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D o u t r i n a Consentimento Informado – Aspectos da Relação Jurídica Odontólogo-Cliente sob o Enfoque da Responsabilidade Civil e do Direito do Consumidor HilDeliza lacerDa tinoco boecHat cabral Advogada; Professora Universitária de Direito Civil do Curso Jurídico da UNIG/Itaperuna e da Doctum/Carangola; Professora do Curso de Medicina da UNIG/Itaperuna; Doutoranda em Ciências Jurídicas pela Universidade Nacional de La Plata, Argentina; Especialista em Direito Privado; Especialista em Direito Público. RESUMO: A partir do movimento de repersonificação ou valorização da pessoa, decorrente do Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, o pro- fissional liberal passa a adotar, em relação ao seu cliente, condutas que efetivem o respeito à sua autonomia existencial, já que o mesmo transpôs a linha de mero espectador das intervenções em sua esfera psicofísica, conquistando a qualidade de sujeito, capaz de influenciar a atuação profissional através de seu direito à decisão sobre se submeter ou não a certo tratamento ou intervenção cirúrgica, motivo pelo qual se passa a tratá-lo como cliente – e não mais paciente – a fim de se evidenciar a qualidade de agente de suas próprias escolhas. Para que a decisão seja segura e consciente, necessita o odontólogo informar devidamente a pessoa sobre seu quadro clínico e suas reais possibilidades, para, em seguida, extrair o seu consentimento para a atuação em sua esfera pessoal. O objetivo do presente artigo é demonstrar a importância do consentimento informado como instru- mento hábil a afastar a responsabilização civil decorrente do dever de informar. PALAVRAS-CHAVE: Autodeterminação da Pessoa. Relação Consumerista. Dever de Informar. Violação. 1 Introdução O mundo moderno tem presenciado um movimento de crescente valo- rização da pessoa. Assinala Barcellos (2008, p. 122-125) que tal movimento foi promovido, sobretudo, pela influência de quatro fases históricas. Teve início na Era Cristã, a partir dos ensinamentos através dos quais Jesus pregava soli- dariedade e piedade, ensinando o homem a amar aos semelhantes como a si Doutrina – Revista Magister de Direito Empresarial Nº 38 – Abr-Maio/2011 53 mesmo e promovendo a igualdade essencial, não fazendo acepção de pessoas. Mais tarde, o movimento Iluminista-Humanista e as obras de Kant vieram re- forçar esse ideal. A partir dos conflitos mundiais, notadamente no pós-guerra, quando passam a ser conhecidas por todo o mundo as atrocidades cometidas contra a pessoa, sobretudo a dizimação dos judeus pelos alemães, inicia-se no mundo moderno um movimento de valorização da pessoa humana. Com o advento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, fruto da valorização da pessoa, as constituições modernas passam a inserir em seus textos o respeito à Dignidade Humana, que é erigido à categoria de princípio norteador de toda conduta humana. Comenta Moraes (2006, p. 15) que os princípios constitucionais apre- sentam um caráter normativo e um conteúdo de valores ético-jurídicos que transformaram o direito civil individualista do passado. Na atual perspectiva, a vulnerabilidade humana será tutelada onde quer que se manifeste. Esse reflexo influenciou sobremaneira o ordenamento jurídico pátrio, em que, com a ordem constitucional estabelecida a partir de 1988, ganha es- pecial relevo a Dignidade da Pessoa Humana, uma vez que passa a ser este o princípio fundante do ordenamento jurídico, elencado entre os fundamentos da República Federativa do Brasil, em seu art. 1º, ao lado da soberania, antes mesmo de disciplinar questões relativas ao Estado e à tripartição das funções do poder, o que alça o aludido princípio a uma posição de indiscutível privilégio. A Dignidade da Pessoa Humana envolve o respeito à pessoa, à sua autonomia existencial, à sua capacidade de conduzir-se rumo à sua auto- determinação. Se, por um lado, esse respeito é um direito de cada um, por outro, impõe-se à sociedade o dever negativo de abster-se de praticar uma ingerência indesejada. O ordenamento jurídico, então, lança-se a criar mecanismos capazes de efetivar o respeito à pessoa em todos os seus aspectos, considerando desde o direito à vida, como bem supremo, embora não absoluto, perpassando por seus atributos psicofísicos, o seu intelecto, atingindo até as diferenças indivi- duais, inclusive seus sonhos e reais expectativas, conforme assinala Schreiber (2007, p. 85-86). Tão importantes tais aspectos que, por vezes, têm gerado a responsabilização civil em várias situações, uma vez que têm sido observa- dos como valores jurídicos autônomos merecedores de tutela. Haja vista o reconhecimento da perda de uma chance, que ocorre em virtude de ilícito de terceiro, capaz de subtrair, retirar da vítima uma chance que representa uma oportunidade, em tese, real, mas que nada mais é que uma frustração de expec- tativas, gerando direito à reparação civil. Há, inclusive, decisões reconhecendo Revista Magister de Direito Empresarial Nº 38 – Abr-Maio/2011 – Doutrina54 a perda de uma chance de cura, como, por exemplo, em virtude de diagnóstico tardio ou incorreto – hipóteses elencadas por Sebastião (2003, p. 73). Conforme esse novo axioma ditado pela Constituição, o respeito à pessoa passa a ser uma espécie de pedra angular do ordenamento jurídico, um filtro que deve coibir toda conduta capaz de causar qualquer diminuição ou limitação à integridade psicofísica do ser humano. Nessa perspectiva de respeito à pessoa e sua dignidade, de conferir autodeterminação à pessoa, prefere-se utilizar a expressão “cliente” a “pa- ciente”, com o objetivo de afastar a ideia de pessoa estática e realçar a atual condição da pessoa enquanto agente de suas decisões, responsável por suas escolhas. Segundo Houaiss (2001), paciente é aquele “que tem paciência, sereno, conformado [1]; calma para esperar o que tarda [1.3] indivíduo que está sob cuidados médicos [7]”, entre outras acepções que não se aplicam ao caso em comento (2001, p. 2.101); enquanto cliente é “pessoa que consulta habitualmente o mesmo médico, dentista, etc.” (2001, p. 740), conceitos que vêm corroborar a opção que se faz pela expressão “cliente”. No que tange ao esclarecimento, exsurge a seguinte situação: o cliente só é capaz de decidir sobre a adoção de determinada técnica mediante a devida informação, que deve ser fornecida pelo odontólogo com a máxima clareza e objetividade, em linguagem acessível, que o faça entender quais são suas reais possibilidades, suas chances de obtenção de resultado satisfatório, bem como os riscos a que irá se submeter e consequências que poderão advir do procedimento para o qual irá prestar seu consentimento, visando posterior adoção de tal procedimento pelo profissional. A relação jurídica que se estabelece entre odontólogo e cliente é de natureza contratual, já que, ao receber a pessoa em seu consultório, ambos estão consentindo em um negócio jurídico equivalente a um contrato, que se insere na tutela do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que constatada a presença dos elementos caracterizadores da relação de consumo: a existência de um serviço [objeto], o prestador de serviços e o destinatário final desse serviço, o consumidor [sujeitos dessa relação]. No que tange à responsabilidade civil do odontólogo, pelo exercício regular da odontologia, esta se submete à regra que a lei consumerista esta- belece para os profissionais liberais: responderão civilmente dependendo da comprovação de culpa em seu agir, pela disposição do art. 14, § 4º, da Lei nº 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor. Significa dizer que somente responderão os odontólogos se agirem com culpa ou dolo no exercício regular da profissão, ainda que o resultado não seja aquele buscado e desejado. Doutrina – Revista Magister de Direito Empresarial Nº 38 – Abr-Maio/2011 55 2O Dever de Informar Cabe uma análise do que seja o dever de informar e as razões pelas quais a informação passa a ser uma obrigação, um ônus do odontólogo no exercício da profissão em que presta um serviço. 2.1 Conceito Em sentido amplo, o dever de informar é a obrigação que têm deter- minadas pessoas de fornecer conhecimentos sobre determinado produto, serviço ou atividade. No caso específico do odontólogo, o dever de informar consiste em o profissional prestar explicações sobre detalhes do procedimento ou cirurgia a ser adotada, através de detalhamento de atividades e condutas a serem realizadas, capaz de fornecer elementos e subsídios que possibilitem ao cliente tomar a decisão consciente e segura sobre autorizar ou não a inter- venção do odontólogo em sua esfera pessoal. 2.2 Fundamento do Dever de Informar O dever de informar tem sua origem no respeito ao Princípio Consti- tucional da Dignidade da Pessoa Humana, que, nos estados democráticos de direito a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e no Brasil, notadamente da Constituição Federal de 1988, passa a nortear toda e qualquer conduta, atividade ou contrato, pois, a partir da ordem constitucional de 1988, é elevado a valor jurídico de extrema importância, com tutela estabelecida no 1º artigo da chamada “Constituição Cidadã”, exatamente por sua preocupação com o cidadão enquanto pessoa humana. Acrescente-se que tal princípio, presente hoje em todas as relações privadas, impõe-se como forma de limitar o arbítrio estatal, nele se albergando a cláusula geral da boa-fé objetiva, pilar do vigente Código Civil, e suas funções integrativas de proteção, cuidado, lealdade e esclarecimento, deveres anexos de conduta implícitos em toda e qualquer contratação (ROSENVALD, 2007, p. 102-109). Além disso, o dever de informar encontra fundamento no Código de Defesa do Consumidor, que em seu art. 6º, inciso III, estabelece: “Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e servi- ços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como os riscos que apresentem.” Revista Magister de Direito Empresarial Nº 38 – Abr-Maio/2011 – Doutrina56 Observe-se que o aludido artigo se refere a direito básico do consumi- dor, em relação a serviços e à qualidade da informação. Com a crescente valorização da pessoa humana, o cliente deixa de ser um mero espectador da atividade odontológica, ou mesmo objeto da ciência, e se transforma em sujeito de direitos, capaz de influenciar a atuação profis- sional; e, no uso de sua autonomia existencial, deixa de ser cliente, como já se assinalou, passando à qualidade de agente – decidindo ele se deseja ou não se submeter à determinada intervenção cirúrgica ou técnica terapêutica indicada pelo odontólogo. Assim, é possível exercitar o direito à escolha, elegendo um dentre outros procedimentos apresentados pelo odontólogo, qual é aquele que melhor atende à sua preferência, ou à sua própria vontade, ou ainda, o que poderá lhe causar menos dor ou temor. Excetuadas, por óbvio, as situações emergenciais em que o profissional precisa agir independentemente de consentimento, conforme as circunstâncias excepcionais da situação concreta, indispensável se torna agir em sintonia com a conduta ética que lhe é imposta por sua consciência e pelo Código de Ética Odontológica, em face dos deveres profissionais decorrentes do exercício regular da Odontologia. Segundo lição de Catherine Paley-Vicent (apud STOCO, 2007, p. 553), o fundamento jurídico dessa obrigação de informar encontra-se no direito que tem a pessoa de dispor de seu próprio corpo, vez que as normas jurídi- cas mais elevadas, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, lhe conferem tal prerrogativa. Nessa perspectiva, deve-se passar a adotar a nomenclatura “cliente” ou mesmo “pessoa”, abandonando-se a noção de “paciente” – que reporta a um estado de submissão –, uma vez que se torna sujeito de sua autodetermina- ção, como agente responsável por suas decisões, respeitando-se, por óbvio, a opinião daqueles que optam pela designação paciente. É fundamental que a pessoa, em razão de seus direitos existenciais, no uso de sua autonomia, seja respeitada em sua dignidade humana, condição inerente apenas à pessoa humana, seja conduzida à informação clara e precisa, a fim de prestar consentimento para qualquer conduta a ser realizada no seu próprio corpo ou mente (SCHREIBER, 2007, p. 85-86). Tem lugar o respeito à opinião e à decisão da pessoa; nesse caso, o pro- fissional percebe que não pode mais agir sem que extraia seu consentimento para a prática de certo procedimento cirúrgico ou terapêutico em sua esfera psicofísica. Doutrina – Revista Magister de Direito Empresarial Nº 38 – Abr-Maio/2011 57 Além dos aspectos já declinados, o próprio Código de Ética Odonto- lógica1, que delineia a deontologia do odontólogo, disciplinando sua atuação profissional, enquanto categoria funcional, prevê, no seu art. 4º, em três in- cisos, o respeito à dignidade humana do cliente como deveres fundamentais dos profissionais: “Art. 4º Constituem deveres fundamentais dos profissionais inscritos: (...) III – zelar pela saúde e pela dignidade do paciente; IV – guardar segredo profissional; V – promover a saúde coletiva no desempenho de suas funções, cargos e cidadania, independentemente de exercer a profissão no setor público ou privado; (...) XI – resguardar a privacidade do paciente durante todo o atendimento.” Além disso, o art. 6º, incisos II, VI e VII, do aludido Código de Ética tipifica como infração ética o descumprimento do dever de informação em três hipóteses: “Art. 6º Constitui infração ética: (...) II – deixar de esclarecer adequadamente os propósitos, riscos, custos e alternativas do tratamento; (...) VI – iniciar tratamento de menores sem autorização de seus responsáveis ou representantes legais, exceto em casos de urgência ou emergência; VII – desrespeitar ou permitir que seja desrespeitado o paciente;” Não resta dúvida de que o Código de Ética Odontológica prestigia os princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da Boa-fé Objetiva. Inclusive o Conselho Federal de Odontologia protege o cliente-consumidor contra eventuais abusos decorrentes de veiculação de anúncio, propaganda e publi- cidade, haja vista sua Resolução nº 71/2006, ao evidenciar a atual perspectiva 1 Código alterado pelo Regulamento nº 01, de 05 de junho de 1998, cujo texto se baseou no Relatório Final da I Conferência Nacional de Ética Odontológica realizada em Vitória-ES, pelo Conselho Federal e Conselhos Regionais de Odontologia em 1991. Disponível em: <http://www.cfo.org.br>. Acesso em: 13 dez. 2010. Revista Magister de Direito Empresarial Nº 38 – Abr-Maio/2011 – Doutrina58 da deontologia odontológica em plena sintonia com as exigências impostas pelo ordenamento jurídico no que tange ao respeito à pessoa. Observe-se decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul2: “AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. TRATAMENTO CIRÚRGICO BUCOMAXILOFACIAL. VIOLAÇÃO DA ÉTICA ODONTOLÓGICA. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (...) SERVIÇO DEFEITUOSO. VIO- LAÇÃO AO DEVER DE INFORMAÇÃO. DANO MORAL. LUCROS CESSANTES. SERVIÇO INADEQUADO. REEXECUÇÃO DO SER- VIÇO A EXPENSAS DO FORNECEDOR.” (Disponível em: <http:// www.stj.jus.br>. Acesso em: 15 dez. 2010.) Como se pode verificar, a decisão do aludido Tribunal admite existência de várias condutas indevidas, dentre as quais violação da ética odontológica, serviço defeituoso e violação do dever de informar. Além de se determinar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, há, ainda, a consequência de se exigir a reexecução da cirurgia por outro profissional, comas despesas a cargo do primeiro que prestou o serviço defeituoso. Percebe-se que a juris- prudência caminha na direção de uma reparação civil cada vez mais exigente, principalmente em relação ao descumprimento de dever de informar. 2.3 O Dever de Informar como Corolário do Direito à Informação O dever de informar estabelecido pela vigente ordem constitucional e pela dogmática do vigente Código Civil, assim como nas disposições do Código de Defesa do Consumidor, decorre diretamente dos princípios da Boa-fé Objetiva e da Transparência e, ainda, do direito que tem o consumidor de ser informado. Assim, no que respeita à informação, se por um lado há o dever de ser fornecida, prestada, por outro, há um direito de ser recebida. (NUNES, 2008, p. 52) Segundo Cavalieri Filho (2008a, p. 83-84), se há um direito básico do consumidor à informação, há, em contrapartida, um dever de informar, derivado da boa-fé objetiva, “que se traduz na cooperação, na lealdade, na transparência, na correção, na probidade e na confiança que devem existir nas relações de consumo”. Isso porque, na atual perspectiva do Direito Civil, como já assinalado, o cliente, de objeto da ciência, é alçado à qualidade de sujeito de direitos. 2 Acórdão da Apelação Cível nº 70006078000, Rel. Des. Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, j. 17.11.04. Doutrina – Revista Magister de Direito Empresarial Nº 38 – Abr-Maio/2011 59 Desse modo, no uso de sua autonomia existencial, passa a ter a faculdade de optar se deseja ou não se submeter a determinado tratamento ou cirurgia, devendo sua vontade ser respeitada pelo odontólogo. A proteção dessa esfera psicofísica encontra-se sob a tutela dos direitos da personalidade, que são aqueles decorrentes da proteção constitucional à dignidade da pessoa humana. Esclarece Rodrigues apud Kfouri Neto (2002, p. 81): “(...) ao lado dos deveres de tratar, de agir segundo a legis artis, de organizar o processo clínico e de observar o sigilo, na consecução do tratamento, o médico deve respeitar o cliente, dever este que se desdobra nos de informar; confirmar o esclarecimento; obter o consentimento.” Numa interpretação analógica, aplica-se o disposto ao odontólogo, que trabalha com o tratamento da saúde humana tanto quanto o médico, devendo respeitar o cliente nas três dimensões que esse respeito comporta, conforme citação supra. É indispensável que sejam conhecidos pelo cliente seu estado geral, a natureza, gravidade e extensão da enfermidade que o acomete, suas reais chances e possibilidades de cura, a multiplicidade de procedimentos aos quais poderá se submeter, os riscos a que será exposto, bem como as possí- veis consequências advindas do tratamento ou cirurgia. É necessário que as informações sejam prestadas de modo a torná-lo apto a fazer sua opção de maneira consciente e segura. Deve ainda ser dada oportunidade para perguntas e elucidação de eventuais dúvidas. Tais esclarecimentos devem ser fornecidos diretamente ao cliente, reco- nhecido como agente de sua própria vontade, capaz de exercer sua autonomia existencial, frise-se, através da liberdade de escolha que lhe é conferida. Sub- sidiariamente, os esclarecimentos deverão ser prestados ao responsável, nos casos de menoridade, incapacidade mental, ou quando o cliente se encontrar em estado de incapacidade capaz de comprometer a livre manifestação de sua vontade em razão de abalos de ordem emocional. Em seguida, o odontólogo precisa certificar-se de que a informação por ele fornecida foi entendida pelo cliente, em linguagem clara e objetiva, o suficiente para que tome livremente a decisão que melhor lhe convier. 2.4 O Dever de Aconselhar Cavalieri Filho (2008a, p. 84), com base na Lei nº 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor, assevera que, paralelo ao dever de informar, existe o de aconselhar, in verbis: Revista Magister de Direito Empresarial Nº 38 – Abr-Maio/2011 – Doutrina60 “Ressalte-se que o dever de informar tem graus que vão desde o dever de esclarecer, passando pelo dever de aconselhar, podendo chegar ao dever de advertir. É o que se extrai do próprio texto legal. No inciso III do art. 6º o Código fala em informação adequada e clara; no art. 8º, fala em informações necessárias e adequadas (...).” No mesmo sentido, Sebastião (ibidem) comenta que o dever para com o cliente vai muito além de informar, ultrapassando os limites de fornecer informações sobre possíveis riscos e chances de cura, abarcando a ideia de aconselhar sobre que opção deve ser por ele escolhida. Como profissional, o odontólogo tem uma visão muito mais ampla e profunda sobre o quadro clínico que se apresenta, quer por seus conhecimentos técnicos, quer por suas experiências profissionais. Tal compromisso encontra fundamento na boa-fé objetiva como princípio norteador do vigente diploma civil e no princípio da solidariedade consagrado na Carta Magna, pelo qual todos têm dever de cuidado em relação à saúde dos semelhantes (LANA; FIGUEIREDO, 2005, p. 36-37) – o que também se justifica pela proteção à vida, pois, ao se proteger a saúde, está-se, em última análise, a se tutelar a vida humana, já que atual- mente saúde é muito mais do que ausência de doenças, mas um completo bem-estar físico, mental e social (SEBASTIÃO, opus cit., p. 19). Acrescenta o aludido doutrinador: “Isto significa que o conceito de saúde extrapola o universo biológico individual para se inserir em contexto sociopolítico, com toda a complexidade daí decorrente”. O dever de conselho torna-se ainda mais relevante em face de situações de risco, como adverte Dias (2006, p. 337): “Quanto mais perigosa a inter- venção, tanto mais necessária a advertência do profissional, que responderá na medida em que calar ou atenuar os riscos do procedimento operatório ou do tratamento”. Pelo exposto, deve-se entender o dever de aconselhar como uma exten- são imprescindível do dever de informar, capaz de propiciar uma manifestação de consentimento muito mais segura por parte do cliente. 3 O Consentimento Informado Nas lições de Cavalieri Filho (2008a, p. 83-84), o dever de informar possui três requisitos: adequação (meios de informação compatíveis com os riscos); suficiência (completa e integral); e veracidade (informação completa e real). Comenta ainda: “Somente a informação adequada, suficiente e veraz, permite o consen- timento informado, pedra angular na apuração da responsabilidade do fornecedor. A informação, como já ressaltado, tem por finalidade dotar o Doutrina – Revista Magister de Direito Empresarial Nº 38 – Abr-Maio/2011 61 consumidor de elementos objetivos de realidade que lhe permitam conhe- cer produtos e serviços e exercer escolhas conscientes.” O relacionamento odontólogo-cliente deve ser construído sobre a confiança e a segurança, tendo o segundo a certeza de que o primeiro está a primar por honestidade e lisura em seu agir. Relacionamento que, segundo o professor Rosenvald (2007, p. 102-110), deve obedecer aos comandos da nova perspectiva dos direitos da personalidade, devendo ser edificado sobre a sólida base de proteção, lealdade e esclarecimento, funções dos deveres anexos de conduta da Boa-fé Objetiva. Acrescenta ainda que, em virtude do disposto no art. 15 do Código Civil, “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou intervenção cirúrgica”, a pessoa deve ter liberdade de escolha. 3.1 Conceito Consentimento, segundo o Dicionário Houaiss (2001, p. 807), “é o ato ou efeito de consentir; manifestação favorável a que alguém faça algo; licença; manifestação de que se aprova; anuência”. Para Guimarães (2006, p. 203), é “ato de consentir; acordo, por manifestação livre da vontade, com outras pessoas, para que se forme ato jurídico; assentimento prévio, aquiescência, consenso, autorização”. No caso específico da relaçãojurídica odontólogo-cliente, o consenti- mento é o ato pelo qual o segundo autoriza o primeiro a determinada atuação em sua esfera psicofísica, com o propósito de interferir positivamente, ob- jetivando melhorar suas condições de saúde. É o aval que o cliente concede ao odontólogo para a realização do procedimento terapêutico ou cirúrgico que, a seu ver, se faz necessário. Uma vez esclarecidas as possíveis dúvidas do cliente, o odontólogo obtém, então, o consentimento para proceder àquela determinada conduta. 3.2 Forma Segundo Souza (2008, p. 94-96), o consentimento informado pode ser apresentado de forma oral, escrita ou presumida. O referido autor salienta que a forma escrita é mais recomendável, do ponto de vista legal, pois apresenta um formato externo que permite o reconhecimento por outros interessados. Na prática, sempre haverá a conjugação desta com a forma oral, até pela com- plexidade da explanação de certas situações. Já o consentimento presumido precisa ser óbvio, fácil de constatar, que, se consultado, o cliente concordaria com a prática do ato. Revista Magister de Direito Empresarial Nº 38 – Abr-Maio/2011 – Doutrina62 A forma escrita de fato é muito mais segura e eficaz, uma vez que conterá detalhes da informação ao cliente e a manifestação de sua vontade no sentido de permitir a intervenção, tornando inequívocos o cumprimento do dever de informação e a anuência do cliente. Apresenta, ainda, a grande vantagem de conter as formalidades indispensáveis à hipótese de, mais tarde, o odontólogo ter que produzir prova em juízo. Nesse caso, o documento que materializa o consentimento torna-se uma poderosa prova pré-constituída, uma prova já obtida em momento anterior à necessidade que o processo impõe. Cumpre salientar que a forma escrita não prescinde da conjugação com a oralidade, uma vez que, ao solicitar a assinatura no Termo de Consentimento Informado, o odontólogo fará uma abordagem detalhada sobre o procedimen- to a ser adotado, explicando detalhes e esclarecendo sobre a perspectiva de sucesso e eventuais consequências e/ou efeitos colaterais, bem como advertir sobre os cuidados a serem tomados durante o tratamento. A forma verbal é usual, porém não oferece segurança àquele que for- neceu as informações exatamente por não haver nenhum documento capaz de comprovar o esclarecimento e consequente permissão para a intervenção. Por esse motivo, Kfouri Neto (2002, p. 300) salienta que, adotada essa mo- dalidade, é recomendável que o ato seja testemunhado, o que, ressalte-se, na prática dificulta porque as testemunhas serão pessoas ligadas por um vínculo ao cliente ou ao odontólogo, o que os torna suspeitos para testemunhar, fra- gilizando ou até mesmo invalidando a prova. Alguns doutrinadores indicam ainda a forma tácita, como aquela em que, pela situação fática, o odontólogo possa deduzir que, se submetido à escolha, o cliente escolheria exatamente aquela forma de intervenção, quer pela simplicidade do procedimento, quer pelo baixo custo se comparado a outro de semelhante ou igual resultado. Uma modalidade de consentimento não recomendável, já que não possibilita a manifestação de vontade do cliente. A linguagem utilizada para tal informação deve ser compatível com o grau de instrução do cliente, devendo ser o mais clara e objetiva possível. Cumpre destacar que o consentimento informado não descaracteriza a responsabilidade profissional por parte do odontólogo, nos casos em que este haja praticado conduta mediante culpa ou dolo, desde que desta decorra dano ao cliente. 3.3 O Termo de Consentimento Informado O vigente Código Civil, em seu art. 15, como já comentado, dispõe que ninguém pode ser obrigado a submeter-se com risco a tratamento ou cirurgia, Doutrina – Revista Magister de Direito Empresarial Nº 38 – Abr-Maio/2011 63 o que conduz ao raciocínio de que cabe à própria pessoa decidir sobre a pos- sível intervenção em sua esfera psicofísica. Decisão essa que somente poderá ser tomada mediante esclarecimento do odontólogo, a partir do qual o cliente autoriza a realização da conduta. Essa anuência do cliente, hoje indispensável à atuação profissional, é o chamado Termo de Consentimento Informado. Trata-se do formato escrito, materializando o assentimento do cliente à adoção de determinada técnica ou procedimento, mediante esclarecimento do odontólogo. Nada mais é do que um documento no qual o cliente declara ter sido devidamente informado e haver prestado seu consentimento para a prática de certa conduta ou modalidade terapêutica, ou mesmo intervenção cirúrgica, em seu próprio corpo, em sua esfera pessoal. Consiste em um documento autônomo e destacado do contrato de pres- tação de serviços em que são avençados os valores e as condições de pagamen- to, prestando-se somente às informações necessárias à atuação profissional. Deve conter, além dos detalhes do procedimento a ser realizado, a data em que foram fornecidas as informações, dia e hora marcados para a realização da intervenção terapêutica ou cirúrgica, a necessidade de um assistente conforme a complexidade do caso, bem como os procedimentos a serem utilizados. É indispensável que o contratante date e ponha sua assinatura no termo, sendo recomendável que se proceda ao reconhecimento de firma, quando se tratar de cliente desconhecido pelo odontólogo. Importante destacar que o Termo de Consentimento Informado é um documento que se presta a demonstrar que houve o esclarecimento e a posterior anuência do cliente para a adoção de certa técnica ou procedimento terapêutico ou cirúrgico. Quanto mais minucioso e detalhado o documento, mais seguro para o odontólogo, uma vez que poderá ganhar especial relevância quando admiti- do nos autos de um processo como prova pré-constituída, nas hipóteses em que o odontólogo precisar demonstrar em juízo não haver violado o dever de informação. Esclarece-se, porém, que o Termo de Consentimento Informado poderá apresentar efeito contrário, fazendo prova desfavorável ao odontólogo nos casos em que, através da análise do teor do documento, se possa identificar a existên- cia de erro quanto ao procedimento adotado ou falhas da própria informação. 4 A Relação Jurídica Odontólogo-Cliente A relação jurídica odontólogo-cliente é de natureza evidentemente contratual, pois, ao atendê-lo em seu consultório, acordando detalhes sobre Revista Magister de Direito Empresarial Nº 38 – Abr-Maio/2011 – Doutrina64 o tratamento ou cirurgia, tacitamente ambos estão assumindo postura com- patível com uma contratação. Estabelece-se, então, um liame, uma ligação entre ambos, gerando obrigações para ambas as partes, caracterizando o sinalagma contratual: por um lado, o odontólogo se compromete aceitando a obrigação de prestar o serviço; por outro, o cliente assume a obrigação de pagar o valor avençado. Nesse caso, qualquer das partes – ou ambas – pode exigir o cumprimento e a execução desse contrato, que será plenamente válido, independentemente de formalizá-lo em documento escrito, pelo princípio do consensualismo das formas que rege a prova em Direito Civil, já que tal contrato se aperfeiçoa com a simples manifestação de vontade, não exigindo a lei formalidade especial para sua realização. 4.1 Natureza Consumerista da Relação Jurídica Tais obrigações se amoldam ao conceito da relação jurídica consume- rista, assim entendida como aquela submetida, por óbvio, à disciplina da Lei nº 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor, que em seu art. 2º exige, como elementos caracterizadores dessa relação, um serviço a ser prestado e um acordo estabelecido entre duas partes contratantes: o odontólogo, como prestador de serviços, e a pessoa (cliente), como destinatário final deste ser- viço, portanto, consumidor. 4.2 Responsabilidade Civil Como já dito, excetuadas as hipóteses de atendimentosemergenciais, o odontólogo terá responsabilidade civil contratual, cujo cumprimento pode ser uma obrigação de meio ou obrigação de resultado. Enquanto desta se exige alcance de efeito satisfatório, desejado, para o adimplemento daquela exige-se apenas que o profissional empreenda todos os esforços na busca da consecução de resultado positivo. A maioria da doutrina entende que o odontólogo possui obrigação de meio, bastando zelo na realização das cirurgias e tratamentos, não se exigindo a efetiva cura. Porém, em relação às contratações que envolvam estética, tal obrigação será de resultado, exigindo-se o efeito desejado, como no caso de colocação de pivô ou feitura de uma jaqueta. (DINIZ, 2008, p. 324). No mesmo sentido, Gagliano e Pamplona Filho (2006, p. 224), in verbis: “Em nossa opinião, a atividade odontológica pode ser considerada de re- sultado, se tiver apenas fins estéticos. Entretanto, determinadas interven- ções para tratamento de patologias bucais deverão, por óbvias razões, ser enquadradas na categoria de ‘obrigações de meios’, dada a impossibilidade de garantir o restabelecimento completo do cliente.” Doutrina – Revista Magister de Direito Empresarial Nº 38 – Abr-Maio/2011 65 Terão os odontólogos, em decorrência da responsabilidade civil contra- tual que estabelecem com seus clientes, tendo em vista posição da doutrina amplamente majoritária, obrigação de meio, e não de resultado. Significa dizer que o profissional terá uma atuação isenta de culpa, não merecendo censura em sua conduta (o que afasta sua responsabilidade civil), se o contrato foi cumprido tendo ele se cercado de todas as cautelas, empreendendo todos os esforços para obtenção de resultado positivo, observando o dever de cuidado, ainda que não tenha alcançado o sucesso esperado. A responsabilidade civil do odontólogo, como profissional liberal que é, será subjetiva, isto é, condicionada à existência de culpa em seu atuar, o que equivale dizer que por suas condutas no exercício regular da atividade profissional, por seus atos e erros cometidos, será submetido à disciplina da Lei Federal nº 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor. Esta estabelece em seu art. 14, § 4º, que os profissionais liberais responderão civilmente, dependendo da análise e comprovação de culpa em seu agir. 5 Responsabilidade Civil Decorrente da Violação do Dever de Informar Sabe-se que a responsabilidade civil é uma obrigação sucessiva (CA- VALIERI FILHO, 2008b, p. 2)3, pois pressupõe o descumprimento de uma outra, reputada originária ou primária. Assim, a obrigação de reparar um dano somente pode ter origem a partir da violação de uma obrigação anterior. Nesse caso, nasce o direito à reparação (obrigação sucessiva) quando a violação do dever de informação (obrigação originária) causa dano ao cliente. No tocante à responsabilidade civil decorrente da violação do dever de informar, a doutrina pátria e a jurisprudência assinalam uma responsabilidade civil subjetiva, fundada na comprovação de culpa. A doutrina categoriza o descumprimento do dever de informação como conduta culposa, conforme atestam Kfouri Neto (2002, p. 297) e Cavalieri Filho (2008b, p. 377-378), no que é acompanhada pela jurisprudência4. A conduta culposa, assim entendida como aquela em que o agente, inobservando o dever de cuidado, se conduzindo de modo a merecer censura da sociedade, admite três modalidades: a imprudência, a imperícia e a negligência. A que interessa para efeitos do caso em comento é a última, a negligência, que se 3 Diz Cavalieri Filho, in verbis: “(...) toda conduta humana que, violando dever jurídico originário, causa prejuízo a outrem é fonte geradora de responsabilidade civil”. 4 REsp 436.827/SP, j. 01.10.02, 4ª T. do STJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar; Apelação Cível nº 70024182974, j. 24.09.08, TJRS. Revista Magister de Direito Empresarial Nº 38 – Abr-Maio/2011 – Doutrina66 caracteriza por uma omissão, especificamente, pela inobservância do dever de informar. Isso porque, ao deixar de informar, comete uma conduta culposa omissiva, faltando com o dever objetivo de cuidado que a lei estabelece. Ou seja, ele deixa de informar o que o ordenamento jurídico lhe impõe como obrigação, cometendo ato ilícito na forma do art. 186 do Código Civil: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Como nas demais situações em que se reconhece direito à reparação, é indispensável que se certifique presentes os pressupostos da responsabilidade civil: o ato ilícito, aqui caracterizado pela omissão de informação; o dano ex- perimentado pelo cliente, sem o qual não há de se falar em responsabilidade civil; a culpa, em sua modalidade negligência; e o nexo de causalidade, assim entendido como o liame capaz de ligar o dano à conduta de supressão do dever de informação. O Min. Ruy Rosado de Aguiar, em acórdão do Superior Tribunal de Justiça, na qualidade de relator, assenta que, nos casos mais graves, a ausên- cia do consentimento informado pode significar negligência no exercício profissional. Em artigo disponível em site jurídico, pode-se encontrar comentário da autora capaz de respaldar o que se tem apresentado: “ortodontista é condenado a indenizar cliente por falta de informação sobre cirurgia de maxilar (...) a cliente será ressarcida de todas as consultas que precisou realizar em busca de novos diagnósticos” – julgado pela 14ª Vara Cível de Brasília (YOSHIKAWA, 2008). Observe-se outro julgado do Superior Tribunal de Justiça, o Agravo de Instrumento nº 632.460/RJ, de processo em grau de recurso no Tribunal de Justiça/RJ (2004/0137668-1), decisão que fundamenta a reparação civil na prestação de serviço defeituoso e no descumprimento do dever de informar, 25.01.05, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior: “RESPONSABILIDADE CIVIL. PROFISSIONAL LIBERAL. ODON- TÓLOGO. RELAÇÃO DE CONSUMO. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO: considerando que coube ao odontólogo/réu a decisão sobre o tratamento a ser ministrado à autora, sua cliente, assumiu, em conse- quência, o risco do resultado. (...) Assim, não poderia a cliente continuar confiando no mesmo profissional, pois apesar de ter tido a oportunidade de melhor exame do trabalho a executar, manteve-o, dando causa ao re- sultado. Note-se que não referiu o réu à autora sobre a possibilidade de os Doutrina – Revista Magister de Direito Empresarial Nº 38 – Abr-Maio/2011 67 dentes definitivos caírem. Limitou-se a dizer-lhe que o trabalho não seria executado a contento, deixando de informá-la sobre os graves riscos do tratamento, logo, agindo com culpa.” (Disponível em: <http://www.stj. jus.br>. Acesso em: 16 dez. 2010.) Pode-se vislumbrar outro aspecto que amplia as hipóteses de incidên- cia da culpa, a partir do que comenta Lorenzetti apud Kfouri Neto (2002, p. 302), ao afirmar que a ausência de consentimento constitui, por si só, lesão autônoma, danosa e passível de indenização. Acrescenta, ainda, que a culpa surge não somente pela falta de informação, mas também pela informação incorreta (ibidem, p. 303), não se devendo esquecer que a informação incom- pleta também enseja responsabilidade civil. Importante salientar, ainda, que a ausência do consentimento informado gera para o odontólogo a obrigação de reparar, mesmo que o dano experi- mentado seja uma decorrência natural da prática ou procedimento eleito para aquele caso concreto. Para ele, profissional, certo resultado pode ser tido como previsível, natural e decorrente do tratamento ou cirurgia. Já para a pessoa, que não possui tais conhecimentos específicos, pode parecer absolutamente inesperado. Por esse motivo, deve ser ele informado das consequências e possíveis desdobramentos. Isso porque o odontólogo possui conhecimentos técnicose científicos capazes de prever situações e consequências que a pessoa sequer terá condições de vislumbrar não fosse a informação e o esclarecimento fornecidos de forma clara, objetiva e segura, como já se observou5. Saliente- se que é necessário que o odontólogo observe o grau de cultura da pessoa, seu nível socioeducacional, a fim de que a linguagem seja adequada ao seu entendimento. 6 Notas Conclusivas O dever de informar decorre diretamente do respeito à Dignidade da Pessoa Humana, que, mais que um princípio, se tornou um axioma norteador de todo o ordenamento jurídico. Desse princípio basilar e imprescindível, de- corre o da boa-fé objetiva e seus deveres anexos de informação, transparência, lealdade e proteção em relação à contraparte contratual. A pessoa, com atributos existenciais que somente aos humanos são inerentes, passa de objeto da ciência a sujeito capaz de decidir, no uso de sua autonomia existencial, sobre seu destino. Conquista a faculdade de prestar ou 5 Exemplo que melhor ilustra tais considerações é o julgado da Apelação Cível nº 20.632/99 do TJRJ, Rel. Des. Roberto Wider (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 378). Revista Magister de Direito Empresarial Nº 38 – Abr-Maio/2011 – Doutrina68 não o seu consentimento para qualquer intervenção cirúrgica ou terapêutica em sua esfera psicofísica. O odontólogo, compreendendo a nova perspectiva dos direitos da personalidade, deve explicar minuciosamente ao seu cliente qual o proce- dimento indicado para seu caso e, após esclarecer possíveis dúvidas, extrair seu consentimento para a prática deste. Alguns doutrinadores vão além, asseverando que o profissional tem, além do dever de informação, também o de aconselhamento sobre qual é o melhor procedimento a ser escolhido, tomando-se por base sua experiência profissional e os princípios da boa-fé objetiva e da solidariedade, que de todos os cidadãos exige o dever de zelar pela saúde e bem-estar do seu próximo. Nessa perspectiva, a deontologia odontológica, caminhando em plena sintonia com as garantias constitucionais conferidas ao cliente, na qualidade de pessoa e de consumidor, cuida estabelecer no Código de Ética Odontológica normatização referente ao dever de informação e outras que materializam o respeito à sua condição de pessoa e à sua dignidade. Assim, a violação do dever de informar importa ao odontólogo, além de infrações funcionais em decorrência do desrespeito ao Código de Ética, a responsabilização civil por danos experimentados pelo cliente. Segundo a dou- trina, tal descumprimento enseja responsabilidade subjetiva, reconhecendo- se culpa na modalidade negligência, evidenciada por um não fazer, por uma omissão, caracterizada pela ausência de informação imposta pelo ordenamento jurídico e não fornecida pelo odontólogo. Desse modo, comprovada a conduta do odontólogo, o dano, o liame entre esse e aquela e a culpa decorrente da ausência de informação, estão presentes os pressupostos hábeis a conduzi-lo à obrigação de reparar o dano experimentado pelo cliente. Tem-se ainda que a informação deve ser detalha- da, ampla e correta, de forma a proporcionar ao cliente segurança ao prestar seu consentimento. Vale dizer, ainda, que o odontólogo pode vir a responder civilmente não só pela ausência de informação, mas quando esta fornecida de modo incorreto ou insuficiente. Por derradeiro, cumpre destacar a importância do Termo de Consen- timento Informado como prova pré-constituída para uma futura demanda judicial, caso em que se torna poderoso instrumento de defesa do odontólogo, razão pela qual se aconselha, para sua maior segurança, adotar a forma escrita de obtenção do consentimento, sem prejuízo de todos os esclarecimentos verbais que se fizerem necessários. Doutrina – Revista Magister de Direito Empresarial Nº 38 – Abr-Maio/2011 69 TITLE: Informed consent – aspects of the legal relationship between dentist-customer under the focus of the civil liability and the Consumer Law. ABSTRACT: From the movement of repersonification or recovery of the person as a result of the Constitutional Principle of Human Dignity, the liberal professional will adopt in relation to his client, conduct that enforce the respect to his existential autonomy, since the same crossed the line of a mere spectator in his sphere of psycho-physical interventions, achieving the quality of subject, able to influence the professional practice through his right to refer the decision on whether or not a certain treatment or surgical intervention, the reason he is going to treat him as a customer – and no longer patient – in order to highlight the quality of staff of his own choices. For the decision to be safe and aware, the dentist needs to inform the person about his condition and his real possibilities, to then extract his consent to action in his personal sphere. The aim of this paper is to demonstrate the importance of informed consent as an effective instrument to rule out the civil liability arising from the duty to inform. KEYWORDS: Self-Determination of the Person. Consumer Transaction. Duty to Inform. Violation. Referências BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais – o princípio da dignidade da pessoa humana. 2. ed. São Paulo: Renovar, 2008. 380p. CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008a. 345p. ______. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2008b. 577p. DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. 1.148p. DINIZ, Maria Helena. Responsabilidade civil. v. 7. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 692p. GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário técnico jurídico. São Paulo: Ridel, 2006. 554p. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de Direito Civil. Responsabilidade Civil. 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