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A questão da saúde mental

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Do divino ao profano
A experiência com a loucura teve diferentes estágios de julgamento durante todo o desenvolvimento da civilização moderna. Esta já foi considerada um privilégio na Grécia antiga e – visão bem distinta do que normalmente se pensa sobre o tema – “Era através do delírio que alguns privilegiados podiam ter acesso a verdades divinas. ” (SILVEIRA e BRAGA, 2005). Aos poucos, a loucura vai se afastando do papel de portadora da verdade, entrando em conflito diretamente com as religiões, no começo da idade média, que diziam oferecer igual contato divino.
Juntamente com a proposição de que para haver divino é necessário o profano como meio de contraposição, é na idade média que a loucura começa a ocupar o lugar do mal, representando o castigo divino – espaço que antes era designado aos leprosos.
O início dos tratamentos
Os doentes mentais faziam parte da mais nova “escória” da sociedade e, portanto, deveriam ser afastados desta, uma vez que já não cabiam mais nesta nova organização disciplinar, na qual o indivíduo necessariamente deveria ser produtor e seguir as normas do pacto social para manter-se incluso na vida pública. 
No século XVII já existiam hospitais para os excluídos socialmente, grupo constituído pelos doentes mentais, criminosos, mendigos, inválidos, portadores de doenças venéreas e libertinos. Embora a loucura tivesse passado do campo mitológico para o âmbito médico, ainda a medicina não tinha elementos para defini-la.
No século XVIII, Phillippe Pinel, considerado o pai da psiquiatria, teve o mérito de libertar os doentes mentais das correntes. Os asilos foram substituídos, então, pelos manicômios, estes somente destinados aos doentes mentais. O tratamento no manicômio, de acordo com Pinel deveria ser de reeducação do alienado, implicando respeito às normas e desencorajamento das condutas inconvenientes. A função disciplinadora do manicômio e do médico deve ser exercida como um perfeito equilíbrio entre firmeza e gentileza. Mais ainda, a permanência demorada do médico em contato com os doentes melhora seu conhecimento sobre os sintomas e sobre a evolução da loucura, afirmava Pinel.
Porém com o passar do tempo houve uma leitura modificada do tratamento moral de Pinel, sem os cuidados originais do método. As ideias corretivas para o comportamento dos hábitos dos doentes passaram a ser recursos de imposição da ordem e da disciplina institucional, recursos estes que visavam naquele momento ao bem da instituição. Tudo era justificado para submeter o doente mental.
Enquanto isso, o Brasil, que a pouco ainda era colônia de Portugal, engatinhava lentamente na direção na qual a Europa já alcançara há tempos. Por aqui, até o começo do século XIX, sequer haviam profissionais de qualidade na área da saúde atuando. Sobre essa situação decadente, RIBEIRO relata que: [1: RIBEIRO, P. RIBEIRO, Paulo. Saúde Mental no Brasil. Psiquiatria. Coleção Universidade Aberta, São Paulo, 1999. Editora: Arte & Ciência. P. 17.]
O atendimento hospitalar era feito nas Santas Casas das Irmandades de Misericórdia, instituições filantrópicas e religiosas que acolhiam os enfermos. O doente mental não partilhava de tratamento nestas Santas Casas, que embora existissem desde 1543, eram precárias e muitas delas surgiam antes de conseguirem médicos que ali se instalassem, cumprindo mais uma função de Amparo social do que de assistência médica. 
Até então, não havia atendimento médico direcionado especificamente para o problema em questão do indivíduo, a medicação era ministrada mais com o intuído de sedar do que de tratar. A internação hospitalar chega na metade do século XIX e permanece como principal forma de tratamento, juntamente com a imposição de fármacos, por cerca de cem anos.
A entrada da psiquiatria no Brasil
Juntamente com a chegada do século XIX, começam a ser criadas as primeiras escolas de medicina, que deram como frutos os primeiros doutores formados dentro do solo brasileiro, possibilitando então a realização de pesquisas totalmente nacionais e, posteriormente, a criação de institutos para o estudo das doenças. Dentre estes, o famoso Instituto Oswaldo Cruz, que mantem sua importância até os dias atuais. Concomitante as novas pesquisas, surgem os primeiros hospitais. O atendimento ao doente mental continuava a ser uma necessidade, apesar das pesquisas serem um importante sinal de avanço. RESENDE aborda a questão de os doentes mentais serem dispostos sem nenhuma humanização: 
[...] As Santas Casas de Misericórdia incluem-nos entre seus hóspedes, mas dá-lhes tratamento diferente dos demais, amontoando-os em porões, sem assistência médica, entregues a guardas e carcereiros [...] Condenando-os literalmente à morte por maus tratos físicos, desnutrição ou doenças infecciosas. (1992, p.35)
Os manicômios não eram lugares reservados exclusivamente para doentes mentais. Neles, amontoavam-se todo tipo de pessoas que não se enquadravam na vida em sociedade. Praticantes de pequenos furtos e mulheres que desonraram a família através de uma gravidez fora do casamento são alguns exemplos. Não se questionava se aquele cidadão poderia ser reinserido ou não na vida em comunidade, isto não era pauta. Os medicamentos eram utilizados mais para dopar do que para tratar aqueles que nem ao menos passaram por exames e testes que indicassem que realmente necessitava de tratamento medicamentoso. 
A reforma Psiquiátrica no Brasil
Apesar da psiquiatria já ter nascido como reforma, a julgar pelo já citado Phillippe Pinel, ela eclodiu em meados da década de 1970, está muito atrelada a Reforma Sanitária, que ocorreu durante a Ditadura Militar e foi um nome consagrado à um período em que a população buscava por uma democratização e mudanças no sistema de saúde. Foi consequência da união de estudantes universitários, professores universitários setores populares e entidades de profissionais de saúde com o objetivo de estruturas lutas em prol de políticas públicas para assegurar a saúde da população. Foi responsável pela criação do CEBES (Centro Brasileiro de Estudos de Saúde) através das realizações dos Congressos. Ao longo dos anos, possibilitou também a intitulação do Estado como responsável pela saúde da sociedade culminando no surgimento do SUS (Sistema Único de Saúde).
Discutir Reforma Sanitária nos seus aspectos conceituais, ideológicos, políticos e institucionais é, atualmente, tarefa fundamental de todos aqueles que, em diferentes países como o Brasil, Itália, Bolívia, Espanha e Portugal etc. estão comprometidos com a democratização das estruturas políticas e a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. (AROUCA, sinopse do livro Reforma sanitária - em busca de uma teoria).
Antes disso, nas décadas de 1940 e 1950, houve a aprovação do decreto-lei 8.555, de 3 de janeiro de 1946, que aprovava o Serviço Nacional de Doenças Mentais (SNDM) a realizar acordos com os governos estaduais para que fosse possível a construção de hospitais psiquiátricos. Durante esse período, a psiquiatria estava sendo implementada como especialidade da medicina, assim, buscava instrumentos mais “avançados” da psiquiatria biológica como o choque cardiazólico, a psicocirurgia, a insulinoterapia e a Eletroconvulsoterapia – que são procedimentos médicos usados por psiquiatras da época para tratar pacientes que estavam internados; esses métodos eram também utilizados para torturar internos. Entretanto, os novos hospitais deram sequencias às cenas caóticas já presentes anteriormente promovendo o descaso e a exclusão social dos pacientes. Dentre esses pacientes haviam muitas pessoas que não apresentavam nenhum tipo de psicopatologia, como mulheres que traiam os maridos, homossexuais, pessoas que cometiam pequenos delitos, moradores de rua, usuários de drogas, em geral pessoas que estavam à margem da sociedade. 
No contexto de pós Segunda Guerra começaram a surgir simultaneamente em vários países movimentos contra o modelo psiquiátrico da época como a Psiquiatria de Setor, na França; as Comunidades Terapêuticas, na Inglaterra;e a Psiquiatria Preventiva, nos EUA. Enquanto as grandes potencias estavam reformulando os conceitos técnico-cientifico e administrativos da psiquiatria, no Brasil, em virtude do modelo legislativo, ainda estavam sendo construídos novos manicômios. 
	Durante a ditadura militar a privatização do tratamento asilar foi se solidificando e rapidamente surgiram muitos hospitais particulares em todo Brasil devida à grande demanda. Esses hospitais, uma vez que privatizados, visavam o lucro, dentro da lógica empresarial, então estavam interessados em ter o máximo de internos possível, já que eram remunerados pelo governo na forma de diária por cada paciente internado.
	As razões para um internamento psiquiátrico nem sempre são claras, como em outas áreas da medicina, então o veredito final fica por conta da família ou do médico. Como na sociedade quem tinha qualquer tipo de doença mental era estigmatizado e o ideal de que lugar de louco é no manicômio já estava impregnado, assim como estava no meio profissional, acrescido do fato de não haver outras instituições com soluções alternativas para esse tipo de caso, não havia outra saída senão a internação, mesmo em uma situação na qual esta se fazia realmente necessária. Existia pressão de todos os lados para que o paciente fosse internado, inclusive por parte do hospício que visava o lucro que ganharia em cima daquela pessoa, todos esses fatores culminaram para que esse sistema fosse chamado de “indústria da loucura”.
	Em 1970 estavam ocorrendo muitos movimentos no Brasil para a redemocratização do pais e junto deles vieram as primeiras discussões sobre a humanização no tratamento psiquiátrico. Com as políticas instituídas pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) que defendiam os médicos que tinham sido presos e torturados, iniciou-se debates sobre a importância de manter a integridade do sujeito e sobre direitos humanos. A ética foi discutida no âmbito da tortura e após muita discussão acerca do tema, concluiu-se o que hoje se considera essencial e elementar: que nenhum ser humano merecia passar por tal tratamento desumano. Essa discussão deu início a uma outra sobre as condições de humilhação e opressão que o doente mental estava enfrentando tanto na esfera social como dentro dos hospícios. 
O processo social brasileiro de abertura política denunciou os abusos que aconteciam nos manicômios – internos não tinham acesso a higiene; as condições sanitárias eram horríveis; eram obrigados a ficarem nus; sofriam torturas; muitos hospitais abrigavam muito mais pacientes do que realmente cabiam ali, então eles eram obrigados a dormirem em locais desapropriados, entre várias outras barbaridades – e os debates em torno dessa violência levou o surgimento da luta antimanicomial. Sugerindo que o tratamento não poderia violentar, excluir e desumanizar o indivíduo. 
Luta Antimanicomial
 Um marco importante para a questão da saúde mental no Brasil se dá pela eclosão da Reforma Psiquiátrica (por volta de 1970), possuindo como principal interesse a desinstitucionalização, quesito que a faz se diferenciar das reformas anteriores, nas quais o interesse era voltado as denúncias à estrutura hospitalocêntrica com o intuito de melhorias nas condições hospitalares, novos métodos, aparelhos, reavaliação do saber psiquiátrico e não na exclusão definitiva. A reforma se interessa também pelo resgate da cidadania, direitos humanos e a reinserção dos pacientes no meio social, algo que lhes era negado. 
Vale pontuar que a luta antimanicomial foi um movimento de cunho social, apesar de possuir apoio nos congressos. Dentre eles, o I Congresso Nacional dos Trabalhadores em Saúde Mental, realizado em 1979, cujo intuito embasava-se por ideologias política e social, visando o contexto da repressão política autoritarista da época, e denúncias de abuso, maus tratos, abandono, torturas e mortes nos hospitais psiquiátrico. O segundo encontro foi decisivo para que se levantasse a bandeira em busca de uma sociedade sem manicômios, que ocorreu em 18 de maio de 1987, em São Paulo, onde se desfaz o período conhecido como de reforma sanitarista e nasce o da Reforma antinstitucionalizante. (NOTA DA PROFESSORA: “A REFORMA SANITARISTA É OUTRA COISA! ESTÃO CONFUNDINDO”. ESSA PARTE PRECISA DE UMA ALTERAÇÃO)
A luta Antimanicomial foi um grande marco, pois não envolveu apenas as corporações do meio profissional da saúde, mas houve uma grande presença dos familiares dos pacientes nas manifestações e reuniões trazendo uma maior importância e comoção aos movimentos. Como o processo se caracteriza pela ruptura com a exclusão e a retomada da inserção dessa população é essencial a colaboração da sociedade e familiares para que haja uma quebra de paradigmas criados em torno da loucura.
O processo de implementação da reforma psiquiátrica, através do modelo antihospitalocêntrico, em todos os lugares enfrentou barreiras em comum como as dificuldades de inserção do portador da psicopatologia em meio social, levando em conta toda a bagagem estruturada da sociedade em relação à loucura de um comportamento descontrolado, incapacitado e emissor de riscos. Um outro empecilho em comum esbarra nas questões de resistência políticas envolta do questionamento da ciência, existiam dúvidas se esses métodos utilizados na psiquiatria eram de fato eficazes. Em especial, no Brasil, houve a resistência dos setores hospitalares e farmacêuticos por questões financeiras, já que a abordagem implementada se baseava na internação, remunerada através dos convênios públicos, e o grande uso de medicamentos utilizados para dopar os internos, que possibilitava um grande lucro empresarial. 
Surge, por influência dos movimentos antipsiquiátricos, a busca sobre uma nova perspectiva para lidar com a loucura possibilitando a entrada de novos saberes científicos como foi o caso da psicanálise, abordagem psicológica que analisa o inconsciente e foi muito bem recebida, pois não empregava nenhum tipo de tortura física como forma de tratamento, diferente das práticas psiquiátricas vigentes. Em 1989, em Santos-SP, o primeiro centro de atendimento brasileiro desvinculado com o modelo hospitalocêntrico. Esse se deu pela reconfiguração da clínica Anchieta, em um Núcleo de Atendimento Psicossocial (NAPS), que serviu como exemplo de alternativa eficaz a desinstitucionalização. Essa reformulação da clínica foi possível pela configuração do Decreto lei N° 3.657/89, conhecida como Lei Paulo Delgado. Lei 2001.
A ementa da PL 3.657 de 12 de setembro de 1989, dispõe sobre a extinção progressiva dos manicômios e sua substituição por outros recursos assistenciais e regulamenta a internação psiquiátrica compulsória estabelecendo que a internação psiquiátrica só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. (BRASIL, 1889). Em 1999, sofreu alterações e propôs a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e o redirecionamento do modelo assistencial em saúde mental. (BRASIL, 1999). Posteriormente, no ano de 2001, foi transformada na Norma Jurídica 10.216, sendo o autor, Paulo Delgado.
A Lei 10.216, mais conhecida como Lei antimanicomial, de 6 de abril de 2001, dispõe sobre o direito das pessoas com psicopatologias. É uma grande tentativa de dar dignidade e reduzir as limitações socioeconômicas impostas a estas pessoas. Altera o modelo de auxílio em saúde mental, ora vigente, dando a ele uma nova cara, sem qualquer forma de discriminação. Assegura que são direitos da pessoa portadora de distúrbios mentais: ter acesso ao tratamento mais adequado, condizente com suas necessidades; garante que o paciente será tratado com benevolência e respeito com o único intuito de favorecer sua saúde, pretendendo reinseri-lo na sociedade, possibilitando assim a desmistificação da loucura. Assegura que o paciente tem livre acesso a informações no que diz respeito a sua condição e ao seu tratamento; assegura que este será tratado em um ambiente terapêutico por meios menos hostis possíveis. A pessoa com transtorno só poderiaser internada caso os recursos extra-hospitalares se mostrem falhos. A partir daí torna-se obrigatório ter cimo objetivo permanente do tratamento a reinserção do indivíduo na sociedade. Caso haja necessidade de internação, o regime será organizado de tal forma que disponibilize ao paciente assistência integral e é proibida a internação em instituições com caráter asilar. 
Desencadeamento da crise da DINSAM
A Década de 70 deu iniciou a uma discussão sobre uma reforma do modo de realizar o tratamento de doenças mentais, visando a busca por uma forma mais humanizada a ser trabalhada. Num cenário onde torturas, castigos cruéis, e exclusão social dos pacientes era algo normal e recorrente, se fez necessário uma remodelação dessa estrutura. O surgimento dessa discussão nova acerca da forma de tratamento e essa necessidade de cessar os mau tratos ao paciente, foi o ponto de partida para que se erguesse o Movimento Antimanicomial. Apesar da insatisfação e o desejo de uma forma mais branda e humanizada de tratamento, não havia ainda uma proposta de intervenção clinica pronta e não estava claro por onde começar esta nova estrutura. 
O começo da reforma psiquiátrica se dá por denúncias no âmbito administrativo dos setores da psiquiatria através de um acontecimento denominado como “Crise da DINSAM” (Divisão Nacional de Saúde Mental). A crise se dá no momento em que bolsistas do Colégio Pedro II, estudantes universitários, que foram contratados devido a necessidade de reposição do quadro de funcionários dos hospitais, denunciando a falta de recursos, as condições precárias de trabalho, mortes não esclarecidas e as ameaças e violências dirigidas não só a eles, mas também aos pacientes. Muitos profissionais da área ao se depararem com as denúncias se mobilizam, o que gerou uma comoção nacional e o movimento ganha grande força devido ao cunho humanizador e trabalhista. Nesse período nasce o movimento não institucional MTSM (Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental), criado para que todos os participantes da luta possam se reunir e deliberar as pautas pertinentes ao movimento, que se diversificam tanto em melhorias salariais, formação de recursos humanos, melhorias nas relações institucionais, novos investimentos terapêuticos e aumento no número de funcionários. (Amarante 1998) [2: AMARANTE, Paulo. Pesquisador titular da FIOCRUZ.]
Diversos movimentos junto com o MTSM continuaram a se organizar no decorrer dos anos. Em 1978 ocorreu um evento organizado pela Associação Brasileira de Psiquiatria que foi nomeado “Congresso da Abertura” no qual junto as propostas políticas nacionais foi inclusa a questão da saúde mental. As principais denúncias levantadas estavam na forma da atuação da psiquiatria e solicitação de melhorias técnicas. 
A partir da década de 1980, essas críticas ao modelo já existente começaram a influenciar num contexto social brasileiro, neste período a ditadura militar se encontrava intensa no pais e a sociedade buscava formas de reivindicar e se expressar de um modo palpável que surtisse efeitos em relação a situação crítica já presente na assistência psiquiátrica. A forma encontrada que influenciou para essa mudança se deve aos movimentos sociais e as inspirações relacionadas a ideias de Foucault, Laing, Goffman e outros pensadores que expressavam essa mesma proposta buscada pela sociedade. O efeito dessa pressão social e do Movimento Antimanicomial foi a criação de um novo sistema de pensamento contra hegemônico nesse meio de assistência em saúde mental e até mesmo dentro da sociedade. Grupos de militantes sociais, acadêmicos, técnicos de saúde e afins se juntaram nesse objetivo de uma nova visão e a remodelação desse sistema. Com tamanha mobilização no final da década de 1980, se fez legitimo o surgimento dos primeiros Centros de Atenção Psicossocial – CAPS junto com isso veio à tona a discussão com o objetivo de “uma sociedade sem manicômios” resultando no começo do processo de extinção dos manicômios no pais.
Foi realizada a Primeira Conferência Nacional de Saúde mental em 1987, no Rio de Janeiro, e no ano seguinte como resultado desse evento se deu entrada a um projeto de Lei que visava a humanização e a regulamentação dos direitos dos pacientes que sofrem com transtornos mentais, junto com a extinção mesmo que de pouco a poucos dos manicômios do Brasil. Todos esses acontecimentos contra hegemônicos se tornaram uma influência para que todo o sistema de atendimento da saúde mental fosse alterado para uma condição nova de humanidade visto que o modelo anterior não se fazia mais satisfatório. Nessa forma surge o Movimento Nacional da Luta antimanicomial com a proposta de ser um movimento heterogêneo, social com um grande objetivo; tornar inaceitável submeter um indivíduo em suas condições de transtornos mentais ao encarceramento num manicômio, maus tratos ou quaisquer atitudes que pudessem ferir ou desrespeitar a sua saúde e seus direitos humanos.
Outro evento importante foi a “Feira da Psicanálise”, I Congresso Brasileiro de Psicanálise de Grupo e Instituições, em outubro de 1998, no Rio de Janeiro, que possibilitou a vinda de Franco Basaglia, com o conceito de Antipsiquiatria, trouxe uma nova visão de abordagens terapêuticas para as doenças mentais.
A partir da década de 1990, após II Conferência Nacional de Saúde Mental, foram implantadas as primeiras normas federais regulamentares resultando em serviços de atendimento diário inspirados nas experiencia dos CAPS, junto disso, também foram implementadas normais federais com o intuito de fiscalizar hospitais psiquiátricos. Esses fatos se tornaram um grande avanço em relação a Reforma psiquiátrica e colaboraram para uma melhor configuração do sistema de saúde mental da época, dando a oportunidade de avanço aos próprios profissionais que puderam assim implantar praticas terapêuticas novas e mais cabíveis a situação dos seus pacientes nas clinicas e hospitais psiquiátricos.
Para Amarante, a crise foi a demarcação da Reforma Psiquiátrica, já que o feito incentivou a união e o apoio de profissionais das outras unidades para a transfiguração de melhorias fundamentais no modelo. A ligação desses profissionais e a afinidade pela causa deram início a greves e mobilizações que tiveram como consequência, um grande número de demissões pela grave influência da ditadura no país.
As lutas e manifestos levantaram voz ao Congresso, onde se debateu a nova Constituição e leis que deram origem ao Sistema Único de Saúde (SUS), em 1990, e fortificou o engajamento contra manicômios.
Após esses eventos, houve leis que encaminharam a situação da política de saúde mental no brasil que visavam o respeito aos direitos humanos do paciente com transtornos mentais, melhor atendimento do mesmo, toda a ideia também de desospitalização da assistência promovendo inclusive atendimentos na comunidade. Uma dessas leis que promoveram notável mudança foi a Lei Federal nº. 10.708, de julho de 2003, instituindo o Programa De Volta para Casa. Qual visava a saída de pacientes que foram internados em hospícios por longos períodos, promovendo uma assistência e recursos financeiros que resultavam na saída desses pacientes e seu retorno para a sua família e sua inclusão novamente na sociedade.
Nesse mesmo período de mudanças fortes em seu modelo de atendimento e reformas que procuravam a melhora dos atendimentos da questão da saúde mental, é importante mencionar a realização a da III Conferência Nacional de Saúde Mental ao final de 2001, que contou com a participação de movimentos sociais, usuários do sistema e suas famílias tornando muito mais ampla a discussão sobre as melhorias ainda possíveis de se implantar nesse sistema de saúde e nas clinicas de atendimento.
No ano de 2002, foi instituído o Programa Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar/ psiquiatria (PNASH/Psiquiatria) que se dava como um instrumento de avaliação de qualidade promovendo um diagnóstico da situação dos hospitais psiquiátricos conveniados e os públicos da rede de saúde do Brasil. Este programa tratou-sedo primeiro projeto visando a avaliação rígida das condições gerais dos hospitais psiquiátricos, descredenciando aqueles quais eram considerados de baixa qualidade e não suficientes para o atendimento de pessoas com transtornos psiquiátricos.
Em 2003 esse processo de reforma psiquiátrica como forma de desinstitucionalização evoluiu de forma bem significativa, isso se deve a criação de diversos mecanismos que procuravam promover uma diminuição dos leitos psiquiátricos e a ampliação de serviços como Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que resultou no encerramento das atividades de alguns dos hospitais psiquiátricos ainda ativos.
Criação do CAPS e do NAPS
A partir do ano de 1985, quando o país saia da Ditadura e entrava em um modelo democrático, ocorreram diversas mudanças no quesito saúde mental, evidenciadas pelo advento de novos serviços numa conjuntura histórico, político e conceitual em desenvolvimento. Se realiza então duas Conferências Nacionais de Saúde Mental, uma em 1987 e a outra em 1992. Além disso, há a implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) na Carta Magma de 1988. Junto a isso, a luta para alcançar uma sociedade sem manicômios era liderada por profissionais da saúde mental, iniciando debates e produzindo experiências alternativas para o tratamento dos pacientes.
Dentre estas experiências alternativas no meio de tantas mudanças no âmbito da saúde mental, após a histórica Intervenção na Clínica Anchieta em 1989, pode-se apontar a criação do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Prof. Luís de Rocha Cerqueira, em março de 1987, em São Paulo, e do primeiro Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS) em Santos.[3: Construído com a intensão de ser o hospício mais moderno da América do Sul, o local na verdade causava pavor e ficou conhecido como a Casa dos Horrores. Recebia incentivo do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para manter mais de 500 pacientes psiquiátricos em dependências que comportavam no máximo 300. A intervenção ocorreu após denúncias da morte de três internos. O Anchieta era um dos símbolos dos manicômios como depósitos de pessoas.]
O projeto do CAPS
Em 1987 é inaugurado o primeiro CAPS, que surgiu com a utilização do espaço da então extinta Divisão de Ambulatório – instância técnica e administrativa da Coordenadoria de Saúde Mental, responsável pela assistência psiquiátrica extrahospitalar – da Secretaria Estadual de Saúde, em um período que foi caracterizado pela mudança do modelo sanitarista pelo modelo “desinstitucionalizador” referente a duas ideias: a primeira, influência do modelo de desospitalização americano, que promove a reabilitação, cuidados paliativos, e a segunda, é a ideia de transformação cultural, influenciado pelo modelo italiano. Contudo, a influência mais forte, veio dos centros de atenção psicossocial de Manágua (Nicarágua), que emergiram em plena revolução no país. 
Existem diferentes tipos de CAPS segundo seu porte e “clientela”: 
	CAPS I
	Serviço aberto para atendimento diário de adultos com transtornos mentais severos e persistentes em municípios que possuem entre 20 e 70 mil habitantes.
	CAPS II
	Atende a mesma clientela com municípios com mais de 70 mil habitantes.
	CAPS III
	Serviço aberto para atendimento diário e noturno, durante sete dias da semana, em grandes cidades
	CAPS i
	Voltado para a infância e adolescentes
	CAPS ad
	Voltado para usuários de álcool e outras drogas, atendimento diário à população com transtornos decorrentes do uso de substâncias.
Ainda com todas as dificuldades sociais, políticas e econômicas, o CAPS foi uma maneira criativa de cuidar com responsabilidade de pessoas com problemas psiquiátricos. Os centros ficaram marcados pelo compromisso ético de que todos têm direito a uma vida digna a despeito da doença mental ou de outras limitações socioeconômicas.
O projeto do NAPS
Em 1989, nasce, em Santos, o primeiro Núcleo de Atenção Psicossocial, ligado à Secretaria de Higiene e Saúde, no cenário da reforma da Saúde Mental que começa a acontecer em Santos após a intervenção da Casa de Saúde Anchieta. O programa foi fundamentado em alguns autores, principalmente Basaglia. 
Abrir o manicômio não é apenas abrir as suas portas, mas ao abri-las, abrir as nossas cabeças para a realidade de vida dos pacientes. (Basaglia apud Nicácio et al., 1990, 02)
O principal objetivo do NAPS é a “desconstrução do manicômio”, um projeto de Saúde Mental que não segregue o indivíduo da sociedade, desenvolvendo uma prática comunitária humanizada e reintegradora do ser humano no seu contexto. O projeto deixa de visar a assistência ao paciente, visando uma melhora na qualidade de vida do mesmo.
Problematização
Caps que funcionam como pequenos manicômios e quais são os problemas que surgem por conta do fechamento dos manicômios. (ORIENTAÇÃO DA ALÊ)
Pode ser essa reportagem: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/em-extincao-manicomios-podem-voltar-disfarcados-7374.html 
Conclusão
As mudanças concretizadas a partir do século 1970, foram responsáveis pelo avanço rápido e bem-sucedido de uma forma geral na reforma psiquiátrica. Especificamente quanto se trata a redução notável de manicômios, recursos extra hospitalares e também a reinclusão do indivíduo com transtornos mentais à sociedade promovendo sua liberdade e respeitando seus direitos humanos. Apesar da grande desigualdade entre os projetos e as formas de reforma psiquiátrica entre os estados brasileiros, se observa uma grande evolução na questão da política de saúde mental do Brasil e a forma como se teve um maior controle sobre o funcionamento e a administração dos hospitais e seus problemas. Apesar de seus graves problemas de administração e por nem todos os projetos de melhorias em relação a saúde mental chegarem como deveriam a todos os estados do pais, se pode afirmar que há uma grande evolução quando se trata da assistência à saúde mental pois essa se apresenta com uma tendência a perda da hegemonia dos hospitais psiquiátricos quando se dá agora por um novo modelo mais normativo assistencial.
	A partir das reformas e da transformação de todo o sistema implementado em relação a saúde mental, atualmente podemos perceber como a visão de um indivíduo com transtornos psicológicos vem mudando (por conta da mudança na lógica de assistência), as atividades extra hospitalares, projetos visando auxílio-moradia e essa proposta de desinstitucionalização dos hospitais psiquiátricos foram fatores extremamente importantes para essa reforma evolução antimanicomial, que visa tratar do paciente com o cuidado devido, propõe diversas formas de assistência e se vai contra a situação anterior a década de 1970 promovendo um tratamento humanizado amplo e muito mais eficiente.
	Apesar de todos os avanços, o Brasil ainda tem muito caminho a percorrer na questão da saúde mental. A psicologia entra como aliada indispensável no tratamento dessas questões, no acompanhamento não só do paciente, mas também de sua família, trabalhando para que a inclusão e qualidade de vida dos pacientes seja prioridade. 
Referências Bibliográficas
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 Exposição 50 anos da Psicologia no Brasil. A história da Psicologia no país. Disponível em: http://crpsp.org/fotos/pdf-2015-10-06-12-34-36.pdf. Acessado em: 8/10/2017.

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