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FUNDAMENTOS SOCIOLÓGICOS E ANTROPOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO Professor Me. Gilson Aguiar GrAduAção Unicesumar Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de EAD Willian Victor Kendrick de Matos Silva Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi NEAD - Núcleo de Educação a Distância Direção Comercial, de Expansão e Novos Negócios Marcos Gois Direção de Operações Chrystiano Mincoff Coordenação de Sistemas Fabrício ricardo Lazilha Coordenação de Polos reginaldo Carneiro Coordenação de Pós-Graduação, Extensão e Produção de Materiais renato dutra Coordenação de Graduação Kátia Coelho Coordenação Administrativa/Serviços Compartilhados Evandro Bolsoni Gerência de Inteligência de Mercado/Digital Bruno Jorge Gerência de Marketing Harrisson Brait Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nalva Aparecida da rosa Moura Supervisão de Materiais Nádila de Almeida Toledo Design Educacional rossana Costa Giani Fernando Henrique Mendes Projeto Gráfico Jaime de Marchi Junior José Jhonny Coelho Editoração daniel Fuverki Hey Revisão Textual Jaquelina Kutsunugi Keren Pardini Maria Fernanda Canova Vasconcelos Nayara Valenciano rhaysa ricci Correa Susana Inácio Ilustração Thayla daiany Guimarães Cripaldi CENTro uNIVErSITÁrIo dE MArINGÁ. Núcleo de Educação a distância: C397 Fundamentos sociológicos e antropológicos da educação / Gilson Aguiar reimpressão revista e atualizada, Maringá - Pr, 2014. 187 p. “Graduação - Ead”. 1. Educação 2. Fundamentos sociológicos. 3. Antropológicos. 4.Ead. I. Título. ISBN 978-85-8084-567-9 Cdd - 22 ed. 370 CIP - NBr 12899 - AACr/2 Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário João Vivaldo de Souza - CrB-8 - 6828 Viver e trabalhar em uma sociedade global é um grande desafio para todos os cidadãos. A busca por tecnologia, informação, conhecimento de qualidade, novas habilidades para liderança e so- lução de problemas com eficiência tornou-se uma questão de sobrevivência no mundo do trabalho. Cada um de nós tem uma grande responsabilida- de: as escolhas que fizermos por nós e pelos nos- sos fará grande diferença no futuro. Com essa visão, o Centro universitário Cesumar – assume o compromisso de democratizar o conhe- cimento por meio de alta tecnologia e contribuir para o futuro dos brasileiros. No cumprimento de sua missão – “promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária” –, o Centro universi- tário Cesumar busca a integração do ensino-pes- quisa-extensão com as demandas institucionais e sociais; a realização de uma prática acadêmica que contribua para o desenvolvimento da consci- ência social e política e, por fim, a democratização do conhecimento acadêmico com a articulação e a integração com a sociedade. diante disso, o Centro universitário Cesumar al- meja ser reconhecida como uma instituição uni- versitária de referência regional e nacional pela qualidade e compromisso do corpo docente; aquisição de competências institucionais para o desenvolvimento de linhas de pesquisa; con- solidação da extensão universitária; qualidade da oferta dos ensinos presencial e a distância; bem-estar e satisfação da comunidade interna; qualidade da gestão acadêmica e administrati- va; compromisso social de inclusão; processos de cooperação e parceria com o mundo do trabalho, como também pelo compromisso e relaciona- mento permanente com os egressos, incentivan- do a educação continuada. Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quan- do investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequente- mente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. de que forma o fazemos? Criando oportunidades e/ou estabelecendo mudanças capa- zes de alcançar um nível de desenvolvimento compa- tível com os desafios que surgem no mundo contem- porâneo. o Centro universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. os materiais produzidos oferecem linguagem dialó- gica e encontram-se integrados à proposta pedagó- gica, contribuindo no processo educacional, comple- mentando sua formação profissional, desenvolvendo competências e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inse- ri-lo no mercado de trabalho. ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproxi- mação entre você e o conteúdo”, desta forma possi- bilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessários para a sua formação pes- soal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de cres- cimento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. utilize os diversos recursos peda- gógicos que o Centro universitário Cesumar lhe possi- bilita. ou seja, acesse regularmente o AVA – Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e en- quetes, assista às aulas ao vivo e participe das discus- sões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranqui- lidade e segurança sua trajetória acadêmica. Professor Me. Gilson Aguiar Graduado em História, na universidade Estadual de Maringá e Mestre em História e Sociedade pela universidade Estadual Paulista (unesp). A U TO RE S SEjA bEM-VINDO! Prezado(a) acadêmico(a), apresento a você o resultado de um trabalho que nunca esta- rá completo, mas intenta atender a necessidade de dar aos nossos alunos uma análise crítica da sociedade que estamos vivendo. uma sociedade em que o educador tem um papel primordial. Ele está no centro da discussão do papel que a ciência exerce na so- ciedade atual e o quanto ela foi fundamental para construirmos a civilização que temos. Como professor da disciplina de Teoria das Ciências Sociais, no curso de direito do Ce- sumar, há mais de 20 anos, minha preocupação foi entender as mudanças da sociedade atual e o quanto elas atingem nossas vidas. Nunca fui um defensor das teses e análises que se distanciam do homem comum, de cada um de nós. A educação está no centro desta discussão. Tive a oportunidade de trabalhar durante três anos com alunos do curso presencial de Pedagogia e desde 2011 ministro esta disciplina para os alunos do EAd do Cesumar. A educação e o educador são necessários, nunca duvide da importância das instituições de ensino na vida social. Mas o que nós não podemos menosprezar é o papel que a ciência exerce e a condição do que ela permite. A sociedade que gerou a eficiência do conhecimento precisa ser conhecida cientificamente e sofrer intervenções lógicas para sua melhora. A sociedade necessita ser conhecida para ser transformada, e a ciência é o nosso maior instrumento para que isso ocorra. o educador é o propagador da ciência, é ele quem instrumentaliza o ser humano para uma ação consciente e eficaz na vida social. Mas para que isso ocorra e gere resultado é necessário entender em que sociedade os educadores estão inseridos. Vivemos o tempo do dia a dia, em que as preocupações com o imediato dominam nos- sos interesses. Isto me parece pequeno para quem tem uma função de construir um ser humano para uma vida toda. A sociedade que vivemos é uma construção que iniciou sua jornada há mais de 500 anos. Somos o resultado de inúmeras transformações que nos permitiu a construção de uma rede econômica complexa. Elaestá a nossa volta, por todos os lugares, temos que compreendê-la. Este é o objetivo deste trabalho. Para isso dedico uma primeira parte para a análise da formação da sociedade atual, como chegamos até aqui, o porquê nesta jornada a sociedade enfrentou contradições e como as suas crises foram interpretadas pelos seus principais teóricos, o que chamo de Clássicos. Inclusive, a eles, dedico duas unidades (II e III). Considero fundamental enten- der os métodos que orientam ainda hoje o olhar dos cientistas sociais e devem orientar o olhar dos educadores. Considero que a formação do educador é acompanhada de um posicionamento diante da sociedade, temos uma busca e ela deve ser consciente, independente da postura metodológica que se tome. Vamos tratar ao longo deste trabalho das teses positivistas, do estruturalismo, do mate- rialismo histórico e do funcionalismo histórico cultural. Vamos passar pela a análise dos comportamentos sociais que preocupam a sociedade contemporânea. o elevado grau ApresentAção FUNDAMENTOS SOCIOLÓGICOS E ANTROPOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO 8 - 9 de violência propagado, mas também o imediatismo que se tornou uma expressão no mundo do consumo. outro elemento que nos preocupa que procuramos dar enfoque é sobre a liberdade vul- garizada da sociedade atual. Nenhuma outra geração esteve diante da liberdade como a atual. Mas o que tem sido feito com a possibilidade de escolha? A responsabilidade que nos parece do indivíduo está cada vez mais transferida. Estamos vivendo a isenção do ser humano as suas práticas. Em sala de aula é cada vez mais comum perceber que não se quer o peso da educação, mas apenas os benefícios que ela gera. Todos querem ter o diploma, mas poucos estão dispostos a enfrentar a jornada que leva até ele. A reflexão sobre este homem contemporâneo é o centro de nosso trabalho, o fator que nos fez dedicar a ele a maior parte das páginas que você terá como fonte de consul- ta. Convido você, caro(a) aluno(a), a questionar e debater estes temas, a refletir sobre a nossa vida social. Penso que este material não pode ficar isolado e relacionado exclu- sivamente a uma disciplina de sua formação acadêmica, tentei traçar conteúdos que permitam uma reflexão sobre o seu dia a dia. Temos que nos identificar e compreender o que somos para aprendermos. Nunca acreditei na memorização como forma de adquirir conhecimento nas ciências humanas. Acredito na crítica, mas principalmente na autocrí- tica, o que poucos têm coragem de fazer. Espero que você seja um deles. dentro do ambiente educacional há discussões que merecem um olhar mais atento. Temos que nos lembrar de que a vida em sociedade nos traz dilemas de difícil com- preensão. os debates acerca destes dilemas necessitam de um conteúdo aprofundado para que os educadores se posicionem. Este é o espírito da disciplina de Fundamentos Sociológicos e Antropológicos da Educação. Queremos trazer elementos para que você cumpra o papel de profissional do ensino, ter essência na formação humana. um dos temas que irá encontrar expresso neste material é sobre as cotas raciais. Este é um exemplo da polêmica que tem tomado conta do debate acadêmico. As universida- des públicas, principalmente as federais, já estão assumindo as cotas como forma de seleção para o ingresso em seus cursos. Elas são justas? Tentaremos contribuir para este debate. outro debate que consideramos importante é sobre a violência, dentro e fora da escola. Nos países onde a violência é narrada pelos meios de comunicação como aquela que vivenciamos nas grandes cidades brasileiras. A violência está por todos os lados. Está na depredação da escola exatamente por aqueles que deveriam ser os beneficiados pela estrutura de ensino. Logo, podemos considerar que estamos vivendo a autodestruição? Esta é uma questão que necessita de resposta, procuramos contribuir com este trabalho a ela. dessa forma, eu agradeço a oportunidade de ter produzido este material para você. Que ele traga uma contribuição para sua formação e que lhe desperte o interesse pelos te- mas relacionados neste livro. Ele é feito para ser a porta de entrada na análise da vida social e não uma resposta definitiva. obrigado pela oportunidade e boa leitura! Professor Gilson Aguiar ApresentAção sumário 8 - 9 uNIdAdE I A COMPLEXA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA 13 Introdução 14 o Homem ocidental e sua trajetória 27 Uma Breve História das origens da “era planetária” 30 o Capitalismo, o Cristianismo e a razão 43 Considerações Finais uNIdAdE II AS NOVAS SOCIEDADES E SEUS DILEMAS 49 Introdução 50 A sociedade Urbana e a Crise de sua origem 56 A Internacionalização da produção e do trabalho 71 A educação e seus Dilemas na trajetória ocidental 74 Considerações Finais uNIdAdE III PENSADORES CLÁSSICOS I 83 Introdução 84 A sociedade, um “objeto estranho” 88 Augusto Comte sumário 10 - At 96 A Herança positiva no estruturalismo de Émilie Durkheim 108 Considerações Finais uNIdAdE IV PENSADORES CLÁSSICOS II 117 Introdução 118 Karl Marx, o Materialismo Histórico Dialético 127 Weber e a racionalidade Impura 142 Considerações Finais uNIdAdE V OS DILEMAS DA ATUALIDADE 151 Introdução 152 Um Mundo em Crise 156 A sociedade de Consumo 181 Considerações Finais 187 Conclusão 189 Referências U N ID A D E I Professor Me. Gilson Aguiar A CoMpLeXA soCIeDADe ConteMporÂneA Objetivos de Aprendizagem ■ Conhecer o processo de formação da sociedade atual e as condições nas quais ela se desenvolveu. ■ Estabelecer a relação entre a crise de identificação do homem com a sociedade na atualidade e sua rede de produção mundial. ■ Compreender a importância da ciência e da tecnologia no desenvolvimento da civilização ocidental. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ os problemas da atualidade ■ A formação da civilização ocidental ■ o desenvolvimento da ciência e da tecnologia ■ A cultura da ocidentalização 12 - 13 INTRODUÇÃO O que pretendemos nesta unidade é apresentar o homem contemporâneo por meio do resgate de suas origens. Em um primeiro momento vamos analisar algumas das condições que percebemos na atualidade. Um ponto de partida apresentando alguns dos conflitos e dilemas do nosso dia a dia. Esses dilemas estão na forma como nos relacionamos com a sociedade de consumo, o mundo do mercado. A vida é construída dentro de um ambiente social com características próprias, que nos ligam uns aos outros. Não percebe- mos estas ligações ou não as analisamos com o cuidado que devemos. Por isso, buscamos aqui posicionar o leitor diante da vida em sociedade. Em um segundo momento, analisamos as origens da sociedade ocidental, como ela se constituiu e pode chegar até nossos dias. Como ela se organiza e o histórico do que levou a esta organização. Uma verdadeira recapitulação da his- tória de formação da conquista planetária ocidental, como retratamos. Partimos das grandes navegações e avançamos sobre a forma de estabele- cimento da economia mundial antes e depois da Revolução Industrial (1750). Detivemo-nos sobre a análise da rede de produção econômica que foi gerada no mundo a partir da Europa ocidental. Seu crescimento e aprimoramento, o que chamamos de divisão internacional do trabalho e, depois, de nova divisão internacional do trabalho. Atemos-nos aqui a importância que a ciência e a tecnologia representaram para o domínio do ocidente sobre o planeta. A construção de um império eco- nômico que dominou diversas partes do mundo e ainda hoje demonstra sua influência. É impossível descartar a capacidade de renovação do processo de dominação ocidental. A renovação do controle e das condições de dominação do ocidente.A ciência e a tecnologia têm um papel central neste processo. Valorizamos o entendimento da dominação da civilização ocidental sobre os demais povos. Como o controle de regiões distantes foi efetuada por tropas, a submissão militar, mas também a imposição cultural. O eurocentrismo con- tou como peça-chave na lógica de mundo implantada pelo ocidente. Toda esta jornada de análise vai culminar com a formação da sociedade capi- talista atual, o que já é objeto de análise de nossa segunda unidade. Nela a busca pelo entendimento do homem ocidental se aprofunda. Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 12 - 13 © sh ut te rs to ck A COMPLEXA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. 14 - 15I O HOMEM OCIDENTAL E SUA TRAjETÓRIA Nenhuma outra sociedade é tão complexa em sua organização quanto a nossa. Organizada em uma ampla rede de relações de trabalho que geram em cadeia mundial a nossa sobrevivência diária. Objetos simples a nossa volta, aos quais damos pouca atenção, são formados em condições que vão muito além de nos- sas fronteiras imediatas, muitos são frutos de uma produção internacional que envolve pessoas que não conhecemos. Do mais vulgar dos alimentos ao mais complexo e requintado dos auto- móveis, esses objetos estão ligados a uma relação de produção da qual fazemos parte, mas não sabemos qual desta parte nos diz diretamente respeito. Se refletir por alguns instantes no computador que estou utilizando neste momento para produzir este livro, a sua construção é fruto de tecnologia, insumos (matéria -prima), e mão de obra dos mais diferentes lugares. Cada um dos estágios que produziu este computador pode estar afastado a milhares de quilômetros um do outro. Contudo, enquanto um bem acabado está aqui e estou me relacionando com ele a cada palavra que digito. Uma em tantas línguas que o computador traz como escolha. Se parto da lógica de que tudo com o qual me relaciono sou um elemento ligado a sua existência, há uma condição que me une às pessoas que produzem tudo o que necessito para viver, então estaria envolvido também a todas as outras coisas que direta ou indiretamente me afetam. A violência, por exemplo, seria uma destas produções a qual estou ligado. Posso não praticá-la, mas ela está ligada diretamente à sociedade onde estou inserido e, de alguma forma, pode- rei ser vítima dela, presenciá-la ou praticá-la. Ao pensar que existe um número imenso de práticas de violência, haverá uma dessas práticas próximas a mim e o Homem ocidental e sua Trajetória Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 14 - 15 da qual não poderei evitá-la. Só para entendermos melhor o que é viver nesta sociedade que pertence- mos, podemos usar como exemplo o bullying, uma violência que toma conta do ambiente escolar. A agressão física e moral que afeta a vida de todas as pessoas que estão ligadas à educação. Não podemos negar que os fatores que levam este fenômeno a existir são complexos, envolvem um número imenso de elementos que estão muito além de estatísticas simplificadas que tenta relacionar a prá- tica de violência a toda a criança que já foi agredida ou a um mero controle do ambiente escolar. Por mais que a violência dentro da escola sempre existiu, o que preocupa é a peculiaridade que ela ganha na atualidade. Os elementos que a envolvem, o planejamento da agressão e os elementos usados nela. O exibicionismo que ela permite com uma parafernália imensa de meios de divulgar os insultos, o espancamento, a depredação. A violência na escola estaria inspirada nos inú- meros shows de agressão e depredação que assistimos nas salas de cinema, em frente aos televisores, nos jogos de videogame, nos computadores ligados à inter- net, nas histórias que recheiam as páginas dos jornais e revistas. Não podemos negar que uma das formas de construir a fama é postar no “youtube” um vídeo de milhões de acessos, os de agressão estão entre os mais vistos. Assim, e muito mais que isto, o ambiente é propício para exaltar a violência e gerar uma propa- gação de “socos” e “pontapés” no qual deveria reinar a boa educação. Podemos fazer o mesmo exercício das relações que produzem fatos como a violência para entendermos os produtos, seja ele associado ao bem ou o mal. Um breve resgate do açúcar, o produto que adoça as nossas vidas, mas está na lista dos que mais provocam o aumento de peso. Um dos vilões da obesidade contemporânea foi o motivo pela ocupação e integração do território que viria a ser o Brasil a uma economia mundial. A produção de açúcar foi fator decisivo para a fundação do processo colonial português na América a mais de 500 anos. Mas de onde vem o açúcar? O açúcar no Brasil é derivado da cana-de-açúcar, mas pode ser extraído de outros produtos. Por exemplo, os ingleses o extraíam da beterraba. Mas voltando a cana-de-açúcar, ela é uma planta originária da China1 1 Isto porque, se pensarmos qual o papel que os chineses desempenham em nossas vidas hoje, concluiría- mos que eles são o nosso principal parceiro econômico. Compram commodities e fornecem produtos industrializados. A China mudou, nós mudamos, o mundo mudou. Estamos mais perto dos chineses do A COMPLEXA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. 16 - 17I e para se transformar em açúcar foi necessário o desenvolvimento de técnicas iniciadas pelos árabes, italianos, até chegar aos engenhos portugueses. Foram esses engenhos que Portugal instalou em pontos do litoral brasileiro, em especial no Nordeste, e fundou a empresa colonizadora que deu origem ao Brasil. Logo, podemos concluir que o nosso país foi fundado por uma grande rede comer- cial que integrou produtos, produção e homens vindos de diversas partes2. O Brasil é fruto da expansão ocidental capitalista que iniciou uma poderosa “Era Planetária” e a continua executando. Cada vez mais a dependência entre as diver- sas partes do Mundo se intensifica. Até aqui, o que procurei instigar em você, caro(a) aluno(a), é a necessidade de entender o mundo por este olhar de busca pela origem dos elementos que nos cercam. Entender o que está por trás de todo este mar de objetos que usamos ou nos relacionamos cotidianamente. Esta procura pode nos dar a dimensão de como estamos sujeitos a uma rede cada vez maior de meios de produção e pes- soas que integram a geração da nossa existência em larga escala. Mas não é só a geladeira, o automóvel, o computador, a roupa, os bens materiais de uma forma geral, é também o produto cultural. O filme, a música, os eventos esportivos, os livros, as revistas, os jornais, os sites, as páginas sociais na internet e os brin- quedos e as brincadeiras oferecidas nas lojas especializadas são fruto, em grande parte, de uma rede mundial de produção. Para “apimentar” um pouco mais nossas indagações sobre os bens que nos cercam e entender o que nos faz existir, podemos estabelecer a relação de sim- bologia dos objetos, um dos temas que iremos tratar na terceira unidade com mais intensidade. Quase todos os produtos que consumimos tem uma marca que lhe dá significado, um símbolo que o coloca em uma escala de importância que estávamos há 500 anos quando eles eram a “terra natal” da cana-de-açúcar. Podemos considerar que o nosso contato com os chineses é mais intenso em nossos dias, mas também mais complexo. Nossa relação de dependência econômica nos gera possibilidades e cria uma complexarede de relações econômicas que não se apresentam claramente em nossas vidas. Vale lembrar que os produtos desejados da Apple, como os tablets, são fabricados por uma empresa chinesa, a Foxcom. O lançamento dos produtos da empresa que continua com sua marca ligada aos Estados Unidos, foi mundial. O prazer de se ter um produto como este é a busca de muitos, mas não se tem a ideia de que a produção de vários de seus componentes se dá em condição análoga à escravidão. 2 Uma das curiosidades da integração do mundo comercial que levou a formação do Brasil está, também, na composição da nossa sociedade. Além da chegada dos europeus e seu encontro com os nativos, os negros africanos também vieram como mão de obra escrava para servirem à produção de açúcar estabe- lecida pelos portugueses. Se a economia mundial integrou produtos, também pessoas. Plasmou culturas e recriou novas formas de interpretação do homem. Tudo isto será revisto com mais detalhes na última parte deste trabalho, na quinta unidade deste livro. o Homem ocidental e sua Trajetória Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 16 - 17 nos valores estabelecidos para os homens e para as coisas. Um exemplo, para que se possa entender a dimensão do valor dos símbo- los, seria perguntar: qual o significado de ter nos pés um tênis Nike ou Adidas? Para alguns jovens a resposta viria com a associação do produto a dignidade e respeito. Uma valorização pessoal que muitos atos humanos de respeito não tra- riam na mesma proporção. Para quem é um educador, a pergunta que poderia comprovar o significado social do objeto seria comparar a satisfação diante de seus pares entre a compra de um objeto de marca desejada ou o desempenho escolar de qualidade. Uma nota acima da média não destaca um ser humano socialmente como um tênis nos pés. O mais ignorante dos seres sabe onde está o valor da existência, na marca do calçado e não em quem está calçando. O que estamos colocando aqui, para iniciar nossa discussão sobre o estudo das sociedades humanas, é uma forma de alertar para a complexidade das rela- ções sociais na atualidade. Não é tarefa simples compreender as condições em que o homem atual tem produzido sua vida e seus principais problemas. A necessidade de ciências como a Sociologia e a Antropologia é anterior ao que estamos vivendo. Contudo, mais do que nunca, estas ciências são necessárias para termos uma visão mais consciente dos problemas que afetam a nossa exis- tência na atualidade. Na atualidade, o dia a dia tem sido carregado de simplificações perigosas sobre as condições sociais e econômicas que nos cercam. As mensagens publicitá- rias, os noticiários, os produtos da chamada industrial cultural3 tem generalizado por demais a lógica dos fatores que determinam a existência dos seres humanos. Nos discursos que se encontram nas propagandas e noticiários a vida se resume 3 Quando falamos em indústria cultural estamos nos referindo à produção em série de obras como a músi- ca, os filmes e símbolos. Também estamos falando dos personagens que passaram a dominar o cotidiano de nossas vidas, heróis de histórias em quadrinhos, filmes de aventura, romances, os grandes cantores e compositores, a mulher que é o símbolo sexual. Não escapou desta indústria de valores o esporte e seus heróis. Hoje os grandes eventos esportivos, os grandes espetáculos teatrais, o lançamento dos filmes, as premiações dos artistas, atletas. Boa parte desta gama de elementos de valor cultural que são produzidos em larga escala chega a nossas casas mediante às campanhas publicitárias que recheiam os filmes, telejor- nais, séries e shows. Tudo é produzido para atingir um público em uma quantidade internacional. Com o advento da internet estes elementos se multiplicaram, agora estão nas mãos de cada um de nós ligado pessoalmente a uma rede mundial de computadores que nos permite acessar democraticamente uma gama infinita de produtos massificados. Fazemos, também, este exercício nas prateleiras dos mercados. Nunca antes, na história do consumo, os produtos dialogaram tanto com o consumidor. Caixas de leite, sabão em pó, detergente, fraldas, roupas, sapatos, blusas, perfumes e tudo o que está à venda, conversa sobre os temas mais diversos por meio da mídia. Hoje, no Twitter ou no Facebook podemos acompanhar o que pensa a Coca-Cola, o McDonald’s, a Ford e a Microsoft. A indústria cultural nunca vendeu tanto, como agora, objetos e ideias juntas, em forma de produtos. A COMPLEXA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. 18 - 19I em boas e más intenções, ou na aquisição de objetos mágicos que podem resol- ver nossas vidas de um dia para o outro. Na maioria das campanhas publicitárias todos são merecedores de tudo e a igualdade entre nós se dá pela condição de consumir tudo o que se quer. Perigosamente se difunde a ideia de que “não há o porquê entender a origem do que nos cerca”. As mensagens simplificadas geram a falsa ideia de que o que orienta nossas vidas são decisões particulares, de cada um, diante dos problemas que envolvem todos. Na “indústria cultural” que falamos anteriormente, existe uma relação entre o problema coletivo e a nossa particularidade. Tudo estimula para que estejamos ligados à sociedade por uma vontade controlada a partir de nossos interesses pessoais. Mudar é uma decisão que cabe a cada um e não há a necessidade dos outros para que algo se realize. Se levarmos em consideração a quantidade de livros de autoajuda que dominam os espaços nas livrarias, quase sempre os de maior vendagem, nós estamos à procura de uma receita de felici- dade fundada na particularidade, o que é racionalmente impossível. As campanhas publicitárias dos cartões de crédito talvez seja as que mais denunciam nossa simplificação da vida. Elas expressam o quanto o valor do que adquirimos ou podemos adquirir orienta para o sentido da vida. Também reve- lam o quanto viver é um dia atrás do outro. Frases de efeito ganharam destaque e se descolaram de seu verdadeiro significado. Uma das que mais se deturpou na atualidade é a afirmação do imediatismo na expressão: “viva hoje como se fosse o último dia de sua vida”. Na sequência da negação do futuro vem a propaganda do cartão de crédito e reafirma: “porque a vida é agora”. O que se expressa aqui é: dane-se o antes e o depois, tudo se encerra em mim. Este imediatismo na análise da vida social se constitui em uma ameaça a uma sociedade que necessita superar seus problemas com racionalidade. A simplifi- cação da vida social coloca o homem diante de opiniões limitadas e calcadas em simplismo embalado em papel de presente do brilhantismo. Se voltarmos a falar da violência esta afirmação fica mais clara. Nas mensagens sobre os crimes que se propagam, principalmente os homicídios, como uma ameaça a todos nós, os números sobre estes atos de violência poderiam ser reveladores. Hoje, 80% dos crimes de homicídio estão ligados direta ou indiretamente ao tráfico de drogas. Pessoas morrem ou matam por acertos de conta, overdose, o Homem ocidental e sua Trajetória Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 18 - 19 crimes passionais envolvendo dependentes químicos. A maioria dos consumi- dores de drogas são os filhos das classes de melhor potencial de consumo. Logo, a violência é alimentada pela renda. Pessoas com maior poder aquisitivo ten- dem a ter acesso mais fácil aos produtos, entre eles as drogas. Contudo, não são os abastados que morrem pela violência promovidapelo tráfico, são os miserá- veis. Há hoje uma quantidade imensa de pessoas disponíveis a servirem de mão de obra ao comércio de narcóticos. Se considerarmos os discursos da falta de mão de obra qualificada, o que é uma realidade em países como o Brasil, onde constantemente ouvimos falar na busca de trabalhadores com qualificação pelas empresas, os que estão aptos ao trabalho são em um número menor do que os que estão disponíveis para traba- lhar. Há um mar de desqualificados. Em 2012, há 20% dos jovens entre 19 e 25 anos sem qualquer atividade profissional ou educacional no Brasil. Eles estão excluídos de qualquer possibilidade futura (escola) ou presente (trabalho). São chamados de geração “nem-nem”, nem trabalho e nem educação. Para o que ser- viriam estes seres humanos? Esses seres sem perspectiva estão nas regiões mais pobres do país, o que agrava ainda mais o problema. Não podemos deixar de considerar que o número de filhos por mulher tem decaído nas regiões mais ricas e é, ainda, elevado nas regiões mais pobres. Este dado nos faz compreender que a igualdade não virá tão facilmente e nem nos próximos anos. Temos que compreender que o tráfico de drogas cresce exatamente por encontrar um grande número de desiguais vivendo em regiões relativamente próximas e passíveis de serem explorados dentro de uma contradição, os que estão disponíveis para serem os produtores, “soldados” e mercadores das drogas produtores e os que estão na condição de consumido- res privilegiados do sonho imediato de ficar dopado. Poderíamos considerar nesta mesma lógica a variedade de produtos que o tráfico tem oferecido e o preço das drogas que caíram mais de 60% nos últimos 60 anos. Maconha, cocaína, LSD e heroína dividem o mercado com crack, ecs- tasy e, agora, o oxi. Efeitos cada vez mais devastadores elas são a busca para uma sensação de existência de satisfação que as relações sociais não são mais capa- zes de oferecer. Como os celulares e refrigerantes, as drogas seguem a lógica de cercar seus consumidores nos lugares que eles menos esperam. Encontraram-se ©Shutterstock A COMPLEXA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. 20 - 21I produtos em locais onde eles jamais estariam a 15 anos atrás, agora eles são ofe- recidos sem culpa. A bebida alcoólica frequenta os postos de combustível, assim como, a cocaína pode se encontrada na escola. A iniciação ao consumo de bebidas alcoólicas se dá ainda na infância ou pré- -adolescência dentro do ambiente familiar4. As drogas, também, são oferecidas por pessoas do nosso círculo de amizade. Os mais próximos se tornaram os mais perigosos. Os que deveriam nos proteger se traduzem hoje no canal de ligação entre nós e nossos problemas. Este é outro tema que iremos desenvolver durante este livro, a relação entre a individualidade exaltada como lógica e as condições que estamos organizando a coletividade de forma real. A família, por exemplo, é uma instituição em mudança, um reflexo das novas relações econômicas, principalmente da mulher no mercado de trabalho. Outra questão que podemos refletir está ligada à sexualidade, presente e intensa em diversos cantos da vida social, perigosamente exaltada pela lógica instintiva do que civilizadora5. A contradição maior, que queremos revelar com nossa expo- sição até este momento, é que ao mesmo tempo em que o homem se percebe senhor de seu próprio destino pelas mensagens que recebe em todos os cantos, principalmente nas mensagens publi- citárias de consumo, ele depende de uma rede cada vez mais ampla e, em determinados momentos, mundial de produção da sua vida. Somos o fruto de uma coletividade integrada pelo traba- lho e nos percebemos como uma unidade autônoma que se liga aos demais por iniciativa própria, o que é uma fantasia perigosa, 4 O que muitas vezes não fazemos, e deveríamos como educadores, é procurar dados que possam elucidar temas que são tão complexos e tratados de forma simplificada por alguns meios de comunicação. O Ministério da Saúde, assim como o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) tem apresentado dados importantes para o entendimento do consumo de drogas lícitas e ilícitas. Temos que desmistificar a ideia de que a ameaça as nossas vidas vem de um elemento externo. Este perigo pode existir, mas dentro do nosso ambiente doméstico há ameaças que tem de ser consideradas. Nosso círculo de amizade está, assim como nós, dentro de uma relação social cada vez mais voltada ao desejo imediato de realizações pessoais. Considerou-se em nossas relações que o caminho mais curto é o certo para se chegar onde se quer, mesmo que contrariando a lógica de respeito e integridade, estamos transformando em regra a violência generalizada. 5 Temas como família, sexualidade, violência e preconceito serão tratados ao longo deste trabalho, princi- palmente em sua quarta unidade. Hoje, na preocupação expressa nos fatos que preocupam a vida social eles ganham destaque. Por isso, quando organizamos este trabalho procuramos selecionar questões que possam nos dar um olhar mais atento e qualitativo como educadores. A sociologia e a antropologia como ciências que auxiliam a função da escola podem nos dar uma análise mais adequada a temas que estão dentro do cotidiano educacional. Muitos destes temas são simplificados, alguns deturpados, o que leva a condutas incorretas pelas autoridades e profissionais ligados à educação. o Homem ocidental e sua Trajetória Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 20 - 21 mas tida como uma verdade absoluta. Não estaríamos pagando um preço ele- vado por esta contradição? Considero que se faz necessário retomarmos a origem da sociedade capitalista ocidental que determinou esta integração que estamos vivendo. Uma integra- ção planetária de produção de bens, de comercialização de objetos mundiais. Também, de uma propagação da cultura industrializada associada ao consumo. Em toda a história nunca consumimos tanto em tão pouco tempo tantos produ- tos. A maioria destes bens tem uma validade curta. Nossa vida tem se resumido a ver objetos que adquirimos passarem pela nossa frente em uma quantidade cada vez maior. Nossos lixos se acumulam como uma comprovação dos nossos exces- sos como consumidores. Não é por acaso que a finalidade dos resíduos é um dos grandes desafios da sociedade humana de nosso tempo em relação ao futuro. Ao buscar a origem desta sociedade industrial não estamos afirmando que ela é uma continuidade. Não queremos considerar que a história da civilização ocidental nada mais é do que uma sequência de fatos que se desdobraram até chegar a nós. Como uma relação causa-efeito contínua em que é possível enten- der as consequências pela intenção dos agentes sociais. Fazendo desta lógica uma verdade, afirmaríamos um determinismo, o que não pretendemos aqui. Nossa intenção é compreender que as condições em que as relações sociais se estabeleceram na Europa levaram à formação da economia de mercado que gerou o capitalismo e sua posterior mundialização. Esta condição de internaciona- lização é que permitiu os desdobramentos destas relações mundiais de produção até nossos dias. Ou seja, nossa sociedade é um desdobramento da expansão que a economia europeia viveu, em especial com a expansão marítima (Séculos XV a XVI) e, posteriormente, com a Revolução Industrial (Séculos XVIII e XIX). O que passaremos agora a tentar resgatar é exatamente esta condição pla- netária. A construção de uma civilização que após 500 anos de sua aventura planetária continua a se impor como civilização dominante. Não podemos negar que a Civilização Ocidental foi bem-sucedida em suadisputa pela lide- rança mundial. A COMPLEXA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. 22 - 23I A LONGA jORNADA DA CIVILIzAÇÃO OCIDENTAL Nós somos uma civilização planetária mais que em qualquer outra época da história humana. Estamos ligados a toda à humanidade por uma condição de produção que gera nossas vidas em uma complexa rede de divisão de produção em escala mundial. Estamos ligados por uma rede produtiva racional fundada em uma lógica científica e técnica voltada à concentração de riqueza. Os empreen- dimentos mundiais têm sua organização centrada em investimentos gerenciados por centros financeiros que aplicam recursos em setores produtivos. O mundo parece ter se transformado em um cálculo voltado determinantemente ao lucro. A vida vale na capacidade que tem de produzir riqueza ou consumir bens. Seria uma generalização tola colocar nesta condição toda a humanidade, mas a maioria dela com certeza. Pois, se há grupos humanos isolados, vivendo distantes das condições que a economia mundial determina, são poucos, é exce- ção e não regra. Esses grupos humanos isolados se encontram em uma condição remota de existência, em uma lacuna que a economia mundial tende a preencher ou desprezar pelo pouco interesse de integração financeira. Se não há retorno destes elementos a opção de abandono é mais uma condenação do que um res- peito à sobrevivência6. Em sua maioria a sociedade mundial se integra, sente os efeitos desta integra- ção das mais diferentes formas. As diversidades originárias deste encontro entre o homem ocidental e as culturas nativas ainda está se processando. Mudanças estão correndo nos conceitos que civilizações milenares construíram de sua pró- pria origem. Algumas destas culturas nativas, ao se encontrarem com os modelos ocidentais de racionalidade economia e, mesmo, de valor cultural, se reconsti- tuem ou ganham um novo significado para o mundo. Um exemplo destas mudanças culturais que marcam civilizações tradicionais, 6 Os elementos indígenas, por exemplo, que habitam as matas tropicais da América do Sul vivem em um estágio de sobrevivência próximo às condições em que estavam quando os europeus chegaram. Se ainda preservam sua cultura é por lutas constantes pela demarcação de terras e por meios de sobrevivência que os afastam da convivência com o homem ocidental. Quanto tempo poderá permanecer assim? Esta pergunta não é difícil de ser respondida, não por muito tempo. Eles poderão manter sua identidade tribal e preservá-la por um período mais longo. Possivelmente manterão sua relação com a natureza, em alguns aspectos, como seus ancestrais, mas sua sobrevivência será mais um souvenir do ocidente do que uma sól- ida forma de organização social. Considero que, no primeiro encontro que se estabelece entre as culturas nativas e o homem ocidental o efeito é devastador. Há uma mudança no conceito de existência de “si” ao saber da existência do “outro”. Quando as relações se mantêm, este efeito é ainda pior. o Homem ocidental e sua Trajetória Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 22 - 23 algumas milenares, é o que ocorre com o Japão e a Índia. Duas culturas que se posicionam como um contraponto ao mundo ocidental. Os personagens desta cultura, nipônica e indiana, são hoje propagados em embalagens de produtos a venda no mercado mundial. O exótico se descobre atraente. Mas o persona- gem indiano que chega até nós está desprendido de sua originalidade. Não seria reconhecido pelo nativo que nós queremos indicar com a imagem massificada da identidade cultura milenar. O indiano retratado na novela, no filme, ou na música, raramente lembra ao nativo sua própria cultura. O habitante tradicional da índia não se identificaria no personagem expresso mundialmente como um “cartão postal” de seu país. Construímos assim uma visão distorcida das civili- zações não ocidentais, assim como, dos produtos que consumimos. Temos que considerar que a expansão promovida pelo ocidente, a mais de 500 anos, foi devastadora para muitas culturas, alterou a própria cultura oci- dental. A Europa ocidental colocou os povos dominados na condição de escala de valor e os julgou inferiores, seja pelo primitivismo perigoso da selvageria ou pela infantilidade de suas condutas diante de um europeu que se autointitulava “racional” e “maduro”. Este encontro classificador e de imposição é relatado pelo antropólogo francês Edgar Morin em sua obra “Terra Pátria”: A mundialização se opera também no domínio das idéias. As religiões universais, e seu princípio mesmo, já se abririam a todos os homens da Terra. Desde os começos da era planetária os temas do “bom selva- gem” e do “homem natural” foram antídotos, muito fracos, é verdade, à arrogância e ao desprezo dos bárbaros civilizados. No século XVIII, o humanismo das Luzes atribui a todo ser humano um espírito apto á razão e lhe confere uma igualdade de direito. As idéias da Revolução Francesa, ao se generalizarem, internacionalizam os princípios dos di- reitos do homem e do direito dos povos. [...] Se o direito dos povos é reconhecido, certas nações se julgam superiores e se dão por missão guiar ou dominar toda a humanidade. Se todos os humanos conhecem as mesmas necessidades e paixões primárias, os teóricos das singularidades culturais vão insistir em suas diferenças ir- redutíveis. Se o homem é em toda parte potencialmente Homo sapiens, o ocidental-centrismo nega o estatuto de homem plenamente adulto e racional ao “atrasado”, e a antropologia européia vê nos arcaicos não “bons selvagens”, mas “primitivos” infantis (MORIN, 2002, p.26). A COMPLEXA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. 24 - 25I Na colocação de Edgar Morin está a forma como a antropologia foi concebida como ciência, um instrumento de classificação dos povos dominados. A ciên- cia vai servir ao homem ocidental, por inúmeras vezes, como meio de condenar a uma condição de inferioridade todos aqueles que estavam e estão sob o julgo da civilização ocidental. Não foi diferente para a geografia, literatura, ou para arqueologia, ingressar no rol das áreas de conhecimento se prestando ao serviço de inferiorizar culturais não ocidentais. Durante a expansão promovida pelo ocidente, muitos campos de conheci- mento surgirão na busca de entender e submeter outras civilizações. A conquista ocidental bem-sucedida é marcada pelo encontro e desencontro de interesses, encontro na ciência e nas técnicas que dela derivaram meios fundamentais para estabelecer a dominação. Das armas de fogo, a medicina, botânica, máquinas agrícolas, engenharia de construção e produção, enfim, uma gama de meios racionais para garantir a permanência e produtividade da ordem capitalista inte- gradora. Mesmo os povos que resistiram a esta dominação, o fizeram usando os meios que o ocidente gerou7. Muitos dos que tentaram a resistência pelas suas próprias armas foram exter- minados. Foi o caso dos Astecas e Incas, também dos chineses nas Guerras do Ópio (1839 a 1842/1856 a 1860). As armas utilizadas pelo homem ocidental foram as mais variadas possíveis. Desde as armas de fogo, o cavalo e a armadura que encantaram e estimularam as crenças astecas e incas, à gripe que dizimou indíge- nas na América do Sul8. Esta prática de uso do saber em forma de instrumento 7 Nos filmes de cowboy, nos anos de 1940 a 1970, a expressão mais viva da aculturação do ocidente entre os povos nativos da América do Norte está no uso do cavalo e das armas como meio de conter o chamado “homem branco”. A produção cultural dos ocidentais propagou aosquatro cantos do mundo os heróis do extermínio dos indígenas como “selvagens” que necessitavam ser eliminados em nome da “civilização moderna”. Nos últimos 20 anos resolvemos mudar o curso e abraçar a causa do homem que preserva o “bom selvagem”. Retomamos as teses de Rousseau e do naturalismo em evidência. Agora temos que aprender com os povos que destruímos, como se o Ocidente pedisse desculpas a todos os povos que ex- terminou sem entendê-los em sua “rica cultural”. Vivemos um período em que o “bom ocidental” é aquele que preserva e impede o extermínio, é aquele que mantém a cultura do “outro”. Na história mais recente deste gênero cinematográfico, dois filmes merecem destaque: “Dança com Lobos”, dirigido por Kevin Costner e estrelado por ele mesmo, resgata a mudança de comportamento de um soldado norte-ameri- cano, durante a Guerra Civil, nos Estados Unidos, onde ao conviver com a cultura dos índios Sioux ele sofre uma aculturação as avessas, acaba indo conviver com os indígenas e se torna um de seus líderes; “O Último Samurai” é também uma história de aculturação as avessas, onde o ocidental que se acultura se torna o melhor entre os povos que antes combatia. O Filme é estrelado por Tom Cruise, dirigido por Edward Zwick, conta a história da resistência dos samurais no Japão a perda dos valores nipônicos diante da presença de forças ocidentais no país. Cruise, que faz o papel um militar norte-americano, é capturado e, posteriormente, é aceito pelos guerreiros samurais, se tornando um dos mais destacados defensores da tradição japonesa. 8 Um dos episódios de destruição mais conhecidos na história brasileira foi a guerra travada entre os quilombolas de Palmares, reduto de escravos fugidos e indígenas, em Alagoas, e os bandeirantes liderados o Homem ocidental e sua Trajetória Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 24 - 25 de dominação se dá nos pequenos conflitos, mas também, nas grandes guerras de dominação. São inúmeros os exemplos de como o conhecimento pode fazer valer o interesse do ocidente diante dos povos que habitavam os territórios que interessaram a expansão da economia ocidental. O saber aqui não é o acadêmico, este que estamos agora exercitando den- tro do conteúdo de um livro. Não é aquele que se aprende para construir uma profissão que venha a se desenvolver dentro de um ambiente de trabalho pré-es- tabelecido pela vida no interior da sociedade ocidental. A ciência que estamos relatando aqui é aquela que vai mais além, que são herdeira e geradora desta que estamos praticando aqui, mas que construir em seu exercício prático o que nossa civilização usufrui hoje. Esta construção de um conhecimento por vezes contraditório entre o que desejaríamos ser e o que executamos para existir da forma que somos. Um exemplo típico de como somos contraditórios em nossa idealização e as condições que fomos construídos, é a forma como abordamos o processo de con- quista da América pelos europeus. Sempre consideramos a violência praticada nas guerras de dominação dos territórios nativos como uma prática abominá- vel. As guerras que os europeus travaram para a conquista e colonização dos povos americanos, o número de seres humanos que foram exterminados, são demonstrações de uma violência condenável. Professores de história, geografia e literatura são os que mais exercitam a condenação do extermínio dos indíge- nas. Mas não foi exatamente este extermínio que gerou o que somos? Não foram estas práticas abomináveis que viabilizaram a construção de uma civilização que hoje se faz planetária? Se há a condenação ela não deve estar com os olhos volta- dos para o passado, mas sim para as possibilidades de uma sociedade que rompa com este extermínio no presente e no futuro. Se hoje percorremos os corredores dos mercados e suas prateleiras rechea- das de produtos, se nos deliciamos com sabores que demonstram o encontro de inúmeros lugares, se nos encantamos com as curiosidades culinárias que falam sobre alimentos originários de diversas partes do Planeta, esta possibilidade está diretamente ligada à ocidentalização. Foi ela, a economia capitalista fundada na por Domingos Jorge Velho (1694). O uso de roupas e homens contaminados com gripe serviu para o extermínio dos afroindígenas. A COMPLEXA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. 26 - 27I Europa e propagada pelo Mundo que fez circular e reorganizar a produção dos alimentos. O mercado mundial fez, também, surgir e aprimorar a produção de bens que atendem as necessidades básicas para parte considerável da espécie humana, como também os nossos desejos mais fúteis9. Quando iniciada, a mais de quinhentos anos, a conquista planetária iniciou a circulação de produtos e seres humanos. Aquilo que era comum e típico de determinados lugares se transformou íntimo de muitas pessoas em diversas par- tes do Mundo. Ao mesmo tempo em que os produtos circulavam por diversas partes, levavam consigo conceitos, formas de serem incorporados, se associa- vam a outros produtos e promoviam identificações diversas. Se considerar que os engenhos de açúcar no Brasil, durante o Período Colonial (1530-1808) foi uma empresa voltada ao mercado externo, uma unidade produ- tiva para atender o mercado mundial, promoveram dentro do Brasil encontros e reinterpretações de produtos e pessoas. Os escravos, em sua maioria africana, reelaboraram seus hábitos alimentares, colaboraram para a construção de uma cultura que se não sua exclusivamente, só pode ser feita no encontro com outros elementos, no caso do Brasil com o português e o indígena. Podemos considerar que as unidades de produção do açúcar geraram a possibilidade do surgimento de uma nova identidade enquanto nação, o brasileiro. Em quantos lugares esta possibilidade não se deu? Talvez não com a mesma intensidade e com os mes- mos elementos. Contudo, foi uma condição que a expansão ocidental gerou. Quando falamos do açúcar, anteriormente, poderíamos também falar das especiarias, dos artigos vindos da Ásia, da África, das Américas e da Oceania. Todos os cantos puderam ser reinventados na proporção em que o comércio mundial centrado na Europa avançou sobre as mais remotas regiões do Planeta. Também, quando a condição de produção desta gama de produtos voltados ao comércio mundial foi alterada e intensificada em sua originalidade. A produção de seda na China e de tecidos de algodão na Índia. 9 A comunicação talvez seja o meio que sofreu a maior revolução dentro das que o mundo integrado pelo capitalismo promoveu. A relação do ser humano com espaço e tempo foi intensamente modificado. O que antes era longe ficou perto. Com uma telefonia móvel que muda a geração de aparelhos celulares em uma velocidade assustadora, nos comunicamos por fala, texto imagem, editamos páginas na internet, construí- mos conceitos, multiplicamos conteúdos banais e significantes. Misturamos o necessário com o fútil. A tecnologia de ponta se disponibiliza para salvar seres humanos em condições de risco, mas também pode servir para planejar sua morte. Com um computador ligado a rede mundial eu posso me informar sobre o tempo, fazer investimentos, complementar estudos para uma carreira profissional, agendar meu trabalho. Contudo, também, planejar a morte de indivíduos, usurpar sexualmente de crianças, promover a discór- dia, destruir imagens, propagar banalidades. uma Breve História das origens da “Era Planetária” Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 26- 27 UMA bREVE HISTÓRIA DAS ORIGENS DA “ERA PLANETÁRIA” A história da economia mundial capitalista começou a ser desenhado na Europa ocidental, especificamente no eixo comercial entre a Itália, o mundo germânico e os países do norte da Europa, em especial a Holanda. A mercadoria passou a ganhar significado em uma sociedade agrária de subsistência em crise, o feuda- lismo. Fundado na subsistência, a economia feudal não pode ser mantida com a movimentação de pessoas e mercadorias para fugir e atender as limitações de uma economia agrária limitada em diversas regiões da Europa. O nascimento do comércio na Europa, que por um lado promoveu a desinte- gração da economia agrária feudal e das relações que com ela conviviam, também será o elemento de reintegração do continente sobre novas formas de expressão cultural e de poder. O mundo religioso europeu sofreu rupturas com o desen- volvimento das religiosidades “protestantes” e a própria reorganização da Igreja Católica. O Renascimento Cultural, por sua vez, estará ligado às novas formas de organização da vida urbana com o mundo do comércio e com o papel que a racionalidade vai exercer no continente. A ciência e a inovação tecnológica encontraram um campo fértil no mundo da mercadoria. O acúmulo de riqueza passou pela ampliação de produção e produtos, mas também da reorganização do homem e da forma que compreende e se relaciona com a natureza a sua volta. Se analisarmos o Renascimento Cultural que se desenvolveu na Europa entre os séculos XIV a XVI será mais fácil de você entender a trama que se desenro- lou com o advento do comércio. Para isso, é preciso lembrar o papel que a Itália (uma península apenas e não um país neste período)10 desempenhou na vida comercial europeia. As cidades italianas mantiveram-se vivas comercialmente, mesmo em plena Idade Média e no apogeu do feudalismo. Ao mesmo tempo em que a Itália foi o berço da cultura romana e muito do legado da antiguidade clássica ainda era preservado em suas cidades, tanto as 10 A Itália que conhecemos hoje como um país unificado, um Estado Nacional, surgiu em 1870. Antes disso, o território passou por inúmeras invasões estrangeiras e foi centro de controle da Igreja Católica. Dividida em principados e cidades-estado, a Itália foi o centro do comércio na Europa antes da expansão marítima promovida pelos países ibéricos (Portugal e Espanha), a partir do Século XV. Com a expansão marítima o eixo comercial ao qual a Europa dependia para o fornecimento e comercialização de produtos se transferiu do Mediterrâneo para o Atlântico. A COMPLEXA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. 28 - 29I obras arquitetônicas com literárias, o território italiano tinha contato, por meio do Mediterrâneo, com povos do Oriente Médio, bizantinos e muçulmanos, os quais preservaram e promoveram a cultura grega. Com o desenvolvimento do comér- cio no interior da Europa a dinâmica cultural italiana também se intensificou. A produção literária retomou o legado grego e romano como princípio para repensar o ser humano em transformação na Europa. A liberdade de pensamento é exaltada pela circulação de bens, serviços e pessoas. As ideias costumam seguir o destino das trocas. Onde o desenvolvimento do mercado, troca de produtos, o movimento de pessoas e ideias floresce. É difícil conter o pensamento quando a liberdade acompanha a circulação dos produtos. Contudo, esta liberdade não era para todos, não atingia a maioria da população. A cultura e a reflexão, assim como a mercadoria, tinham um limitador que era a capacidade de aquisição. Por isso, os mestres, artistas e intelectuais da renascença foram sustentados por mecenas11, que de uma forma geral transformaram a arte em mercadoria e o conhecimento em algo restrito aos que podiam adquiri-lo ou saboreá-lo pelo consumo. Assim, se com a arte o valor monetário lhe permitia o acesso, nos demais produtos disponíveis no mercado europeu a regra de aquisição se fazia valer mais intensamente. Conforme o fruto do trabalho se mercantilizava, a necessidade de expandir a produção com o crescimento do consumo levaria a expansão dos domínios europeus para outras regiões do Mundo. A Europa que dependia de uma rota limitada pelo controle italiano e centrada no Mar Mediterrâneo supe- rou esta condição com as navegações de Portugal e Espanha. O pioneirismo ibérico foi fruto de uma condição inovadora na Europa, a formação do Estado nacional absolutista. A centralização do poder nas mãos do monarca seria uma tendência nos países da Europa ocidental. Um processo que durou cerca de trezentos anos e só foi possível com a inversão de forças políti- cas a favor do monarca e da demarcação do território nacional. A unidade do território por meio da administração do monarca que usa de sua capacidade de 11 O financiamento da arte durante o período da renascença foi o primórdio do que conhecemos como a condição em que a expressão cultura e intelectual está determinada ainda hoje. Por mais que procuramos propagar a arte e o conhecimento como algo de todos e para todos, mesmo com o poder público investin- do na cultura para as classes populares, na multiplicação de escolas públicas, o saber fazer e o produto do que se faz se restringe na dimensão de sua importância a quem tem a condição de adquiri-lo. O que pretendo discutir com isso é o discurso da educação para todos. Podemos ensinar o conhecimento funda- mental para uma grande maioria dos indivíduos, mas o que resultará deste conhecimento ao se aprimorar vai depender das condições que encontrará para o aperfeiçoamento do seu saber, a qual está diretamente a sua capacidade de gerar riqueza. uma Breve História das origens da “Era Planetária” Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 28 - 29 governar para direcionar recursos e pessoas para a expansão comercial. O fato de ser uma nação periférica no comércio europeu permitiu a Portugal ter no monarca um agente pioneiro como força coordenadora da dinâmica econômica comercial sem a resistência de forças feudais. O que em alguns países centrais da Europa só foi possível após longos períodos de guerras internas, parte consi- derável delas religiosas e dinásticas. As mudanças que fizeram surgir os Estados nacionais europeus estão intima- mente ligadas à rentabilidade das empresas mercantis. São os lucros do comércio monitorado e protegido pelas forças nacional a serviço do Estado monárquico que permite um projeto de expansão da economia comercial. Enquanto a econo- mia mercantil se direcionar para a concentração de riqueza dentro do território onde a arrecadação alfandegária é imposta, o erário tende a se expandir e permi- tir ao monarca recurso para garantir a sua autoridade, cada vez mais computada no preço das mercadorias12. A civilização ocidental que se desenvolveu na Europa Moderna (Séculos XV a XVIII) foi uma organização das forças que a antecederam, mas também dos elementos que surgiram e reinventaram as instituições europeias. A expansão marítima, a conquista planetária efetuada pelos europeus ocidentais, foi resultado destes elementos: o capitalismo, a cultura cristã e o desenvolvimento científico e tecnológico. Agrega-se a eles o papel que o Estado nacional desempenhou como elemento de convergência destas forças direcionadas a dominação planetária. 12 O que se desvenda no início da economia mercantil na Europa Moderna é o papel que o estado exerce no crescimento da economia de mercado. Se hoje se questiona o peso do Estado na vida da economia por meio de sua carga tributária, na formação do capitalismo comercial, e depois com o advento da indústria, seu papelé inquestionável como agente de crescimento e organizador dos meios pelo qual o capitalismo se desenvolveu. Contudo, é sempre bom lembrar, o Estado é o resultado das forças que a sociedade lhe empenha. A economia capitalista não se relaciona com o poder estatal da mesma forma ao longo da expansão ocidental. © sh ut te rs to ck A COMPLEXA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. 30 - 31I O CAPITALISMO, O CRISTIANISMO E A RAzÃO Se nos perguntassem qual a função do dinheiro, sempre teríamos uma resposta que dependeria da intenção de quem o tem ou o porquê deseja tê-lo. O dinheiro é um meio de aquisição da riqueza ou da necessidade. A moeda é a condição que nos permite intercambiar necessidades e produtos. Podemos suprir a fome e adquirir o alimento, podemos trocar o valor de uma maçã por uma caneta, já que os dois objetos podem ser medidos pelo valor. Trocamos o valor de nosso trabalho pelos bens necessários a nossa sobrevivência diariamente. Recebemos mensalmente, uma quantia pelo nosso trabalho, o qual tem sua participação em uma condição de produção de um bem determinado para vida social. E quando este bem é vendido no mercado, nele se computa o custo de nosso trabalho13. Se a economia capitalista tem na mercadoria seu germe de existência, ela tomou muitas formas ao longo da história, mas também sua existência depen- deu de condições de produção que se transformaram ao longo dela. Se voltarmos a produção do açúcar no Brasil Colônia, quando o trabalho escravo predomi- nou na confecção dos produtos que eram voltados ao mercado europeu, a vida de cada trabalhador compulsório era calculada e se fazia presente nas cargas de cacau, açúcar, algodão e tabaco que cruzaram o Atlântico. Assim, a mercadoria e o trabalho humano se encontram no valor do pro- duto, assim as vidas das pessoas passam a ser computadas nos bens que circulam no mercado local e mundial. A racionalidade da produção passa a ter um papel fundamental na busca de ampliar o capital e o número de consumidores de mercadoria. Transformar toda a necessidade humana em um bem de compra e venda é fundamental. O aprimoramento dos meios produtivos, das rotas comerciais, as descober- tas de novos produtos para o mercado, toda a logística que permitisse reduzir custos e ampliar lucros disponibilizar para a compra um número cada vez maior de produtos foram necessidades constantes para a manutenção da economia 13 Na história da análise do capitalismo não há dois autores que souberam de forma magistral marcar o estudo das relações capitalistas como Adam Smith e Karl Marx. Duas visões distintas da produção da mercadoria, mas que se complementam no desmembramento da lógica do capital. Enquanto Smith busca na lei de mercado entender o desenvolvimento da produção industrial, o que relaciona a divisão de trabalho e maquinofatura, Marx faz da mercadoria a porta de entrada para as entranhas do capitalismo e desvenda o sentido da quantificação da vida material e intelectual. o Capitalismo, o Cristianismo e a razão Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 30 - 31 capitalista. Esta ampliação e desenvolvimento foi resultado que a ciência e os meios técnicos permitiram. Após a Revolução Industrial (séculos XVIII e XIX) esta necessidade ficou evidente, em nossa sociedade é inegável. A ciência e a tecnologia são condutores fundamentais da economia, mas também da vida em sociedade. Nossa organização coletiva foi sendo orientada pelo conhecimento científico e pelos meios técnicos que temos acesso, seja por meio da particularidade de um telefone celular ou micro-ondas, ou pelo trans- porte coletivo, pela comunicação nas mídias eletrônicas e nos serviços de saúde pública que hoje existem nas cidades modernas. A ciência se fez presente na formação do capitalismo por meio da política econômica dos Estados monárquicos e seus ministros que tentavam orientar a economia mercantil em desenvolvimento. Jean-Batiste Colbert14 na França foi um destes exemplos ao orientar a agricultura e a manufatura para o mercado externo. Exigiu tributos e monopolizou a produção e o comércio a empresários ligados ao estado francês. Em uma tentativa de desenvolver a economia portu- guesa, o Marquês de Pombal (1750-1777) praticou o despotismo esclarecido e valorizou os produtos nacionais portugueses. Desejando a industrialização nas terras portuguesas, o Estado passou a fortalecer setores manufatureiros e impe- liu parte das importações inglesas. O sonho de fazer de Portugal uma grande potência, o que não se realizou, partiu de uma política econômica racional e orientada pelo Estado. A própria Revolução Industrial inglesa, ocorrida em meados do século XVIII, não foi diferente. A transformação da Inglaterra em uma potência econômica que predominou no século XVII como a principal força naval e mercantil do mundo gerou as possibilidades de concentração de riqueza em território britânico para o desenvolvimento da maquinofatura. Foi a política econômica adotada pelo Estado monárquico que criou o ambiente de deslocamento dos investimentos 14 O colbertismo foi a política do ministro Colbert na França monárquica de Luís XIV. O estado francês detinha a maior extensão de terras cultiváveis da Europa. A saída para enfrentar o desenvolvimento mercantil dos estados rivais e permitir a participação no comércio internacional era vender produtos manufaturados e agrícolas para as nações vizinhas. A Espanha foi a maior cliente francesa. Incentivando as exportações de produtos manufaturados de luxo, o governo francês tabelou o preço dos produtos e os empresários que poderiam produzir e vender. As taxas para o comércio interno foram elevadas e para o mercado externo reduzidas como forma de incentivo as exportações. A população francesa viveu a miséria e a exploração ao mesmo tempo. O trabalho foi tabelado e reduzido as mínimas condições de sobrevivência. Os produtos para a população ficaram caros (inflação quinhentista), propagando a fome. A COMPLEXA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. 32 - 33I do comércio para a indústria. As Leis de Cercamento e a Lei dos Miseráveis15 de Elizabeth I, em 1603, foram fundamentais para que isto ocorresse e fizesse da Inglaterra o primeiro parque industrial da história. A produção industrial se multiplicaria e se desenvolveria como uma cadeia de fornecimento de matéria-prima e ampliação de mercados de consumo. Inaugurar- se-ia por meio do modelo industrial uma nova forma de organização da produção em escala planetária, o que se convencionou chamar de divisão internacional do trabalho. Cada vez mais racionalizada, a produção da vida em escala mun- dial e a vida em particular. Mas se até aqui a economia e a ciência mostraram sua afinidade para que possamos entender o desenvolvimento do capitalismo e a expansão da civiliza- ção ocidental, tendo o Estado como agente de integração entre as duas forças. A cultura ocidental também teve um papel importante na submissão das civi- lizações em todo o mundo. A identificação da cultura cristã como elemento de unidade e direcionamento da dominação também deve ser considerada. O olhar que se estabelece sobre o mundo e qual nosso papel diante dele pode parecer uma retórica existencialista, mas em determinado momento se faz fundamen- tal para entender o comportamento de uma civilização. 15 A Lei de Cercamento e Lei dos Miseráveis conjugaram dois interesses na economia britânica. A vitória da empresa comercial e financeira sobre a permanência dos privilégios feudais dentro do território inglês e atransformação do Estado em uma extensão da política burguesa disposta a ampliar a participação da sociedade nas relações capitalistas. As decisões que a monarquia inglesa tomou desapropriando os senhores feudais dos privilégios em relação às propriedades rurais, transformando-as em bem imóveis passíveis de compra, venda e desapropriação por dívidas, forçou a transformação da terra em uma propriedade capitalista, voltada a produção de bens para o mercado. Estas mudanças levaram a Lei dos Miseráveis, visto a quantidade de trabalhadores rurais que foram expulsos da propriedade agrícola, da condição de servidão para se transformarem em trabalhadores assalariados nas fábricas e minas de carvão, sejam nas cidades ou nas áreas rurais, alimentando de trabalhadores assalariados as empresas em desenvolvimento. A industrialização inglesa afetou não só as terras britânicas e suas colônias, mas todo o mundo. De uma forma direta ou indireta, de imediato ou ao longo do desenvolvimento da economia mundial. A sociedade industrial que foi inaugurada em terras britânicas está espalhada por diversos can- tos do mundo, com suas diferenças regionais, mas interligada por uma economia mundial. o Capitalismo, o Cristianismo e a razão Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 32 - 33 As conduções dos empreendimentos de um único homem, como também de uma civilização, não podem ser entendidas por uma conduta fundada em lógica exclusivamente racional. Por mais que nossa civilização seja marcada pela busca de um sentido racional para as ações e as buscas que ela deve estar relacionada, o ocidente tem inúmeros valores que orientaram a sua condução além da busca da lucratividade e da eficiência científica. Consideramos que aqui é importante compreender a cultura como fator que orienta a ação. Os elementos que colo- cam em escala os valores que serão os condutores da ação. O que desejamos considerar aqui, e estas afirmações ficaram mais claras quando falarmos das teses de Max Weber em nosso segundo módulo, é que há uma construção de sentidos na prática de uma ação pessoal ou coletiva. Todos os indivíduos quando se encontram em uma relação social determinada busca dar a si uma orientação, um posicionamento dentro da vida em sociedade. Ao tentarmos entender o que fez os ocidentais promoverem uma navegação que levou a conquista planetária, temos que considerar que o ímpeto de domi- nar e estabelecer a cultura cristã sobre as demais civilizações foi fundamental. Esta busca de se impor, de considerar que se está com a verdade universal e que os opositores devem se submeter é construído em lógica cultural que valoriza o direito universal a conquista. Aqui, a religiosidade cristã foi fundamental. O cristianismo ocidental europeu se transformou em um elemento de uni- dade durante a decadência romana e se consolidou no Período Medieval. O feudalismo (Séculos V a XVIII) estabeleceu na Europa a consolidação do poder da Igreja Católica associada à vida cotidiana. O poder dos senhores feudais, o sentido da existência dos fenômenos naturais, a construção de uma identificação com o passado e o sentido da vida futura, entre outros tantos elementos, passa- ram a ser encharcados pelo sentido religioso. Não podemos esquecer que o cristianismo tem como princípio a onipotên- cia e onipresença divina, a criação universal, o determinismo da existência do homem, o compromisso em defender a “verdade” religiosa. Os cristãos trans- formam qualquer lugar em que estejam como uma extensão da “Terra Santa”, uma conquista territorial não era o resultado dos investimentos econômicos e resultado do conhecimento científico e da capacidade técnica, era a propagação da religiosidade que deveria ser propagada e converter ou eliminar o descrente, A COMPLEXA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. 34 - 35I o pagão, o herege, ou o infiel16. Os inúmeros territórios conquistados pelas nações ocidentais acabaram por receber a designação nominal da religiosidade. Se pegarmos como exemplo a orla atlântica brasileira, as cidades fundadas pelos portugueses tiveram nomes de santos ou dadas religiosas (São Vicente, Salvador, São Sebastião, São Mateus etc.). Mesmo a chegada dos portugueses em Porto Seguro, Bahia, foi celebrada com uma missa e nome dado ao território foi Ilha de Vera Cruz. A cruz estam- pada nas velas das caravelas também servem para entender a importância da religiosidade cristã como elemento de identificação e simbologia da “cruzada” que o europeu estava realizando no “além-mar”. O Estado monárquico nacional era justificado pelo poder divino, obedecer ao rei era obedecer a Deus. Por isso, quando falamos da importância do modelo religioso que o cristianismo implantou na Europa não estamos nos referindo exclusivamente ao entendimento do sentido da vida de cada um, mas da própria existência do Estado. A obediência ao poder que determina uma função além da vida racional em sociedade, mas do princípio moral a ser obedecido e seguido. Para retomarmos uma das discussões mais comuns ao falarmos da forma- ção do Brasil, sua ocupação e colonização, o papel dos jesuítas podem nos servir como referência da importância da religiosidade como fator de conquista. Os padres da Companhia de Jesus se deslocaram para o interior do território colo- nial e se dispuseram a converter nos nativos à religiosidade cristã estabelecendo uma lógica de conversão e educação. Seria impossível entender o empenho que o jesuíta dava a sua empresa se não considerarmos a dimensão de sua fé. A empresa racional jesuíta e toda a capacidade que ela demonstrou de dominação foi pos- sível dentro de um sentido religioso da obra de colonização17. 16 O cristianismo foi um desdobramento do judaísmo. O monoteísmo cristão tem as bases na divindade judaica e rompe com ela na figura de Cristo, o “filho de Deus”, o “Salvador”, que os judeus consideram não ter vindo. Outro elemento importante e fundamental para entender a justificativa de imposição cristã, está na universalização dos homens, todos os povos são os filhos de Deus. Para os judeus, eles são o povo escolhido. Por mais que os demais povos reconheçam a existência Divina, são os hebreus que detêm a preferência do elemento determinante. Por isso, a “Terra Santa” para o hebreu é a Palestina, para o cristão é todo o território onde ele leva a “palavra” de Deus. Os Ocidentais europeus se colocam na condição de propagadores da fé, da verdade religiosa. Os discursos religiosos passam a expressar o interesse do homem europeu. Uma unidade fundamental entre a busca da riqueza, os aparatos técnicos e conhecimento científico e a cultura cristão justificando a ação do homem europeu. O que vale relembrar é o papel do Estado como ordenador desta unidade. 17 Se formos considerar o quanto a conversão foi um exercício de confronto e risco para os padres jesuítas, podemos entender a dificuldade do empreendimento de propagação da religiosidade. O padre José de Anchieta que foi um dos primeiros jesuítas no território colonial brasileiro se deixou capturar pelos tupinambás para poder convertê-los. Muitos jesuítas não tiveram sucesso com Anchieta e foram mortos o Capitalismo, o Cristianismo e a razão Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 34 - 35 O conceito de homem e o sentido que se dava a suas práticas, seja na condi- ção da riqueza e sua finalidade, como o papel que a escravidão exercia e quem poderia ser escravizado ou não. O ideário cristão é fundamental
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