histórico-Cultural. Primeira infância. Instrumentos culturais. 1. Introdução Este texto resulta de pesquisa bibliográfica conceitual concluída (2006-2008), sob o norte teórico-metodológico da Psicologia Histórico-Cultural, no qual objetivamos discutir aspectos teóricos referentes à aprendizagem e desenvolvimento na primeira infância, ressaltando a importância da mediação dos instrumentos culturais nesse processo. 3112 Para a Psicologia Histórico-Cultural, que guarda o marxismo como norteador filosófico e metodológico, a origem do desenvolvimento humano e sua consciência é resultado de como os seres humanos, a partir de um determinado ponto da evolução natural tornaram-se capazes de desempenhar uma atividade chamada trabalho. Portanto, o trabalho foi a primeira e fundamental condição do surgimento do gênero humano que acarretou a própria transformação global do organismo. Segundo Marx e Engels (1987, p. 39-40) “[...] ao passo que os animais agem para satisfazer suas necessidades, os seres humanos agem para produzir os meios de satisfação de suas necessidades”. Sob a base do trabalho, atividade vital do homem, que ao produzir meios de satisfação de suas necessidades, cria novas necessidades que o possibilita desenvolver novas habilidades. Essa ação sobre a natureza para satisfazer necessidades, sempre no coletivo, transforma os objetos naturais em sociais. E nesse processo cria-se a necessidade de comunicação. Deste modo, os objetos criados pelo homem, seus instrumentos culturais, o coletivo e o surgimento da linguagem tem uma existência objetiva como produtos da atividade humana. Esse processo histórico de surgimento do gênero humano também construiu o mundo da cultura, por meios de gerações. A apropriação dessa cultura objetivada expressa a essência da humanização, tanto do gênero humano quanto do indivíduo (DUARTE, 1993, 1996). Esses instrumentos culturais criados ao longo da história humana estão objetivados na cultura (material e não-material). Para a Psicologia Histórico-Cultural, o ser humano para superar sua condição de hominização, enquanto estado natural e biológico dado pela natureza, precisa humanizar-se, ou seja, apropriar-se da cultura humana que está objetivada nos objetos criados pelo e para o homem. Nesse sentido, questionamos: como se processa aprendizagem desses instrumentos culturais na primeira infância? Com vistas a responder essa questão, este texto discute primeiramente os postulados teóricos que sustentam a temática aqui abordada e aponta algumas implicações dessa discussão à educação da primeira infância, a partir do referencial adotado. 2. Os instrumentos culturais no processo de aprendizagem e desenvolvimento da criança na primeira infância A Psicologia Histórico-Cultural, em especial os estudos de Vygotski (1995, 1996), Leontiev (s/d, 1988a) e Elkonin (1987b, 1969a, 1969b), estabelece três períodos do desenvolvimento humano: a primeira infância, a infância e a adolescência. É preciso ter a 3113 clareza de que esses períodos não são imutáveis ou universais, e sim dialeticamente contraditórios, e não são as leis biológicas que determinam esses períodos, mas as condições históricas concretas, objetivas, que exercem influência no conteúdo de determinado período do desenvolvimento. Portanto, cada nova geração e, assim, cada novo ser, ao nascer, já pertence à certa geração com determinadas condições de vida, que desdobra em seu conteúdo de sua atividade. Uma categoria fundamental para compreender a constituição do psiquismo humano, logo, do desenvolvimento da criança é a atividade. É necessário “[...] começar analisando o desenvolvimento da atividade da criança, como ela é construída nas condições concretas de vida” (LEONTIEV, 1988a, 63, grifos nossos). Essa premissa está fundamentada no processo histórico do gênero humano e de sua humanização. [...] a atividade humana é uma atividade histórica e geradora da história, do desenvolvimento humano, da humanização da natureza e do próprio homem, em decorrência de algo que caracterize a especificidade, a peculiaridade dessa atividade frente a todas as demais formas de atividades de outros seres vivos. (DUARTE, 1993, p.38). A atividade que a criança realiza, por meio da comunicação com os adultos e por mediação destes, da brincadeira, faz com ela se aproprie de forma ativa dos objetos humanos com o qual reproduz as ações humanas. É por meio de sua ação e em dependência das pessoas com quem ela está em contato que constitui seu modo de vida e este modifica, de acordo com a posição real que a criança ocupa, a partir da qual descobre o mundo das relações humanas. Portanto, seu desenvolvimento está condicionado pelo lugar efetivo que ocupa nestas relações. Assim, a atividade que a criança realiza em cada período do desenvolvimento é dependente de uma situação social de desenvolvimento que regula todo modo de vida da criança ou sua existência social. Portanto, no início de cada período da vida, a relação estabelecida entre a criança e o meio que a rodeia, especialmente o social, é totalmente peculiar, específica e irrepetível. 3114 A situação social do desenvolvimento é o ponto de partida para todas as mudanças dinâmicas que se produzem no desenvolvimento durante o período de cada idade. Determina plenamente e por inteiro as formas e a trajetória que permitem a criança adquirir novas propriedades da personalidade, já que a realidade social é a verdadeira fonte do desenvolvimento, a possibilidade de que o social se transforme em individual (VYGOTSKI, 1996, p. 264, grifos nossos). Vigotski ainda complementa a idéia afirmando “[...] que o meio social origina todas as propriedades especificamente humanas da personalidade que a criança vai adquirindo”, e, deste modo, a fonte do desenvolvimento social da criança se realizano processo da interação social que é determinada pela situação social de desenvolvimento (VYGOTSKI, 1996, p. 270). Sendo o desenvolvimento um processo único e integral, o que move e atua sobre esse desenvolvimento é “[...] o lugar ocupado pelo indivíduo na sociedade entre as demais pessoas, as condições de vida, as exigências que lhe apresenta a sociedade, o caráter da atividade que realiza e o nível de desenvolvimento alcançado em cada momento dado” (ELKONIN, 1969a, p. 502). Essa compreensão da situação social de desenvolvimento inclui o homem sempre inteiro. Dos períodos apresentados, cumpre esclarecer que nos deteremos à primeira infância, que abarca os primeiros meses até os três anos. Durante esse período duas atividades serão norteadoras do desenvolvimento: a comunicação emocional direta e a objetal manipulatória (ELKONIN, 1987b). Ao nascer, segundo Elkonin (1969b), a criança encontra-se em novas condições de vida que se diferem substancialmente das condições do desenvolvimento intra-uterino. Para poder adaptar-se a essas novas condições, a criança dispõe de alguns reflexos incondicionados, como: alimentação, defesa e orientação. Entretanto, esses reflexos não garantem à adaptação as novas condições de vida: “A criança ao nascer, é o mais indefeso de todos os seres vivos. Não poderia viver sem os cuidados dos adultos. Somente o cuidado dos adultos, substitui a insuficiência dos mecanismos de adaptação que há no momento de nascer” (ELKONIN, 1969b, p. 504). Esse período pós-nascimento é de extrema importância para o desenvolvimento da criança e sua vida está assegurada pelos mecanismos inatos. O seu sistema nervoso está formado de maneira a adaptar o organismo às novas condições externas. São os reflexos incondicionados que vão assegurar o funcionamento dos principais sistemas do organismo. São eles: reflexo da sucção; preensão; impulso. Esses reflexos manifestam-se nos dias imediatamente posteriores ao nascimento. 3115 A etapa imediatamente posterior ao nascimento é a única na vida do homem em que observam em estado puro as formas inatas e instintivas de comportamento, cujo fim é satisfazer as necessidades orgânicas (de oxigênio, alimentação, calor). Essas necessidades orgânicas garantem apenas a sobrevivência da criança, mas não constituem a base de seu desenvolvimento psíquico (MUKHINA, 1996, p. 76, grifos nossos). Vygotski (1995) assevera que é a vida social que cria a necessidade de subordinar a conduta instintiva do indivíduo às exigências externas, logo, é a sociedade e não a natureza que deve figurar como o fator determinante da conduta do homem. É nisso que consiste toda a premissa do desenvolvimento cultural da criança. A criança, em seus primeiros meses, tem uma peculiar e específica situação de sociabilidade. Sua comunicação social não está separada, todavia, de todo o processo de comunicação com o mundo exterior, a saber: com os objetos humanos e com a satisfação de suas necessidades vitais. A comunicação social está embasada numa comunicação visual- direta, ativa, sem palavras. Ao invés de uma comunicação baseada no entendimento mútuo, trata-se de manifestações emocionais, transferências de afetos, de reações positivas e negativas entre o bebê e o adulto. Neste sentido, o adulto é o centro de qualquer situação no primeiro ano. Todas as atividades da criança realizam-se com e na presença no adulto. Na ausência do adulto, é como se a criança fosse indefesa, toda sua atividade frente ao mundo paralisa-se ou limita-se em alto grau (VYGOTSKI, 1996; ELKONIN, 1969b). Por este motivo, a outra pessoa é para o bebê o centro psicológico de toda a situação. O sentido de cada situação está determinado para o bebê por esse centro principalmente, isto é, por seu conteúdo social, ou, melhor dito, pela relação da criança com o mundo. A criança é uma magnitude dependente e derivada de suas relações diretas e concretas com o adulto (VYGOTSKI, 1996, p. 304). Assim, esse primeiro ano é marcado pela formação dos sistemas sensoriais, que está implicitamente relacionado, desde o começo, na relação da criança com os adultos que lhe cuidam e daí transcorre um processo de intensa aprendizagem. Desde os mais simples movimentos, quando o adulto inclina-se sobre a criança, aproxima e afasta seu rosto, pega, mostra e estende à ela alguma objeto de cor viva, e, com isso, incita um motivo para que a criança fixe seu olhar no rosto do adulto ou no objeto, até a conquista de segurar e apalpar o objeto, está voltado para um intenso desenvolvimento e com inúmeras possibilidades de relação entre a criança e o adulto. Essas ações são também de comunicação já que envolve a 3116 criança e o adulto. A relação criança-adulto começa a ser cada vez mais profunda, neste processo e suas ações adquirem o caráter de atividade conjunta. Essa atividade pode ser assim ilustrada: na pretensão de querer apanhar algo, a criança não consegue realizar por si própria, neste sentido, é o adulto quem irá dirigir e orientar as ações da criança. A criança começa a desenvolver a capacidade de imitar as ações dos adultos. Começa a abrir ante esse processo inúmeras possibilidades para o ensino (ELKONIN, 1969b; 1998). As ações que a criança assimila orientada pelo adulto criam a base de seu desenvolvimento psíquico. Assim já no primeiro ano se manifesta claramente a lei geral do desenvolvimento psíquico, segundo a qual processos e qualidades psíquicos se formam na criança sob a influência decisiva das condições de vida, da educação e do ensino (MUKHINA, 1996, p. 84). Com os sistemas sensoriais já relativamente constituídos e dirigíveis, o desenvolvimento das coordenações visomotoras e do ato preênsil começam a se formar, mesmo que ainda caóticos. Esse processo de preensão e apalpação com as mãos provoca a sensibilidade tátil e transforma a palma da mão da criança em um aparelho receptor que funciona de maneira ordenada: “A importância fundamental do ato de apreender diversos objetos a distância com a subseqüente sujeição, apalpação e contemplação simultânea dos mesmos radica-se no fato de que, durante esse processo, se constituem as ligações entre a imagem reticular do objeto e suas verdadeiras dimensões, forma e distância” (ELKONIN, 1998, p. 209). O essencial para o desenvolvimento e aperfeiçoamento dos movimentos com objetos nessa fase é surgimento de diversos movimentos reiterativos e concatenados, que começam com palmadas no objetos, examinando-os e tornam-se cada vez mais variados. Convém esclarecer que todo esse processo não se desenvolve se for deixado a criança em sua oscilação monótona com seu corpo, apenas com seus atos de succção dos dedos. Desse modo, desde os primeiros movimentos de manipulação até os mais elaborados, decorre da atenção pedagógica que é prestada. As ações reiterativas e concatenadas, durante primeiro ano da criança pode ser assim caracterizadas: as possibilidades de manipulações que se formam durante o primeiro ano se desenvolvem desde que se desenvolvam as premissas necessárias, ou seja, as faculdades de concentrar-se, examinar, apalpar, ouvir etc.; e com a formação do ato de agarrar, a atividade orientadora e exploradora adquire uma nova configuração, no qual a criança começa a se orientar pelos novos objetos. As ações da criança “[...] são estimuladas 3117 pela novidade dos objetos e sustentadas pelas novas qualidades dos objetos que vão sendo descobertas durante a sua manipulação” (ELKONIN, 1998, p. 214). O apreender a agarrar e manipular os objetos, não significa que as crianças compreendem o significado social de uso dos objetos, mas apenas sentem-se atraídas pelas qualidades externas deles. As ações com os objetos que a criança realiza no primeiro ano, sob a direção dos adultos, permitem-lhe que aprenda somente a utilizar as propriedades externas dos objetos,ou seja, da mesma forma que manipula o lápis, manipula também a colher ou um pau. Destarte, é sob essa base que se engendra uma nova forma de atitude frente ao mundo dos objetos: estes tornam-se não mais como simples objetos de manipulação, mas como objetos que tem uma forma determinada para seu uso, um domínio dos seus procedimentos, socialmente elaborada e necessita-se aprender a cumprir a função que lhes designou a experiência social (MUKHINA, 1996). Sob a direção dos adultos e em constante contato com eles, a criança aprende a atuar com os objetos, por meio dos quais satisfaz suas variadas necessidades (comer com a colher, beber com a xícara, abotoar os botões, colocar as meias, etc.). No começo, os adultos executam as ações junto com a criança, e, somente de uma maneira progressiva o deixam com liberdade, vigiando e corrigindo constantemente seus movimentos. Quando a organização e o método de ensino são bons, a criança aprende com perfeição as maneiras corretas de atuar com os objetos (ELKONIN, 1969b, p. 508, grifos originais). Devido ao interesse da criança em manipular os objetos, em assimilar novas ações com eles, o adulto, neste processo, deixa de ser o centro da situação social de desenvolvimento, e passa a ser, para a criança, o que vai possibilitá-la a aprender e dominar as ações socialmente elaboradas dos objetos. É o adulto que mostra às crianças como realizar as ações e as cumpre junto com as crianças. O adulto, nesse contexto, passa a ser somente um elemento, ainda que o mais importante preceptor e mediador da situação da ação objetal. “A comunicação emocional direta com ele passa aqui a um segundo plano e em primeiro plano aparece a colaboração prática. A criança está ocupada com o objeto e com a ação com ele” (ELKONIN, 1987b, p. 117). Produz-se assim, a passagem para a atividade manipulatória objetal, sendo que esta será a atividade dominante durante todo o período da primeira infância. A particularidade da atividade manipulatória objetal é que por meio desta, a criança descobre, pela primeira vez, a função do objeto e seu destino. Quando a criança abre e fecha 3118 infinitas vezes uma caixa ou uma porta, nessas ações são simples manipulações que não revelam a função desse objeto. Nesse processo, o adulto desenvolve um papel fundamental que é o de revelar qual é a função desse objeto, no caso aqui, da caixa ou da porta. Compreender o destino do objeto é compreender qual é o destino conferido ao objeto pela sociedade. A criança vai apropriar-se do sentido do mundo dos objetos como pertencente à cultura humana. (MUKHINA, 1996). No processo de assimilação das ações com os objetos, a criança manipula estes sem lhes denotar funções nem compreendendo o significado permanente do objeto, ou seja, o destino social. “A princípio, a criança sabe manejar um pequeno grupo de coisas. Para ela resulta um círculo mais amplo de brinquedos que representam objetos reais e que tem funções parecidas a estes (o que, em geral, não tem funções fixas)”. Esses brinquedos não lhe exigem que se realizam ações tão precisas como com os objetos reais; utilizá-los tem lugar em condições mais livres: brincar de beber em uma taça não exige a rigorosidade e a coordenação de movimentos que são necessários para beber realmente. “Por isto, ao atuar com os brinquedos, a criança não fixa tanto as maneiras de atuar com eles quanto as funções dos objetos que eles representam, ou seja, aquilo para o que se utilizam” (ELKONIN, 1969b, p. 508). Como a criança não transporta suas ações com os brinquedos nos objetos reais e não há uma preocupação em apreender as ações com os objetos. É o adulto quem será o elemento mediador desse processo, incitando na criança o interesse para atuar com os objetos de maneira socialmente elaborados. Logo, a atividade manipulatória objetal tem três fases: a primeira é o uso indiscriminado do objeto, onde a criança realiza com o objeto qualquer ação que domina; a segunda, a criança utiliza o objeto de acordo com sua função direta; e a terceira, a criança manipula e utiliza os objetos livremente, é como se retornasse a primeira fase, só que já conhecendo a função principal do objeto, o destino social conferido ao objeto. Elkonin assim sistematiza esse processo: 3119 Na etapa inicial da aprendizagem das ações com os brinquedos, a criança reproduz as ações indicadas pelos adultos somente com aqueles objetos e naquelas condições em que lhes haviam mostrado. Se o adulto mostrar à criança como dar de beber à boneca com um barrilete, no começo ela dará de comer à boneca somente com o barrilete e não utiliza outras coisas; se lhe mostram como se dá de comer ao gatinho ou ao cachorrinho, ela dará de comer somente à estes animais. No entanto, posteriormente, as ações se generalizam e se executam não somente com aqueles objetos que haviam mostrado, mas também com outros parecidos. Agora a criança lhe dá de beber não somente ao cachorrinho e ao urso, mas também ao cavalo, à boneca e ao cubo de maneira; e não somente com o barrilete com quem lhe haviam mostrado a ação, mas também com a xícara, com a taça, etc. (ELKONIN, 1969b, p. 508, grifos originais). É no esteio dessa relação criança-adulto, que a criança começa a compreender a utilização dos objetos cotidianos, e ao mesmo tempo, começa a assimilar as regras de comportamento social. Nesse processo de aprendizagem, a criança domina as ações com orientação constante do adulto, que lhe demonstra a ação, dirige sua mão e chama atenção sobre o resultado (MUKHINA, 1996). Outro fator no desenvolvimento da criança é a apropriação da linguagem. Essa é uma das mais importantes tarefas a serem mediadas junto às crianças. Desde seus momentos iniciais de vida, a criança se depara com a linguagem em sua tripla função: como meio de existência, transmissão e assimilação da experiência histórico social dos homens; como meio de comunicação ou intercâmbio de influências interpessoais que, direta ou indiretamente, orientam as ações realizadas e como ferramenta do pensamento, como substrato da atividade intelectual humana, pela qual se torna possível o planejamento de atividades, sua realização e a comparação de seus resultados às finalidades propostas (MARTINS, 2007, p. 65). Com o aprimoramento das atividades sensório-motoras, as manipulações com os objetos e brinquedos, a linguagem, como um dos signos de maior influência no comportamento cultural da criança, na atividade conjunta com os adultos, as crianças vão aprendendo as ações planejadas e designadas pela sociedade aos objetos de uso cotidiano (ELKONIN, 1998). No final da primeira infância, com o amplo desenvolvimento da atividade manipulatória objetal, as ações com os objetos vão desembocando novos tipos de ações. 3120 Um mesmo objeto começa a representar distintas coisas e as ações dependem do que representa o objeto em determinando momento. Assim, por exemplo, um palito exerce as funções de colher, faca ou de termômetro e, de acordo com isto, as ações que se realizam com ele são as de dar de comer, cortar ou medir a temperatura. Além disso, ao objeto se dá uma determinada denominação somente depois que os adultos o designaram, do mesmo modo, quando a mesma criança já atou com ele [o objeto] com o nome dado. Ao começo da idade pré-escolar aparece de fato o que a criança denomina por si mesma o objeto com outro nome de acordo com a ação que vai realizar com esta coisa (ELKONIN, 1969b, p. 509). Resumindo, na primeira infância, as crianças aprendem a ação com os objetos, sua função e destino social. Contudo, essa função e esse destino não se encontram na ação objetal tomada de forma isolada, não está escrito no objeto para que se realiza, qual é seu sentido social, seu motivo eficaz. De acordo com Elkonin (1987b, p. 118) só é possível apropriar-se desse sentido“[...] quando a ação objetal se inclui no sistema das relações humanas [e] põe-se a descoberto nela seu verdadeiro sentido social, sua orientação para as outras pessoas. Tal inclusão tem lugar na brincadeira”. Não vamos entrar na discussão da brincadeira e as novas ações que os instrumentos culturais desembocam, mas queremos frisar, que toda a aprendizagem com esses objetos são mediados pela ação dos adultos e da intencionalidade dessa ação. 3. Considerações finais De posse dos estudos da Psicologia Histórico-Cultural, este trabalho teve por objetivo discutir aspectos referentes à aprendizagem e desenvolvimento na primeira infância, ressaltando a importância da mediação dos instrumentos culturais nesse processo. Focalizamos no processo de aprendizagem e desenvolvimento nos primeiros anos de vida e na superação dos condicionantes biológicos aos culturais por meio da apropriação dos instrumentos da cultura. Esse processo só é possível, conforme norteamos a discussão, por meio de ações intencionais do adulto. Depositamos essa carga de intencionalidade no adulto, justamente por percebermos que ainda vigora um entendimento de aprendizagem e desenvolvimento que na primeira infância, especificamente, é natural e espontâneo, conforme relata Mello e Campos (2007, p. 50) no trabalho desenvolvido com professores de Educação Infantil. Nele, os autores têm se deparado com discursos calcados em “concepções romantizadas de criança, de infância, as quais estão cristalizadas nos fatores hereditários e no 3121 desenvolvimento infantil linear, como se a criança a ser educada e cuidada por eles [os professores] não sofresse influência da cultura e sociedade, a qual pertence”. Na intenção de corroborar na superação desse entendimento linear e natural é que direcionamos nosso foco no quão ilimitado é esse processo. As palavras de Mukhina (1996, p. 40) esclarecem que “as crianças assimilam esse mundo, a cultura humana, assimilam pouco a pouco as experiências sociais que essa cultura contém, os conhecimentos, as aptidões e as qualidades psíquicas do homem. É essa a herança social”. Nesse sentido, devemos compreender que a criança não se integra e/ou se apropria da cultura humana de forma espontânea. Somente isso se torna efetivo com a ajuda contínua e a orientação do adulto que perpassa pelo processo de educação e de ensino. REFERÊNCIAS DUARTE, Newton. A Escola de Vigotski e a Educação Escolar (Hipóteses para uma leitura pedagógica da Psicologia Histórico-Cultural). In: DUARTE, Newton. Educação Escolar, Teoria do Cotidiano e a Escola de Vigotski. Campinas, SP: Autores Associados (Coleção Polêmicas do Nosso Tempo), 1996. p. 75-106. DUARTE, Newton. 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